Machado de Assis e a ciência jurídica

A ciência do direito é deveras muito coesa e sempre se apóia nos pilares da ética e da boa-fé. Além é claro, dos ingredientes do Estado Democrático de Direito, como o devido processo legal e a ampla defesa.

Muita vez, algumas pessoas ficam sem saber o por quê de muitas prisões e logo após, soltam os suspeitos, como é notório em muitas operações da polícia federal. Esse é o preço do Estado Democrático de Direito. É dizer: o direito ao devido processo legal, dentre outras questões processuais.

Outras vezes, indaga-se o por quê de se prestar apóio judicial a suspeitos presos por tráfico de drogas ou acusados por crimes altamente repugnantes. Isso redunda na mesma questão legal. São sagrados direitos que conduzem o processo. Isso é louvável. Imaginemos a quantidade de inocentes que já foram para a forca ou para fogueira outrora, que não tiveram a oportunidade de se defenderem.

A propósito, o iluminismo trouxe consigo pensadores brilhantes que deram novo aspecto às questões criminais, como o aflorar de leis que delimitavam os procedimentos de acusação. Com o tempo tais leis foram sendo lapidadas para melhor subsidiar tanto a acusação quanto a defesa. Tudo isso ante ao órgão competente do Estado, qual seja, o juiz. Não obstante, foram aflorando muitos bons e consagrados profissionais do direito, tanto da acusação quanto da defesa.

O tribunal do júri é um excelente exemplo do que é deveras um bom embate democrático entre defesa e acusação. Há, mormente, críticos que não amparam tão envolvente e perigoso espaço jurídico, amparados na grande dúvida da capacitação dos jurados.

Sob o olhar Machadiano, encontramos vários personagens sendo advogados. Um dos inúmeros exemplos está em sua obra Helena:

O Dr. Matos era um velho advogado que, em compensação da ciência do direito, que não sabia, possuía noções muito aproveitáveis de meteorologia e botânica, da arte de comer, do voltarete, do gamão e da política. Era impossível a ninguém queixar-se do calor ou do frio, sem ouvir dele a causa e a natureza de um e outro, e logo a divisão das estações, a diferença dos climas, influência destes, as chuvas, os ventos, a neve, as vazantes dos rios e suas enchentes, as marés e a pororoca. Ele falava com igual abundância das qualidades terapêuticas de uma erva, do nome científico de uma flor, da estrutura de certo vegetal e suas peculiaridades. Alheio às paixões da política, se abria à boca em tal assunto era para criticar igualmente de liberais e conservadores, - os quais todos lhe pareciam abaixo do país. O jogo e a comida achavam-no menos céptico; e nada lhe avivava tanto a fisionomia como um bom gamão depois de um bom jantar. Estas prendas faziam do Dr. Matos um conviva interessante nas noites que o não eram. Posto soubesse efetivamente alguma coisa dos assuntos que lhe eram mais prezados, não ganhou o pecúlio que possuía, professando a botânica ou a meteorologia, mas aplicando as regras do direito, que ignorou até à morte."

Ora, o entrecruzar com esse laboroso e ardiloso conceito, não há como deixar de explanar o que deveras entrevia na arte de advogar descrita por Machado. Embora, uma das possíveis vertentes é que M. Assis, não se coadunava bem com tal profissão.

Em Dom Casmurro, outro exemplo de um péssimo advogado, Bentinho. Um total fracassado pelo destino e pela vida. Não conseguiu realizar o sonho de sua mãe, não conseguiu ser padre. Não conseguiu ser bom marido. Não conseguiu ser bom Pai. Não conseguiu ser, sequer, advogado, embora bacharel em direito. Consolida-se finalmente, Bentinho, em tentar atar as duas pontas da vida (infância e velhice), ainda assim, não consegue ser imparcial, deixando grandes frestas de uma grande injustiça em suas recordações contra Capitu.

Pois bem, ainda que tenhamos outros exemplos desta nobre profissão – advogado - na escrita de Machado, é bom e salutar recordar que a pena Machadiana não era somente contumaz contra a ciência do direito. Era, mormente, muito afiada contra a arte da medicina. Não são também poucos os exemplos dessa inigualável profissão, mas deixemos para uma outra oportunidade. É dizer: é difícil não encontrarmos no bojo Machadiano qualquer assunto pertinente à nossa vida. Machado não é o instrumento para podar conceitos ou pré-conceitos, é antes de tudo, uma valiosa ferramenta para se buscar entender os possíveis conceitos.

Clovis RF
Enviado por Clovis RF em 29/10/2007
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