CRIMES RACIAIS

Palestra ministrada a convite da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção da OAB de Niterói

Professor da Universidade Cândido Mendes Wagner Ramos Pereira

CRIMES RACIAIS

O racismo pode ser definido como “o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas.” (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015).

A Abolição da Escravidão, em 1888, e a Proclamação da República no ano seguinte, em 1889, não alteraram a situação do negro dentro da sociedade brasileira. Não houve nenhum mecanismo que garantisse a este o acesso à cidadania e, não raro, era rejeitado no seio social enquanto cidadão, sendo forçado a estar sempre em uma postura de servidão e submissão.

O RACISMO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA Ao longo da história do Brasil, o racismo traduziu-se em intolerância religiosa, inclusive com a criminalização de todas as religiões estranhas a fé Católica Apostólica Romana.

- Ordenações Filipinas (Séc. XVI ao Séc. XIX) – Crime de heresia

- Código Criminal do Império (1830) Art. 276. Celebrar em casa, ou edificio, que tenha alguma fórma exterior de Templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra Religião, que não seja a do Estado.

- Código Penal de 1890 - Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilegios, usar de talismans e cartomancias para despertar sentimentos de odio ou amor, inculcar cura de molestias curaveis ou incuraveis, emfim, para fascinar e subjugar a credulidade publica: - Art. 158. Ministrar, ou simplesmente prescrever, como meio curativo para uso interno ou externo, e sob qualquer fórma preparada, substancia de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o officio do denominado curandeiro:

- Código Penal de 1940 – Desde o Brasil Colônia consta na reprimenda penal crimes contra a saúde pública, que possuem a natureza discriminatória e tem destinação certa,

AS RELIGIÕES DE ORIGEM AFROBRASILEIRAS.

DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Charlatanismo Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:

Curandeirismo Art. 284 - Exercer o curandeirismo: I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; III - fazendo diagnósticos:

A Maga Carta de 1988 que abomina, repele, repudia o racismo:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Muitas vezes, o racismo traduz-se em intolerância religiosa, que também poderá constituir infração penal.

1- INJÚRIA

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo lhe a dignidade ou o decoro:

INJÚRIA RACIAL

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)

Injuriar alguém é menosprezar, menoscabar alguém, imputando-lhe uma qualidade negativa. Na injúria, há sempre uma opinião pessoal, de desprezo e de impropério e de xingamento. Não há imputação de fatos, mas de defeitos, de qualidades negativas e de vícios da vítima. Trata-se, portanto, de ofensa à dignidade, ao decoro. "Dignidade" tem sentido de juízo que a pessoa tem da sua própria honra, entendendo-se que todos sabem a extensão de sua honra. "Decoro", por sua vez, é a respeitabilidade, a decência que cada um merece. Ofende o decoro, chamar a pessoa de "idiota", “burro” etc. Pode ser praticado por palavra, por escrito e por gestos.

Ser verdadeira ou falsa a imputação, ainda assim, existe o crime de injúria, pois, todos têm direito ao respeito e em não ser alvo de humilhações.

Consuma-se o crime de injúria, portanto, no momento em que o ofendido tem conhecimento da imputação que lhe é feita, podendo, inclusive, ser possível que nem ao menos esteja presente no momento em que o agente lhe imputou a injúria, mas assim que tiver conhecimento desta, tem-se o crime por consumado. Com a consumação, tem-se então, atingido o brio, a honra pessoal da vítima pelo agente que praticou a injúria.

2- REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

O núcleo do tipo penal está representado pelo verbo reduzir (converter, transformar), cuja conduta típica consiste em reduzir uma pessoa humana a condição análoga à de escravo, submetendo-a a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho.

A palavra “escravo” constitui elemento normativo do tipo, cujo significado deve ser extraído mediante uma valoração do magistrado no caso concreto. Evidentemente, não é necessário que haja uma efetiva escravidão, como nos moldes do passado. Em razão de o crime ser de forma vinculada, sua tipificação ocorre sempre que presente quaisquer das seguintes condutas típicas:

(1) Submeter a vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva – No trabalho forçado, o agente emprega violência física ou moral e a vítima o executa contra sua vontade. Na jornada exaustiva, a duração do trabalho ultrapassa os limites legais deixando a vítima esgotada física e psiquicamente;

(2) Sujeitar a vítima a condições degradantes de trabalho – Ocorre quando o ambiente de trabalho não assegura as condições legais mínimas, tornando-se humilhante para um ser humano livre e digno de respeito;

(3) Restringir, por qualquer meio, a locomoção da vítima em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto – Ocorre, por exemplo, quando o empregado se torna devedor, incapaz de honrar suas obrigações, ficando impedido de abandonar livremente seu local de trabalho;

(4) Cercear o uso dos meios de transporte, com a finalidade de reter a vítima no local de trabalho – Ocorre, por exemplo, quando o empregador arbitrariamente retira o meio de transporte que levaria a vítima à cidade mais próxima, com a finalidade de retê-la em seu local de trabalho;

(5) Manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou objetos pessoais da vítima, com a finalidade de retê-la no local de trabalho – Ocorre quando existe vigilância com a finalidade específica de manter a vítima em seu local de trabalho, pois, a vigilância, por si só, não caracteriza o crime. É o que ocorre também quando, com a mesma finalidade, o agente se apodera de documentos ou objetos pessoais da vítima.

3- ULTRAJE A CULTO E IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE ATO A ELE RELATIVO

Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

Tipo objetivo: há três condutas diversas previstas no artigo 208, que configuram três delitos distintos por ser um tipo penal misto cumulativo, vejamos:

a) Escarnecer alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa: zombar, achincalhar, troçar, mofar, ridicularizar, fazer pouco, ofender alguém publicamente em virtude de crença ou função religiosa, ao qual a crença é a fé religiosa e a função é sinônimo de cargo, exercida por pessoas determinadas como já dito anteriormente.

b) Impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso: Impedir é paralisar, impossibilitar, evitar que se comece cerimônia ou pratica de culto religioso; perturbar é atrapalhar, estorvar, tumultuar, desorganizar, atrapalhar, embaraçar culto ou cerimônia religiosa.

c) Vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: A palavra vilipêndio consiste em desprezar, menoscabar, aviltar, desdenhar, injuriar, ultrajar, portanto, pode ser praticada em ato de culto religioso por palavras, escritos ou gestos e que seja cometido na presença de várias pessoas ou de maneira que chegue ao conhecimento delas, ou mesmo pode ser praticado contra objeto de culto religioso a que prestam.

4- Após a edição da LEI AFONSO ARINOS, LEI NO 1.390, DE 3 DE JULHO DE 1951, que incluiu entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor, da LEI Nº 7.437, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1985, da autoria do DEPUTADO CARLOS ALBERTO CAÓ, que incluiu a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil entre as contravenções penais (infração penal de menor punição penal), dando nova redação à Lei nº 1390, de 3 de julho de 1951 - Lei Afonso, foi editada a LEI N. 7716/1989, TAMBÉM DA AUTORIA DO DEPUTADO CARLOS ALBERTO CAÓ, que transformou em crime várias condutas racistas. Dentre elas.

Segundo o CNJ:

“O crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos.” ... A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros”.

A Lei nº 7.716/1989 especificamente prescreve:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;

II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Diferença entre o crime de racismo e injúria racial

O art. 20 da Lei 7.716/89 consistente na prática de racismo, que é imprescritível e inafiançável, bem como a ação penal que é pública incondicionada. Fica claramente comprovado que a conduta do agente exigida para caracterizar tal delito concentra-se na vontade de ultrajar uma raça como um todo e não apenas a vítima.

O crime capitulado no art. 140, §3°, do Código Penal, consistente no crime de Injúria qualificada. Tal delito detém a mesma pena que o racismo, no entanto o tipo penal em questão é mais brando que aquele do racismo.

Para a caracterização da injúria qualificada o agente age sob o animus injuriandi, com a vontade de ofender a honra subjetiva exclusiva da vítima ou vítimas. A ação penal para este delito é pública condicionada, enquanto o racismo é de ação pública incondicionada.

Em suma, a diferença entre o Art. 20 da Lei 7.716/89 com aquele previsto no art. 140,§3° do CP reside no bem jurídico protegido pela norma, notadamente por protegerem bens jurídicos distintos. O primeiro, tutela a igualdade e o respeito étnico.

EM 2018 O STF ADMITE A INJÚRIA RACIAL COMO CRIME IMPRESCRITÍVEL E INANFIANÇÁVEL (http://www.comunicacao.mppr.mp.br/2018/06/20604/STF-admite-a-injuria-racial-como-crime-imprescritivel.html)

“Recentemente, no julgamento dos embargos de declaração de decisão tomada em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 983.531, do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de sua 1ª Turma, reconheceu a equiparação dos crimes de injúria racial e racismo e, por conseguinte, a imprescritibilidade e inafiançabilidade daqueles.

Na ocasião, o STF ratificou a decisão emitida pelo STJ, que reconheceu não ser taxativo o rol dos crimes previstos na Lei nº 7.716/1989, encontrando-se presentes o preconceito e a intolerância da conduta tipificada como injúria racial.

Trata-se do episódio em que um jornalista chamou outro jornalista de “negro de alma branca” e que “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”. As publicações foram feitas, na internet, ainda nos idos de 2009.

O caso levou o Ministério Público do Distrito Federal a apresentar denúncia por racismo. Em primeira instância, o juiz tipificou o crime como injúria racial e declarou extinta a punibilidade do crime, já que entendeu que a injúria racial era prescritível. O caso foi encaminhado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2015, o autor do fato foi condenado pela 6ª Turma que concluiu que injúrias raciais são imprescritíveis, por representarem mais um delito no cenário do racismo. O réu, por sua vez, apresentou recurso ao STF, que rejeitou os embargos, criando o seu primeiro precedente nesse sentido.

De acordo com tal entendimento, em relação ao crime de injúria racial, é possível a realização de investigação, oferecimento de denúncia, condenação e execução de pena, independentemente da ocorrência dos prazos de prescrição previstos no art. 109 do CP.”

5- CRIME DE TORTURA – LEI 9455/1997

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

RECOMENDAÇÃO Nº 057 DE 13/06/2008

No uso de suas atribuições legais e considerando o último incidente veiculado na Imprensa de ataque ao Centro Espírita Cruz de Oxalá, no Catete, Zona Sul deste Estado;

RECOMENDA aos Delegados de Polícia que seja observado o teor do art. 20 da Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989 - LEI CAÓ, em homenagem ao princípio da especialidade, notadamente em relação aos casos em que houver ataque a cultos religiosos de todo o gênero, bem como impedimento ou perturbação relativo aos mesmos.

A PRÁTICA DO RACISMO PELO ADOLESCENTE

Por último, impõe ressaltar que qualquer adolescente (12 anos a 17 anos) pode responder pela prática de ato infracional assemelhado a qualquer crime, perante o Juízo da Infância e da Juventude, inclusive os descritos acima, ou seja, também pode responder por crimes de racismo, conforme preceitua os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069, de 13 de julho de 1990.

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”

Nelson Mandela