Primeiramente tenho que confessar a enorme admiração e respeito pelo doutrinador, professor e advogado Flávio Tartuce, toda sua obra jurídica é doutrina de primeiríssima linha, e ainda tem o luxo de ser didática, prática e objetiva...
Concordo plenamente com Flávio Tartuce quando apontou em seu recente artigo intitulado 2017: o ano do retrocesso representativo do Direito do Consumidor.
Logo, primeiramente ele apontou a maldição da conversão da Medida Provisória 764/2016 na Lei federal 13.455/2017 o que passou admitir a possibilidade cancerígena de forma de pagamento diferenciada entre consumidores, cartão de crédito e à vista...
As bizarrices do ano passado procriaram promiscuamente[1]...
Como é sabido a medida provisória, alcunhada pelas suas iniciais de MP é um instrumento com força de lei, adotado pelo Chefe do poder executivo, ou seja, pelo Presidente da República em casos de relevância e urgência.... Fatos que não ocorreram.
E, se não for aprovada no prazo de quarenta e cinco dias da sua publicação, a MP paralisa a pauta de votações até que seja votada.
A MP é ato unipessoal do Presidente da República e possui força imediata de lei, sem haver a participação ou aval do Legislativo que somente é chamado a debatê-la em momento posterior. Atente-se que seu pressuposto é contido e descrito no art. 62 CF/198 correspondente à urgência e relevância, cumulativamente. Nem sempre o Executivo respeita esse critério de relevância e urgência quando edita a MP.
O referido art.62 galgou nova redação por força da Emenda Constitucional 32/2001 e segundo Bandeira de Mello as medidas provisórias são "providências (como o nome iuris informa provisórias) que o Presidente da República poderá expedir com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, em caso de relevância e urgência e, que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em lei dentro do prazo, que correrá durante o recesso parlamentar, de 60 dias contados a partir de sua publicação prorrogável por igual período nos termos do art. 62,§7º CF/1988.
Não é lei, em sentido técnico estrito, visto que inexistente o processo legislativo que é prévio e essencial à sua formação. O processo legislativo é postergado.
Ao contrato do que o nome possa sugerir, a medida provisória tem tal nomen iuris não porque seja uma lei com prazo de validade, mas, porque entra no ordenamento jurídico mesmo antes de ser aprovada cabalmente pelo legislativo.
É sucedânea do Decreto-Lei oriundo de priscas eras do regime militar no brasil. Continuou a Constituição cidadã paradoxalmente a manter tal instrumento legislativo nas mãos do Presidente da República como forma de capacitá-lo com agilidade para materializar suas decisões políticas.
A medida provisória até pode ser reeditada só que não na mesma sessão legislativa, quando expressamente rejeitada pela Congresso Nacional, ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo, podendo ser novamente adotada na sessão legislativa seguinte. Infelizmente, o Supremo Tribunal Federal tem entendendo que a MP é veículo apto e idôneo para a instituição de tributos.
Valeu-se o poder executivo para impor MP tratando de tema que não era urgente, rompendo com a necessidade do debate democrático, deixando em apartado a opinião da população, e perdendo a oportunidade de tratar de projetos voltados à atualização do CDC tais como as PLS 3514, 3515/2015), onde existe uma comissão de juristas gabaritados para promover os ajustes.
Outro aspecto importante é o valorativo pois não respeita a sistematicidade, exibe crassa ofensa ao princípio da não discriminação entre os consumidores, que está insculpido no art. 6º, II do CDC e ainda no texto constitucional vigente no art. 5º caput. Restaurando a odiosa liberdade formal herdada do velhusco Estado Liberal.
Outro golpe cruel foi o extermínio da franquia das bagagens no transporte aéreo que atingiu particularmente o consumidor que nos últimos tempos passou ter melhor e maior acesso às viagens aéreas nacionais e internacionais.
E, a nova regulamentação da ANAc nem considerou os princípios basilares de promoção e proteção do vulnerável, realizando tão-somente uma análise mercadológica.
Mesmo assim, a mais alta Corte judicial brasileira determinou a prevalência da Convenção de Varsóvia sobre o CDC, vide RE 636.331, relator: ministro Gilmar Mendes, quanto ao tema de responsabilidade civil em voos internacionais. Como bem aludiu Tartuce temos um novo mantra: pagamos mais e somos indenizados menos!
O arrefecimento do poder do consumidor foi perpetrado também no setor imobiliário, praticando ampla adesão do governo, quanto às resilições dos contratos de incorporação imobiliária e o percentual de devolução de valores pagos pelos adquirentes.
E, sob o engodo de faltar a disciplina legal ao tema, foram esvaziando progressivamente os conteúdos normativos de proteção consumerista, bem como maculando o equilíbrio entre os iguais, e chegando ao absurdo de indicar como equivalente a ser restituído apenas vinte por cento do valor efetivamente pago.
Portanto, o locupletamento ilícito e à custa alheia já prossegue apesar de toda jurisprudência consolidada, tal como o enunciado da Súmula 543 STJ.
E, quanto aos planos de saúde, ainda aguardamos por novos sustos no decorrer de 2018. A reforma anunciada deseja projetar a diminuição no atendimento, na cobertura e, principalmente nos contratos coletivos onde a igualdade entre contratantes pessoa jurídica é presumida.
É um desrespeito à natureza do contrato de plano de saúde que se mudou de aleatório quanto ao risco, para passar a ser meramente comutativo pelos serviços, atacando a dependência de vida e saúde do vulnerável em benefício dos investimentos no mercado financeiro pelas operadoras de saúde.
No que se refere a representatividade do consumidor, mais um retrocesso, pois as entidades associativas de promoção ao consumidor, especialmente aquelas integradas por operadores do direito e juristas, pouco debateram ou criticaram às propostas legislativas e regulatórias apresentadas.
Construíram discussões intestinas sem maior efetividade do que foram a público fomentar o debate a exortar a ampla participação do cidadão para frear tantos desvios de perspectivas.
Mais uma vez devemos recordar que a opção constitucional brasileira fora tratar subjetivamente um dos entes da relação de consumo, diferenciando-o dos demais atores mercadológicos (sendo agente constitucionalmente designado).
Por exemplo, enquanto que muitos países a aplicação do direito consumerista ocorrem pela consagração de relação jurídica, como no caso de Portugal, no Brasil, infelizmente, o liame intersubjetivo resta em segundo plano, propiciando a proteção da pessoa consumidora.
Outro busilis a ser resolvido é determinar os limites das associações de consumidores na celebração de transações e acordos coletivos na defesa do consumidor.
Existindo a necessidade de evitar as situações nefastas e atalhos perigosos aos consumidores, pois corre-se o risco da representação ser pior do que as legislações encomendadas.
O alerta do artigo do grande doutrinador paulista, merece acolhida e eco, pois em 2018 as entidades representativas precisam recuperar valores, reestabelecer estratégias coerentes, sistêmicas e capazes de manter a proteção dos consumidores e a higidez do mercado econômico brasileiro.
[1] O CDC foi precursor de muitas das alterações no atual Código de Processo Civil — que adotou algumas de suas teses, como a distribuição do ônus probatório e a desconsideração da personalidade jurídica. A introdução do parágrafo segundo no art. 8º do CDC, pela Lei 13.486/2017, exigindo a higienização dos equipamentos e utensílios utilizados no fornecimento de produtos ou serviços. Outro tema polêmico foi a questão da cobrança de bagagem pelas companhias aéreas, que, entre idas e vindas está sendo praticada, acompanhando uma tendência mundial. Poucos são os países do mundo que hoje proíbem tal prática.