TEORIA GERAL DO PROCESSO

Introdução:

Este trabalho tem como objetivo resumir os principais conceitos e argumentos contidos no livro Técnica processual e teoria do processo, de Aroldo Plínio Gonçalves, professor de Direito Processual Civil da UFMG. Para tanto, vamos focalizar os conceitos chaves da obra, tais como: processo, ação, jurisdição, sanção: pena, indenização e nulidade, que se encontram diluídos no corpo do texto.

O autor situa o objeto de seu estudo no quadro do Direito e expõe didaticamente seu tema através de uma abordagem dedutiva. Inicia a apresentação de suas idéias tratando de forma panorâmica temas gerais como ciência e técnica e, tecendo raciocínios lógicos e coerentes, relacionando-os com os conceitos fundamentais, citados acima, da ciência e técnica dos processos jurídicos.

O texto é desenvolvido tendo em vista respostas à necessidade de um novo direito processual face à realidade social de nosso tempo. O livro é uma contribuição para uma nova concepção de processo como procedimento realizado em contraditório entre as partes, representa uma proposta para um repensar sobre procedimento, relação jurídica processual, ação, relação entre o direito material e o processo, os novos escopos atribuídos a esta nova concepção de processo.

Desmistificando o papel absoluto da ciência e da razão e não se esquecendo de suas finalidades, o autor lembra o compromisso que o movimento de renovação do Direito Processual deve ter, o de oferecer respostas adequadas aos problemas sociais de sua época.

Capítulo IV - Processo e Procedimento

O capítulo IV trata da multiplicidade de acepções dos termos processo e procedimento discutindo seus significados, nos diversos contextos de uso e mais especificamente seus sentidos no campo da ciência jurídica.

O termo processo empregado nas várias linguagens - comum, científica, filosófica e jurídica - possui tantos sentidos, que convém quando se quer dar-lhe um significado específico determinar em que sentido está sendo utilizado. Na linguagem comum, processo é entendido como etapa, desenvolvimento, método, movimento, transformação. Já na linguagem científica a palavra é muito utilizada em qualquer área do conhecimento, com suas conotações específicas. Em se tratando da linguagem filosófica, segundo ABBAGNANO, o termo processo registra três significados diversos:

1. “Procedimento, maneira de operar ou agir; 2 - “Transformação ou desenvolvimento; 3 - “Uma concatenação qualquer de eventos.

Ao fazer uma comparação entre os vários significados, percebe-se que existe uma constante entre eles, é a acepção que está relacionada ao movimento “ ... e de conseqüente desenvolvimento e transformação, o que se contrapõe à inércia, à imobilidade e à inalterabilidade.” No campo do Direito seu uso também está permeado deste simbolismo, mesmo quando empregado tecnicamente. Em alguns casos seu uso, sem delimitação da acepção, tem causado equívocos.

Já com relação ao termo procedimento na linguagem comum, Plínio diz que possui o mesmo significado no primeiro sentido registrado por ABBAGNANO da palavra processo: “maneira de operar ou de agir.”

Outros sentidos para o termo o autor busca na origem etimológica da palavra, são eles:

1.Procedere: prosseguir, seguir em frente, para fazer derivar desta palavra a palavra “processo”, com idêntico sentido etimológico.

2.outro uso, extraído de TITO LÍVIO, comum ainda nos dias de hoje é o uso do verbo proceder como transitivo indireto (isto procede de ...)

3.Proceder tem significado de “originar-se”, “descender de” e procedimento é, também, “o originar-se, e “o descender de.”

Na linguagem jurídica, apesar de haver uma proposta que busca estabelecer as relações entre procedimento e processo, há estudos, também, que fazem uma distinção entre estes dois termos baseados em critério “teleológico”. Para esta linha doutrinária que separa as duas palavras, o processo possui finalidades, caracteriza-se pela sua finalidade de exercício de poder, já o procedimento é destituído delas, ele é algo puramente formal, é o meio necessário do desenvolvimento do processo. Esta distinção pelo critério teológico, entretanto, suscita um problema, pois se o procedimento é o meio necessário, ele acaba sendo o meio idôneo para atingir finalidades, daí pensarmos em seu caráter finalístico.

Outro estudo sobre os dois termos foi feito sob uma perspectiva lógica. Segundo o critério lógico “as características do procedimento e do processo não devem ser estudadas em razão de seus elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os disciplina.” Para esta linha de estudos, há entre os termos uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento.

Capítulo V - O processo como relação jurídica

No capítulo V, Plínio apresenta a primeira definição do conceito processo dentro dos estudos jurídicos e, posteriormente, a sua reelaboração devido às críticas recebidas. Segundo ele, CHIOVENDA ao lançar as bases do Direito Processual Civil, fixou “... o conceito de processo como relação jurídica”.

Este modelo clássico de relação jurídica foi construído sobre a idéia de que é ela um enlace normativo entre duas pessoas, sendo um sujeito ativo e um ou vários passivos, que podem exigir uma da outra o cumprimento de um dever jurídico. A teoria da relação jurídica não se distinguiu das construções do Direito Privado, por isso está impregnada das concepções individualistas da época. Elementos como: enlace entre duas pessoas, prestação e exigibilidade, foram problematizados, uma vez que dentro da concepção do direito positivo de ordenamento jurídico eles não se adequam a este modelo.

Este modelo de processo lançou as bases científicas do Direito Subjetivo, no iluminismo, época em que floresceu o direito natural do racionalismo. Os direitos subjetivos, entendidos como poder, admitiam renúncia e, enquanto direitos assegurados pela lei, poderiam ser reivindicados. A teoria da relação jurídica se revelou insuficiente para responder às situações jurídicas, como as do pátrio poder, o direito à honra, etc, cujas relações não correspondiam a vínculos entre sujeitos. Foi necessário admitir que o sistema jurídico proteja e garanta certas situações, em razão de sua finalidade social, sem que haja relação entre sujeitos. KELSEN analisa que em todas as hipóteses em que se poderia falar de relação jurídica, o que existe não é uma conexão de vontades, mas uma conexão de normas que determinam a conduta dos indivíduos.

Com base diferente a de KELSEN desenvolveu-se a teoria das situações jurídicas, cujo objetivo era também à superação do conceito de relação jurídica. Ela não excluiu a faculdade ou o dever do campo do direito, mas não aceitou a concepção clássica de relação jurídica. A situação jurídica forma-se por fato jurídico ou ato jurídico, produzido segundo a lei que governa a sua constituição. E, uma vez constituída, ela é o complexo de direitos e deveres de uma pessoa, direitos e deveres que não se confinam mais no plano abstrato e genérico da norma, mas que se realizam na situação de um determinado sujeito. Assim nasce a teoria da situação jurídica para fornecer um critério mais objetivo para se falar em direitos, estes constituídos para um determinado sujeito, que assume sua titularidade. “O direito que decorre da norma passou a ser visto não mais como um poder sobre outrem, mas uma posição de vantagem de um sujeito “em relação a um bem”, posição que não se funda em relação de vontades dominantes e vontades subjugadas, mas na existência de uma situação jurídica, em que se pode considerar a posição subjetiva, a posição do sujeito em relação à norma que a disciplina.”

Portanto, o despertar do novo conceito não vem para destruir a concepção de direitos decorrentes da norma, vem para modificar os fundamentos da antiga concepção de relação jurídica e visualizá-los sob um novo prisma.

Capítulo VI - O processo como procedimento realizado em contraditório entre as partes

No capítulo VI tem-se a caracterização do processo como uma espécie de procedimento, que exigiu a reelaboração do conceito de procedimento. Torna-se viável abarcarmos uma conceituação como uma unidade mental, suficientemente genérica, para comportar uma multiplicidade de particularidades, o ponto de partida foi o ato do Estado, dotado de caráter imperativo, para o qual se volta toda a estrutura normativa que disciplina a atividade constituída pelo procedimento.

O procedimento é uma atividade preparatória de um determinado ato estatal, atividade regulada por uma estrutura normativa, composta de uma seqüência de normas, de atos e de posições subjetivas, que se desenvolvem em uma dinâmica bastante específica, na preparação de um provimento. Provimento este que, para que seja emanado, válido e eficaz, deve ser precedido da atividade preparatória, disciplinada no ordenamento jurídico. A atividade preparatória do provimento é o procedimento que, normalmente, chega a seu termo final com a edição do ato por ele preparado, por isso, esse mesmo ato de caráter imperativo geralmente é a conclusão do procedimento, o seu ato final.

A renovação do conceito de procedimento já vinha despontando na doutrina do processo, mas de um modo incompleto, indiferenciado, com várias questões não resolvidas de forma insatisfatória. ENRICO REDENTI, em estudos publicados a partir de 1936, já vislumbrava o procedimento sob uma nova ótica, entendendo-o como a atividade destinada à formação do provimento jurisdicional.

Ora, claro está que, a lei se ocupa de determinar os atos que devem compor essa atividade, quando são legalmente necessários ou simplesmente consentidos, como devem ser coordenados e combinados entre eles. Percebe-se, ainda, que a atividade preparatória do provimento envolve atos do próprio autor do provimento e dos outros sujeitos que devem concorrer para a sua formação, por isso sua disciplina se dá por vários esquemas normativos. Esses esquemas, segundo REDENTI, propostos para as diversas possibilidades de processos, devem tomar o nome de procedimento, que se entende como il modulo legale Del fenômeno in astratto.

Segundo Plínio é de grande importância à contribuição de ELIO FAZZALARI, que tanto impulsionou a renovação do conceito de procedimento, no Direito Processual, orgânica, sistematizada, coerente e lógica. FAZZALARI preocupa-se em definir previamente os conceitos que utiliza no desenvolvimento de sua argumentação, porque estes, muitas vezes designados com o mesmo nome dos conceitos tradicionais, não possuem a mesma conotação e, conseqüentemente, referem-se a realidades jurídicas diferentes.

Da posição do sujeito em relação ao objeto do comportamento descritivo na norma, FAZZALARI extrai o conceito de direito subjetivo, não como um poder sobre a conduta alheia, ou de direito à prestação decorrente de relação jurídica, mas como uma posição de vantagem do sujeito assegurada pela norma, posição que se apreende pelo “objeto do comportamento” descrito na norma relacionado ao sujeito.

O segundo ponto que merece relevo é a explicitação de que a qualificação do ato como lícito (poderes e faculdades) não se faz em contraposição ao ilícito. O ilícito não é incluído na estrutura do procedimento e do ponto de vista lógico, nem o poderia ser, pois não poderia compor o conceito de ato jurídico.

Não é excessivo ressaltar que a expressão “posição subjetiva” contém um sentido muito específico. Não se refere à posição de sujeitos em uma relação com outro sujeito ou à posição de sujeitos em um quadro qualquer de liames. Posição subjetiva é a posição de sujeitos perante a norma, que valora suas condutas como lícitas, facultadas ou devidas.

Quando o pressuposto para a incidência de uma norma é o cumprimento de uma atividade prevista na norma anterior da série do complexo normativo, não se está diante da simples ordenação de uma cadeia normativa, que poderia ser linearmente concebida.

Pressuposto, em linguagem filosófica e da lógica, é premissa não explícita, é a proposição da qual são extraídas outras proposições, pelo processo de inferência, e, como se recordou, as conclusões podem se tornar novas premissas de novas conclusões, na cadeia de proposições, no raciocínio dedutivo. Essa é a noção fundamental para a apreensão do novo conceito de procedimento. Foi ele inicialmente referido como uma estrutura que prepara um ato final imperativo, o provimento, e essa estrutura é constituída de tal forma que, na cadeia normativa que disciplina os atos e as posições subjetivas, a incidência de uma norma só poderá se verificar validamente sobre os atos da seqüência, se a norma anterior houver sido observada e cumprida, na sua previsão de atos que poderiam ter sido exercidos ou que deveriam ter sido cumpridos. Em outras palavras, na seqüência normativa que compõe a estrutura do procedimento, a observância da incidência da norma que prevê o ato que pode ser exercido ou deve ser cumprido é pressuposto, é condição de validade, da incidência de outra norma que dispõe sobre a realização de outro ato, sendo deste o pressuposto, assim até que o procedimento se esgota atingindo seu ato final, quando se verificam todos os pressupostos normativamente previstos para a emanação do provimento.

FAZZILARI caracterizou os provimentos como atos imperativos do Estado, emanados dos órgãos que exercem o poder, nas funções legislativa, administrativa ou jurisdicional. O provimento implica, necessariamente, na conclusão de um procedimento, pois a lei não reconhece sua validade, se não é precedido das atividades preparatórias que ela estabelece. Mas o provimento pode ser visto como ato final do procedimento não apenas porque este se esgota na preparação de seu advento. Pode ser concebido como parte do procedimento, como seu ato final, como o último ato de sua estrutura.

O processo começará a se caracterizar como uma “espécie” do “gênero” procedimento, pela participação na atividade de preparação do provimento, dos “interessados”, juntamente com o autor do próprio provimento. Os interessados são aqueles em cuja esfera particular o ato está destinado a produzir efeitos, ou seja, o provimento interferirá, de alguma forma, no patrimônio, no sentido de universum ius, dessas pessoas. O processo começa a se definir pela participação dos interessados no provimento na fase que o prepara, ou seja, no procedimento. Mas essa definição se concluirá pela apreensão da específica estrutura legal que inclui essa participação, da qual se extrairá o predicado que identifica o processo, que é o ponto de sua distinção: a participação dos interessados, em contraditório entre eles.

Há processo sempre onde houver o procedimento realizando-se em contraditório entre os interessados, e a essência deste está na “simétrica paridade” da participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos.

É claro que a atividade que prepara o provimento, seja administrativa ou jurisdicional, nem sempre constitui processo, pois o contraditório pode dela estar ausente. O provimento administrativo e o provimento jurisdicional podem ter como atividade preparatória o simples procedimento, como se dá, por exemplo, no âmbito da administração, em relação a um pedido de inscrição em concurso público, um pedido de licença para porte de arma, um pedido de matrícula em Instituição Pública de Ensino e, no âmbito do Judiciário, em relação a um pedido de tutela, enfim, aos atos da chamada “jurisdição voluntária”.

Da manifestação do poder jurisdicional, em razão da matéria constitucionalmente organizada, segundo a estrutura dos órgãos jurisdicionais, podem ser apontadas às várias espécies de processo. Nos termos da Constituição da República de 05 de outubro de 1988, no ordenamento jurídico brasileiro, pode-se falar em processo jurisdicional civil, penal, trabalhista, militar, eleitoral, constitucional e legislativo.

O processo jurisdicional administrativo – em plano de jurisdição autônoma – e o arbitral não foram contemplados no texto constitucional, que é de onde se extrai, fundamentalmente, a legitimidade dos órgãos que podem atuar no exercício da jurisdição.

Em relação ao processo de apreciação de inconstitucionalidade da lei em tese, as divergências doutrinárias sobre sua natureza, como “processo” ou como processo de “jurisdição voluntária”, ou seja, simples procedimento, não poderão ser resolvidas sem o exame do direito positivo, que determina a estrutura do procedimento em que se dá o controle da constitucionalidade. As dúvidas, entretanto, não alcançam o Direito brasileiro, pois o contraditório ressalta do art. 103 e parágrafos, da Constituição da República de 05 de outubro de 1988, sendo que o parágrafo terceiro expressamente determina a prévia citação do Advogado-Geral da União, “que defenderá o ato ou o texto impugnado”, quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade em tese (abstrata) de norma legal ou ato normativo. É, portanto, um verdadeiro processo, e não um simples procedimento, ou um “processo de jurisdição voluntária.”

A idéia do contraditório não é recente. VON JHERING deixou páginas memoráveis sobre a administração da justiça, na qual a primeira exigência era a da “justiça no processo”. Para essa justiça interna e intrínseca, a “organização” do processo deveria estar voltada, pois, no processo, era ela a primeira e também a única exigência essencial. Essa “justiça no processo” é bem explicitada por JHERING, quando fala das relações das partes no processo, que, com o juiz, terceiro e não parte, era, segundo entendia, de “subordinação jurídica”. Mas a relação entre as partes deveria ser caracterizada pela igualdade jurídica: “...devem combater-se com armas iguais e devem-lhes ser distribuídas com igualdade a sombra e a luz”. “Audiatur (...) et altera pars”. “audita altera parte”, “Audi alteram partem”, que significa, que uma decisão não pode adquirir a autoridade da coisa julgada para quem não participou do debate judiciário, que o contraditório possibilita o melhor esclarecimento do juiz, e que significa, sobretudo, a possibilidade que a parte deve ter de se fazer ouvir.

O contraditório é a garantia de participação, em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor. Saliente-se, a participação do juiz não o transforma em contraditor, ele não participa “em contraditório com as partes”, entre ele e as partes não há interesse em disputa, ele não é um “interessado”, ou um “contra-interessado” no provimento.

O princípio do contraditório, tecnicamente considerado, segundo expõe, se articula em dois tempos essenciais: informazione, reazione; a primeira, sempre necessária, e a segunda sendo eventual, devendo ser necessariamente garantida na possibilidade de sua manifestação.

O contraditório, como garantia de participação paritária, em simétrica igualdade, das pessoas a que se destina o provimento, no processo, supõe, naturalmente, mais de um sujeito, na fase preparatória do ato final. Hoje revestido da especial proteção constitucional, o contraditório é um direito.

Capítulo VII - A revisão do conceito de ação

Tem-se no capítulo VII a revisão do conceito de ação. A polêmica sobre a natureza jurídica do direito de ação partiu da Alemanha, e dali se desenvolveria para dar início à construção da ciência do Direito Processual Civil, que tem uma data especial – o 03 de fevereiro de 1903, um local especial – a Faculdade de Direito de Bolonha, um nome especial – GIUSEPPE CHIOVENDA, e, também, um documento especial: o texto da conferência intitulada L´azione nel sistema dei diritti.

No Direito Romano, a partir do século II a.C. antigas legis actiones, reservadas à tutela do direito subjetivo, são substituídas pelo processo formulário, o processo per formulas, em que um documento escrito “fixa o ponto litigioso” e “se outorga ao juiz popular poder para condenar ou absolver o réu.”

Na Alemanha, adotavam-se duas terminologias para a tutela dos direitos subjetivos, a actio (que rememorava o direito de o particular pedir ao magistrado a fórmula em que a proteção estava condensada, e esse direito ao formulário era a actio) e a Klage, ou Klagerecbt – o direito de demanda. A actio, que WINDSCHEID quis substituir por pretensão (Anspruch) significava o direito de se exigir de alguém uma ação ou uma omissão. A Klage era o direito de ter a tutela jurisdicional do Estado, assim, a Actio era dirigida contra o obrigado, e a Klage, contra o Estado.

Outro aspecto bastante importante é, por conseqüência, o Direito Processual Civil, que não se desenvolveu à margem dos próprios sistemas jurídicos positivos, e sim como parte deles, e, por isso, quando se compara, por exemplo, o direito de ação, no Brasil, de 1891 a 1934, de 1934 a 1937, de 1937 a 1946, de 1946 a 1967, de 1967 a 1969, de 1969 a 1988 e o direito de ação no Brasil a partir de 05 de outubro de 1988, é claro que haveria diferença sobre o que poderia ser dito sobre ele. A análise de doutrinas históricas deve comportar, portanto, a relatividade histórica, caso contrário corre-se o risco de ser absolutamente impertinente nas possíveis conclusões que delas se tente extrair, com a certeza de se ser extremamente injusto com os grandes passos dados na obra comum de construção do conhecimento.

LIEBMAN distingue o “poder de agir em juízo”, “garantia constitucionalmente instituída”, “reflexo ex parte subiecti da instituição dos tribunais pelo Estado”, do direito de ação, “direito subjetivo sobre o qual está constituído todo o sistema do processo”, delineado no art. 24 da Constituição italiana, e caracterizado na norma infra-constitucional. Do art. 24 da Constituição italiana, extrai a “legitimação para agir”, referindo-o à atribuição da tutela dos próprios direitos e interesses legítimos, e o “interesse de agir”. “Como”, segundo diz, “o direito de agir é concedido para a tutela de um direito ou interesse legítimo, é claro que existe apenas quando há necessidade dessa tutela.”

Há sensível diferença entre o texto da Constituição italiana e o texto da Constituição brasileira. Para este, é logicamente possível afirmar-se que o ato final do processo que seja uma decisão desfavorável ao autor recusa o provimento do pedido formulado sobre o direito substancial, mas não o pedido da apreciação da lesão ou ameaça a direito. Mesmo ocorrendo à hipótese em que não fique acertada a existência do ilícito, se não há causa que impeça o julgamento do mérito, a sentença desfavorável é emitida e o processo, no sistema brasileiro, terá se realizado por inteiro.

O princípio nemo judex sine actore, que é um princípio da própria jurisdição, disciplinada de forma que o Estado responda ao pedido para fazer cessar o ilícito, para promover a reparação dos direitos lesados e prevenir a lesão de direitos ameaçados, aplicando as medidas jurisdicionais previstas no ordenamento jurídico, exige a iniciativa do sujeito que almeja a tutela jurisdicional.

Tem-se argumentado que a legitimatio ... sustenta-se na personalidade, o “atributo”, ou em linguagem mais técnica, a qualidade pela qual se adquire o status de sujeito, a titularidade de direitos e deveres. O argumento é, contudo, absolutamente impróprio e insuficiente, pois a legitimação se dá sempre para determinado processo, para a participação em uma série de atividades preparatórias de um determinado provimento, e de uma determinada medida jurisdicional.

O art. 322 do Código de Processo Civil, de 1973, - “Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação. Poderá ele, entretanto, intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra” – deve ser considerado revogado, porque se o contraditório era, anteriormente, apenas um princípio processual no Direito Processual Civil brasileiro, pela Constituição de 1988 foi elevado a princípio constitucional (art. 5º, LV da Constituição). A construção é admiravelmente lógica e coerente. Para se perceber o seu alcance é necessário recordar-se que a situação legitimada, em FAZZALARI, corresponde à situação jurídica subjetiva, ou posição subjetiva, extraída da específica posição em direito, aplicável à categoria de situação jurídica.

Capítulo VIII - A Situação de direito material e o processo

No presente capítulo é analisada a relação entre o processo e a situação de direito material, ou seja, qual é o vínculo entre a inobservância ou lesão a um direito e o pressuposto de conhecimento do processo. Parte-se do conceito de que o processo é uma espécie de procedimento realizado em contraditório entre as partes.

Desse modo, é traçado o posicionamento da doutrina italiana, que segundo demonstra FAZZALARI a situação de direito material não é condição prévia para instauração do processo, uma vez que a lei processual desse país requer como condição do processo somente a exposição do pedido.

Do mesmo modo, ao se refletir sobre essa questão na doutrina brasileira, o autor conclui que por força do Código de Processo Civil a situação material não é pressuposto do processo. Corrobora para essa conclusão a assertiva da CF/88 que afirma que nenhuma ameaça ou lesão a direito deixará de ser apreciada pelo Judiciário. Portanto, o direito ao processo está garantido independentemente da prévia constatação do ilícito.

A partir desses apontamentos, o autor conclui que a situação de direito material é pressuposto da sentença de mérito, uma vez que é possível existir uma sentença que não chegue a julgar o mérito. Em outras palavras, a situação material é conteúdo do contraditório.

Finalmente, esse capítulo é concluído com a reflexão a cerca da publicidade dos atos judiciais, que segundo ALCIDES DE MENDES DONÇA LIMA é um exigência democrática. Como a sentença repercutirá no patrimônio das partes, a fundamentação é uma proteção necessária e uma forma de se ter um controle popular sobre os atos judiciais.

Capítulo IX

O capítulo IX trata do instrumento do exercício da jurisdição, o processo, que é uma estrutura normativa que comporta situações jurídicas e é essa estrutura normativa de um procedimento que prepara um ato final, de caráter imperativo, um provimento, realizado em contraditório entre as partes.

Daí decorre que o procedimento jurisdicional, como atividade disciplinada por uma estrutura normativa destinada a preparação do provimento, é uma técnica criada pelo ordenamento jurídico e utilizada pelo Direito Processual e, que em sua função, deve procurar fornecer o melhor instrumento teórico para que o processo se torne uma técnica eficiente e eficaz.

É crescente a importância do processo como modelo ideal de participação dos próprios destinatários na formação, na execução e na aplicação de seus direitos; seja o processo legislativo, o administrativo ou o que é o nosso foco: o processo jurisdicional. Tal valoração se dá porque o Direito Processual Civil tem como objeto de investigação a norma que regula o exercício da jurisdição.

A primeira finalidade do processo jurisdicional é o correto desenvolvimento das atividades preparatórias da sentença. A presença do contraditório neste procedimento é imprescindível para que as partes construam com o juiz o próprio processo e, desta forma, participem da formação da sentença. Fica evidente que o processo jurisdicional também se destina, além da participação das partes, à tomada de consciência, pelas mesmas, de como e por que nasce o direito estatal que pode intervir em seus direitos. Portanto, é necessário que as partes saibam, por exemplo, porque podem ser condenadas, porque devem reparar um dano, porque podem ter um pedido de direito negado, etc.

O formalismo deve ser equilibrado no processo jurisdicional. Entretanto, os envolvidos devem perceber que o mesmo é necessário para assegurar a garantia da manifestação do devido processo legal e do contraditório. Muitas vezes a forma é essencial para que a Justiça atinja seus objetivos.

O processo também tem outra finalidade, a de resguardar e proteger os direitos individuais ou coletivos lesados ou ameaçados. É no devido processo legal (com a possibilidade da ampla defesa e a manifestação do contraditório), inerente ao Estado Democrático de Direitos, onde os direitos e garantias individuais se fazem respeitar, onde as partes podem participar democraticamente da construção uma sentença “justa”, é onde temos a certeza que o juiz, por exemplo, não vai exceder em sua autoridade enquanto funcionário representante do estado em sua função jurisdicional.

A jurisdição é organizada principalmente para proteger os direitos e combater os atos ilícitos. Mas devemos lembrar que há procedimentos onde há conflitos de interesses entre as partes quando o contraditório se manifesta (litígios) e há outros conflitos sem a sua manifestação (consensuais). O provimento tem, como pressuposto de validade, o correto desenvolvimento do procedimento que o prepara, e quando se confirma, no contraditório, a existência do direito lesado ou ameaçado, a medida jurisdicional é imposta para impedir que perdure a lesão ou a ameaça, para se determinar à reparação ou a proteção.

A doutrina processual brasileira tem atribuído finalidades jurídicas, políticas, éticas e sociais ao processo. O professor DINAMARCO propõe que os objetivos da jurisdição também sejam ampliados além da esfera jurídica. É necessário que o Direito Processual estenda pontes de entendimento com outras áreas de conhecimento para que as influencie e seja por elas influenciado. A própria história, por exemplo, revela que o atual conceito de processo foi fruto de lutas pela ampliação dos direitos e garantias fundamentais.

Percebe-se que as ideologias, com concepções e interesses próprios, apresentam-se numa fase pré-jurídica para cristalizarem seus escopos no conteúdo das normas que compõem o ordenamento jurídico. Exemplo disto é a nossa atual Constituição.

Não devemos esquecer que em um regime democrático e num estado de direito, a ordem política e a ordem social existem e são reguladas por um ordenamento jurídico. Por isso, os conceitos de jurisdição e o de processo têm merecido especial importância no plano das garantias constitucionais, que são garantias da própria sociedade.

Capítulo X - Considerações finais

Neste último capítulo da obra o autor traça um panorama geral de todo o conteúdo do livro, destacando importantes conclusões a que se chega ao longo da obra.

O primeiro ponto que merece destaque é a afirmação que a Ciência Processual Civil torna-se autônoma a partir da definição de seu domínio de estudo, uma vez que antes dessa ciência os ritos eram mistificados.

Outro ponto importante, é que a Ciência Processual se fundou no direito de ação, que posteriormente sofrerá uma evolução conceitual, e na relação jurídica, que do mesmo modo será posteriormente compreendida como situação jurídica.

O autor também destaca a evolução do conceito de contraditório, que passa ter a seguinte definição: é a garantia da decisão de participar no processo em simétrica igualdade.

Por fim, destaca-se a conclusão mais importante da obra de que o processo é uma espécie de procedimento realizado em contraditório entre as partes.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.

Clovis RF
Enviado por Clovis RF em 25/10/2007
Código do texto: T709542