Resumo: O texto trata da teoria da norma, sua evolução e atual estágio no direito contemporâneo e no direito brasileiro.
Palavras-chave: Norma Jurídica. Introdução ao Estudo de Direito.
Introdução à Ciência do Direito. Estrutura da Norma Jurídica. Direito
Brasileiro.
 
 
Muitas vezes, a norma jurídica tem sido o ponto de referência para construções interpretativas importantes do direito. Pontes de Miranda que desenvolveu com bastante cuidado temas como fato jurídico, a incidência, a validade e a eficácia[1], não encontramos a estrutura da norma jurídica.
 
Como grande dogmático que foi, partiu do positivismo filosófico que o encaminhou até o positivismo jurídico-sociológico quando observou minuciosamente a tessitura relacional que a experiência com o direito oferece, aplicando-lhe, as categorias lógicas da relação.
 
E, levou tão a sério que chegou a mencionar que o direito processual era o ramo do direito mais rente à vida, pois bem, o doutrinador alagoano, que teorizou fartamente sobre o material empírico que tanto o direito proporciona, em nenhum momento se mostrou estimulado a construir uma teoria da norma, apenas preferindo cogitar em incidência da regra de direito.
 
Contudo, a visão normativa a que me refiro não tende assumir caráter absoluto, o que acarretaria certamente o famoso normativismo, entendido como algo excessivo que põe em competição com os demais esquemas de compreensão, afastando-se de iniciativas epistemológicas que se dirigem aos diferentes setores de que se compõe o fenômeno.
 
A teoria da norma há de se restringir à manifestação do deôntico, em sua unidade e no seu arcabouço lógico, mas também, em sua projeção semântica e dimensão pragmática. Pois, podemos examinar a norma por dentro, num enfoque intranormativo ou endonorma, e, por fora, numa perspectiva extranormativa, norma com norma, na sua multiplicidade finita, porém, ainda indeterminada.
 
Até mesmo os doutrinadores que dispensaram maior atenção ao tema das normas jurídicas não surpreenderam, ingressando, parcamente em sua intimidade e essência.
 
Mas, prosperam várias teorias em diversas direções, a saber: teorias sobre os fatos jurídicos, teoria sobre as relações jurídicas[2], teoria sobre estruturas institucionais, teorias sobre o sistema e sobre os valores, teorias, sobre as categorias fundamentais do fenômeno jurídico.
 
A teoria comunicacional do direito vem se irradiando, tanto na Europa, com a obra de Gregorio Robles Morchón, quanto em outros países, como o Brasil, ainda que debaixo de diversas designações, sendo o caso das “doutrinas pragmáticas” e do “constructivismo lógico-semântico”.
 
Tratar o direito como algo que necessariamente se manifesta em linguagem prescritiva, inserido numa realidade recortada em textos que cumprem as mais diversas funções, abriu horizontes largos para o trabalho científico, permitindo oportuna e fecunda conciliação entre as concepções hermenêuticas e as iniciativas de cunho analítico.
 
Por outro lado, uma série de ajustes hão de ser feitos para encurtar as distâncias entre tais propostas. Um deles é a delimitação das proporções do chamado princípio da “homogeneidade sintática” das normas do sistema, em face da heterogeneidade linguística dos enunciados do direito positivo.
 
De fato, como nos adverte Celso Lafer, “(...) o que caracteriza o Direito Positivo, no mundo contemporâneo, é a sua contínua mudança. Daí a necessidade de conhecer, identificar e qualificar as normas como jurídicas pela sua forma”.
 
Com efeito, a ambiguidade da expressão “normas jurídicas” para nominar indiscriminadamente as unidades do conjunto, não demora a provocar dúvidas semânticas que o texto discursivo não consegue suplantar nos seus primeiros desdobramentos.
 
E a clássica distinção entre “sentido amplo” e “sentido estrito”, conquanto favoreça a superação dos problemas introdutórios, passa a reclamar novos esforços de teor analítico.
 
Fixemos aqui um marco importante: quando se proclama o cânone da “homogeneidade sintática” das regras do direito, o campo de referência estará circunscrito às normas em sentido estrito, vale dizer, aquelas que oferecem a mensagem jurídica com sentido completo (se ocorrer o fato F, instalar-se-á a relação deôntica R entre os sujeitos S’ e S”), mesmo que essa completude seja momentânea e relativa, querendo significar, apenas, que a unidade dispõe do mínimo indispensável para transmitir uma comunicação de dever-ser.
 
E mais, sua elaboração é preparada com as significações dos meros enunciados do ordenamento, o que implica reconhecer que será tecida com o material semântico das normas jurídicas em sentido amplo.
 
 
Penso que tais elucidações afastem, desde logo, algumas dificuldades atinentes à singela dicotomia “homogeneidade/ heterogeneidade”, sobretudo porque a teoria comunicacional emprega esses signos voltados para a organização linguística do discurso jurídico, ao passo que o “constructivismo lógico-semântico” restringe esses nomes a planos distintos da análise semiótica.
 
Uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na função pragmática de prescrever condutas; outras, as normas jurídicas, como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante à forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas.
 
É exatamente o que ensina Riccardo Guastini[3], de modo peremptório: “um documento normativo (uma fonte Del diritto) è um aggregato di enunciati del discorso prescritivo”.

Gomes Canotilho percorre o mesmo caminho epistemológico, firmado, entre outros, na posição daquele jurista italiano.  Todavia, acaba por acolher doutrina que não me parece rigorosa, ao conceber a possibilidade de norma sem base em enunciados prescritivos.
 
Ao citar como exemplo o princípio do procedimento justo (due process), arremata: “Este princípio não está enunciado linguisticamente; não tem disposição, mas resulta de várias disposições constitucionais (...)”.
 
 Ora, se resulta de várias disposições constitucionais, assenta-se não em um enunciado apenas, mas em vários, o que infirma o pensamento do autor português.
 
Sucede que as construções de sentido têm de partir da instância dos enunciados linguísticos, independentemente do número de formulações expressas que venham a servir-lhe de fundamento.
 
Haverá, então, uma forma direta e imediata de produzir normas jurídicas; outra, indireta e mediata, mas sempre tomando como ponto de referência a plataforma textual do direito posto.
 
Também Eros Grau[4], distinguindo “texto” de “norma”, afirma que a atividade interpretativa é um processo intelectivo, pelo qual, partindo-se de fórmulas linguísticas contidas nos atos normativos (os textos, enunciados, preceitos, disposições), alcançamos a determinação de seu conteúdo normativo.
 
. Em outro escrito, retrilhando a mesma ideia, aduz: “è volta al discernimento degli enunciati semantici veicolati daí precetti (enunciati, disposizione, testi). L’interprete libera la norma dal suo invólucro (il texto); in questo senso, l’interprete ‘produce la norma’”(grifo do autor).
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A doutrina do ilustre publicista se aproxima do ponto de vista que expusemos, com a pequena diferença de que tomamos a norma como construção “a partir dos enunciados” e não “contida ou involucrada nos enunciados”.
 
Todavia, a expressão “o intérprete produz a norma”[5] cai como uma luva ao sentido que outorgamos às unidades normativas. Adverte o autor, no entanto, que o intérprete produz a norma na acepção de que, posto o enunciado pela autoridade competente, ele, intérprete, passa a construir a regra de direito.
 
Outra proporção semântica seria a de expedir o próprio enunciado, a contar do qual será edificada a norma, tarefa do órgão indicado pelo sistema.

Seja como for, o processo de interpretação não pode abrir mão das unidades enunciativas esparsas do sistema positivo, elaborando suas significações frásicas para, somente depois, organizar as entidades normativas (sentido estrito).
 
Principalmente porque o sentido completo das mensagens do direito depende da integração de enunciados que indiquem as pessoas (físicas e jurídicas), suas capacidades ou competências, a ação que podem ou devem praticar, tudo em determinadas condições de espaço e de tempo.
 
A teoria comunicacional[6], aliás, trata admiravelmente bem desse tema, organizando os enunciados do direito positivo (ordenamento) de tal modo que facilita as providências subsequentes da montagem comunicativa.
 
O conceito de “norma completa”: norma primária e norma secundária As normas jurídicas têm a organização interna das proposições condicionais, em que se enlaça determinada consequência à realização de um fato.
 
Dentro desse arcabouço, a hipótese refere-se a um fato de possível ocorrência, enquanto o consequente prescreve a relação jurídica que se vai instaurar, onde e quando acontecer o fato cogitado no suposto normativo.
 
Reduzindo complexidades, podemos representar a norma jurídica da seguinte forma: H → C, onde a hipótese (H) alude à descrição de um fato e a consequência (C) prescreve os efeitos jurídicos que o acontecimento irá provocar, razão pela qual se fala em descritor e prescritor, sendo o primeiro para designar o antecedente normativo e o segundo para indicar seu consequente.
 
Mas a norma de que falamos é unidade de um sistema, tomado aqui como conjunto de partes que entram em relação formando um todo unitário. O todo unitário é o sistema; as partes, unidades que o compõem, configuram o repertório; e as relações entre essas partes tecem sua estrutura.
 
As regras jurídicas não existem isoladamente, mas sempre num contexto de normas com relações particulares entre si.
 
Atentar para a norma, na sua individualidade, em detrimento do sistema é, na contundente metáfora de Norberto Bobbio, “considerar-se a árvore, mas não a floresta”. Construir a norma aplicável é tomar os sentidos de enunciados prescritos no contexto do sistema de que fazem parte.
 
A norma é proposição prescritiva decorrente do todo que é o ordenamento jurídico. Enquanto corpo de linguagem vertido sobre o setor material das condutas intersubjetivas, o direito aparece como conjunto coordenado de normas, de tal modo que uma regra jurídica jamais se encontra isolada, monadicamente só: está sempre ligada a outras normas, integrando determinado sistema de direito positivo.
 
Depende a norma, pois, desse complexo produto de relações entre as unidades do conjunto. É produzida por um ato (do Legislativo, do Executivo, do Judiciário ou mesmo do particular), sua fonte material.
 
Mas, ao ingressar o enunciado linguístico no sistema do direito posto, seu sentido experimenta inevitável acomodação às diretrizes do ordenamento. A norma é sempre o produto dessa transfiguração significativa.
 
Na completude, as regras do direito têm feição dúplice: (i) norma primária (ou endonorma, na terminologia de Cossio, a que prescreve um dever, se e quando acontecer o fato previsto no suposto; (ii) norma secundária (ou perinorma, segundo Cossio), a que prescreve uma providência sancionatória, aplicada pelo Estado-Juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária.
 
Inexistem regras jurídicas sem as correspondentes sanções, isto é, normas sancionatórias. A organização interna de cada qual, porém, será sempre a mesma, o que permite produzir-se um único estudo lógico para a análise de ambas.
 
Tanto na primária como na secundária, a estrutura formal é uma só [D (p->q)]. Varia tão-somente o lado semântico, porque na norma secundária o antecedente aponta, necessariamente, para um comportamento violador de dever previsto na tese de norma primária, ao passo que o consequente prescreve relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado, exercitando sua função jurisdicional, passa a ocupar a posição de sujeito passivo.
 
Por isso, o que existe entre ambas é uma relação-de-ordem não simétrica, como agudamente pondera Lourival Vilanova.
 
Apresentada em notação simbólica, a norma secundária apareceria da seguinte forma: [D(p.-q) →Sn]. E com o desdobramento de Sn: (S’RS’’’’), em que “p” é a ocorrência do fato jurídico; “.”, o conectivo conjuntor; “-q”, a conduta descumpridora do dever; “→”, o operador implicacional; e Sn a sanção, desdobrada em S’, como sujeito ativo (o mesmo da relação da norma primária; R, o relacional deôntico; e S’’’, o Estado-Juiz, perante quem se postula o exercício da coatividade jurídica).
 
A Teoria Geral do Direito refere-se à relação jurídica prevista na norma primária como de índole material, enquanto a estatuída na norma secundária seria de direito formal (na acepção de processual, adjetiva).
 
Não seguimos a terminologia inicialmente acolhida por Kelsen: norma primária a que prescreve a sanção e secundária a que estipula o dever jurídico a ser cumprido. Fico na linha de pensamento de Lourival Vilanova[7], coincidente, aliás, com o recuo doutrinário registrado na obra póstuma do mestre de Viena.
 
As duas entidades que, juntas, formam a norma completa, expressam a mensagem deôntica-jurídica na sua integridade constitutiva, significando a orientação da conduta, juntamente com a providência coercitiva que o ordenamento prevê para seu descumprimento.
 
Em representação formal: D{(p→q) v [(p→-q)→S]}.  Ambas são válidas no sistema, ainda que somente uma venha a ser aplicada ao caso concreto. Por isso mesmo, empregamos o disjuntor includente (“v”) que suscita o trilema: uma ou outra ou ambas.
 
A utilização desse disjuntor tem a propriedade de mostrar que as duas regras são simultaneamente válidas, mas que a aplicação de uma exclui a da outra.
 
Espécies normativas[8]
 
Parece-nos perfeitamente justificada e coerente a adoção das qualidades “abstrato” e “concreto” ao modo como se toma o fato descrito no antecedente.
 
A tipificação de um conjunto de fatos realiza uma previsão abstrata, ao passo que a conduta especificada no espaço e no tempo dá caráter concreto ao comando normativo.
 
Embora revista caracteres próprios, a existência do antecedente está intimamente atrelada ao consequente, vista na pujança da unidade deôntica, que, por seu turno, terá outro perfil semântico.
 
Levando em conta tais considerações, a relação jurídica será geral ou individual, reportando-se o qualificativo ao quadro de seus destinatários: geral, aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, a que se volta a certo indivíduo ou a grupo identificado de pessoas.
 
Pudemos relevar, outrossim, que argutos conhecedores têm se limitado à apreciação do antecedente normativo, ao qualificar as normas jurídicas de gerais e individuais, abstratas e concretas.
 
Apesar da fecundidade de notações, a redução não se justifica. A diferença repousa em que a compostura da norma reclama atenção para o consequente: tanto pode haver indicação individualizada das pessoas envolvidas no vínculo, como pode existir alusão genérica aos sujeitos da relação.
 
Uma coisa é certa: é possível que o antecedente descreva fato concreto, consumado no tempo e no espaço; com o consequente, porém, será isso impossível, uma vez que a prescrição da conduta devida há de ser posta, necessariamente, em termos abstratos. Briga com a concepção jurídico-reguladora de comportamentos intersubjetivos imaginarem prescrição de conduta que já se consolidou no tempo, estando, portanto, imutável. Seria um sem-sentido deôntico.
 
Sopesadas essas premissas, poderemos classificar as normas em quatro espécies:
(i) abstrata e geral;
(ii) concreta e geral;
(iii) abstrata e individual; e
(iv) concreta e individual.
 
Passaremos a examinar uma a uma. A norma abstrata e geral adota o termo abstrato, em seu antecedente, no bojo do qual preceitua enunciado hipotético descritivo de um fato, e geral, em seu consequente, onde repousa a regulação de conduta de todos aqueles submetidos a um dado sistema jurídico[9].
 
Observadas essas reflexões, o antecedente das normas abstratas e gerais representará, invariavelmente, uma previsão hipotética, relacionando as notas que o acontecimento social há de ter, para ser considerado fato jurídico.
 
Será, portanto, um enunciado conotativo, que se compõe ora de uma classe ou conjunto enumerando os indivíduos que a compõem, ora indicando as notas ou nota que o indivíduo precisa ter para pertencer à classe ou conjunto.
 
A primeira é a forma tabular; a segunda, forma-de-construção. A modalidade em que, quase sempre, manifesta-se a proposição normativa geral e abstrata não é a forma tabular, mas a forma-de-construção.
 
Nela se estatuem as notas (conotação) que os sujeitos ou as ações devem ter para pertencerem ao conjunto. Em posição subsequente, teremos o consequente normativo que, por seu turno, trará conduta invariavelmente determinada em termos gerais, voltada para um conjunto indeterminado de pessoas.
 
Agora, em abono desse matiz e considerando a feição dúplice de toda norma completa, deparar-nos-emos, no plano semântico, com dois diferentes tipos gerais e abstratos: a norma geral e abstrata primária e a norma geral e abstrata secundária.
 
Na primeira, acomoda-se um enunciado que prescreve um dever: “Se ocorrer o fato F, então dever-ser a conduta Q”.
 
Na segunda, instala-se um enunciado que prescreve uma providência sancionatória hipotética: “Se ocorrido o fato F e descumprido o dever da conduta Q, então dever-ser a relação sancionatória Sn entre o sujeito do dever e o Estado-Juiz”.
 
Ambas as estruturas guardaram homogeneidade sintática, abrindo-se para receber apenas o plano dos conteúdos. Comprova-se, mais uma vez, a heterogeneidade semântica invariavelmente presente no domínio das estruturas normativas.
 
Penso ser inevitável, porém, insistir num ponto que se me afigura vital para a compreensão do assunto: a norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor de sua juridicidade, reivindica, incisivamente, a edição de norma individual e concreta.
 
Uma ordem jurídica não se realiza de modo efetivo, motivando alterações no terreno da realidade social, sem que os comandos gerais e abstratos ganhem concreção em normas individuais.
 
O fenômeno da incidência normativa opera, pois, com a descrição de um acontecimento do mundo físico-social, ocorrido em condições determinadas de espaço e de tempo, que guarda estreita consonância com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata (regra-matriz de incidência).
 
Por isso mesmo, a consequência desse enunciado será, por motivo de necessidade deôntica, o surgimento de outro enunciado protocolar, denotativo, com a particularidade de ser relacional, vale dizer, instituidor de uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito.
 
Este segundo enunciado, como sequência lógica e não cronológica, há de manter-se, também, em rígida conformidade ao que for estabelecido nos critérios da consequência da norma geral e abstrata.
 
Em um, na norma geral e abstrata, temos enunciado conotativo; em outro, na norma individual e concreta, um enunciado denotativo.
 
Ambos com a prescritividade inerente à linguagem jurídica.
 
O fato, portanto, ocorre apenas quando o acontecimento for descrito no antecedente de uma norma individual e concreta. O átimo de constituição saliente-se, não pode ser confundido com o momento da ocorrência a que ele se reporta, e que, por seu intermédio, adquire teor de juridicidade.
 
Posto isto, pretendo deixar claro que, em notações paralelas ao que se postulou em planos abstratos, a norma primária e a norma secundária, em termos individuais e concretos, apresentam ordens semânticas diversas.
 
Prescreve, a primeira, o fato típico denotativo previsto no suposto do dever, identificando o próprio acontecimento relatado no antecedente da norma individual e concreta; e a conduta regulada, identificando os sujeitos da relação e seu objeto.
 
A segunda, por sua vez, em seu antecedente, alude, com determinação, à ocorrência do fato típico e à conduta descumpridora do dever em termos concretos; e, em seu consequente, à própria sanção, vinculando Estado-Juiz e sujeito de dever por meio de uma relação concreta, portadora de coatividade jurídica.
 
Seguindo o degrau das estruturas normativas, perceberemos que tanto a norma geral e abstrata quanto a norma individual e concreta pressupõem um ato ponente de norma, juridicizado pela competência jurídica de inserir norma no sistema que lhe prescreve o direito positivo.
 
Torna-se preciso, como pede a teoria das fontes do direito, que um veículo introdutor (ato jurídico administrativo do lançamento, por exemplo) faça a inserção da regra no sistema. Significa dizer: unidade normativa alguma entra no ordenamento sem outra norma que a conduza.
 
O preceito introduzido é a disciplina dos comportamentos inter-humanos pretendida pelo legislador, independente de ser abstrata ou concreta e geral ou individual, ao passo que a entidade introdutora é igualmente norma, porém concreta e geral.
 
Lembremo-nos de que a regra incumbida de conduzir a prescrição para dentro da ordenação positiva é de fundamental importância para montar a hierarquia do conjunto, axioma do próprio sistema jurídico.
 
Em sua estrutura completa de significação, a norma geral e concreta tem como suposto ou antecedente um acontecimento devidamente demarcado no espaço e no tempo, identificada a autoridade que a expediu.
 
Muitas vezes vêm numeradas, como é o caso das leis, dos decretos, das portarias, ou referidas diretamente ao número do processo, do procedimento ou da autoridade administrativa que lhe deu ensejo.
 
A verdade é que a hipótese dessa norma refere-se a um fato efetivamente acontecido. Já o consequente revela o exercício de conduta autorizada a certo e determinado sujeito de direitos e que se pretende respeitada por todos os demais da comunidade. Nesse sentido é geral.
 
Quando faço alusão ao conteúdo do ato competencial introdutor de norma, estou me referindo àquilo que a conduta autorizada do sujeito competente da norma introdutora realiza: à norma ou às normas gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e concretas ou individuais e abstratas, inseridas no ordenamento por força da juridicidade da regra introdutora.
 
Essas normas introduzidas são o próprio objeto da norma introdutora. Implica reconhecer que, sem tal núcleo de significação, o veículo introdutor fica oco, vazio, perdendo o sentido de sua existência.
 
Sua importância, em termos sistemáticos, aloja-se em dois pontos:
   a) são os instrumentos apropriados para inserir regras jurídicas no sistema positivo; e, além disso,
   b) funcionam como referencial para montar a hierarquia do conjunto. Afinal de contas, temos de ser coerentes com as premissas que declaramos.
 
Se o direito é tomado como conjunto de normas válidas, num determinado território e num preciso momento do tempo histórico, tudo dentro dele serão normas, em homenagem ao princípio epistemológico da uniformidade do objeto.
 
Daí porque as entidades “leis”, “contratos”, “atos administrativos”, “desapropriação”, “matrimônio”, “tributo”, etc., reduzidos à expressão mais simples, assumem a condição de normas jurídicas.
 
E a prova está na circunstância segundo a qual a instituição, a modificação e a extinção dessas figuras se operam por regras de direito.
 
No plano das formulações normativas, fazendo-se menção ao conteúdo da norma geral e concreta em termos primários ou secundários, iremos nos deparar com uma importante secção semântica.
 
Dado que a aplicação da norma secundária sujeito compete unicamente ao Estado-Juiz, esta vem a constituir um subconjunto dentro daquele em que se inscrevem os sujeitos competentes da norma primária.
 
Nesta, é sujeito de direito o Estado-legislativo, o Estado-executivo e o Estado-judiciário, bem como os particulares, uma vez que há hipóteses em que a lei autoriza ao próprio particular a efetivação da norma jurídica.  O conteúdo da norma primária abrange aquele da norma secundária, no entanto, com maior amplitude.
 
Por fim, depuraremos a norma individual e abstrata, menos frequente no sistema que as três explicitadas acima.
 
É aquela que toma o fato descrito no antecedente como uma tipificação de um conjunto de fatos; e que, no quadro de seus destinatários, volta-se a certo indivíduo ou a grupo identificado de pessoas.
 
Seria o caso, por exemplo, de uma consulta fiscal, em que o interessado, ainda inerte, questiona ao Fisco a possibilidade de determinada conduta para fins tributários. A resposta do Fisco trará à luz uma norma individual e abstrata: justapondo o antecedente hipotético (objeto da consulta), ao consequente individualizado, uma vez que já se podem determinar os sujeitos e o objeto da relação veiculada pela consulta.
 
 
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[1] A validade é diferente da eficácia posto que, a validade é um problema de pertença da norma no ordenamento jurídico e a eficácia (jurídica) está relacionada com a produção de efeitos, com o fato real da norma ser efetivamente observada e aplicada.
            A validade de uma lei está relacionada ao atendimento aos aspectos formais e materiais exigidos na CF/88. Quanto aos aspectos formais, temos aqueles, por exemplo, relacionados ao quórum necessário para a votação e aprovação de uma lei; ou ao órgão ou à autoridade competente para a edição de determinado normativo, como é o caso das medidas provisórias, que somente podem ser editadas pelo Presidente da República.
Quanto aos aspectos materiais, temos, por exemplo, os temas que podem e que não podem ser tratado em determinado normativo, como é o caso da instituição de  impostos residuais, já que estes somente podem ser instituídos por lei complementar, e desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo  próprios dos já discriminados na CF/88.
Já a vigência de uma lei está relacionada à sua publicidade, significando, em síntese, que a lei é válida e que já foi formalmente publicada no meio oficial adequado, dando-se publicidade ao seu texto junto à população e, especialmente, aos seus destinatários específicos. A vigência está diretamente relacionada à eficácia jurídica da norma. Por sua vez, a eficácia da lei está relacionada à possibilidade de a lei, uma vez válida e devidamente publicada, vir a surtir efeitos junto aos seus destinatários.
Nesse sentido, cogita-se em eficácia da norma jurídica quando ela está completamente apta a regular situações e a produzir efeitos práticos junto aos seus destinatários. Em regra, a vigência e a eficácia de uma lei se dão ao mesmo tempo. Entretanto, quanto à eficácia, uma lei tributária, em especial, deve atender, especialmente, aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, uma vez que, mesmo que plenamente válida e devidamente publicada (vigente), uma lei tributária pode ainda não ser eficaz.
 
[2] Dessa forma, o Direito possui regras de conduta, que disciplinam algumas relações sociais, influenciando o comportamento dos indivíduos.  Assim, essas relações sociais que importam para o Direito são as chamadas relações jurídicas. 
As relações jurídicas são relações entre dois ou mais indivíduos, das quais decorrem consequências importantes, devendo, pois, existir uma normatização, por exemplo, no contrato de compra e venda, ou no casamento. 
Pode-se dizer, então, que uma relação jurídica seria uma relação entre dois ou mais indivíduos, e por meio desse vínculo as normas jurídicas incidem, por serem as consequências relevantes para o Direito.  É importante dizer que uma relação jurídica pode conter direitos e deveres para as partes, sendo que, normalmente, uma parte tem um direito relacionado à prestação que a outra é obrigada. 
Duas teorias se contrariam a respeito do conceito de relação jurídica. A Teoria Jusnaturalista afirma que a relação jurídica é aquela relação  social assim reconhecida pelo Direito, uma vez que é anterior ao próprio Direito; já a Teoria Positivista expressa que a relação jurídica só existe  a partir da normatização pelo Direito, ou seja, as normas é que fazem surgir as relações jurídicas. Portanto, a Teoria Geral da Relação Jurídica irá estudar todas as implicações relativas às relações jurídicas ocorridas normalmente no meio social.
 
[3] Riccardo Guastini é professor emérito de Filosofia do Direito na Universidade de Gênova e diretor do Instituto Tarello de Filosofia do Direito no Departamento de Jurisprudência da mesma universidade. É codiretor das revistas "Analisi e diritto", "Ragion pratica" e "Materiali per la storia della cultura giuridica". Seu campo de pesquisa está implantado, entre outros tópicos, na análise de linguagem normativa, conceitos jurídicos fundamentais, a estrutura dos sistemas jurídicos e as técnicas de argumentação e interpretação legal. Entre seus trabalhos mais recentes estão: Le fonti del diritto. Fondamenti teorici (2010), Interpretare e argomentare (2011), Distinguendo ancora (2013) y Discutendo (2017).
 
[4] Eros Roberto Grau (1940) é jurista, advogado, magistrado brasileiro. Foi Ministro do STF de 2004 a 2010. Empossado ao cargo de Ministro do TSE em 15 de maio de 2008, renuncia um ano depois, em 5 de maio de 2009, alegando cansaço, porém continua ministro do STF.
Eros Grau foi o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 153, impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil a fim de revogar a lei nº 6.683/79, que anistia todos os crimes políticos e eleitorais do período militar, inclusive aqueles cometidos por agentes da repressão. Grau, que foi vítima de tortura durante a ditadura, foi o autor do voto vencedor, segundo o qual a lei, que não tem caráter de regra para o futuro, deveria ser interpretada conforme as conjunturas sociais e o momento histórico de sua produção. Desta forma, concluiu ele, a concessão de anistia bilateral (tanto a agentes da repressão quando àqueles que cometeram crimes lutando contra ela), ampla e geral não implicou ofensa a quaisquer preceitos fundamentais. Às vésperas de completar 70 anos de idade, quando seria compulsoriamente aposentado do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau apresentou requerimento de aposentadoria voluntária, e deixou de integrar a Corte em 2 de agosto de 2010, data em que foi publicado no Diário Oficial da União o decreto presidencial relativo à sua aposentadoria; pouco antes de votar pela lei do ficha limpa. Esta atitude atrasou a aprovação da lei.
 
[5] No que tange ao Direito, a interpretação torna-se necessária para haver harmonização de problemas sociais, portanto, em verdade, a interpretação e aplicação do Direito se confundem na mesma coisa, pois a interpretação toma vida para posterior aplicação em um determinado caso concreto. Não se interpreta sem haver um objetivo, mas sim, para materializar a concretude da lei em cada caso concreto.
A relação entre o intérprete e o ato normativo implica, necessariamente, a relação do texto normativo e da sua compreensão viabilizada pela ação interpretativa.
Para começarmos a pensar, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO entende que o ato interpretativo não é um fim em si mesmo, mas muito mais daquilo que o intérprete suponha existir do texto escrito, ao ser posto em confronto com a realidade.
Com efeito, o ato normativo, escrito, editado pelo órgão competente, numa folha de papel timbrada e publicado pelos trâmites oficiais, é algo "por ser". "Por ser" até a sua definitiva aplicação no mundo dos atos e fatos, ou seja, com o "batimento" do ato com esses, quando surgem os que chamamos de atos e fatos jurídicos.
O ato normativo guarda mais que uma simples relação de causa e efeito com o ato interpretativo. Na verdade, o ato normativo é bem mais e, paradoxalmente, bem menos que o ato interpretativo.
Bem menos, porque o texto é o ponto de partida sendo seu alicerce, sua base, de onde devem os intérpretes se lançar por meio da necessária argumentação jurídica, mas sendo também seu limite. O ato interpretativo gira dentro de uma ‘bolsa’ argumentativa delimitada pelo ato normativo. Bem mais, pois o ato normativo não é fim em si mesmo, devendo o intérprete definir quais são os sentidos e as consequências do ato a ser interpretado.
 
[6] Diante da complexidade do fenômeno jurídico e da impossibilidade de defini-lo em fórmula simples, de poucas palavras, à Teoria Comunicacional importa saber quais manifestações são chamadas de direito. Trata-se, pois, de apontá-lo a partir da análise da linguagem de que se vale para se manifestar. Para que se possa trazer o modelo comunicativo para os fenômenos jurídicos, serão analisados os sete elementos acima expostos, e neste exato momento, as normas jurídicas serão tratadas, enquanto mensagens.
A norma, apenas será considerada como mensagem, se transmitir um significado. E este significado, ou informação, está relacionado direta ou indiretamente com a sistematização das condutas humanas em sociedade. Quando as normas transmitem ordens que podem ser consideradas como obrigatórias, permitidas ou proibidas, estas normas visam sistematizar o ordenamento jurídico como um  todo, por meio da harmonização das condutas humanas em sociedade.
 
[7] Lourival Faustino Vilanova nasceu na cidade de Caruaru, no agreste do Estado de Pernambuco, aos 7 de agosto de 1915. Filho de José Vilanova e Catarina Vilanova. Cursou o primário e o secundário no colégio Americano Batista do Recife. Graduou-se, em 1942, na Faculdade de Direito da Universidade Federal, onde se fez Mestre e Doutor. Foi casado com D. Cleonice e tiveram os filhos Ana Lúcia, Carlos Fernando e Márcia Cristina. Faleceu em 2001. A obra perenizou.
 
[8] Nos termos do artigo 59 da Constituição Federal brasileiro, são espécies normativas: emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Partindo a Constituição como vértice do ordenamento jurídico, todas as demais espécies normativas são dela diretamente decorrentes. Essa ideia encontra guarida no art. 59 da CF/88 que prevê a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares,  leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções (…) O processo legislativo compreende a elaboração de: (i) emendas à Constituição, (ii) leis complementares; (iii) leis ordinárias; (iv) leis delegadas; (v) medidas provisórias;  (vi) decretos legislativos e (vii) resoluções.
No nível constituinte, estão as normas produzidas pelo poder constituinte, as quais entram na Constituição, ou para formá-la originariamente, por obra do poder constituinte originário, ou para reformá-la derivada mente, por obra do poder constituinte reformador. De qualquer modo, do poder constituinte dimanam normas primordiais. "Primordial” significa "primeiro na ordem".
Essas normas são as primeiras na ordem jurídica em que são produzidas, impondo-se sobre as demais normas produzidas nessa ordem.  São as normas constitucionais.
No nível legislativo, são produzidas as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções de caráter legislativo.
Todas essas são espécies de normas primárias – espécies normativas primárias – assim consideradas porque se subordinam diretamente às normas constitucionais. 
São produzidas pelo poder legislativo. São as normas imediatamente infraconstitucionais. No nível regulamentar, são produzidas as normas regulamentares, os chamados regulamentos: decretos, portarias, resoluções de caráter administrativo, regimentos, etc. 
São espécies de normas secundárias, assim chamadas porque ficam sujeitas às normas primárias e, como estas, também estão sujeitas às normas constitucionais. 
São produzidas pelo poder regulamentar, constituindo normas infralegais, subordinadas às normas primárias que ficam entre elas e a constituição.  São as normas infraconstitucionais e infralegais.
 
[9] No direito constitucional brasileiro, entre lei ordinária e lei complementar são duas as diferenças básicas: uma, formal (quanto ao processo legislativo) e outra, material (quanto à matéria tratada).
Quanto ao processo legislativo, a diferença reside unicamente no "quorum" de aprovação. Conforme o artigo 69 da Constituição Federal, "as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta", quer dizer, pelo voto favorável de mais da metade dos membros da casa legislativa.
Já as leis ordinárias podem ser aprovadas por maioria relativa e até por maioria simples,  que é a mais simples das maiorias relativas, em consonância com a regra do artigo 47 da Constituição Federal: deliberação tomada por maioria relativa aos que votaram (mais da metade  dos votos), desde que esteja presente, no mínimo, a maioria absoluta dos que teriam direito a votar (mais da metade dos membros da casa). In: BARROS, Sérgio Resende. Noções sobres Espécies Normativas. Disponível em: http://www.srbarros.com.br/pt/nocoes-sobre-especies-normativas.cont Acesso em 24.2.2020.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 25/03/2020
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