As Forças Armadas e o exercício do Poder Moderador
O Brasil passa por um momento que pode ser classificado como sedo um período onde se vive uma crise de valores éticos e morai, que se reflete nas relações sociais, e nos comportamentos que são adotados por parte daqueles que ainda não entenderam o significado da expressão “Estado democrático de Direito”.
Na idade média, as pessoas resolviam os seus problemas por meio de contendas, onde apenas os mais fortes poderiam sobreviver, onde os trabalhadores, as mulheres, os velhos, e porque não se dizer os animais, não tinham nenhum direito, ou mesmo qualquer garantia.
Nesse período, o rei era absoluto, e foi por isso que Luiz XIV disse, “o Estado sou eu”, e o monarca não estava errado, pois era ele rei que dizia quem poderia viver, ou mesmo quem poderia morrer, e qual a regra que seria adotada em seu território.
Nessa época, também ocorreu o que se denominou de caça as bruxas, expressão esta que é utilizada nos dias atuais para demonstrar uma situação de exceção, onde as regras são deixadas de lado para a satisfação de interesses pessoais, para afastar aqueles que questionam os atos ilícitos que são praticados, os atos de corrupção, e os atos relacionados aos desvios de dinheiro público.
Apenas para elucidar um pouco mais a idade média, que corretamente foi chamada de idade das trevas, Henrique VIII, então Rei da Inglaterra, enviou para a fogueira aquele que escreveu a obra denominada de Utopia, Tomas Morus, em razão deste ter questionado seu relacionamento com uma outra mulher que não era rainha, uma falta grave perante a Igreja de Roma.
Deve-se esclarecer, que Tomas Morus apesar de suas ideais consideradas por alguns como sendo de vanguarda, na condição de Ministro de Henrique VIII, também mandou para a fogueira muitos daqueles que por ele foram considerados como sendo hereges.
A idade média após o seu longo período de existência terminou, e as novas concepções surgiram, as quais tiveram como principais representantes a Revolução Francesa de 1789, e a Independência Americana, com o objetivo de assegurar a todas pessoas a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Apesar das chamadas ideias iluministas, a França, a mesma França da liberdade, da igualdade e da fraternidade colonizou vários países impondo a estes regras severas, as quais não lembravam nem de longe os princípios dos revolucionários da queda da Bastilha do dia 14 de julho de 1789.
Após muitas lutas, as Nações conseguiram criar novos princípios destinados ao convívio social, e o nome destes princípios se encontram materializados no Estado de Direito, onde as pessoas devem ser tratadas em conformidade com a lei, sem qualquer tipo de influência política na promoção da Justiça.
Infelizmente, ainda existem pessoas que buscam desdenhar da expressão Estado de Direito, acreditando que possam se unir por meio das chamadas maiorias para violar o direito individual, ou mesmo as garantias de outras pessoas, que não se encontrem entre aqueles que se intitulam de maioria.
O que se percebe, é que essa realidade pode ser encontrada em um país, em uma comunidade, ou até mesmo em um residencial, onde alguns acreditando na autotutela, na impunidade, ou mesmo em conceitos ultrapassados, possivelmente inspirados na idade média, acreditam que possam fazer o que bem entenderam sem qualquer consequência legal, responsabilidade penal ou responsabilidade civil.
Na busca de assegurar a todas as pessoas a existência de um sistema efetivo, que respeite os direitos e garantias fundamentais de cada brasileiro residente no país, o legislador constituinte originário de 1988 estabeleceu a existência de três Poderes, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, que devem buscar atender aos interesses da Nação, exercendo suas funções com independência e harmonia.
O poder moderador, a função de natureza moderadora, não tem previsão na Constituição Federal de 1988, uma vez que segundo o legislador a existência dos Poderes foi estabelecida de forma taxativa, ou seja, são apenas e tão somente aqueles os Poderes da Nação, que se encontram presentes no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
No caso do Poder Judiciário, pode-se dizer que erroneamente, o legislador, repetindo textos anteriores, não estabeleceu a existência de um Poder Judiciário no âmbito dos Municípios, o que poderia ter contribuído para uma maior efetivação da prestação judiciária.
Desta forma, conforme se observa do texto constitucional não existe um poder moderador previsto no vigente ordenamento jurídico, uma vez que as funções de Estado representadas pelos Poderes foram estabelecidas de forma expressa pelo legislador constituinte originário para se evitar interpretações divorciadas da realidade jurídica nacional.
As Forças Armadas, que são constituídas pela Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira, sendo que esta sequência segue a antiguidade de cada Força, conforme o estabelecido no texto constitucional, são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, e que tem como missão a defesa do território nacional, incluindo seu espaço aéreo, mares, lagos e plataforma continental.
Ainda segundo o estabelecido no art. 142, da Constituição Federal, as Forças Armadas encontram-se sob a autoridade suprema do Presidente da República, e tem como missão a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, e por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
A leitura atenta da norma constitucional, que não admite uma interpretação extensiva, deixa claro que as Forças Armadas não são um órgão político, um partido, uma agremiação, um sindicato, ou mesmo qualquer outra coisa que possa se aproximar destes conceitos.
As Forças Armadas são uma Instituição que tem por objetivo manter a ordem, os poderes constituídos, e defender o território nacional contra qualquer invasão externa, e de forma complementar manter a ordem pública, quando o emprego das forças de segurança não for suficiente para a preservação da segurança pública, da tranquilidade e da salubridade pública.
Em nenhum momento, o legislador constituinte originário atribuiu as Forças Armadas o papel de poder moderador, o qual conforme mencionado existiu apenas e tão somente uma vez na história do país, quando foi editada a Constituição do Império de 1824.
O Poder Moderador conforme constou desta Constituição estava previsto nos arts. 98 a 101, e era exercido pelo Imperador, o qual na época, era o imperador Dom Pedro I, quando houvesse questões envolvendo os demais Poderes.
Segundo o art. 98, da Constituição de 1824, “ O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos”.
A norma constitucional prevista no art. 98, da Constituição de 1824, em nenhum momento fez menção as Forças Armadas para que estas por meio de seus Comandantes pudessem exercer o Poder Moderador no âmbito do Império, uma vez que a função política nunca foi uma das missões das Forças Armadas do Brasil.
Posteriormente, com o advento da República, a Constituição de 1824 foi revogada, e uma nova Constituição foi promulgada, o que ocorreu em 1891, e nesta nova norma fundamental assim como nas posteriores não houve mais a previsão do Poder Moderador a ser exercido pelo Chefe do Poder Executivo Nacional.
As novas Constituições estabeleceram apenas três Poderes, mas ao mesmo tempo foi instituído o que se denomina de sistema de freios e contrafreios, o que significa que um Poder fiscaliza os atos dos outros Poderes, na busca do equilíbrio nas relações institucionais, que devem atender não a interesses pessoais, mas aos interesses da Nação.
As Forças Armadas por definição são uma das expressões do Poder Nacional e tem como missão conforme mencionado anteriormente a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, e por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem, e não exercem função de natureza política.
Devido a definição constitucional, Instituições Permanentes assentadas na lei e na ordem, as Forças Armadas não servem aos interesses de um governante, as Forças Armadas servem a Nação, uma vez que os governos mudam, passam, mas a Nação permanece, assim como as Forças Armadas.
O legislador constituinte originário conhecedor da importância das Forças Armadas e a sua relevância para o Estado democrático de Direito estabeleceu que os militares da União não podem integrar partidos políticos, e nem mesmo fazer grave, uma vez que o primeiro compromisso do militar é com a Pátria.
Desta forma, com base na norma constitucional apenas e tão somente no texto constitucional, a conclusão que se apresenta é que as Forças Armadas da República Federativa do Brasil não possuem função política, e não exercem nenhum papel por meio de seus Comandantes de moderador entre os Poderes previstos na Constituição Federal.
A função das Forças Armadas encontra-se previamente estabelecida no art. 142 do texto constitucional, e é no cumprimento desta missão de natureza constitucional, que os militares da União, homens e mulheres, asseguram a todos os brasileiros, natos ou naturalizados, o exercício efetivo dos direitos e garantias fundamentais que se encontram estabelecidos no art. 5º, da Constituição Federal de 1988., que cuida dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.
A política deve ser exercida pelos políticos os quais devem atuar de forma legal, ética e moral, e aos militares da União fica a missão constitucional de defesa da Nação, e dos poderes constituídos, para que o Estado democrático de Direito, que significa viver em conformidade com as leis previamente estabelecidas, possa ser uma realidade para todos aqueles que residem no país.
Afinal, uma Nação somente se torna grande e respeitável entre as demais Nações do Mundo quando o seu sistema político e de defesa nacional funcionam em conformidade com a lei, ou em atendimento ao sistema que foi adotado pelo Brasil em conformidade com a Constituição, a rainha das Leis, a verdadeira soberana dos povos como disse Rui Barbosa.
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DOM PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Professor de Direito na Academia de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Mestre em Direito pela UNESP, Especialista em Direito Administrativo pela UNIP. Integrante da ADESG, Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra e da Academia Mineira de Direito Militar e da JETHRO Internacional e o autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo – Parte Geral e Parte Especial.