O trabalhador militar exerce uma profissão repleta de peculiaridades. Existem, pasmem, militares muito qualificados, treinados, motivados, bem equipados e liderados e que são dedicados integralmente à sua atividade profissional, sofrendo os critérios de capacitação e seleção de qualquer Força Armada, tudo para bem servir e atender a própria sociedade humana.
 
O militar em atividade não pode exercer qualquer outra profissão, daí, sua dedicação ser exclusiva e por vinte e quatro horas por dia. O que o torna maior sua dependência quanto à sua remuneração e subsistência. Até mesmo quando inativo, o militar permanece vinculado à profissão.
 
Daí se explica, a proibição do militar da ativa, filiar-se aos partidos políticos ou mesmo participar de atividades de caráter político e partidário, tais como greves e manifestações reivindicatórias.
 
Durante toda sua carreira, o militar é continuamente submetido aos exames médicos periódicos e testes para aferição de capacidade física e até mesmo mental. Pois, afinal, as atribuições desempenhadas pelo militar, lhe exigem elevado nível de saúde física e mental, pois todo militar deve estar rigorosamente preparado pois convive com o risco e acarreta o comprometimento da própria vida.
 
Ademais, a profissão de militar possui peculiar mobilidade geográfica, podendo assim, ser alocado para qualquer região do país, em qualquer época do ano, conforme a necessidade da Força Armada.
 
Apesar de todos esses aspectos, não é raro que o inconsciente coletivo associe a carreira militar ao um certo heroísmo, mas esse profissional  não usufrui de alguns direitos sociais que são normalmente assegurados aos demais trabalhadores, tal como a remuneração superior do trabalho noturno em comparação ao trabalho diurna, a limitação de carga horária laboral diária, que é máxima de oito horas, o repouso semanal remunerado e ainda a remuneração por hora extraordinária.
 
O militar está em disponibilidade permanente, o que impede a existência de reivindicação de qualquer remuneração que extrapole a jornada de trabalho. Em razão disso, ou em compensação, quer seja temporário ou de carreira, o militar que adoece durante o serviço militar ativo tem direito à reforma. E, são poucos os militares, infelizmente que conhecem efetivamente os seus direitos.
 
Afinal, o trabalhador militar dedica a vida inteira pela pátria e, após anos de dedicação e esmero, são lançados à própria sorte, sem qualquer benefício previdenciário, ao serem licenciados do quadro ativo militar em decorrência de patologia de difícil controle e, muitas vezes, depende de tratamento médico especializado e contínuo.
 
Pesquisas recentes apontam diversas patologias tais como cegueira, esquizofrenia, hérnia de disco, transtorno bipolar, hanseníase, HIV, neoplasia maligna e tantas outras doenças em sua maioria grave e incurável, e que se manifestam sem a ocorrência de acidente durante o serviço.
 
O que tem sido a motivação para a desincorporação, licenciamento e até desligamento dos militares, desamparando-os plenamente, e privando não apenas da remuneração, mas também do tratamento médico sob a justificativa infame de que a referida patologia não guarda nexo de causalidade com o serviço militar.
 
O que representa uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana que é um dos pilares da República Federativa do Brasil e também do Estado Democrático de Direito que a nossa Constituição vigente tão belamente alude.
 
Esquecem que quando incorporados estavam em plena higidez física e mental e, são excluídos com evidente incapacidade para o serviço militar e com as incontáveis limitações para o exercício de atividades laborativas na vida civil, em total violação à disposição contida na Lei 6.990/1980 (Estatuto dos Militares), sendo tolhidos dos benefícios a que teriam direito na condição de agregado ou adido, ou mesmo reformados.
 
A mencionada lei aliada às Portarias editadas pelo próprio Ministério da Defesa, proíbe expressamente a exclusão de militares que apresentarem incapacidade física para o serviço militar, determinando que sejam incluídos na condição de adido, até que galguem plena recuperação ou, em se tornando tal incapacidade definitiva, e assim permaneçam até que se complete a tramitação do processo de reforma.
 
Diante de tal disposição legal, percebe-se que não se trata de discricionariedade da Administração para prorrogar ou não o tempo de serviço do militar.
 
Não se pode negar que esta é inerente, segundo seu juízo de conveniência, licenciar ou desincorporar o militar temporário, contudo, é indispensável que este apresente aptidão física.
 
A condição prévia para o licenciamento de um militar nas Forças Armadas brasileiras é que este esteja em perfeita condição de saúde, física e mental, caso contrário não poderá ser desligado da corporação. É esse o entendimento de uma recente decisão monocrática do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (SP e MS) que negou seguimento à apelação da União em uma ação destinada a obter a reintegração de militar ao serviço ativo da Aeronáutica ou a reforma, além de indenização por danos extrapatrimoniais.
 
No caso concreto acima, havia um militar servindo a Aeronáutica que apresentou após acidente, sérios distúrbios psiquiátricos e então fora desligado sumariamente da corporação. O militar sente dores crônicas devido à fibromialgia e não teria recebido sequer atendimento adequado.
 
A decisão de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a União e conceder a assistência médico-hospitalar integral ao autor da ação (artigo 50, da Lei 6.880/80) até sua completa reabilitação conforme prevê o artigo 35 do Decreto 3.690/2000.
 
Assiste ao militar também o direito a receber o equivalente aos soldos a que teria direito normalmente desde o seu licenciamento até o efetivo restabelecimento de sua condição de saúde, ou, se verificada sua incapacidade definitiva, a adequação à situação pertinente, correspondente à graduação que possuía na ativa, e o valor deverá sofrer a devida atualização monetária conforme prevê a Resolução 561/07 do Conselho da Justiça Federal, adimplidos de juros de mora de seis por cento ao ano, devendo ainda incidir sobre tais valores o imposto de renda, a contribuição ao Fundo de Saúde respectivo, entre outros, igualmente contemplados em lei. Igualmente fora fixada a indenização por danos morais em dez mil reais, corrigida monetariamente, a partir da data da sentença. E, por derradeiro, o pagamento de honorários advocatícios ao patrono do autor, fixados em cinco mil reais, (artigo 20, parágrafo quarto, do CPC/73).
 
Em seu recurso, a União alegou que as determinações não estavam contempladas em lei, e a reforma remunerada ou a permanência do militar em serviço a fim de receber a assistência à saúde e com recebimento de soldos, ambas só caberiam, após regular licenciamento. Sustentou, ainda, a não ocorrência de dano extrapatrimonial.
 
Nessa análise, o Desembargador Toru Yamamoto, o relator do caso, verificou a possibilidade de reintegração ou transferência do militar para reforma remunerada, em razão da incapacidade para o trabalho, em decorrência de acidente em serviço, ou permanência no serviço para o recebimento de assistência médica.
 
O Desembargador explicou ainda que segundo a Lei 6.880/80, o Estatuto dos Militares, o militar pode ser licenciado, de ofício, após a conclusão do tempo de serviço ou do estágio, seja por conveniência do serviço ou a bem da disciplina, conforme o art. 121, terceiro parágrafo. Contudo, é condição prévia essencial para o licenciamento que o militar esteja em perfeita condição de saúde. Do contrário, não poderá ser desligado da corporação.
 
Na decisão, o Desembargador Federal Toru Yamamoto, in litteris: Diz a decisão: “Considerando que o demandante apresentou distúrbios psiquiátricos, conforme demonstrado no laudo pericial, quando estava em atividade militar, não poderia ter sido desligado da Aeronáutica, da forma como ocorreu. Mesmo assim, foi encaminhado para se submeter à inspeção de saúde e após sucessivos exames foi liberado do serviço militar, quando, na verdade, deveria ter permanecido até o restabelecimento de sua saúde”.
 
Sobre o dano moral, o relator observa que a prova pericial demonstrou que a União não disponibilizou tratamento adequado para amenizar o quadro de saúde, tendo-o licenciado do serviço militar. Assim, “forçoso é reconhecer que a falta de assistência médica agravou o quadro psicológico do autor e abalou a sua autoestima, restando caracterizado o dano moral, passível de reparação”.
 
Com relação à quantia fixada para ressarcimento do dano, o relator assinala que ela atende aos critérios de fixação para este tipo de indenização, ou seja, impedir nova ocorrência do evento danoso; servir como exemplo a toda sociedade; compensar a lesão sofrida pela vítima e não configurar enriquecimento sem causa do lesado. Além de atender a esses requisitos, a quantia fixada está de acordo com os parâmetros dos precedentes jurisprudenciais do STJ. Processo 0025531-58.2007.4.03.6100/SP
 
É um dos dramas contemporâneos e que integram o cotidiano da vida dos militares a aquisição de patologias ou mesmo lesões durante ou até em decorrência do serviço na ativa, o que, em não raras vezes, acaba por produzir a perda temporária ou mesmo permanente da capacidade laboral, tornando-o fatalmente incapacitado para o exercício normal de quaisquer atividades laborais ou não.
 
Infelizmente, o militar enquanto servidor público se vê envolvido num processo administrativo que resulta em geral na exclusão dos quadros da organização militar e tem agravada a sua vulnerabilidade e sofre a violaçãoo de seus direitos.
 
Há o dever do Estado e seus agentes de tratar de forma adequada a particular situação, devendo mesmo ser assegurado o constitucional  direito fundamental à saúde e à subsistência, recaindo sobre o Estado que se beneficiou quando o militar estava em plena capacidade laboral à responsabilidade de, não somente proteger tal direito, mas igualmente de garantir que o servidor militar retorne à vida civil nas mesmas condições de saúde que possuía quando de seu ingresso na carreira militar, ou, em caso de não haver tal possibilidade, seja de cura ou recuperação, que o militar seja encaminhado para os devidos procedimentos formais de reforma.
 
A autoridade administrativa ao conceder o licenciamento militar ou exclusão das fileiras militares ou das Forças auxiliares, tais como Polícia Militar e bombeiro, tem o dever de assegurar o devido tratamento médico até a sua total recuperação ou reforma quando da perda irreversível de capacidade laboral. (in: o processo recebeu o nº 0025531-58.2007.4.03.6100/SP).
 
Cumpre primeiramente estabelecer que o ato da Administração Pública que incide sobre a exclusão ou reforma de militares são definidos como o praticado no exercício da função administrativa e que se caracteriza por concretizar ou prover de forma imediata e concreta às exigências individuais e coletivas a fim de atender aos interesses públicos previstos em lei.
 
Assim, o ato é uma declaração do Estado, ou por quem lhe representa, como um concessionário de serviço público e no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante medidas jurídicas complementares da lei a título de dar -lhe o cumprimento e sujeitas ao controle de legitimidade por órgão jurisdicional.
 
Conclui-se que o ato administrativo é essencialmente, uma declaração jurídica daquele que é investido de prerrogativa estatal e sujeito ao exame de legitimidade por órgão jurisdicional, devendo, assim, ser entendida a discricionariedade  ser entendida como aqueles que são praticados com margem de liberdade de avaliação ou decisão obedecendo os critérios de conveniência e oportunidade ainda que adstrita à lei reguladora da expedição destes.
 
Por tanto, para o caso de militares doentes ou incapacitados, é que devem ser estabelecidos, pressupostos e critérios discricionários que sejam adequados e válidos por parte da Administração Pública. Não se trata de ampla e irrestrita liberdade de decisão, mas apenas de um ato relacionado ao um fim, isto é, obrigatoriamente a realização de um interesse público que implica em juízo discricionário em liberdade dentro da lei e dentro dos limites legais.
 
Ensinou Bandeira de Mello que a margem de liberdade é no sentido de se cumprir o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo os critérios subjetivos próprios, afim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal.
 
Não há como divorciar o ato discricionário do princípio da legalidade, do princípio da preservação da dignidade humana e nem do Estado Democrático de Direito. Lembrando-se que o marco do Estado Democrático é ser instrumento-meio que permite a alteração de situações concretas com vistas a corrigir as desigualdades e, desta forma, garantir a isonomia não apenas formal, mas principalmente, material.
 
De fato, a discricionariedade de que goza a Administração Pública para licenciar ou excluir militares não pode se sobrepor ao direito à saúde e à integridade física do militar, conforme tem se verificado por inúmeras decisões, pois tem direito de retornar à vida civil, o militar, nas mesmas condições de saúde de que gozava quando ingressou na carreira militar em virtude da vinculação militar com o Estado e, por que deve se observar ainda a garantia legal que confere ao militar incorporado o direito ao tratamento médico, até sua recuperação ou reforma, em caso de doenças incuráveis.
 
Em recentes julgados tanto o STF como o STJ tem reconhecido a ilegalidade do ato administrativo que culminou com a exclusão de militar, por motivo de doença ou acidente em serviço, torna-se temporariamente incapacitado para o serviço ativo, fazendo jus à reintegração coo adido, para fins de tratamento médico adequado, vide em:(STJ - AgRg no Ag 1340068/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 17/02/2012) e (ARE: 879140 RS - RIO GRANDE DO SUL 5032157-80.2010.4.04.7100, Data de Julgamento: 13/04/2015, Data de Publicação: DJe-072 17/04/2015).
 
Pelo que se observa, não se requer esforço hermenêutico para interpretar com clareza e sanidade que a condição prévia para haver licenciamento ou exclusão de militar, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, está assentado no postulado fundamental da dignidade da pessoa humana, o que requer que o militar esteja em perfeita condição de saúde, caso contrário, não poderá ser desligado da corporação, enquanto não curado.
 
Afinal, o direito à garantia da saúde, não pode, conforme bem aduz a jurisprudência e a doutrina pátria, ser colocado em detrimento de penalidade administrativa. Principalmente o direito à saúde de militar que se acidentou ou adoeceu em serviço, ou durante o período que estava incorporado a vida castrense é uma consagração nítida e constitucional da teoria do mínimo existencial de dignidade humana.
 
Além disso, devendo o militar ser reintegrado como adido para o tratamento médico e como consectário natural e legal deverá se restabelecer suas verbas alimentares, remuneração vincendas, e operar as devoluções de verbas vencidas desde marco inicial da exclusão indevida, uma vez que o militar mantido na condição de agregado para tratamento médico faz jus à percepção de remuneração equivalente à sua graduação quando na ativa, desde o desligamento até a efetiva reabilitação.
 
E, nesse mesmo diapasão, a posição so STJ, que apontou a ilegalidade do ato administrativo que excluir o militar, é legítimo o pagamento de pretéritas parcelas relativas ao período que medeia o licenciamento ex officio e a reintegração do militar, vide: julgados (STJ - AgRg no REsp 1137594 / RS - QUINTA TURMA – Rel. Ministro JORGE MUSSI – Decisão de 10/08/2010 – Pub. 13/09/2010) Outros precedentes: STJ - AgRg no REsp 1226918/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 27/04/2012; STJ - AgRg no Ag 1340068/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 17/02/2012; TRF2 - AC 200751010224043 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA – Rel. Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA – Decisão de 19/03/2012 – Pub. 26/03/2012.
 
 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/02/2020
Código do texto: T6861919
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