Resumo
O presente artigo analisa o assédio moral e o sexual nas relações laborais e a necessidade das empresas empregadoras buscar firme orientação ética para a melhoria do ambiente laboral.
 
Palavras-Chave: Direito do Trabalho. Assédio Moral. Assédio Sexual, Empregador. Empregado. Ética. Responsabilidade civil e penal.
 
 
Introdução
Já no berço da etimologia, o vocábulo “assédio” traz imediatamente duas significações cruéis, uma dirigida ao conteúdo sexual e outra dirigida ao movimento politicamente correto dos norte-americanos.
 
E, sem dúvida, esses aspectos tão intimamente ligados traz um elastério ao debate, porém, sem revelar as diversas nuances que tal mísero fenômeno traz.
 
Realmente não se trata de fenômeno inédito e nem recente, pois seu debate e denúncia, particularmente, no mundo das empresas e organizações, já registra a curiosa frequência. De fato, há um repetitivo esforço no sentido de promover a desqualificação pessoal, podendo ou não conduzir a tipificação do assédio moral ou sexual.
 
 
Somente em 1996 é que surgiu o primeiro estudo sério sobre a temática e fora desenvolvido pelo sueco Heinz Leymann, pesquisador da Psicologia do Trabalho e, trouxe a baila as diferentes categorias profissionais, podendo conduzir ou não ao assédio sexual. Acarretando a identificação de certo comportamento violento que perfaz o chamado psicoterror[1].
 
Contemporaneamente, em diversos países, médicos do trabalho, assistentes sociais, diretores de recursos humanos, comitês de higiene e segurança do trabalho, advogados, e sindicatos começaram a se interessar mais amiúde sobre a temática.
 
Em 1998, a psiquiatra e a psicoterapeuta familiar Marie-France Hirigoyen, com formação em vitimologia nos EUA e na França, quando lançou a obra intitulada Le harcèlement moral: la violence perverse au quotidien"  que logo se tornara um best-seller em pouco tempo, e abriu espaço para um grande debate, seja no âmbito da família ou do trabalho.
 
As ideias da obra inspiraram a revista francesa Rebondie que era uma publicação especializada em questões relacionadas ao emprego e começou a realizar uma ampla pesquisa a respeito do tema.
 
Espera-se que o debate sobre o tema venha despertar a consciência daqueles que se interessam pelas questões ligadas à subjetividade no universo organizacional e que se dedicam a desenvolver formas de torná-lo mais humano e decente, buscando reduzir as práticas que tanto degradam o ser humano e aviltam a potencialidade que pode existir no trabalho.
 
Assédio Moral
 
 
Em nosso cotidiano podemos defrontar-nos com situações que nos mitigam as forças e que podem arrebatar-nos e, descrevem autênticos verdadeiros assassinatos psíquicos, porém, apresentam-se como violência indireta, em relação à qual, muitos de nós, sob o pretexto da tolerância, tornam-se complacentes, indiferentes e até omissos.
 
Em verdade, nem ousamos em cogitar sobre a perversidade que essas agressões engendram, transformando num processo inconsciente de destruição psicológica constituído de procedimentos hostis, evidentes ou escondido, de um ou até vários indivíduos sobre o outro, seja na forma de palavras, gestos, alusões, sugestões que ainda que não-ditas conseguem a desestabilizar a pessoa, ou mesmo destruí-la, sem que os que o cercam intervenham, arquitetando um meio-ambiente tóxico e até letal.
 
O agressor tanto pode se engrandecer como se rebaixar ao outro, sem culpa e nem sofrimento, perfazendo uma perversão moral.
 
Todos nós podemos, eventualmente, utilizar-nos de um processo perverso pontual, o que integra a nossa neurose considerada normal, porém, se torna destrutivo seja pela frequência seja pela repetição no tempo.
 
 
 
E, alguns indivíduos não podem existir senão por rebaixamento de outros, é necessário arrasar o outro para que o agressor tenha ou goze de boa estima, para demonstrar poder, pois ele é ávido tanto por admiração como por aprovação, manipulando os demais ao redor para atingir seus nefastos resultados. Alguns ousam chamar tal fenômeno de liderança agressiva[2].
 
A perversidade não provém de patologia psiquiátrica, mas de uma racionalidade fria associada a uma incapacidade de considerar os outros como seres humanos, dignos de respeito. A maior parte dos agressores usa o seu charme e carisma e suas faculdades adaptativas para deixar atrás de si pessoas fluídas e vidas devastadas.
 
Mesmo os mais cultos como psiquiatras, juízes e educadores, não raro, caem nas armadilhas de perversos, que se fazem passar como vítimas, quando, no fundo, são pessoas habilidosas em desenvolver comportamentos habilidosos em desenvolver um comportamento predatório que paralisa o outro e impede de defender-se.
 
Em geral o assédio moral começa com um abuso de poder, qualquer que seja sua base de sustentação, segue por um abuso narcísico no qual o outro perde a autoestima e, pode chegar, por vezes, ao abuso sexual.
 
O que pode simplesmente começar com uma mera pequena mentira, uma falta de respeito, torna-se uma fria manipulação por parte do indivíduo perverso, que tende a reproduzir o seu comportamento destruidor em todas as circunstâncias de sua vida, a saber: local de trabalho, com cônjuge, com os filhos[3], pais, irmãos e, etc...
 
A área de estudo chamada Vitimologia[4] é recente nos EUA e mesmo em França há um estatuto que dá direito à titulação universitária sendo disciplina existente desde 1994, e consiste em analisar as razões que levam um indivíduo a tornar-se vítima, os processos de vitimização, as consequências a que induzem e os direitos a que podem pretender.
 
A violência privada e perversa exercida contra o cônjuge é frequentemente negada ou banalizada, reduzida a simples prática de relação de dominação. Mesmo a Lei Maria da Penha[5] apesar de ter trazido maior proteção à mulher, não consegue ser plenamente eficaz ou mesmo evitar os altos índices de feminicídio[6] que ocorre no Brasil, principalmente, nas principais capitais brasileiras.
 
Há ainda a simplificação psicanalítica que consiste em fazer do outro um cúmplice ou mesmo o responsável pela troca perversa, negando a dimensão de dominação ou ascendência que paralisa a vítima e a impede de defender-se.
 
Tratar-se de mantê-la em dependência, e frustrá-la constantemente e impedi-la de pensar e perceber todo o processo, promovendo desqualificação do outro e empurrando-o a um comportamento reprovável e repreensível.
 
A trivial violência ocorrida em divórcios, separações litigiosas e disputas de guarda da prole contam com a manifestação do assédio, pois os seus ex-parceiros não deixam em paz a sua presa, sempre a invadindo, seja com sua presença ou opinião, cercando-a, seja esperando-a na saída do trabalho, telefonando-lhe dia e noite, com palavras ameaçadoras diretas ou indiretas, ou gerando situações de medo e apreensão nas suas vítimas.
                                                              
Nem a prole é poupada posto que se tornem frequentes vítimas de maus tratos psicológicos, que podem assumir várias facetas, tanto a violência verbal, comportamento sádico e desqualificativo, rejeição afetiva, exigências excessivas e desproporcionais em relação à idade, ordens e cobranças educativas por vezes contraditórias ou até impossíveis. A agressão vai da malevolência até mesmo o uso de desqualificativo tais como lixo, rejeito, burro, porco e até inútil[7].
 
O resultado dessa violência perversa é mesmo a destruição da individualidade do outro, existem infelizes famílias onde reina a atmosfera doentia, feita de olhares repressores, toques fortuitos, alusões sexuais e nestas a barreira das gerações não é nítida, e não existem as fronteiras firmes entre o banal e o sexual.
 
Não se trata de um incesto propriamente dito, mas de um clima incestuoso, permissivo, que tende ao incesto mesmo que ele tenha de fato ocorrido.
 
É chamado pelos estudiosos de incesto soft. O que não é atacável pelo ponto de vista jurídico, mas a violência está presente e acena por meio de diversos sinais aparentes, como as seguintes situações, a saber:
a) a mãe que conta à filha com doze anos seus fracassos sexuais com o marido e compara os seus atributos com os de seus outros amantes;
b) pai que pede à filha para regularmente lhe servir de álibi, acompanhando-o ou esperar no carro, enquanto que está com a sua amante;
c) a mãe que pede a filha adolescente para examinar-lhe os órgãos sexuais e verificar se eles têm algum problema ou anormalia.
d) o pai que seduz as colegas da filha adolescente e as acaricia em sua presença.
 
Assim, as crianças e adolescentes vivenciam um ambiente patológico, sem o direito de ter infância e ter sua ingenuidade respeitada, sendo integradas como testemunhas da vida sexual dos adultos, Isso quando não venham a ser manipuladas como meros objetos para esse mesmo fim.
 
O assédio moral nas organizações a relação perversa pode ser constitutiva na vida de um casal, visto que os parceiros se escolhem, mas esse não é o fundamento da relação numa empresa. O contexto é diferente, apesar de o funcionamento ser parecido.
 
Nas organizações, a violência e o assédio nascem do encontro entre a inveja do poder e a perversidade. No mundo do trabalho, nas universidades e nas instituições em geral, as práticas de assédio são muito mais estereotipadas que na esfera privada e são também onde elas têm sido mais denunciadas por suas vítimas.
 
De toda conduta abusiva que se manifesta através de comportamentos, palavras, atos, gestos que podem  causar danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em risco o emprego, a ocupação, a função ou degradando o clima de trabalho.
 
Convém ressaltar que o assédio no trabalho é tão antigo quanto o próprio trabalho, mas foi somente no começo da década de noventa é que passou a ser identificado como fenômeno lesivo ao ambiente de trabalho, não só reduzindo ou até suprimindo a produtividade como também até favorecendo o absteísmo, devido aos danos psicológicos gerados.
 
Antes da pesquisa desenvolvida de Heinz Leymann, na Suécia, que envolveu diversas categorias profissionais, e que ele denominou de psicoterror a essas manifestações cruéis e malévolas.
 
O assédio moral no trabalho, geralmente, surge de forma insignificante e quase invisível e, se propaga pelo fato de os envolvidos (as vítimas) não desejarem formalizar denúncia ou reclamação e, encararem de forma superficial, deixando passar toda sorte de insinuações e chacotas e, em seguida, os ataques e acharques que se multiplicam, de tal modo, que a vítima é regularmente acuada, colocado em status de inferioridade, e submetida às manobras hostis e agressivas e progressivamente degradantes, por longo período.
 
Tais agressões, não são infligidas diretamente, provocam uma queda de autoestima, e, cada vez mais, a pessoa sente-se humilhada, usada e indigna. Em verdade, tal situação é diferente dos conflitos triviais que quase todo grupo vive e que são parte do universo do trabalho.
 
Porém, uma observação mais ferina, em certo momento de nervosismo ou de mau humor, não é significativa, especialmente se vem seguida de um pedido de desculpas por excesso. É a repetição das situações vexatórias e das humilhações sem nenhuma nuance que constitui o fenômeno do assédio.
 
Em geral, quando nas ocorrências vexatórias, os colegas que testemunham, tendem a virar o rosto, ou simplesmente, fingem não ver, seja por covardia, egoísmo ou simples medo.
 
Aliás, é muito comum que chefes medíocres, sádicos e histéricos que habitualmente gritam, jogam e quebram coisas, invertem os papéis acusando o outro por perda de documentos, por falta de cumprimento de tarefas, por esquecimentos de agendamento, criam armadilhas para ver o outro fracassar e, finalmente, para acusar o outro, que não deu conta do recado, para chamar de incompetente e inútil, e afirmar que não sei como posso suportar trabalhar com alguém como você.
 
E, assim, a vítima se sentindo perseguida e descompensada, agredida por vezes por mera falta mínima e absolutamente desproporcional, jogando o outro numa situação vexatória e semeando insegurança e tenta justificar a agressão pelo erro cometido e apregoa que os insultos são merecidos.
 
A tendência de omissão generalizada dos colegas ainda é maior quando o ataque ocorre entre pessoas do mesmo nível hierárquico[8] ou mesmo entre pares, justificando-a com sentenças populares tais como: Eles que são brancos que se entendam, ou quando a briga é de titãs, eles que são grandes que se vierem.
 
Geralmente é o assédio moral que desencadeia a reação, pois a vítima reage ao autoritarismo. Sendo que sua recusa a submeter-se à autoridade, apesar das pressões que a designa como alvo preferido.
 
O assédio torna-se possível porque este é precedido de desqualificação da vítima e, é aceita em silêncio ou simplesmente endossada pelo grupo. Essa depreciação dá a justificativa a priori que a crueldade exercida de todo é merecida, ou por se acreditar que a vítima estava pedindo por isto.
 
Assim, nesse procedimento, a vítima passa a ser estigmatizada, passando ser considerada como pessoa difícil de conviver, tem mau caráter ou é louca, é temperamental, ou desvairada ou irresponsável. O débito é deslocado da personalidade da vítima que é tida como consequência do conflito e, se esquece do que a pessoa era antes do assédio.
 
A vítima pressionada ao extremo, a vítima passa a dizer e a fazer o que dela se espera. E passa não produzir o seu melhor, se torna mais desatenta, ineficaz e sensível às críticas.
 
No ambiente de trabalho, estamos sujeitos a encontrar situações em que: a) um colega é agredido por outro colega: os grupos tendem a nivelar os indivíduos e a não suportar as diferenças (mulheres em grupo de homens, homens em grupo de mulheres, homossexuais, diferenças raciais, etc.).
 
Em um grupo tradicionalmente reservado aos homens, não é fácil para uma mulher[9] chegar e se fazer respeitar; ela está sujeita a piadas grosseiras, gestos obscenos, desdém a respeito do que diz e faz, recusa em ter o seu trabalho levado a sério.
 
Parece um deboche, todo mundo ri, inclusive as demais mulheres presentes; é como se elas não tivessem escolha. Algumas organizações, empresas em particular, são incapazes de fazer respeitar os direitos mínimos do indivíduo e permitem que se desenvolvam o racismo e o sexismo em seu seio.
 
Às vezes, o assédio é suscitado por um sentimento de inveja em relação a qualquer um que possua algo que os demais não têm (beleza, juventude, competência, riqueza, qualidades sociais).
 
É também o que ocorre no caso de jovens superqualificados e diplomados que ocupam cargos em que têm como superior hierárquico alguém sem o mesmo nível de qualificações.
 
As agressões entre colegas também podem encontrar as suas raízes nas inimizades pessoais ligadas à história dos protagonistas ou na competição, numa tentativa de fazer valorizar-se à custa do outro.
 
Às vezes, o apoio do superior para resolver a questão pode reforçar o problema, abrindo espaço para acusação de favoritismo e favores sexuais. Se não existe um clima de confiança, é impossível pedir apoio do superior (ainda se corre o risco de ouvir algo como: só você mesmo para ter uma ideia dessas)[10].
 
b) um superior é agredido pelo (s) subordinado(s): trata-se de um caso muito mais raro, porém passível de ocorrer. Por exemplo, no caso de profissionais expatriados, em que uma pessoa vem do exterior, tem seu estilo e métodos reprovados pelo grupo, mas não faz esforço para adaptar-se ou impor-se.
 
Pode também ser um antigo colega que foi promovido sem que os demais tenham sido consultados. De qualquer maneira, não se levou em consideração a opinião do pessoal com quem essa pessoa iria trabalhar.
 
Ações ou omissões como não entrega de correspondência, extravio de documentos e processos, escutas telefônicas privadas, não entrega de recados são peças rasteiras comuns nesses casos. Se, por acaso, essa pessoa reclama ao seu superior, pode ser acusada e responsabilizada por não saber comandar ou não estar à altura do cargo em questão.
 
Pode ainda ocorrer quando um subordinado tem acesso privilegiado aos pares do superior e utiliza esse acesso para fazer fofocas, construir intencionalmente mentiras sustentadas em alguns fatos reais para dar-lhe credibilidade, difamar ou caluniar o outro.
 
Dificilmente, nesses casos, a vítima toma conhecimento dos detalhes pelos seus pares que proporcionaram a oportunidade desse acesso, o que torna quase impossível para a vítima fazer a sua defesa perante esse público, sem deixar de mencionar que a tirania do mais fraco aqui vai servir ao agressor de escudo, caso haja uma tentativa direta de confronto um subordinado é agredido por um superior: é o caso mais frequente, especialmente no atual contexto, em que o medo da perda do emprego está presente e transforma-se numa alavanca a mais para provocar situações dessa natureza.
 
Algumas empresas fazem vistas grossas em relação à maneira tirânica com que alguns chefes tratam os seus subordinados, para quem as consequências podem ser pesadas.
 
O abuso de poder, ou a necessidade de um superior esmagar os outros para sentir-se seguro, ou, ainda, ter a necessidade de demolir um indivíduo como bode expiatório são exemplos dessa modalidade.
 
[1] É uma forma de violência cometida no local de trabalho, pode consistir em atos, gestos, palavras e comportamentos humilhantes e degradantes, praticados de forma sistemática e prolongada contra o empregado, com clara e nítida intenção de persegui-lo, visando à sua eliminação da organização do trabalho. O autor pode ser o empregador ou superior hierárquico, o então chamado assédio vertical, ou de um colega de serviço, o chamado assédio horizontal, ou até mesmo, um subordinado, o chamado assédio ascendente.
[2] O assédio moral acontece devido ao abuso do poder por parte da liderança formal (cujo poder é atribuído pela autoridade do cargo) ou ainda por conflitos, entre os membros de um grupo, gerados pelas relações de trabalho deterioradas, provocando um cenário de discriminação dentro da organização. De uma forma geral, o medo do desemprego é uma das principais causas desse fenômeno, e o trabalhador, diante de uma situação conflituosa, acaba se sujeitando a atitudes não profissionais para conviver com a suposição de empenho – e assim, não perder o seu emprego. É importante a compreensão da dimensão do assédio moral que ultrapassa a dimensão individual, pois o assédio é produto de relações de trabalho degradantes, advindas de um contexto de trabalho desumanizador. Dessa forma, compreendem-se as dimensões individuais, grupais e organizacionais do assédio moral. "Um longo processo de assédio moral nos indica a existência de uma forma de organização do trabalho perversa, doentia, desrespeitosa em relação ao ser humano". Além disso, hoje se compreende mais claramente que a liderança opera dentro do grupo, e o sentimento de liderança se desenvolve entre seus participantes – líderes e liderados. O fenômeno da liderança é parte de um processo social e culturalmente construído no grupo, uma inter-relação entre líder e liderados, onde o líder demonstra maior habilidade para administrar e mobilizar o sentido das atividades desenvolvidas pelo grupo. Dessa forma, entende-se que a liderança é um relacionamento, um processo mútuo de ligação entre aqueles que lideram e os que são liderados, onde o líder a partir da identificação das necessidades daquele grupo dá forma às situações e sentido aos fenômenos vividos pelo grupo e organiza a ação de acordo com este sentido previamente estabelecido.
[3] Com base na lei brasileira, veremos que já existe definição, por parte do legislador, do assédio moral. Ele é chamado de “violência psicológica”, e está delimitado no art. 7º, II, Lei 11.340/2006,  a tão falada “Lei Maria da Penha”.  Diz a citada lei: “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;”.  Ao que parece, o legislador trouxe a definição com base no assédio moral trabalhado por Heinz Leymann (Mobbing), Marie-France Hirigoyen (Le harcélement moral: la violence perverse  au quotidien, traduzido no Brasil como Assédio moral: a violência perversa do cotidiano; Malaise dans le travail: harcèment moral, démeler le vrai du faux, traduzido no Brasil como Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral) e Harald Ege (Mobbing. Che cos’é il terrore psicológico sul posto de lavoro).
 
[4] A Vitimologia em si é uma ciência que estuda o papel da vítima no crime, trazendo uma posição de equilíbrio, colocando a vítima no local central do crime e não o réu, obviamente respeitando todos os seus direitos e garantias. Quando o Estado democrático de direito começou a se organizar e assumir o monopólio da justiça, a vítima foi passada para segundo plano e com o surgimento do Direito Penal moderno, as atenções passaram a ser voltadas para a pessoa do réu. Todavia, a vítima já ocupou a posição central do delito, e não apenas uma posição periférica como acontece nos dias atuais,  dava-se a ela a colocação de destaque, a opção de escolha entre a vingança e a compensação, esta era foi conhecida como idade de ouro. O surgimento da Vitimologia se deu como uma disciplina derivada de uma ciência maior denominada criminologia, entretanto, há divergência doutrinária sobre a existência ou não de uma autonomia científica desse estudo. Existem autores que tratam a Vitimologia como uma ciência autônoma, pelo fato de existir método, finalidade e princípio próprios. Porém a maior parte da doutrina entende de  maneira diversa, qual seja, a Vitimologia sendo um ramo de uma ciência maior denominada Criminologia. Ocorre também um terceiro posicionamento isolado que não reconhece a existência da Vitimologia, nem como ramo específico da criminologia, tampouco por ciência autônoma.
A análise da vítima no contexto delitivo é extremamente importante no caso concreto, pois irá gerar consequências jurídicas podendo, em alguns casos, ocorrer a exclusão da culpabilidade do agente
 pela aplicação da inexigibilidade de conduta diversa, ou até mesmo a exclusão do próprio crime em virtude da inexistência da tipicidade. A relação entre a vítima e o agente ofensor no contexto delitivo
não é caracterizada apenas pela divergência de vontades, ou seja, pela contraposição, mas também pela convergência de vontades, pela harmonia.
[5] Recentemente, a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que traz mecanismos para o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, foi alterada pelas leis 13.641/18 e 13.505/17.  Houve avanços, porém o progresso poderia ter sido maior. No que tange à Lei 13.505/17, acrescentou os artigos 10-A, 12-A e 12-B na Lei 11.340/06, com o intuito de fortalecer a proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores previamente capacitados, preferencialmente do sexo feminino (artigo 10-A). O atendimento pode abranger providências como proteção policial, tratamento médico e transporte. A oitiva de vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar contra a mulher deve trilhar o seguinte procedimento (artigo 10-A, parágrafo 2º): a) realização em recinto especialmente projetado, com equipamentos próprios à idade da mulher e à gravidade da violência sofrida; b) quando for o caso, intermediação por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial; c) registro em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrarem o inquérito.
[6] Feminicídio significa a perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino, classificado como um crime hediondo no Brasil... Alguns estudiosos do tema alegam que o termo feminicídio se originou a partir da expressão "genocídio", que significa o assassinato massivo de um determinado tipo de gênero sexual. O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher (misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero, fatores que também podem envolver violência sexual) ou em decorrência de violência doméstica. A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio. Violência doméstica ou familiar: quando o crime resulta da violência doméstica ou é praticado junto a ela, ou seja, quando o homicida é um familiar da vítima ou já manteve algum tipo de laço afetivo com ela. Esse tipo de feminicídio é o mais comum no Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, em que a violência contra a mulher é praticada, comumente, por desconhecidos, geralmente com a presença de violência sexual. Menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher: quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher Quando o assassinato de uma mulher é decorrente, por exemplo, de latrocínio (roubo seguido de morte) ou de uma briga simples entre desconhecidos ou é praticado por outra mulher, não há a configuração de feminicídio.
[7] A principal obra no Brasil, sobre Assédio moral, é “Assédio moral: a violência perversa do cotidiano”, de Marie-France Hirigoyen, pela editora Bertrand Brasil. Nesse livro vemos que acontecem assédios familiares entre casais e entre descendentes / ascendentes. No entanto, por sorte, as famílias são locais onde o assédio moral é menos frequente do que no trabalho. No entanto, o assédio familiar é mais destrutivo que o assédio laboral, pois a família é o local de abrigo emocional e afetivo de uma pessoa. Em quase todos os casos de assédio moral familiar, vemos que se aplicam as medidas protetivas da famigerada “Lei Maria da Penha”, descritas nos arts. 22 e 23. Mas o problema maior não é resolvido pela lei. O vínculo emocional que o agressor moral provoca na vítima é tão grande que a própria vítima não consegue se desvincular.  É necessário um acompanhamento psicológico que não incuta na pessoa a ideia de que ela é um “masoquista incubado”, pois muitos psicólogos entendem assim.  Na verdade, a vítima de assédio moral é justamente o perfeccionista, a pessoa de caráter, que querem fazer o melhor para o outro, em vez de pensar primeiro só em si.
[8] O líder tem papel primordial no que diz respeito à prevenção do desenvolvimento do assédio moral. A partir de uma liderança transparente e de uma gestão organizacional focada nos indivíduos, em que as relações de trabalho sejam estruturadas a partir de um sentido ético, é possível propiciar a existência de relações interpessoais saudáveis no trabalho, nas quais o trabalhador significará seu trabalho e seu crescimento pessoal. O desenvolvimento de uma consciência ética (respeito à singularidade, à subjetividade e diversidade, autonomia, etc.) por parte das lideranças e a influência destas em relação à equipe por meio da administração do sentido de pertença ao grupo possibilita a ressignificação tanto do ambiente organizacional quanto das relações de trabalho, fazendo com que estas se tornem mais humanas.  Uma liderança que gera sentido ético e humano, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento constante dos sujeitos, pode propiciar um ambiente de trabalho no qual a possibilidade de aparecimento do assédio moral seja minimizado ou extinto.
[9] Em razão dos altíssimos índices de crimes cometidos contra as mulheres que fazem o Brasil assumir o quinto lugar no ranking mundial da violência contra a mulher, há a necessidade urgente de leis que tratem com rigidez tal tipo de crime. Dados do Mapa da Violência revelam que, somente em 2017, ocorreram mais de 60 mil estupros no Brasil. Além disso, a nossa cultura ainda se conforma com a discriminação da mulher por meio da prática, expressa ou velada, da misoginia e do patriarcalismo. Isso causa a objetificação da mulher, o que resulta, em casos mais graves, no feminicídio.
[10] A ressignificação que pode ser realizada pela liderança, em conformidade com o contexto da organização e suas estratégias, no sentido de clarificar o papel de cada indivíduo da equipe, iluminar condições e relações de trabalho transparentes e humanizadoras, terá papel central tanto no que diz respeito a saúde mental do trabalhador quanto nas possibilidades de crescimento e desenvolvimento da organização. Quanto maior for a intelectualidade das organizações em relação à humanização do ambiente de trabalho e das relações aí existentes, tanto menor será o risco de que ocorra dentro destas o assédio moral. A mudança da gestão pautada no sentido da competitividade para uma gestão que objetiva e possibilita o sentido do desenvolvimento individual do trabalhador, bem como da equipe de trabalho como um todo, minimiza os conflitos existentes em relação à hierarquia e a disputa pelo crescimento profissional entre os indivíduos.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 01/08/2020
Código do texto: T7023366
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