A REVOLUÇÃO EDUCACIONAL DO SÉCULO XXI À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Por Ramon Bismarck

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar, discutir e avaliar a evolução dos panoramas educacionais brasileiros estruturados após a Constituição Federal de 1988, trazendo à baila os princípios constitucionais da liberdade de ensino e do pluralismo de ideias em contraste com os fundamentos do conservadorismo social, amparados pela religião, censura e tradicionalismo familiar. O foco da pesquisa é esmiuçar as consequências dessa polarização e como tais conceitos têm reverberado no senso crítico da sociedade e revitalizado os paradigmas do instituto da democracia que reproduz o cenário do que hoje se empreende como Revolução Educacional do Século XXI.

1. INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, amplamente chamada de “Constituição Cidadã”, o ordenamento jurídico deu uma guinada no que tange os direitos sociais e fundamentais, garantindo liberdades civis e os deveres do Estado, entre esses direitos assegurados está o da EDUCAÇÃO, faz-se necessário pôr em letras garrafais com claro objetivo de enaltecer sua importância e asseverar sua previsão na Lei Maior. O Direito à Educação aparece no Artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil com seguinte teor: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” , quer seja, direito de todos e dever do Estado, família e sociedade.

Nessa esteira, quando tratamos de educação, tratamos de desenvolvimento, por conseguinte, de cultura, ideologia e grupos sociais, e, portanto somos direcionados a uma das mais importantes discussões do nosso cenário nacional: o ensino de gênero, sexualidade e relações raciais nas escolas do país. Tais temas, amplamente disseminados pelas redes sociais e engendrado pelo rápido acesso às informações, quer por fontes confiáveis, quer duvidosas, se tornou um divisor de opiniões de modo espantoso, e isso se deve tão somente a uma gama de conceitos tradicionais, doutrinários e religiosos que, por tanto tempo irredutíveis, se valerem de seu objeto “aprendizagem infantil” sob duas premissas: a primeira, o ambiente familiar, propiciador dos aspectos psicológicos, estruturais, sociais e sexuais e a segunda, o ambiente escolar, na incumbência de desenvolver os aspectos físicos e intelectuais da criança.

Devemos conceber a ideia que esse modus operandi parte do princípio da aprendizagem infantil como força motriz para a exteriorização do ser humano futuro, e isso denota que a relação família-escola é extremamente fundamental para o desenvolvimento da criança como ser crítico e social. Contudo, não podemos nos furtar da radical transformação que temos vivenciado dia após dia, concernente às lutas de classe, os novos conceitos políticos e ideológicos que urgem principalmente entre jovens de universidades públicas, a deflagrante corrupção sistêmica dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, sobretudo a conquista de novos direitos, principalmente entre as mulheres e homossexuais. Esses exemplos e tantos outros são o estopim para o que podemos chamar de “Revolução Educacional do Século XXI”, conceito que produz um ambiente de conflitos entre diversos educadores e doutrinadores a respeito do excesso de informações, da participação ativa do povo na mudança de velhas políticas sociais e educacionais e do ainda arraigado conservadorismo familiar. Devemos levar em consideração que os princípios constitucionais da educação são direitos previstos como cláusulas pétreas na Carta Magna, portanto imutáveis, cujo propósito é justamente servir à proteção e à defesa dos educadores, estudantes e escolas contra ameaças que possam sofrer.

Dentro desse entendimento, essa pesquisa tem como objeto de estudo traçar um perfil histórico da sociedade ante o conceito de educação e

reverberar os estigmas sociais que moldaram a Revolução Educacional do século XXI, o qual subsiste por anos de censura e imposições geridas no seio do conservadorismo familiar. A substância argumentativa é amparada na Constituição Federal de 1988 e prioriza o direito à participação de famílias, educadores, estudantes e movimentos sociais nos debates e, quando for o caso, nas decisões que impactam a vida escolar e os direitos de liberdade e pluralismo de ideias, que de tão importantes para o funcionamento da sociedade democrática não estão e não devem estar sob deliberação, devendo simplesmente ser respeitados por todos e assegurados pelo Estado.

2. A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E A SUBVERSIVIDADE DA DEMOCRACIA

No dia 22 de Setembro de 1988 após longos 19 meses de debate, era aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte a Constituição da República Federativa do Brasil, o maior símbolo de democratização e estabilidade política, após 21 anos de vigência do regime militar no país. O texto era composto, originalmente, por 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos, sendo uma das mais extensas constituições escritas. A Carta Magna viera como a promessa de um futuro recheado de paz, esperança e democracia, representando a afirmação, naquele momento, dos direitos individuais do cidadão e dos direitos sociais, que, a propósito, vêm antes mesmo da estruturação do Estado.

“A Constituição é a norma fundamental de um Estado e todas as normas infraconstitucionais6 devem estar em conformidade com seus preceitos na busca de sua concretização” (Barroso, 2013, p.387).

Ainda nos anos 80, alguns dos principais juristas e educadores nacionais discutiam as parcas políticas sociais e educacionais que pairavam a nação, um conflito sem solução que se arrastava há décadas e que ainda atingia níveis extremamente precários durante o regime militar, principalmente nas camadas de maior baixa renda do país. Para se ter uma ideia, em meados do século XX, mais especificamente até 1970, o Brasil apresentava os índices de retenção mais elevados em relação a outros países da América Latina: 57,4% na passagem da 1ª para a 2ª série do ensino fundamental. Estudos realizados pela UNESCO mostravam, à época, que 30% de reprovações acarretavam um acréscimo de 43% no orçamento dos sistemas de ensino, paralelamente, o fenômeno das perdas ocasionadas pelas recorrentes repetências e pela evasão escolar atingia proporções consideráveis no país: de cada 100 crianças matriculadas na 1ª série, apenas 16 concluíam as quatro séries do ensino primário após os quatro anos propostos para a sua duração, em miúdos, não bastasse os lucros obtidos pela gestão privada com as reprovações e o atendimento à satisfação das necessidades da elite contemporânea, o estrangulamento de ensino se pautava numa estrutura tradicionalista, quer seja, a valorização exagerada da burocracia, o autoritarismo nas relações entre discentes e docentes, onde o professor prevalecia-se no papel central e reduzia o aluno a mero expectador que assumia passivamente seu processo de ensino, valorização da memorização de informações, retenção e evasão de alunos, exclusão social das crianças oriundas de classes inferiores.

Acreditava-se que a falta de aporte público nos anos 50, 60, e meados de 70 já era o prenúncio de uma herança maldita que levaria décadas para ser solucionada, mas já nos primeiros vestígios de democracia e, mais tardar com a propulsão da Constituição de 1988, reverberavam amplamente os manifestos populares e doutrinários para solucionar, de maneira efetiva, a ineficiência da distribuição de conhecimento aos mais pobres e os mecanismos de instrução, que, como já mencionado, perdurava num inflexível sistema burocratizado, autoritário, insensível e acrítico. Nesse ínterim absorvíamos a implementação de medidas como o ensino em ciclos e o regime de progressão continuada nos estados brasileiros, no entanto, o governo, já cedente aos apelos populares, preocupava-se com outra impertinente complicação, quiçá a maior e mais indigesta de todas: o analfabetismo brasileiro.

De acordo com informações expedidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil alcançava, até os anos 2000, a 73° posição de países com maior índice de analfabetos a partir dos 15 anos.

Enquanto a administração pública buscava mecanismos de reduzir o número do analfabetismo, os anos se passavam e, ao contrário do que se pensa, foram necessários longos anos de discussão e resistência para que as mudanças advindas com a nova Constituição fossem consolidadas, aos poucos, aquela “cultura” resignada da busca pelos direitos foi ganhando força em basicamente todos os setores, entre eles, os Caras Pintadas, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), dos Metalúrgicos e o Mulheres em Luta, que envolviam mulheres trabalhadoras, estudantes, negras, indígenas e a comunidade LGBT, e também alguns dos quais já existiam e passaram a obter mais força e adeptos, como os movimentos estudantis, dos negros e dos indígenas. Tal alteração, e porque não dizer, subversividade, encontra-se respaldo no entendimento de José Armando Valente (1999, p. 31), onde as mudanças implicam profundas alterações em praticamente todos os segmentos da nossa sociedade, afetando a maneira como atuamos e pensamos.

Subversão, do termo latino subversione, é uma revolta contra a ordem social, política e econômica estabelecida e vigente, podendo manifestar-se tanto sob a forma de uma oposição aberta e declarada, como sob a forma de uma oposição sutil e prolongada. O contexto que propomos nesse estudo vem referendar como o advento da democracia, juntamente com a Constituição Federal, se tornou um elemento de extrema afronta ao sistema estabelecido, noutras palavras, num momento vivíamos às margens de um regime militar, no outro podíamos propagar abertamente nossa ideias e opiniões, e mesmo que as mudanças fossem acontecendo de maneira paulatina, era perceptível a progressão, e nesse fluxo constante de aquisição de direitos foram se estabelecendo os conflitos. Foram se estabelecendo as críticas. E por fim, estabeleceu-se a subversão, cunhado não no conceito de crime, conforme prediz a Lei 1.802/53, mas amparado na forma de uma revolta generalizada que tenderia a acontecer em qualquer país de conceito emergente.

E nesse diapasão, o pilar da democracia sustentava-se no Artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil, onde a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados se constituíam direitos sociais, ou seja, para todos em igualdade sem distinção de raça, gênero, cor, credo, faixa etária e opção sexual.

Esse boom fomentado pelo avanço da democracia e a aplicação desmedida e irregular das políticas públicas foi suficiente para gerar um ambiente propício a uma gama de conflitos ideológicos, étnicos, econômicos e religiosos, respaldamo-nos nas palavras de Darcy Ribeiro:

"A estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classes chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural. (RIBEIRO, 1995, p. 12) "

Eis que desaguávamos numa colérica onda de histeria coletiva, garantindo a exploração massiva por parte de uma gama de “líderes”, de diferentes grupos, partidos e camadas sociais, que na constância de suas liberdades de expressão e multiplicidade de ideias, tomavam para si a defesa de ideologias quer esquerdistas, quer direitistas e dividiram por completo as opiniões do povo brasileiro, alcançando e maculando, inclusive, a intocável redoma dos três poderes da União.

A violação do senso de democracia vem asseverando um debate acirrado sobre os direitos fundamentais assegurados na Constituição de 1988 e propiciando ao cidadão brasileiro, na qualidade de porta voz desse movimento de defesa, elaborar estratégias legítimas para sua efetivação, tais ações e inquietações ensejaram precedentes para um desenvolvimento cultural e educacional que culminaram no que hoje podemos classificar como Revolução Educacional do Século XXI, num reflexo expressivo de liberdade versus censura.

3. A REVOLUÇÃO EDUCACIONAL DO SÉCULO XXI

Inegavelmente o país tem vivido uma verdadeira revolução tecnológica e consequentemente cultural, em meio a tantas transformações, os profissionais da Educação se deparam com uma verdadeira discrepância entre a evolução e o retrocesso. Como é sabido, ao longo da história educacional, o Brasil passou por diversas modificações em seu contexto social, intelectual e político. Gentili (1997, p. 115) lembra que: “O discurso da qualidade referente ao campo educacional começou a desenvolver-se em fins da década de 80 como contraface do discurso da democratização”.

A efetividade para tratar uma das questões mais sérias em relação ao desenvolvimento dessa nação, o analfabetismo, vem em decorrência da universalização do ensino fundamental que se realizou no Brasil, onde desde o início dos anos de 1990 estava logrando um avanço lento, mas de forma determinada em direção à criação de sistemas específicos para avaliação da educação, em outras palavras, as instituições se viram envolvidas com a responsabilidade de promover a aprendizagem de todos os alunos, independentemente da origem social e das condições culturais ou financeiras das famílias, legalmente obrigadas a matricular os filhos. Segundos dados divulgados pelo IBGE (referentes ao censo de Junho de 2019) o índice de analfabetismo do país despencou para 11,3 milhões entre pessoas acima dos 15 anos, uma taxa de cerca de 6.8%.

A porcentagem ainda não alcança a meta do Plano Nacional de Educação, mas o intento é erradicar esse problema de uma vez por todas até, pelo menos, o ano de 202414. Tem-se que:

"[...] foi preciso treinar os professores, facilitar o acesso do aluno aos livros didáticos, criar parâmetros curriculares, implantar ciclos de progressão continuada e, principalmente, inserir a avaliação externa. Essa e o credenciamento passaram a ser políticas de primeira ordem, conduzidas pela filosofia do controle da qualidade como forma de gerar competências, rendidas pelo argumento do custo-benefício da escola, pelo accountability ou prestação de contas à sociedade, pela necessidade de controle dos dados de repetência, evasão, exclusão etc. A permanência do aluno dentro do sistema escolar passou a ser considerada em si mesma uma vitória e a educação, além de direito básico começou a ser entendida também como uma prestação de serviços pelo Estado à população." (MARCHELLI, 2010, p. 2)

Nesse ínterim, a crescente educacional encontrou diversos outros óbices intrinsecamente ligados à relação do alunato e a sociedade a sua volta, em outras palavras, problemas familiares e fatores psicológicos que influenciavam diretamente no aprendizado do discente eram até então vistos como meras indisposições, tão banais que poderiam ser solucionados por meios metodológicos mais atrativos e que permitissem ao aluno querer estar em sala de aula. Mas não era tão simples assim. Tais questões de ordem familiar e social já se faziam presente durante todo o contexto pedagógico brasileiro, mas, de certo, nunca foram tão concretos com a chegada da era digital. O novo modelo estrutural de ensino consolidou-se na inclusão de serviços de informática nas escolas, culminando numa série de medidas para desenvolver um ambiente estável, prolífico e que propiciasse às crianças e adolescentes o relacionamento saudável com a instituição educacional.

As instituições de formação ocupam um lugar central na produção e reprodução do corpo de saberes e do sistema de normas da profissão docente, desempenhando um papel crucial na elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de uma ideologia comum. Mais do que formar professores (a título individual), as escolas normais produzem a profissão docente (a nível coletivo), contribuindo para a socialização dos seus membros e para a génese de uma cultura profissional. (NÓVOA, 2014, p. 18)

Nos bastidores, foram sendo elaborados projetos de capacitação para os professores tanto em áreas tecnológicas, como psicológicas e culturais, atribuindo a essa figura o símbolo de projeção desse espaço de acolhimento. O “Educador”, a personificação ideal e fundamental no seio desse estorvo nacional, que exige resultado de todos os lados. Esse profissional definitivamente não é mais aquele que “ensina” - como se ensinar, por si só fosse cousa pouca -, mas aquele que busca incessantemente a mudança, o dinamismo, os recursos necessários para intermediar o aprendizado e despertar o interesse de seus educandos, configurando assim um novo perfil profissional, um novo personagem do âmbito educacional.

3.1. O EDUCADOR DO SÉCULO XXI

Vivemos na geração da tecnologia, da globalização, da informação rápida e conteúdos relâmpagos, dos aplicativos inteligentes e equipamentos eletrônicos de constante evolução e aprimoramento. No entanto, esses elementos se tornaram alguns dos entraves que o professor encontra no tortuoso caminho da Educação, mas o que deveria parecer um obstáculo se tornou uma força motriz para matizar o avanço da tecnologia em aparelhamento às novas fontes de ensino. Durante muito tempo se discutiu formas de erradicar o analfabetismo por completo, e de fato, a cada ano, através da implementação dessas novas políticas sócio educacionais, estamos a passos largos de lograr os mais satisfatórios índices de alfabetização jamais vistos no Brasil.

Se por um lado ainda há um longo caminho a percorrer, do outro, aqueles que podemos chamar de educadores do século XXI têm, paulatinamente, trabalhado com eficiência para acompanhar o desafiador mecanismo de evolução e fazer nascer o estímulo dos alunos no processo de aprendizagem. É necessário que toda a nação esteja intrinsecamente aliada aos profissionais da Educação no combate a essa falta de estímulo que se consolida as margens de um estado de total negligência quanto às fundamentações teóricas e a influência desmedida por opiniões expostas na mídia de maneira inconsequente e intolerante. Deve-se prevalecer a figura do educador no papel de ser crítico, psicológico e social e permitir que atue com legitimidade e liberdade para propor e discutir ideias para garantir o funcionamento de todos os deveres constitucionais preconizados na Lei Maior de 1988, principalmente no que se constitui em termos de Educação. Nos termos do Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas:

"A liberdade de ensino ou de cátedra e o pluralismo de ideias e de concepções amparam o educador e a educadora para ministrar as aulas com base em fatos e nas diferentes interpretações que deles decorrem, sem prejuízo das diversas e divergentes opiniões que possam existir em cada docente e em cada turma de estudantes." (BRASIL, 2018, p. 73)

O educador do século XXI é moldado pelo senso crítico que integra e acompanha o desenvolvimento social em que está imerso, assim é que:

"[...] oscilando entre momentos de reflexão teórica e ação prática e complementando simultaneamente que o professor vai se constituindo como profissional por meio se seu trabalho docente, ou seja, da práxis pedagógica. Podemos dizer então que: se, dentro da perspectiva histórico-cultural, o homem se constitui pelo trabalho, entendendo este como uma atividade humana adequada a um fim e orientada por objetivos, então o professor constitui-se professor pelo seu trabalho – a atividade de ensino – ou seja, o professor constitui-se professor na atividade de ensino. Em particular, ao objetivar a sua necessidade de ensinar e, consequentemente, de organizar o ensino para favorecer a aprendizagem. " (MORETTI, 2007, p. 101)

Nessa esteira, podemos extrair que a Educação desse novo século internaliza o conceito de valoração da unidade humana, sem camuflar as diversidades, essa propriedade reflete os traços biológicos da sua existência, quer seja, “Compreender o ser humano é entendê-lo dentro de sua unidade e de sua diversidade. É necessário conservar a unidade do múltiplo e a multiplicidade do único” (MORIN, 2001, p. 20). O professor Morin explica que a preparação de cada educador disposto a enfrentar as lides de um ambiente educacional é se conscientizar acerca dos “não saberes” com lucidez, ou seja, a necessidade de integrar os erros nas concepções para que o conhecimento consiga avançar. O erro é uma peça primordial para a construção de um cidadão em pleno exercício de suas capacidades cognitivas e, sobretudo sociais. A técnica de compreender seus limites, racionalizar as falhas e substanciar as críticas construtivas são fruto de um objeto dinâmico de estudo para além das relações estritamente virtuais, uma vez que a ilusão, ou como somos iludidos sobre o mundo e sobre a realidade que conhecemos, nos conduz a ser guiados por percepções pessoais e a traduzir o conhecimento de acordo com o nosso próprio entendimento.

A compreensão de que vivemos o ápice da Revolução Educacional do século XXI é um dos grandes dilemas nutridos pelo educador do novo milênio, incorporar essa jornada árdua e de constante mudança exige tomar a dianteira das principais discussões pertinentes ao liame pedagógico e firmar-se no papel de agente fomentador dessa reforma, na convicção plena de que seus direitos profissionais aquiescidos pela Constituição da Republica Federativa do Brasil devem ser respeitados e, mormente exercidos.

3.2. LIBERDADE DE ENSINO X CENSURA

A Constituição Cidadã dedica oito princípios fundamentais e imutáveis que regem o exercício de todo educador, educadora, escola e universidade, três destes são essenciais contra toda pretensão de censura de qualquer natureza, quais sejam liberdade acadêmica, o pluralismo de ideias e gestão democrática de ensino.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

Essa última está estritamente ligada à “participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” e à “participação da comunidade escolar local em conselhos escolares ou equivalentes”. Tal princípio é referendado a vista de garantir o exercício da democracia no ambiente de todo profissional da educação, associando a essa perspectiva as relações estabelecidas entre os diferentes atores do universo educacional (pais, alunos, professores, diretores e pessoal de apoio), sem embargo e sem desvencilhar de tais entendimentos, iremos buscar um aprofundamento mais incisivo nos incisos II e III do artigo supracitado: Liberdade e pluralismo de ensino, de ideias, de pesquisas, de aprendizado e de saber. Com o fim do período ditatorial e o início da redemocratização, o propósito da Constituição era extinguir o regime de exceção e efetivar as garantias individuais e sociais. Contudo, embora ela assegure a liberdade de pensamento e de expressão em seu Artigo 5º nos incisos IV, VIII e IX e, como vimos, no Artigo 206, incisos II e III, o pluralismo de ideias e liberdade de ensino, o âmago do conflito se centraliza no que podemos denotar de Censura. Essa censura coíbe de diversas formas a autonomia e a liberdade de pensamento e expressão, num ataque voraz às diversidades educacionais geridas no seio social e, sobretudo escolar. A sublevação dessa camada conservadora hierarquizada ignora lógicas jurídicas e político-pedagógicas e se submete a uma série de manifestações e articulações contra o Estado democrático de direito.

Dessas mais indigestas tentativas de repressão, o movimento ESCOLA SEM PARTIDO, criado em 2004, mas que desde 2014 tem guinando pra um embate a nível nacional sobre o que se denominou “doutrinação ideológica” nas instituições de ensino, lutaram pela aprovação no Congresso Nacional do Projeto de Lei 7.180/14, conhecido popularmente como Lei da Mordaça, onde previam a expressa neutralidade dos professores e afirmavam que o Brasil tinha ensejado numa contra corrente de “maus educadores” e doutrinamentos que a política ultraconservadora, dentre os de maior destaque os fundamentalistas religiosos, consideravam subversivas, invadindo as atribuições das famílias no ensino de questões eclesiásticas, morais e sexuais às crianças. Segundo o site oficial da organização, este “é uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior.” Ainda segundo o site, “a pretexto de transmitir aos alunos uma ‘visão crítica’ da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo”. E apesar dos discursos, autointitulados, de defensores da escola contra o que chamam de “contaminação político-ideológica”, o criador do movimento, Miguel Nagib, tem profundos vínculos com o think-tank liberal Instituto Millenium tendo sido por muito tempo articulista e depois um dos mantenedores do instituto. Mesmo com a derrota e o posterior arquivamento do projeto de lei 7.180/14, atualmente ainda existem cerca de 180 leis aprovadas ou projetos tramitando em municípios e estados inspirados em propostas do Escola sem Partido20.

A luta pela modificação da Lei N. 9.493/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB) para extirpar do currículo escolar temas como política e desigualdade social, e principalmente sobre gênero, sexualidade, raça, violência doméstica e direitos humanos têm propiciado uma seara de enfrentamentos que dividiu o Brasil pela metade e instaurou a Revolução Educacional do Século XXI.

Toda essa quebra de paradigmas explorada até aqui, quer seja a evolução da cibernética nos campos acadêmicos, quer seja o envolvimento de diversas classes e camadas sociais no âmbito educacional com fulcro em atingir uma meta progressiva de desenvolvimento econômico, social e cultural, abre espaços para a pluralidade de ideias, que pelo viés democrático é algo vantajoso, uma vez que permite múltiplos diálogos e exposições de gamas de opiniões. Contudo, se faz necessária à manutenção constante da democracia para além do “dever ser”, devendo-se pautar nos ditames plenos e políticos da sociedade, nas palavras de Demerval Saviani (2017, p. 654), “A escola passa a ser entendida como um instrumento para transformar os súditos em cidadãos, portanto, um instrumento de participação política, a via efetiva para se implantar a democracia”, destarte, transformar os cidadãos em sujeitos críticos, ativos e transformadores é reforçar os artigos já citados da Constituição da República. A propósito, tal autonomia costuma ser bastante detalhada em normas específicas dos entes federativos, como é o caso do Estatuto do Magistério do Estado de São Paulo (Lei Complementar n. 444/1985): esta lei assegura, dentre os direitos do Magistério, o seguinte:

Art. 61, IV – ter liberdade de escolha e de utilização de materiais, de procedimentos didáticos e de instrumento de avaliação do processo ensino-aprendizagem, dentro dos princípios psicopedagógicos, objetivando alicerçar o respeito à pessoa humana e, à construção do bem comum.

E entre seus deveres:

Art. 63, VIII – assegurar o desenvolvimento do senso crítico e da consciência política do educando.

O cerceamento de opiniões, ideias e ensino, de qualquer natureza, é uma afronta direta à Democracia, tão almejada em tempos de outrora, resistindo seu resplendor sob a ótica da carta cidadã. Insta salientar que a maior parte dos casos de intimidação e perseguição a profissionais da Educação começam com a exposição de pessoas (professores, alunos, gestores escolares) em redes sociais e grupos de WhatsApp, quando isso acontece, é importante dar publicidade ao problema e tomar a frente da situação para conter a disseminação de informações caluniosas, “os sindicatos e a imprensa são aliados importantes para a visibilidade pública das ameaças nas escolas, sobretudo quando estas não puderem contar com o apoio dos gestores da rede de ensino – Diretoria de Ensino, Secretaria de Educação entre outros” (Manual da Defesa Contra a Censura nas Escolas, 2018, p.121). O acirramento dos conflitos pode gerar uma série de episódios de intolerância dentro da instituição escolar, “aqueles que foram ameaçados podem vir a ameaçar aqueles que denunciaram, e assim sucessivamente”. Conviver com os erros e diferenças é eixo da prática educacional, e isso legitima tirar proveito dos conflitos e transformá-los em situações de aprendizagem, o que não se pode é silenciar ante as inconstitucionalidades, vez que Educação e Democracia andam lado a lado, censura leva a involução, involução incita revolução, revolução inibe a aplicação direta das normas regulamentadoras, cabendo tão somente a aplicação de manejos jurídicos para contenção de entusiastas que não enxergam o prisma fundamental da discussão, que se constitui no firmamento da expressão de ideias.

"A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos. É um dos princípios essenciais para a estruturação do círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a “escola” autoritária por estrutura e tradição." (FREIRE, 1979, p. 05)

A Insurreição educacional se instala como ato de solidariedade no seio arraigado do conservadorismo nacional, alastrando raízes, formando caules e folhas, até brotar flores e frutos.

4. A EFETIVAÇÃO DAS NOVAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS

Até aqui tomamos consciência de que a Educação faz parte dos direitos fundamentais da segunda geração, cuja substancia nasceu para proteção do ser humano a partir da garantia da justiça e igualdade e com a responsabilidade atrelada à cidadania e formação de recursos em prol de um desenvolvimento crítico e uma sociedade plural, justa e solidária. A ambição pela sua concretização, hoje, se tornou manifesto de resistência e liberdade, ganhando propulsão a partir do final dos anos 80 e dos eventos que desencadearam a Revolução Educacional do Século XXI, cuja aplicação põe vistas à mudança integral da ótica pedagógica. A complexidade e irresolução desse conflito obstinam-se face ao tradicionalismo familiar que permanece firme em seus próprios juízos de valor.

"A liberdade do indivíduo só se pode dar numa comunidade livre, e vice versa; essa liberdade pressupõe seres humanos e cidadãos com capacidade e vontade para decidir por si mesmos, sobre seus próprios assuntos e para colaborar responsavelmente na vida da sociedade publicamente constituída como comunidade" (HESSE, 2009, p. 33).

Imaginemos por um momento dois panoramas, de um lado um ataque sistemático em forma de debates, manifestações e greves insurgindo como afronta à manipulação de ideias, grupos dispostos a sair às ruas e protestar em prol da aplicação dos direitos sociais, outorgadas pela Constituição Federal, e da implementação de políticas públicas em favor da Educação, tudo isso fulminado por uma administração que tendeu à estagnação. Doutro lado, um império democrático bem definido, erguido sobre a histórica política doutrinária e patriarcal com base nos princípios cristãos existentes na América Latina, América do Norte e Europa, grupos que levantam o estandarte da manutenção e estabilidade tradicionalista e se opõe contra qualquer tipo de movimento revolucionário e progressista.

Ambos os contextos carregam distintas características em seu modo de coexistir, avanço versus preservação do status quo, para uns, a mudança e a liberdade são o ponto de defesa para o progresso, para outros a desestruturação dos pilares históricos dessa pátria são uma ameaça direta à ordem social, por mais que tais discursos constituam ideologias brilhantes, a sua sistemática não é nada fácil, principalmente quando a dialética surge como meio de repudiar a tese oposta.

O que podemos compreender como “repúdio” se deve tão somente a vasta extensão secular desse conflito, vez que a fase de transição da ordem social tradicional para o mundo moderno foi o período de contextualização para nosso conceito atual de Conservadorismo, esse período corresponde à superação do modo de produção feudal pelo modo de produção capitalista, que ocorreu, primeiramente, na Europa Ocidental e depois se alastrou para o resto do mundo.

O desenvolvimento do capitalismo e a ascensão da burguesia, enquanto classe social dominante, subverteram a ordem social tradicional. As revoluções burguesas na Inglaterra (em 1640) e na França (em 1789) abalaram fortemente as estruturas do pensamento e dos valores tradicionais baseados numa visão antropológica tradicional, que considera as sociedades como imutáveis, estáticas, e o conflito social como fenômeno degenerativo e anômico. (CANCIAN, 1972-1985, p. 3)

Foi então que os movimentos revolucionários europeus dos séculos 17 e 18 passaram a emergir e se firmar no campo da história moderna, fazendo com que esse embate histórico durasse até os dias de hoje. É importante salientar que a ideologia conservadora não surgiu como mero “empecilho” para as modificações, “para os conservadores, mudanças sociais são aceitas desde que ocorram gradualmente e sejam reflexos ou consequências da dinâmica social, e não por meios revolucionários” (CANCIAN, 1972-1985, p. 3). Há de se questionar qualquer estreitamento nos atuais discursos desses campos opostos, sobretudo em virtude da animosidade que imperou o Brasil na era pós Partido dos Trabalhadores (PT), culminando numa degradação moral, social e econômica sem precedentes na história do Brasil. Hoje, notadamente, estamos imersos num embate ideológico, com figuras políticas tomando a dianteira das questões mais emblemáticas da conjuntura brasileira através de frases feitas e aliadas ao indigesto establishment nacional. Será que estamos regredindo ou progredindo? Será que dessa vez atinamos para o cerne da cristalização dos mecanismos educacionais ou isso é uma utopia? Reduzir o orçamento para as instituições federais de ensino é de fato o melhor caminho a ser seguido? São pertinentes citações como as proferidas pelo ministro da Educação do governo Jair Messias Bolsonaro, Abraham Weitraub, que dispôs de seu Facebook para afirmar que:

"O país (Japão), muito mais rico que o Brasil, está tirando dinheiro público das faculdades tidas como para pessoas que já são muito ricas, ou de elite, como Filosofia. (...) Esse dinheiro que iria para faculdades como Filosofia, Sociologia se coloca em faculdades que geram retorno de fato: Enfermagem, Veterinária, Engenharia, Medicina."

É mesmo importante insistir, agora ou a posteriori, na chamada “avaliação ideológica” e sua comissão para extinguir “questões muito ideológicas, muito polêmicas, como no passado” (Weitraub, 2019) das provas do ENEM? É necessário conter a estimulação dos pensamentos críticos em salas de aula? Qual deve ser o papel dos educadores nas instituições de ensino? Até onde vai a relação do professor com o aluno e sua função social de agente estimulador do senso argumentativo, ético e moral? Será que o paradigma educacional atende aos interesses da comunidade, contemplando suas especificidades, necessidades e interesses ou apenas prevalece o modelo urbanizado de educação, que coloca em prática os fundamentos da divisão social do trabalho, impostos pelo sistema capitalista, endossando a premissa de que alguns foram feitos para obedecer e outros para pensar?

Não é a toa que fiquemos alheios a tantos questionamentos, nos cabe responde-los? Possivelmente não. Essa sensação de impotência é desesperadora, no entanto, apesar do cenário, a princípio desolador, e “mesmo diante de uma dinâmica de conflitos e tensões, há uma grande generalização de direitos no país” (PRÁ, 2006, p. 281), restando-nos outorgar no aperfeiçoamento das práticas democráticas presentes em diversos setores da sociedade civil desde os primórdios da resistência aos arbítrios cometidos no período da ditadura militar no país, “devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não somente enquanto identidades, mas enquanto força criativa”. (FOUCAULT, 2004, p. 262).

Eis a herança que carregamos! Imersos num apogeu de contendas políticas e sociais que alterou a passos largos nosso conceito e aplicação da Educação e todas as diretrizes que a estabelecem como base fundamental da ordem nacional. Jamais foi concebida a ideia de que um dia pudéssemos falar (e dispor) de tantas práticas educacionais alternativas, tais como as metodologias ativas, o uso de recursos e instrumentos tecnológicos em sala de aula, o ensino a distância (EAD) ou híbrido, as dinâmicas pedagógicas em grupo, do aluno como protagonista de seu próprio saber, atuando de maneira independente nos processos de criação, gestão e manutenção das disciplinas dispostas pelo professor, o Homeschooling, o método “The School of life”, cuja didática é focada em trabalhar os questionamentos do indivíduo como: tempo, pressão e morte, a educação holística de J. Krishnamurt que destaca a auto compreensão, a criatividade, integridade e ambiente seguro e não competitivo, fundamentando a autorreflexão em cada discente, o Lifelong Learning como importante aliado no processo de instigação acadêmica, profissional e pessoal, a andragogia, a Escola 3.0, alcunha que vem capturar a essência dessa Revolução Educacional, vez que agora o cenário propicia o estímulo da colaboração entre alunos e docentes, a sala de aula agora deixa de ser apenas um lugar para os professores transmitirem seu conhecimento e passa a ser um canal de compartilhamento, marcado pela troca de experiências, informações digitais e sociais, trabalho em equipe e a sensibilidade de preparar as novas gerações para os desafios que estão por vir. Insta salientar que esses lídimos mecanismos pedagógicos só foram possíveis graças à ação direta de profissionais da educação com compromisso para encarar as mudanças e assumir o papel de líderes dessa transformação.

Essa transformação no ambiente escolar encontra respaldo nas palavras do educador norte americano Jim G. Lengel:

"No ambiente de trabalho 3.0, muito diferente das fábricas, a maioria das pessoas, trabalha em pequenos grupos. Elas resolvem problemas juntas. Usam ferramentas digitais. Elas apresentam novas ideias para o outro. Robôs fazem trabalhos mecânicos. Elas trabalham com problemas que ninguém tinha visto antes. Elas devem recorrer à química, matemática, biologia, história e literatura para solucionar problemas. Elas devem reunir informações de várias fontes, a maior parte na rede de relacionamentos, chegando a muitos formatos diferentes. Elas devem ser multitarefas. Elas conversam umas com as outras. E usam ferramentas digitais para comunicação. Trabalham com um amplo círculo de pessoas, de todo o mundo. (LENGEL, 2017)"

A inserção tecnológica só vem corroborar com o levante da Revolução Educacional, que articula suas medidas mais ostensivas no ideal de emancipação, exprimindo de seus movimentos progressistas cada vez mais adeptos, em prol de indivíduos fortalecidos pela cidadania e protegidos pelos Direitos Humanos, tomando por base o Art. 3º da Constituição Federal, onde a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, são práticas que ancoram essa revolução, fazendo com que, dessa maneira, a Educação em seu sentido mais politizado produza a autonomia de legitimar o sistema (econômico, político, cultural e tecnológico) e reivindicar a qualidade democrática de direito, a aplicação das teorias constitucionais e a iniciativa escolar como espaço criativo e motivador de princípios como a totalidade, disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade.

Trocando em miúdos, a Revolução Educacional do Século XXI nasce silente com a democratização do conhecimento, se desenvolve a partir dos estigmas sociais que demonizam o anseio pelo saber, sobretudo das classes menos favorecidas e é estabelecida perante a censura dos movimentos conservadores de direita, que nas palavras do Manual de Defesa contra a Censura nas Escolas: fica nítido que a verdadeira intenção desses grupos ultraconservadores é impedir que diferentes interpretações e compreensões do mundo sejam debatidas nas instituições de ensino, estimulando uma educação para a obediência e para a naturalização das desigualdades sociais, do racismo, do sexismo, da LGBTfobia e de outras discriminações e interditando as divergências que caracterizam sociedades e regimes democráticos e uma escola democrática.” (p. 15)

Nossa liberdade plena de pensar e agir são frutos da resistência de todos os professores e professoras da educação básica e superior, dos sindicatos, de muitas famílias, de entidades científicas, das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais, que têm se unido na defesa de um só propósito, a Educação, e que mais uma vez reforçamos, para que não haja qualquer dúvida, prevista como direito fundamental no Título VIII, Capítulo III, Seção I, Artigo 205 da Constituição da Republica Federativa do Brasil e com seus princípios cristalinos conferidos no Art. 206 como os da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, do pluralismo de concepções pedagógicas e da valorização dos profissionais da educação escolar. Essa manifestação armada pela consciência crítica e experiência daqueles que vivenciaram os efeitos negativos dos anos de chumbo não vai cessar até atingir a democratização plena da sociedade brasileira e a evolução do Estado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante todo o exposto pudemos verificar que para se pensar o direito à educação dentro do contexto de uma sociedade dividida em ideologias políticas e sociais é preciso se considerar o papel do Estado como agente fomentador das garantias constitucionais na sociedade que estamos construindo. O direito à educação não pode se restringir apenas a letra de lei, mas necessita ser materializada na nossa realidade cotidiana, sobretudo àqueles que se encontram alheios aos princípios do desenvolvimento pessoal e liberdade intelectual.

Compreendemos que a Constituição Federal de 1988, devidamente estruturada e com verbas vinculadas por força da Emenda Constitucional Nº 14/96, prevê o direito à Educação e a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte, o saber e sustenta o juízo do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nesse mesmo diapasão temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, N° 9.394/96, que amplia os conceitos de educação trazendo o ensino básico a partir dos 4 anos de idade, a gestão democrática, a progressão da autonomia administrativa e financeira, a ênfase no investimento e financiamento público e maior formação e qualificação de todos os docentes, todavia por mais enfáticas que essas normas possam parecer, ainda há muitos empecilhos para sua efetivação, sendo visto, por vezes, como um ideal a ser alcançado e não como uma possibilidade de construção real e cotidiana. Nesses vastos dilemas estruturados nos anos que sucederam a Constituição de 88, um deles merece maior destaque: a censura nas instituições educacionais.

A censura na Educação é alimentada por conceitos conservadores, há muito antiquados, para reduzir nossos princípios constitucionais de ensino crítico, limitar profissionais em sua área de atuação e exercer forte pressão sobre o Governo para negligenciar as instâncias do ensino, que devem ser consideradas obrigatórias no orçamento das entidades de direito público. Esse conflito é o arcabouço de uma grande transformação, denominada de Revolução Educacional do Século XXI, que converteu para sempre a história do Brasil e nos lançou no epicentro de dois cenários dinâmicos e opostos: censura versus manifestação e liberdade.

Detalhamos que a Revolução está amplamente emparelhada aos avanços trazidos pela era digital, que universalizou os recursos de ensino e aprendizagem, e disseminou os mecanismos de relações interpessoais através das redes de relacionamento, quer seja, o cumprimento meticuloso dessas mudanças pôde contribuir fortemente para aquilo que a UNESCO definiu como desenvolvimento humano sustentável, um “processo que aumenta a liberdade efetiva das pessoas para realizar aquilo que valorizam” (2008, p. 21), e fazendo reslumbrar os princípios constitucionais em prol da materialização da liberdade de ensino e da pluralidade de ideias, pois quando se fala em Educação, se fala em respeito aos direitos fundamentais, e então construímos a premissa de que é na diferença e nos erros que podemos aprender a não violar a ética e a fazer prevalecer a dignidade da pessoa humana, perfazendo-se no fundamental alinhamento da escola, família e educadores para condução dessa nova geração, que necessita de uma análise muito mais profunda que a de se restringir nas práticas pedagógicas, metodologias, avaliações e questões afins. Esse fenômeno educacional merece ser visto e analisado através do viés democrático do saber e do pensar.

Por fim, não podemos prever o fim dessa Revolução Educacional, tampouco mensurar os efeitos que se desenvolvem dia após dia nas esferas sociais e movimentos progressistas, nos resta assumir o empoderamento das estratégias de discussão e inovação no âmbito escolar, potencializar cada vez mais a incorporação das lutas identitárias por inclusão, em prol do fortalecimento da democracia – mesmo que precipuamente possam haver atritos entre grupos – a polarização é inevitável, mas a causa é a mesma, e denunciar todo tipo de censura à Educação, camuflada de patriotismo, porque contraria a Carta Magna da nação brasileira. Paulo Freire já nos conduzia a tais ideais em sua obra Pedagogia da Esperança (1992) ao afirmar que “É preciso sempre alimentar a esperança de que a mudança é possível. De que as injustiças, as desigualdades, a miséria, possam um dia senão desaparecer completamente, ao menos ser amenizada ou corrigida”, a esperança de que um dia atingiremos o ideal de Educação que tanto almejamos e extirparemos o mal do analfabetismo de nossa população, é o princípio basilar e essencial para a realização de qualquer empreitada, mesmo as mais difíceis.

Ramon Bismarck
Enviado por Ramon Bismarck em 14/05/2021
Código do texto: T7255597
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.