A adoção do controle judicial de constitucionalidade é um dos principais instrumentos de fiscalização dos modernos Estados Constitucionais democráticos, para garantir a positiva obediência e concretização dos comandos normativos constitucionais. É o cumprimento da Carta Magna que garante efetivamente a dinamização de sua força normativa.

Nesse sentido, a jurisdição constitucional é de suma importância no desenvolvimento da Constituição, há quem até mencione que a Constituição fora inventada pela jurisdição constitucional (José Adércio Leite Sampaio[1]).

Acreditamos que o Judiciário deve se manter afastado da política, porém, deve igualmente atuar em casos excepcionais garantindo os direitos constitucionais essenciais e peculiares ao Estado Democrático de Direito.

Importante ressaltar que a garantia dos direitos fundamentais básicos da pessoa, mesmo contra eventuais maiorias, já legitimaria plenamente a jurisdição constitucional. O modelo substancialista, ressalvado sempre o problema de fundamento da Constituição, que não pode ser entendida como categoria ou hipótese, preferindo entendê-la como um paradoxo, segundo aponta Lenio Streck e trabalha na perspectiva de que a Constituição estabelece as condições de agir político-estatal, a partir do pressuposto de que a Constituição é a explicitação do contrato social (entendido como paradigma hermenêutico e, não, como ponto de partida congelado.

 

Tanto as Constituições atuais como o Bill of Rights[2] se ergueram na proteção das pessoas e grupos contra as decisões da maioria que sejam aniquiladoras dos direitos fundamentais das minorias[3].

A legislação brasileira raramente usa o termo "minorias" para caracterizar a situação de vulnerabilidade de grupos minoritários no país. Entretanto, na própria Constituição brasileira vigente, em outras leis infraconstitucionais são encontrados dispositivos que colaboram para que os direitos fundamentais das minorias brasileiras, de modo geral, sejam assegurados. Ex vi o artigo 215 da CF/1988, seu primeiro parágrafo, o artigo 216 e, ainda a Lei 2.889/1956 (que busca prevenir o genocídio, colabora para a proteção das minorias, que são as maiores vítimas desse crime.

Estabelece punições para aquele que com intenção de destruir no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) Matar membros do grupo; b) Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial ; d) Adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Efetuar a transferência forçada de crianças de um grupo para outro grupo.

A Lei 7.716/1989, essa lei estabelece punições para crimes resultantes de discriminação relacionada a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Alguns dos crimes são: impedir acesso a serviços públicos, negar contratação, impedir acesso a cargos públicos, deixar de atender cliente, impedir acesso a transportes públicos, entre outros, por motivo de discriminação já citados. Como já foi comentado, as minorias são alvos de discriminação e preconceito, portanto, ao buscar punir esses crimes, o Estado protege os grupos minoritários.

Apesar de ainda termos um longo caminho em direção à efetivação dos direitos das minorias no Brasil, algumas políticas públicas com esse propósito já foram realizadas no país, visando à proteção de grupos minoritários específicos. Alguns exemplos são:

As ações afirmativas para o acesso ao ensino superior, que possibilitam uma menor desigualdade de oportunidades a negros, grupos étnicos e sociais minoritários;

O Programa Nacional de Reforma Agrária, que, dentre outras ações, garantiu direitos mais amplos às mulheres na titulação da terra, que passaram a ter preferência no recebimento dos lotes; As ações afirmativas para maior participação feminina na política, estabelecendo, por exemplo, a porcentagem mínima de 30% para candidaturas femininas em cada partido; As ações afirmativas que asseguram 20% dos cargos públicos a pessoas portadoras de deficiência; Leis que propõem viabilizar o livre acesso de pessoas com deficiência a edificações e vias públicas;

As ações para reconhecimento da união entre casais homoafetivos, dentre elas: a Resolução número 175/2013 da CNJ, que passou a permitir o casamento civil entre casais do mesmo sexo e a aprovação recente, pela CCJ, do projeto de lei que reconhece sua união civil, garantindo inclusive os direitos civis de sucessão ao companheiro. O projeto segue em trâmite no Congresso.

Enfim, é o constitucionalismo dirigente que ingressa nos ordenamentos dos países após a segunda guerra mundial. Inexorável é que com a positivação dos direitos sociais fundamentais, o Poder Judiciário (especialmente a justiça constitucional) passe a ter absoluta relevância, principalmente, quanto à jurisdição constitucional.

O substancialismo de Dworkin também é tratado como leitura moral da Constituição. E, tal conjunto de direitos ou princípios morais fundamentais seria variável, no tempo e no espaço, o que diferencia a leitura moral de Dworkin da visão moralista (real moralism).

O neopragmatismo defende que o importante é assegurar, através de decisões, o melhor resultado prático independentemente do texto ou valores constitucionais.

Trata-se de uma versão da interpretação constitucional que tem por fim, as melhores consequências práticas, o que é variável a depender do contexto. Consolida-se uma orientação utilitarista, na qual a maior preocupação não é a defesa de valores abstratos, mas sim, de soluções para problemas concretos e práticos.

 

O direito constitucional funciona, como instrumento na busca de melhor solução prática, e não instrumento de defesa de valores absolutos, metafísico e irreais.

Richard Posner indica três características fundamentais do pragmatismo, a saber: 1. Desconfiança em relação às entidades metafísicas (realidade, verdade, ilusão etc.) vistas como certezas sejam na epistemologia, ética ou política; 2. As proposições devem ser insistentemente testadas em razão de suas consequências, pela diferença que acarretam; 3. Julgar nossos projetos, sejam estes científicos, éticos, políticos ou legais, pela sua conformidade social ou outras necessidades humanas e, não por critérios objetivos e impessoais.

Toda pragmatismo pode ser resumido na célebre frase: “Il fine giustifica i mezzi”. O fim justifica o meio é uma frase proferida pelo poeta romano Ovídio na sua obra Heroides. Erroneamente é atribuída à Maquiavel, significando que os governantes devem estar acima da ética dominante para aumentar ou manter seu poder.

A afirmação seria também oposta à doutrina cristã que afirma exatamente o contrário pois não se pode justificar uma ação má, com a boa intenção. Portanto, o fim não justifica os meios.

A análise proposta pelo presente texto, traz à baila três sistemas dentro de expressão mundial, sendo estes, a saber: o sistema alemão, o sistema português e o sistema norte-americano.

Nos dois primeiros, adota-se o modelo kelseniano, de tribunais ad hoc, ou seja, o controle de constitucionalidade se dá de forma concentrada, porém, existe a possibilidade de a questão constitucional ser suscitada de forma incidental. Afirma-se que a tendência moderna é para uma mescla entre os sistemas, formas e modelos de controle e, o grande exemplo disso, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.

O sistema norte-americano é o clássico, e a constitucionalidade permanece sendo um incidente dentro do processo e de competência de todos os órgãos do judiciário (sistema difuso/incidental).

Já o sistema alemão abriga uma jurisdição constitucional que está investida no Bundesverfassungsgericht, criado em 1951, e dos tribunais constitucionais dos Länder.

 

Ao Tribunal Constitucional Federal compete julgar os casos em que a violação for da Lei Fundamental (Verfassung); aos Tribunais dos Länder (Estados federados) competem julgar os casos de violação da Constituição Estadual, a fiscalização é sempre sucessiva, com exceção estabelecida pela jurisprudência dos casos de aprovação de tratados, em que a constitucionalidade dos mesmos pode ser objeto de controle antes de entrarem em vigência.

 

O controle de constitucionalidade na Alemanha é caracterizado por adotar o modelo concentrado/principal. Porém, existe expressa no art. 100 da Lei Fundamental para o caso de o Tribunal considerar inconstitucional uma lei de cuja validade dependa decisão, terá que suspender o processo e submeter a questão à decisão do Tribunal do Estado, quando se tratar de violação da Constituição de um Estado, e ao Tribunal Constitucional Federal se violação for da Lei Fundamental (controle concreto/incidental).

 

Convém alertar que não existe, atualmente, em nenhum ordenamento jurídico de Constituição rígida quem negue a legitimidade e mesmo a necessidade de um controle de constitucionalidade das leis. E, como afirmou Georges Burdeau[4] (Traité des Sciences Politiques, tomo IV, p.367)"de procurar os meios de obrigar os governos a respeitar o estatuto de suas funções, a usar de seu poder de acordo com os procedimentos previstos pela Constituição, a orientar a vida do país consoante a ideia de direito que eles se comprometeram a respeitar e de onde, em última análise, procede sua autoridade. Em suma, é preciso assegurar a subordinação das leis ordinárias à Constituição, sem o que o cidadão ficará ao talante do administrador que, arbitrariamente, editará normas injustas e contrárias ao direito".

 

É sabido que o controle de constitucionalidade das leis é aceito tranquilamente por todos os ordenamentos jurídicos de constituição rígida, ainda que variem em suas formas e sistemas.

 

O fundamento do controle de constitucionalidade repousa no princípio da supremacia constitucional. E, na Alemanha, é a Lei Fundamental que se situa no vértice da pirâmide jurídica e a estabilidade social é a sua maior meta.

 

Todos os atos contrários à Constituição são nulos. E, se a nulidade é certa, é preciso constatá-la. Seria, porém, temerário confiar somente ao próprio legislador, a verificação dessa irregularidade. Por essa razão é que se faz mister que intervenha um terceiro órgão, capaz de denunciar a inconstitucionalidade e, ainda, de impedir, ao menos, que a lei produza efeitos. Daí, a relevância do controle a posteriori praticado sempre por órgão diverso do que legislou. (...)

 

 

 

Burdeau referiu-se igualmente ao controle, como meio de garantir a ideia de direito, especialmente, quando se tratar de constituição flexível ou costumeira. Em verdade, a razão de ser da Constituição, é expor, em termos claros e induvidosos, diretrizes incluídas na ideia de direito. Em resumo, a Constituição é a ideia de direito no que este tem absolutamente indiscutível. Nestas condições, não se concebe que títulos autorizariam o legislador a desconhecer suas disposições.

 

Em sendo movediço e elástico tal critério, afirma-se que se torna discricionário, arbitrário e, insustentável. E, sendo na prática inviável. A ideia de droit tão preconizada por Burdeau é algo abstrato, indefinido e subjetivo, podendo conduzir o controlador da constitucionalidade à decisões arbitrárias e injurídicas em nome deste princípio.

 

Noticiou Sahid Maluf que existe o controle preventivo exercido em alguns países, tais como Irlanda, Síria e Colômbia (In: Curso de Direito Constitucional, volume II, 5ª edição, São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, p. 46). Realmente, a Constituição da Irlanda, de 1.07.1937 estatui, em seu artigo 26: "

" Aplica-se este artigo a todo projeto de lei aprovado ou em vias de aprovação pelas duas câmaras do Oireachtas, a menos que se trate de projeto financeiro ou de projeto qualificado, contendo emenda à Constituição ou de um projeto, cujo prazo para exame no "Senad Eireann" tiver sido regulado pelo artigo 24 da presente Constituição. §1º O Presidente da Irlanda poderá, depois de ter consultado o Conselho de Estado, enviar qualquer projeto, ao qual se aplica o presente artigo, à Suprema Corte para que ela decida se o mencionado projeto ou uma ou várias disposições especificadas são contrárias a esta Constituição ou a alguma de suas disposições.

 

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181213/000369545.pdf?sequence=3&isAllowed=y

 

 


[1] Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Sua Obra intitulada "A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional", publicada em 2002. A Constituição seria a mesma sem a jurisdição constitucional? Provavelmente não. Essa é a conclusão a que chega o autor, após analisar a teoria constitucional e os sistemas jurídicos de vários países. Com os mecanismos jurisdicionais, a Constituição ganhou força normativa e se transformou num dos principais instrumentos de legitimidade e conformação política e social. Inventada pelos Modernos, ela teria sido” reinventada” pela jurisdição-em seu sentido e alcance. O autor, num profundo estudo de direito comprado, examina os antecedentes da jurisdição constitucional, seu surgimento e sua evolução, registrando as diversas formas, estruturas e competências que assume hoje.

[2] A Declaração de Direitos de 1689 (também conhecida por sua forma estatutária: Bill of Rights of 1689) foi um documento elaborado pelo Convention Parliament, formado após a fuga de Jaime II diante da chegada das tropas de Guilherme III em território britânico, no momento que ficou conhecido como Revolução Gloriosa. Jaime II vinha tentando expandir a fé católica em seu reinado, o que não agradava os aristocratas anglicanos da Inglaterra. Sendo assim, no início de 1688 foi tramada uma conspiração contra Jaime. Guilherme III (chefe de estado da Holanda) foi “convidado a invadir” a ilha inglesa. A Declaração, em essência, propõe limitações as ações da Coroa perante o Parlamento e a definição da sucessão da Coroa. Entre as limitações, pode-se destacar a cobrança de impostos sem o consentimento parlamentar, não podendo interferir nas eleições parlamentares e a suspensão de leis sem a anuência parlamentar. Após sua elaboração, o documento foi entregue a Guilherme e Maria II (filha protestante de Jaime II), que aceitam os termos da declaração, sendo assim coroados rei e rainha. Pode-se dizer que Guilherme foi o primeiro rei “eleito” da Inglaterra. Este documento é considerado um dos pilares do sistema constitucional do Reino Unido que estabelece limites aos poderes do monarca e declara os direitos do Parlamento, incluindo regular deliberação parlamentar, eleições livres e liberdade de expressão no Parlamento. O Bill of Rights é o primeiro documento oficial que garante a participação popular, por meio de representantes parlamentares, na criação e cobrança de tributos, sob pena de ilegalidade, vedando, ainda, a instituição de impostos excessivos e de punições cruéis e incomuns

[3] Os direitos humanos, como direitos fundamentais, devem ser considerados pela legislação de uma nação e garantidos a todos os indivíduos. No caso das minorias, tal consideração é especialmente importante, posto que se trata de grupos já discriminados e tratados de modo desigual pela parte maioritária. Assim, é imprescindível que a democracia não considere somente o princípio da maioria, mas também princípios de justiça social, concedendo espaços de fala para as minorias e realizando leis e políticas públicas que atendam aos seus interesses e necessidades, mesmo que estes não correspondam aos desejos da maior parte da população. Ao agir desse modo, o Estado colabora para a diminuição da discriminação contra esses grupos minoritários e garante que toda sua população seja contemplada com direitos fundamentais, como estabelecido na Constituição Brasileira. Não só no âmbito nacional há preocupação com os direitos das minorias. Há uma variedade de Pactos, Declarações e Convenções internacionais que tratam dos direitos desses grupos. Citando alguns instrumentos da ONU (Organização das Nações Unidas) para ilustrar os instrumentos internacionais existentes sobre o assunto, a saber: Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: dispõe que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”, assim estabelecendo a igualdade formal e os direitos fundamentais para todas as pessoas;  Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948: apesar de não citar diretamente a proteção a grupos minoritários, entende-se que, historicamente, foram eles os mais afetados por ações de extermínio e genocídio. Assim, a Convenção representou um grande avanço na proteção dessas populações; Convenção da UNESCO para Eliminação da Discriminação na Educação, de 1960: dispõe que os membros das minorias nacionais devem ter o direito de exercer as atividades educativas que lhe sejam próprias, inclusive o uso ou ensino de sua própria língua, garantindo a preservação de sua cultura; Declaração dos Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, de 1992: dispõe que “Pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas têm o direito  de desfrutar de sua própria cultura, de professar e praticar sua própria religião, de fazer uso de seu idioma próprio, em ambientes privados ou públicos, livremente e sem interferência de nenhuma forma de discriminação”, colaborando para a garantia dos direitos de minorias étnicas, religiosas e linguísticas.

[4] Foi um cientista político francês e professor de direito público. É doutrinador e autor de diversas obras na área de direito constitucional e de ciência política, como o Traité de Science Politique e Écrits de droit constitutionnel e de science politique, c2011: p. 4 da capa (Georges Burdeau, 1905-1988).

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 23/09/2022
Código do texto: T7612652
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