Sobre juros e contratos de empréstimo.
Sobre juros e contratos de empréstimo.
Não há consenso ainda se a taxa aplicável é a SELIC ou a prevista no art. 161, § 1º do CTN.
Gisele Leite
Os juros constituem o preço pelo uso de capital. São frutos civis do capital que possui duplo escopo: promover a remuneração do credor pela privação de seu capital e, por outro lado, compensar-lhe o risco de sua não-restituição.
Quanto maior a procura pelo capital, mais intenso será o risco do inadimplemento, mais elevados serão os juros no mercado.
Os juros a priori se subdividem em: compensatórios que constituem na remuneração ou preço do capital empregado; e moratórios que representam a indenização pelo retardamento no pagamento da dívida.
Distinguem-se ainda os juros convencionais dos legais, sendo que os primeiros decorrem da vontade das partes e os segundos de imposição legislativa. Tanto os juros compensatórios como os moratórios podem ser legais ou convencionais.
A ética religiosa historicamente consagrou princípio oriundo do direito canônico medieval, segundo o qual o dinheiro não produz frutos e que se traduziu no combate à usura. Tal pensamento persistiu longamente no tempo, quando passamos a discernir o empréstimo para propiciar consumo material, daquele que serve de fomento dos meios produtivos.
O conceito de onerosidade muito é relevante para a concepção dos juros, vocábulo derivado do latim fenus é conceito calcado na seara do direito das obrigações e revela interesse sobre dinheiro emprestado ou capital investido, e calculado em razão de determinada taxa.
Se o empréstimo pessoal destinado à subsistência era exploratório, diferente porém do empréstimo destinado à produção. Os legisladores da maioria dos sistemas jurídicos tendem a restringir a abusividade na fixação de juros, impondo limites à fixação dos juros convencionais.
Daí entender a Lei de Usura, o decreto 22.626/33 que o fixou em 12% a taxa anual máxima para os juros contratuais, além da expressa vedação ao anatocismo (art. 4º) ou chamados juros compostos.
Em 1976, o STF em verbete unificado produziu a Súmula 596 que subtraiu as instituições financeiras do limite consignado pela Lei de Usura (STF, RE 78953, 2ª T., Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, julg. 19.12.1974, publ. DJ 11/04/1975).
Foram tais instituições submetidas à Lei 4.595/64. Voltou a tendência a limitação dos juros ganhou fôlego com a Constituição federal de 1988 em seu (já atualmente revogado do art. 192, § 3º) a taxa máxima de juros reais no percentual de 12 % ao ano.
No entanto, forte corrente doutrinária sustentou que o referido preceito constitucional não era auto-executável, sendo tal tema carente de lei complementar, foi regulamentada na Circular do Bacen 1.365 e por sua Resolução 1.064/85 que consagrou que as entidades financeiras sujeitas ao funcionamento e a fiscalização por parte da autoridade monetária pátria podem praticar a taxação de juros livremente pactuados.
O STF firmou o entendimento de que o § 3º do art. 192 das CF não era auto-aplicável, razão porque necessitava de regulamentação. A norma aí contida é de eficácia limitada, o debate chegou finalmente ao fim com a edição da emenda constitucional 40 de 29/05/2003 que revogo expressamente o referido parágrafo do art. 192 da CF.
A Lei da Reforma Bancária e a Circular 1.365 do BaCen passaram a disciplinar o sistema financeiro pátrio possibilitando que as instituições financeiras praticam taxas específicas. O que, todavia, não excluía a proteção contra as práticas abusivas no mercado de consumo, do qual são partícipes consumidores, fornecedores, prestadores de serviços de natureza financeira, bancária e de crédito (CDC art. 3º, 2º).
Sendo tipificada como abusivas (e, portanto nulas pleno iure) todas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva,ou seja, incompatíveis com a boa-fé objetiva, a eqüidade e a função social do contrato (art. 51, IV, CDC).
Opta o legislador pátrio adotar juros flutuantes, procurando determinar a taxa de juros a ser praticada no meio privado no mesmo patamar do exigido no caso de mora no pagamento de impostos à Fazenda Nacional.
Não há consenso ainda se a taxa aplicável é a SELIC ou a prevista no art. 161, § 1º do CTN.
Bem comenta Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que tratar sobre juros é levantar uma das mais remotas discussões jurídicas e socais. Os juros importam em rendimentos, no lucro do capital emprestado, compensando ao credor ao credor o custo do crédito mutuado, funcionando também como prêmio pelo risco que assume ante a eventual inadimplência do de devedor.
É incluído na classe dos frutos civis, portanto sendo coisas acessórias (art. 92 do CC). E suas classificações derivativas relevantes levam em consideração sua destinação (compensatório e moratórios) e de acordo com a origem, temos os juros legais e os convencionais.
Não incidem apenas em valores pecuniários, mas na privação de qualquer capital a ser utilizado por terceiros, que represente por bens fungíveis.
Em geral, os juros compensatórios são convencionais, porque estipulados no título constitutivo seja por negócio jurídico bilateral ou unilateral – tais como os juros praticados pelas instituições financeiras.
Por outro lado, os juros legais serão aqueles determinados na norma, nas hipóteses previstas nos arts. 406, 591, 677 e 706 do C.C. Já os juros moratórios representam a indenização para o inadimplemento no cumprimento obrigacional de restituir pelo devedor. É uma sanção pelo retardo culposo, no reembolso da soma mutuada.
Diferem-se dos juros compensatórios posto que se assentam na culpa do devedor, e se localizam na sistemática civil em vigor ao lado das demais conseqüências do inadimplemento das obrigações, como as perdas e danos e cláusula penal e arras.
Convém também cogitar que não constitui anatocismo a cumulação de juros compensatórios com juros moratórios, e nesse sentido há a súmula 102 do STJ.
Quanto à taxa de juros cogitada pelo art. 406 do CC, Cristiano Chaves de Farias e Rosenvald e boa parte da doutrina entende que não se aplica a SELIC, fixada mensalmente conforme variações mercadológicas. A SELIC é índice de remuneração dos títulos da dívida federal.
Aponta o Enunciado 20 do CJF nesse sentido aponta que a SELIC não é juridicamente segura posto que impede o prévio conhecimento dos juros, não é operacional, porque seu uso é inviável sempre que calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do CC que permite apenas a capitalização anual dos juros.
Esclarecem os doutos doutrinadores que os juros reais são aqueles encontrados após a exclusão da correção monetária, revelando tão-somente a remuneração do capital. Não se confunde como juro calculado de acordo com o valor nominal da obrigação pecuniária, que é apenas uma aparência de juros, pois inflado com parcela que não seria juro.
José Carlos Barbosa Moreira com seu trivial fulgor leciona: “(...) se sabemos o que é mulher honesta, (...), por que é que não sabemos o que são taxas de juros reais? Isso faz parte da tarefa cotidiana do juiz: interpretar textos legais e definir conceitos jurídicos indeterminados”.
A taxa SELIC é ofensiva à segurança jurídica e o princípio da legalidade tributária, posto que é fixada por ato unilateral do Comitê de Política Monetária do Banco Central (COPOM), órgão do Poder Executivo. Os particulares acabam se sujeitando aos humores dos administradores público em matéria que é de competência reservada à lei.
Não mais estipula o art. 406 do CC a taxa de juros máxima, no silêncio da norma, há de se remeter a solução do imbróglio à taxa prevista no CTN, no art. 161, § 1º, calculada no 1% ao mês.
Prevalecerá o referido teto mesmo para os juros moratórios convencionais. Assim a autonomia privada dos signatários não terá força suficiente para ajustar uma taxa convencional moratória que supere ao patamar de 12% ao ano, pois ao art. 5º do Decreto 22.626/33 apenas admite que a mora eleve os juros a taxa 1% ao ano e nada mais.
Leonardo Mattietto explana lucidamente explana que a SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) surgida como índice de remuneração dos títulos da dívida federal corresponde à média ajustada dos financiamentos diários com lastro em títulos federais fixado pelo COPOM.
A adoção da SELIC para o cálculo de juros moratórios devidos à Fazenda Nacional disposta pela Lei 8.981/95 (art. 84) complementada pela Lei 9.065/1995 (art.13) determinando serem os juros “equivalentes à taxa referencial – SELIC para títulos federais, acumuladas mensalmente”. Não há consenso nem mesmo internamente no STJ.
Mattietto aponta a divergência do STJ, sendo a primeira Turma favorável à aplicação dessa taxa, enquanto que a 2ª. Turma mostra-se contrária, in verbis: “A taxa SELIC para fins tributários é, a um só tempo, inconstitucional e ilegal. Como não há pronunciamento de mérito da Corte especial desse Egrégio Tribunal que, em decisão relativamente recente de inconstitucionalidade correspectiva (cf. incidente de Inconstitucionalidade no Resp 215.881)”.
A SELIC cria a figura anômala e paradoxal do tributo rentável. Os títulos podem geram renda, os tributos per se, não (STJ Resp 291 257, 2ª. T., Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. para o acórdão Min. Franciulli Netto, julg. 23.04.2002, publ. DJ 17.06.2002).
E, conclui recomendando a aplicação do art. 406 do CC com o art. 161 §1º do CTN, de modo, a fixar os juros legais de 12% ao ano aliás, na mesma direção da Judith Martins- Costa.
Essa opinião é consolidada no Enunciado 20 aprovado na Jornada sobre o Código Civil do CJF. Coibindo-se a dupla incidência da atualização monetária evita-se ipso facto o enriquecimento sem causa do credor.
Ademais se garante ao credor face às incertezas da cotação da SELIC e, com fundamento no parágrafo único do art. 404 do CC a conceder, ao credor indenização suplementar sempre o que o índice for insuficiente para cumprir a dupla função de recomposição do capital e de compensação pelas perdas decorrentes da mora do devedor.
Outro argumento plausível é que o Código Tributário Nacional foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei materialmente complementar (art. 34 ADCT), que jamais pode ser violentada por leis ordinárias como as que instituíram a taxa SELIC – a Lei 8.981/95 e 9.779/99. Portanto, é patente que a aplicação da SELIC ofende aos princípios da legalidade estrita e da indelegabilidade da competência tributária.
O prestigiado Leonardo Mattietto “não seria nem minimamente razoável transferir para os sujeitos da relação obrigacional regida pelo Código Civil, as agruras da delicada e instável política econômica do governo federal, sujeita a pressões de variadas ordens, como o controle da inflação, a vida política do país e as sucessivas crises internacionais. A taxa Selic, que deveria não mais refletir os juros básicos da economia, tornou-se” loteria vestida de derivativo financeiro”. Caso se admitisse sua adoção, seria duramente abalado o valor de segurança das relações jurídicas, sem que, por outro lado, fosse prestigiado o valor de justiça.”
Se o contrato de mútuo tenha sido firmado em data anterior à vigência do Código Civil de 2002, se a partir de 11 de fevereiro de 2003, trinta dias depois à vigência de CC de 2002, as parcelas que se vençam seguirão o art. 406 do CC, pois a mora se renova mês a mês. As parcelas vencidas anteriormente serão cobradas em 6% ano e as vencidas após a vigência do CC de 2002 no patamar de 12% ao ano.
Com efeito, aqui não se discute a validade, mas a eficácia do negócio jurídico. Segundo o art. 2.035 do CC, a validade dos negócios elaborados antes da vigência do CC de 2002 é regida pelo CC de 1916. Enquanto que os efeitos produzidos após a vigência do novo codex civil, serão a este subordinados.
No que tange aos juros sem retroação consiste a aplicação do princípio tempus regis actum, o efeito imediato e geral da lei em vigor que não fere o ato jurídico perfeito, porque o ato negociativo representado pela omissão no pagamento, repete-se a cada mês, então perante a obrigação que se protai ao longo do tempo indeterminado não se cogita de aquisição de direito adquirido de pagar segundo as regras anteriores à renovação da mora.
O início da contagem dos juros moratórios resultantes de responsabilidade contratual corresponderá à data de citação (art. 405 do CC), aliás, o art. 219 do CPC produz um dos efeitos materiais da citação é exatamente constituir o devedor em mora. Mas é necessário ponderar que o dispositivo só se aplica à mora ex persona, proveniente de interpelação judicial ou extrajudicial do devedor, incluindo-se aí a citação (art. 397, parágrafo único do CC).
No caso de mora ex re, o devedor incorpora os acréscimos de juros a contar do próprio vencimento da obrigação. Partimos do brocardo dies interpelat pro homine (art. 397 do CC).
Somente nas obrigações em dinheiro será possível aplicar juros de mora imediatamente após o vencimento de seu termo. Não havendo a liquidez, sendo desconhecido o montante devido, os juros incidirão a partir da citação.
No caso do ato ilícito extracontratual (art. 398 CC e Súmula 54 do STJ) os juros moratórios serão contados da data em que praticou o ilícito. Embora seja questionável a aplicação da Súmula 186 do STJ.
O art. 591 do CC traz uma das mais relevantes inovações do CC de 2002 no tocante ao contrato de mútuo, onde a modalidade de mútuo feneratício é disciplinada de forma profundamente nova. Desta forma, ainda que as partes nada tenham convencionado, presume-se a sua onerosidade.
Na vigência do CC de 1916 o contrato de empréstimo era em regra gratuito, sendo sua onerosidade excepcional pois dependia de cláusula expressa no contrato.
Evidentemente no atual tráfego jurídico, somente podemos afastar a onerosidade por cláusula expressa em sentido contrário, na qual o mutuante afirme categoricamente o desinteresse econômico no empréstimo.
Então o CC de 2002 além de converter o mútuo com fins econômicos de exceção em regra, o legislador civilista não mais o restringiu ao empréstimo de dinheiro ou de coisas fungíveis.
Os juros a que se refere o dispositivo do art. 591 do CC são os juros compensatórios ou remuneratórios, que são aqueles recebidos pelo mutuante como compensação pela privação do capital emprestado por certo período. A remuneração do credor corresponde aos frutos civis por ser privado temporariamente da posse do bem (sejam estes aluguéis, rendas, dividendos).
E, o novo codex civil não apenas se preocupou em fixar os juros legais moratórios em seu art. 406 CC, mas nada disciplinou sobre juros legais compensatórios.
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ressaltam que é mantida vigência e eficácia do Decreto 22.262/33 – a Lei de Usura – no tocante aos juros convencionais compensatórios em financiamentos, há de se aplicar o seu art. 1º, nos seguintes termos: “é vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas juros superiores ao dobro da taxa legal”.
A taxa legal para juros compensatórios é a de 1% ao mês, a norma referida na Lei de Usura permite que os contratantes pactuem uma taxa máxima de 2% ao mês, correspondendo ao total de 24% ao ano.
O art. 1º da referida Lei de Usura foi revogado pelo art. 591 do CC, ou seja, prevalece o patamar máximo de 12% ao ano. O permissivo da taxa em dobro será neutralizado quando houver lei especial que determine tetos máximos de juros compensatórios em patamares inferiores, como no caso dos financiamentos estipulados dentro do Sistema Financeiro de Habitação, que não pode ultrapassar o limite de 12% ao ano (art. 25, da Lei 8.692/83).
A Lei de Reforma Bancária (Lei 4.595/64) prevê a fixação de juros cobrada por instituições financeiras passou a ser deliberada pelo Conselho Monetário Nacional, excluindo-as dos limites rígidos da Lei de Usura.
Posteriormente o verbete registrado na Súmula 596 do Superior Tribunal Federal ratificou a não-aplicabilidade da Lei de Usura às instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional.
Toda a discussão em torno da taxa de juros fora definitivamente esvaziada com a edição da Emenda constitucional 40/2003 que expressamente revogou o § 3º do art. 192 da CF que limitava a 12% a taxa dos juros reais, extirpando os juros bancários dos parâmetros de outrora, possibilitando a regulamentação do Sistema Financeiro pelas partes através de lei complementar.
Baseadas no pacta sunt servanda, as instituições financeiras poderiam agir quanto a taxação de juros de acordo com o mercado, sem que isso se caracterizasse como usura. A Súmula 283 do STJ esclarece exatamente nesse sentido.
Mas tais parâmetros praticados no mercado financeiro revelam-se astronômicos, o que afronta totalmente os princípios da boa-fé objetiva, a função social do contrato (arts. 113 e 421 do CC), constituindo mesmo um abuso de direito (art. 187 do CC) que autorizam o magistrado atuar limitando o excessivo exercício do direito subjetivo ao crédito pelas instituições financeiras.
Relembrando-se que tais cláusulas gerais são normas abertas e móveis que circulam por todo o sistema jurídico brasileiro e que devem ser aplicadas para atenuar os rigores de certas regras esparsas do Código Civil. Ademais, tais cláusulas gerais retro-mencionadas são normas de ordem pública (art. 2.035, parágrafo único do CC) que colocam parâmetros de eticidade e que impedem o aniquilamento dos direitos fundamentais do contratante.
Enfaticamente doutrinadores de peso como Nery Junior admitem que o juiz poderá reduzir os juros a bem da cláusula geral da função social do contrato, e quanto a polêmica da incidência ou não do CDC aos contratos bancários, esta resta superada pelo posicionamento recente do STJ.
Aliás, a mesma Suprema Corte já entendera que as instituições financeiras podem praticar livremente as taxas de juros, desde que esta não supere a taxa média do mercado para a operação.(STJ, 3ª T. Resp 404.097, relator Min, Ari Pargendler, j. 17/03/2003).
Os contratos de mútuo efetuados entre pessoas físicas e bancos ou financeiras são nitidamente relações de consumo, onde o mutuário tem a condição de consumidor (art. 2º do CDC), e é contrato de adesão onde sempre se aplica a interpretação em benefício do aderente.
É óbvio que por sua anterioridade ao CDC, a Lei 4.595/65 ainda em vigor não dispõe quanto à limitação de juros compensatórios nas relações de consumo. Ademais, é norma de ordem pública garantir a tutela ao direito do consumidor emanada dos arts. 5º, XXXII e art. 170, V da Constituição Federal Brasileira.
Despiciendo discutir se o CDC é aplicável aos contratos bancários tendo em vista o julgamento da ADIn 2.591-1/DF, suscitando a inconstitucionalidade do art. 3º. § 2º do CDC, pois todos os contratos sejam empresariais ou civis se submetem às cláusulas gerais de boa-fé objetiva e de função social do contrato que impedem o desequilíbrio das partes nas relações negociais, sendo facultado ao juiz minorar os juros através do uso de seu poder integrativo.
Mais recentemente, o Superior tribunal de Justiça editou Súmula 297 onde patenteou nos seguintes termos: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Nos contratos de financiamento realizados através de emissão de cédulas de crédito, os juros legais são limitados ao 12% ao ano pois o art. 5º do Decreto-Lei 413/69 não alcança a Súmula 596 do STF, já que se trata de lei especial e posterior à Lei 4.595/64.
Desta forma, é ilegal a previsão de qualquer outra taxa, comissão de permanência ou encargo tendente a exceder ao permitido legalmente.
A retenção indevida pelo inadimplente do capital pertencente ao credor importa na privação temporária na disponibilidade de sua riqueza, impondo-se a incidência dos juros moratórios. Sem que se necessite demonstrar o prejuízo efetivamente causado.
Precisamos identificar e distinguir de forma adequada a mora ex re da mora ex persona. Na primeira, o mero advento do termo constitui de pleno direito o devedor em mora. É a adoção da regra que diz que “o tempo interpela em lugar do credor para obrigações a termo, positivas e líquidas”.
Este regra tem como base o fato do devedor ter ajustado previamente o prazo para o cumprimento da obrigação e, portanto, saber previamente que no dia do termo terá de cumpri-la.
A seu turno, a mora ex persona é caracterizada pela inexistência de termo certo para o adimplemento da obrigação, razão pela qual se torna obrigatória a interpelação do devedor para sua constituição (art. 397 do CC).
A mora do devedor recebe importante subclassificação: a mora ex re ou automática (quando a obrigação for positiva de dar ou de fazer), líquida e com data fixada para adimplemento.
Aqui nesse caso não vige necessidade de se tomar qualquer providência por parte do credor, como, por exemplo, a notificação, interpelação do devedor (art. 397 do CC). É a máxima o dia do vencimento interpela a pessoa ou dies interpellat pro homine.
Na mora ex persona ou pendente estará caracterizada se não houver estipulação de termo certo para execução da obrigação assumida. Requer então para plena caracterização da mora de providência do credor ou de seu representante no sentido de interpelar, notificar ou protestar cientificando o devedor em mora (art. 397, parágrafo único do CC).
Caso típico de mora pendente pode ser percebido no comodato de prazo indeterminado, assim só se configurará a mora do comodatário depois de notificado quer judicial ou extrajudicialmente pelo comodante para que restitua o bem emprestado no prazo a constar da própria notificação.
Vencido o prazo, incorrerá o mora o comodatário e, será considerado esbulhador, sendo portanto, cabível e competente a ação reintegratória de posse A notificação reside dentro das condições da ação. Se não for notificar previamente o comodatário, ingressando imediatamente com a reintegratória de posse, o autor será julgado como carecedor de ação.
Isso porque não há interesse de agir (que é formado pelo binômio necessidade e adequação). Orlando Gomes ainda aponta a mora presumida ou irregular prevista atualmente no art. 398 do CC nas obrigações decorrentes de atos ilícitos configura-se a mora do devedor desde que a praticou.
Se a obrigação em dinheiro é líquida e prende-se a termo final, os juros de mora são devidos a partir do vencimento. No entanto, se inexistente a data pré-fixada, o credor deverá interpelar de forma expressa e inequívoca o devedor para o constituir em mora, e só a partir daí, se inicia a contagem dos juros (parágrafo único do art. 397 do CC).
Sendo líquida a obrigação os juros moratórios contam-se desde citação inicial, segundo o art. 405 do CC c/c com art. 219 do CPC. Nas obrigações oriundas de atos ilícitos, considera-se o devedor em mora a partir da prática do ato (art. 398 do CC).
Nas demais obrigações oriundas de outra natureza que não as de dinheiro, os juros começam a fluir desde quês sejam fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitral ou acordo entre as partes.
A doutrina normalmente apresente a classificação dos juros em quatro espécies, a saber: a) compensatórios; b) moratórios; c) convencionais; e d) juros legais.
Compensatórios são aqueles que visam remunerar o capital emprestado, mediante mútuo conforme a previsão do art; 586 do CC. E, complementa o art. 591 do CC que se destina ao mutuo com fins econômicos, presumem-se devidos os juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406 do CC.
Moratórios são juros devidos quando ocorre a mora, e constituem uma penalidade, sanção aplicada ao devedor em razão de sua demora no cumprimento da prestação devida.
Os juros convencionais são estipulados pelas partes no bojo contratual e, nesse caso, em geral, os juros se configuram como obrigação acessória. È, o caso, por exemplo, dos juros bancários.
Os juros legais são previstos em lei e podem ser tanto compensatórios como também moratórios. São exemplos previstos na vigente legislação civil:
a) no art. 406 CC; b) art. 404 do CC; c) art. 706 e 772 do CC; d) art. 670 do CC; e) no art. 833 do CC; f) no art. 869 do CC; g) § 1º do art. 1.336 do CC; h) art. 1.345 do CC; i) art. 1.404 do CC; j) art. 1.405 do CC; l) §3 do art. 1.753 do CC; m) art. 1.762 do CC; n) art. 1.925 do CC;o) art. 591 do CC.
A regra geral informa que o anatocismo é vedado pelo sistema jurídico, porém há algumas hipóteses admitidas expressamente pelo Código Civil vigente. Resta saber se continuará em vigor a Súmula 186 do STJ com relação aos atos ilícitos onde são devidos juros compostos por aquele que praticou o crime.
O próprio art. 406 do CC prevê três hipóteses em que se excepciona a taxa de juros recomendada, que será a que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional; quando os juros moratórios não forem convencionados; quando os juros forem convencionados, porém sem taxa estipulada; c) quando o juros provierem de determinação da lei.
Em todas essas três hipóteses a taxa é de um por cento ao mês. J. M. Leoni Lopes de Oliveira aponta que o texto do art. 406 do CC corresponde à fusão das normas outrora contidas nos arts. 1.062 e 1.063 do CC de 1916.
O art. 407 do CC contém exigibilidade dos juros moratórios e estabelece a desnecessidade de prova efetiva do prejuízo pelo credor para a sua incidência e fixação pelo juiz dos juros moratórios; b) nas dívidas em dinheiro (obrigações pecuniárias) e os juros correm a partir da configuração da mora.
E, a última hipótese, nas prestações que não sejam em dinheiro, isto é, obrigação de dar coisa certa, ou de fazer ou não-fazer. Mas que se convertam em perdas e danos, a contagem dos juros necessita de sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes, ou seja, dependem de ter sua liquidez determinada.
Os juros sob aspecto processual bem como a atualização monetária integram o pedido de forma implícita, sendo desnecessário sua expressa menção conforme estatui o art. 263 do CPC.
A taxa de juros como custo do dinheiro no mercado e possui o Bacen como órgão regulador da política de juros. É curial observar que quando a taxa de juros está alta significa que há falta de dinheiro no mercado.
A taxa de juros é um dos mais importantes indicadores de política monetária. E convém elencar as súmulas mais recentes sobre juros editadas pelo STJ:
Súmula 296 de 2004: “Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado”.
Súmula 295: A Taxa Referencial (TR) é indexador válido para contratos posteriores à Lei n. 8.177/91, desde que pactuada.
Súmula 288 de 2004 : “A taxa de juros de longo prazo (TJLP) pode ser utilizada como indexador de correção monetária nos contratos bancários.”
Súmula 283 de 2004: “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras, e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei da Usura”.
Há ainda outras súmulas também do STJ correlatas ao tema, a saber:
Súmula 323 de 2005: A inscrição do inadimplente pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito por, no máximo, cinco anos.
Súmula 321 de 2005: O CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.
Súmula 294 de 2004: Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco
Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
Súmula 293 de 2004: A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não
descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.
Vários fatores influenciam o COPOM ao fixar a taxa SELIC, tanto fatores internos como externos. No âmbito internacional, considera-se o nível de instabilidade das chamadas economias emergentes (países do terceiro mundo ou subdesenvolvidos, ou ainda em desenvolvimento) e da economia dos Estados Unidos.
Recentemente como reflexo de uma globalização da política econômica mundial, as bolsas de valores brasileiras sofreram com a crise do mercado imobiliário norte-americano.
No fórum interno são avaliados essencialmente os indicadores de preço que mostram o comportamento da inflação no passado brasileiro. Por isso, os integrantes do COPOM avaliam também o comportamento dos itens que podem impactar a trajetória da inflação no futuro.
Em resumo, se o consumo estiver em alta, o BaCen pode elevar a taxa básica de juros para conter o consumo crescente e estimular a poupança. Com taxas altas, os crediários ficam difíceis de serem pagos. Ao mesmo tempo, a remuneração das aplicações financeiras, ficam mais atraentes.O perigo das taxas altas de juros é que estas desestimulam a produção e valorizam as aplicações e especulações financeiras.
Depois dessas explicações de cunho econômico, é basta razoável acreditarmos que para incrementar a produção é indispensável uma política monetária de juros baixos e controlados.
Judith Martins-Costa identifica bem a polêmica suscitada por conta do art. 406 do CC. Além do conceito jurídico de juros reconhecidos como frutos civis do capital, jaz a idéia econômica de “juros reais” assim denominados em norma constitucional.
É certo que o conceito de juros não é meramente formal, mas substancial ou material derivando do tratamento dado pela ordem jurídica-econômica globalmente considerada.
O CC de 2002 não acolhe tratamento micro-jurídico de juros, que sempre fora a forma tradicional de disciplinar os juros, ora por meio de leis restritivas, ora por leis permissivas.
Os juros que eram disciplinados na relação intersubjetiva e a vedação de juros usurários era questão de justiça comutativa advinda da herança aristotélica. Com o avanço do planejamento econômico e a inserção constitucional interno do título “Da Ordem Econômica” e, ainda, uma nova forma codificada veio os considerar como importância macro-jurídica.
Assim, representa a fixação de juros um elo da cadeia de operações capaz de irradiar multiplamente por todo o processo econômico do país, compreendendo a produção, a comercialização, industrialização e consumo.
A relação óbvia entre os juros e o desenvolvimento do país faz com que surja o entendimento que estes não se encontrem apenas nos lindes de interesses interindividuais, e, sim, além, nos interesses transindividuais e metaindividuais.
Inicialmente o art. 192, parágrafo terceiro da CF se tornou centro de polêmica da decisão do STF sobre a ADIn 4-7/DF que versou sobre a interpretação do real alcance do referido dispositivo constitucional restringente da taxa de juros.
Sublinha com acerto Judith Martins-Costa que a expressão juro real significa a parcela da taxa de juros que excede a taxa de inflação de um determinado período e que tem com fim remunerar o dinheiro, abrangendo o elemento risco e os custos da transação ou remuneração do intermediário.
Juro real é aquele propriamente dito, e, não juro aparente. São juros deflacionados, onde se calcula desprezando-se a parcela referente à correção monetária. Acrescente-se que os juros moratórios são também ou devem ser juros reais.
Portanto, a norma do art. 406 do CC não incide nas relações particulares e instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, mas tão-somente nas relações interprivadas em que não esteja nos pólos ativo e passivo, ente integrante do Sistema Financeiro Nacional.
Não há consenso sobre o conteúdo material do art. 406 do CC e, atualmente para a mora se utiliza para cobrança de tributos a aplicação de taxa flutuante a chamada taxa SELIC.
Deve-se interpretar o art. 406 do CC harmoniosamente com todo sistema jurídico integralmente considerado. A taxa SELIC é calculada sobre os juros cobrados nas operações de venda de título negociável, em operação financeira com cláusula de recompra. Por isso, é mais apropriada a aplicação a TJPL(prevista no CTN).
É taxa selic que reflete remuneração dos investidores de compra e venda de títulos públicos, é fixada pelo COPOM, e sob alvedrio da Administração Pública. O que revela grave distorção em função da matéria pertence a competência do Legislativo e, não do Executivo.
Logo, pleitear pela incidência da SELIC na tarifação de juros fere brutalmente o princípio da legalidade quanto o princípio da segurança jurídica. Defende, por derradeiro a Professora Judith Martins-Costa a interpretação do art. 406 do CC com a remissão do art. 161, § 1º do CTN que é o melhor se adapta do sistema, ao diálogo das fontes mantido entre a CF e o vigente CC.
Para melhor entendermos a temática dos juros precisamos também apreciar os contratos de empréstimos.
O contrato de empréstimo é negócio jurídico pelo qual a parte entrega a outra, de forma gratuita (originalmente), obrigando-se a devolver a coisa emprestada (comodato) ou coisa da mesma espécie e quantidade (mútuo).
O empréstimo é contrato unilateral, gratuito, real abrangendo duas espécies: a) comodato que incide sobre bem infungível e inconsumível, é o chamado empréstimo de uso; b) mútuo que incide sobre bem fungível, consumível, chamado de empréstimo de consumo.
Assim, resumidamente a partir da entrega da coisa, dependendo da sua natureza bem como os direitos envolvidos podem dar ensejos aos seguintes contratos de empréstimo:
Para uso, temos o comodato;
Para consumo, temos o mútuo;
Para a guarda, temos o depósito;
Para administração, temos o mandato.
Os empréstimos (tanto comodato como mútuo) além de serem unilaterais e gratuitos ou benéficos são, em regra, comutativos, informais e reais.
Frise-se que o aperfeiçoamento desses contratos decorre com a traditio da coisa emprestada. Ao comentar sobre juros Flávio Tartuce recorda que para a jurisprudência, as entidades bancárias e financeiras não estão sujeitas à Lei de Usura (Dec. Lei 22.626/33) é o entendimento da Súmula 596 do STF confirmada pelo STJ e, por outros tribunais pátrios, inclusivo no mútuo oneroso ou feneratício.
Por acarretar a translação do domínio ao mutuário, não se converte, só por esta razão, em contrato de alienação ( senda esta somente meio e não o fim do contrato) pois o mutuante continua a ser o dono da coisa emprestada.
Apesar de discordar, Tartuce conclui sabiamente que por essa mesma corrente jurisprudencial dominante, o art. 591 do CC não é aplicável aos contratos bancários, valendo-se das regras de mercado.
O paradoxo intrigante é observar que o mútuo feneratício feito por um banco a uma pessoa natural ou física é caracterizado como contrato de consumo amparado pelo CDC (vide Súmula 297 do STJ) e, apesar da lei consumerista, este não está sujeito à Lei de Usura, podendo cobrar exorbitantes e abusivas taxas de juros amplamente praticadas pelo mercado brasileiro.
Nos demais contratos estão limitados os juros a 1% ao mês, ou 12% por ano conforme indica o Enunciado 20 do CJF. Há entendimento minoritário com referência à SELIC como complementar do art. 406 do CC de 2002.
Os juros convencionais no máximo poderão atingir 2 % ao mês ou 24 % ao ano pela previsão da velhusca Lei de Usura que para Tartuce não está revogada. Até porque a limitação dos juros e carência de força normativa das resoluções do BaCen, está perfeitamente em sintonia com o princípio da função social do contrato, com a proteção a dignidade da pessoa humana, na solidariedade social e da boa-fé objetiva.
Orlando Gomes sempre condenou o que chamou de contrato usurário, e diante o novo conceito de usura, a sanção imposta é a nulidade do contrato. Mas, nos casos de usura pecuniária com juros superiores aos da taxa legal contrato não é nulo. Recorre-se a conservação dos contratos e revisam-se as prestações devidas.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que perpetuam a saga de juristas baianos ilustres destacam que a apuração de juros na atividade bancária, é de fato, terreno explosivo.O STF ao julgar que a atividade financeira é essencialmente instável e que a imobilização da taxa de juros prejudicaria o desenvolvimento nacional, inúmeros abusos são perpetrados em detrimento sempre da parte mais fraca, o correntista, o depositante, o poupador.
Mais recentemente, o STJ fixou juros cobrados por uma empresa de factoring em 12% ao ano Resp 330 845/RS STJ, data de julg. 17/06/2003, publ. DJ 15/09/2003, p.322, RSTJ 180/432.
Os juros de mora contam-se desde da inicial citação do devedor, vide Enunciado 163 do CJF que frisa somente ser aplicável à responsabilidade contratual e não aos juros decorrentes da responsabilidade extracontratual, em face do art. 398 do CC, não afastando a Súmula 54 do STJ.
O art. 405 do CC deve ser aplicado somente nos casos de obrigação líquida e não vencida. No que tange ao direito intertemporal, prevendo que tendo a mora do devedor início ainda na vigência do C.C. de 1916, são devidos juros de mora de 6% ao ano até 10 de janeiro de 2003; a partir de 11 de janeiro de 2003 passa a incidir o teor do art. 406 do CC (Enunciado 164 do CJF).
O inadimplemento obrigacional quando a obrigação não é satisfeita conforme exatamente foi pactuado, surgindo o haftung, ou seja, a responsabilidade. A responsabilidade civil contratual com fulcro nos arts. 389 a 391 do CC.
Também surge o dever de indenizar as perdas e danos previsto nos arts. 402 ao 404 do CC.Em sentido genérico, o inadimplemento pode ocorrer em dois casos específicos: a) inadimplemento parcial, mora ou atraso, onde ocorrer apenas um retardamento parcial da obrigação que ainda pode ser cumprida e útil ao credor; b) o inadimplemento total ou absoluto que se dá quando a obrigação não pode ser mais cumprida, tornando-se inócua e inútil ao credor.
O critério para distinguirmos a mora do inadimplemento absoluto é exatamente a utilidade do cumprimento da obrigação para o credor. Logicamente os efeitos decorrentes da mora são menores do que seus efeitos no caso de inadimplemento absoluto.
A mora do devedor, solvendi ou debitoris tem na culpa seu elemento essencial eis o porquê é definida como retardamento culposo no cumprimento da obrigação. Já a mora do credor, accipiendi ou creditoris independe de culpa. E extrai-se o conceito de mora dos ditames do art. 394 do CC.
Prevê o art. 396 do CC que não havendo fato ou omissão imputado ao devedor, não incorre este em mora. A tradicional doutrina sempre apontou a culpa genérica (a que inclui tanto o dolo como a culpa estrita) é fator primordial para sua caracterização.
Outros doutrinadores pós-modernos entendem que a culpa não é fator substancial para a caracterização da mora debendi ou do devedor. Nessa corrente, temos a Judith Martins-Costa defendendo que muitas vezes a culpa não estará presente, o que não prejudicaria a plena caracterização do atraso no adimplemento.
A doutrinadora cita, por exemplo, os casos que envolvem obrigação de resultado assumida em situações em que a análise da culpa é dispensada. A primeira tese que vê na culpa o elemento primordial para plena tipificação da mora é predominante entre nossos tribunais, e o primeiro efeito da mora do devedor é responsabilizá-lo por todos prejuízos causados ao credor, somados os juros, atualização monetária calculados segundo os índices oficiais e honorários advocatícios em caso de ação específica.
Se por causa da mora, a prestação tornar-se inútil ao credor poderá rejeitá-la, cabendo a reparação por perdas e danos (art. 395 do CC). É onde a mora converte-se em inadimplemento absoluto.
Nesse sentido, o Enunciado 162 do CJF no seguinte teor: “A inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deve ser diferida objetivamente consoante o princípio da boa-fé objetiva e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor”.
A utilidade da obrigação é mensurada à luz da função social das obrigações e dos contratos, da boa-fé objetiva, da manutenção estrutural do negócio jurídico de modo evitar-se a onerosidade excessiva e o enriquecimento sem causa.
Estando em mora ex vi o art. 399 do CC, o devedor responderá pela impossibilidade da prestação embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou força maior caso tenham ocorrido durante o atraso de adimplemento.Poderá a responsabilidade do devedor sr afastada se o devedor provar isenção de culpa ou que o dano sobreviria mesmo que a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
Há uma exceção ao disposto no art. 393 do CC onde a parte não responderá pelo caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou pela força maior (evento previsível embora inevitável), provando o devedor que a perda ocorreria mesmo não havendo mora, a sua responsabilidade deverá ser afastada.
Também será igualmente afastada a responsabilidade se o devedor provar a ausência de culpa, e sobre tal previsão vige polêmica.
Houve até proposta de enunciado sobre o art. 399 do CC pelo CJF preocupada em ressalvar que quando houver mora do devedor com atraso culposo no cumprimento obrigacional, é evidente a ausência da culpa acarreta ipso facto a inexistência da mora.
Professor Agostinho Alvim sustentava que provada a ausência de culpa, deixa de haver mora, por faltar o elemento subjetivo, e consoante ao art. 963 do CC. Assim o devedor responderá pela mora, salvo se provar ausência de culpa.
A referida proposta de enunciado choca-se com entendimento doutrinários e jurisprudenciais dominantes. E, a proposta não fora aprovada diante de votos contrários, capitaneados por Judith Martins-Costa.
A mora accipiendi ou do credor ou creditoris ou credendi não carece da culpa para sua tipificação, e gera três efeitos (art. 400 do CC) a saber:
a) afasta do devedor isento de dolo a responsabilidade pela conservação da coisa, não respondendo o mesmo por conduta culposa (imprudência, imperícia ou negligência) que gera a perda do objeto obrigacional;
b) obrigar o credor a ressarcir o devedor pelas despesas empregadas na conservação da coisa;
c)sujeitar o credor a receber a coisa pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o tempo do contrato e do cumprimento da obrigação.
Diante da mora do credor, é possível ao devedor valer-se da ação de consignação judicial ou extrajudicial nos termos dos arts 890 do CPC e art. 334 do CC.
Quando as moras são simultâneas, a mora do devedor e do credor numa mesma situação, uma elimina a outra, como se nenhuma das partes houvesse incorrido em mora. Ocorre, a chamada “compensação dos atrasos”.
Tal tratamento doutrinário está em sintonia com a regra segundo a qual ninguém poderá beneficiar-se da própria torpeza (boa-fé objetiva), bem como o princípio da conservação do negócio jurídico.
A purgação da mora serve para afastar ou neutralizar os efeitos do atraso decorrentes (art. 401 do CC). Através da purga ou emenda da mora, tanto o credor como devedor que caiu em mora, corrigem e sanam a falta cometida cumprindo com a obrigação ainda em tempo hábil ao adimplemento.
Deve então, reparar os eventuais prejuízos causados ao outro sujeito da relação obrigacional. Purgando a mora, o devedor dá pela oferta da prestação com o acréscimo de juros, correção monetária, multa e honorários advocatícios, sem prejuízo das eventuais perdas e danos.
Enquanto o credor purga a mora, este se oferece para receber a prestação do devedor, sujeitando-se aos efeitos da mora já ocorridos. Podem simultaneamente devedor e credor purgar a mora, ocasião em que ambos renunciaram aos prejuízos dela decorrentes.
Sobre a purgação da mora no caso da locação de imóvel urbano, o art. 62, II da Lei 8.245/91 possibilita ao locatário purgar a mora, no caso da ação de despejo por falta de pagamento.
O locatário desta forma evitará a rescisão locatícia, requerendo dentro do prazo de contestação, buscando autorização para pagar o débito atualizado independentemente de cálculo e mediante depósito judicial onde estarão incluídos: os aluguéis, os acessórios da locação que vencerem até a efetivação do depósito; as multas e penalidades contratuais quando exigíveis; os juros moratórios e as custas e honorários advocatícios do advogado do locador, fixados em 10% sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa.
Autorizada a emenda da mora e efetuada o depósito judicial até 15 dias após a intimação do deferimento, se o locador alegar que a oferta não é integral, justificando a diferença, o locatário poderá complementar o depósito judicial, no prazo de dez dias, contados da ciência dessa última manifestação (art.62, III da Lei 8.245/91).
Não complementado o depósito tempestivamente, o pedido da rescisão locatícia prosseguirá pela diferença podendo o locador levantar a quantia já depositada.
Não se permitirá a purga da mora do locatário que se utilizar por duas vezes nos doze meses imediatamente à propositura da ação de despejo. É uma natural sanção contratual para o locatário que não atua com boa-fé objetiva.
Com relação à alienação fiduciária introduzida pela Lei 10.931/2004 com a purgação da mora, houve alteração substancial do art. 3, segundo parágrafo do Decreto-Lei 911/1969. Pela nova redação legal, o devedor fiduciante teria que pagar integralmente a dívida pois caso contrário ocorrerá consolidação da propriedade a favor do credor fiduciário.
O art. 54 do CDC admite que os contratos de adesão contenham cláusula resolutiva, desde que a escolha caiba ao consumidor. A resolução é forma de extinção de contratos por inexecução, a escolha a que se refere o dispositivo legal, em caso de existência de cláusula resolutiva expressa deve ser interpretada como possibilidade de que o devedor em mora tem de optar entre a purgação e a continuidade da relação contratual de um lado, e a extinção contratual de um lado, e a extinção por inadimplemento, de outro.
A conclusão é que a inovação introduzida pela Lei 10.931/2004 não é incompatível com essa interpretação, mas simplesmente conferiu mais uma faculdade do devedor, qual seja a de obter a extinção do contrato, com a restituição do bem apreendido, livre de ônus, pela integral execução das obrigações pactuadas.
O art. 591 do CC permite a capitalização anual dos juros no mútuo de fins econômicos desde que expressamente pactuada. Os juros mensais serão separados do capital e nele inseridos apenas ao término de cada ano, quando houver previsão de capitalização no contrato. Destarte, caberá capitalização, para a inclusão dos juros vencidos depois de um ano capital, rendendo-se juros no ano subseqüente. Subentende-se anual o período para qualquer norma especial que permita a capitalização dos juros.
De acordo com o STJ a capitalização de juros é possível nos contratos de mútuo bancário desde que celebrados a partir de 31 de março de 2000, a data da publicação da Medida Provisória 1.963/2000, reeditada sob n. 2.170-36/2001 cujo art. 5º autoriza o procedimento.
Excepcionalmente, a súmula 93 do TSF permite a cobrança de juros sobre juros por períodos menores, pela vontade dos contratantes quando da emissão de cédula de crédito industrial ou comercial, respectivamente, Dec-Lei 167/67, Dec-Lei 413/69, Lei 6.480/80 permitindo a capitalização semestral.
Sobre o tema, o STF através do Relator Ministro Sydney Sanches deferiu liminar ADIn 2.316/DF para suspender a eficácia do art. 5º da referida Medida Provisória de 2001 que permitia a capitalização dos júris com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
Convém recordar que a Súmula 30 do STJ veda a cumulação da comissão de permanência com a correção monetária, o que realmente seria um bis in idem. E, também veda-se a cumulação da comissão de permanência com a multa moratória e/ou juros de mora, conforme nos aduz a Súmula 296 do STJ.
Finalmente com base na Súmula 294 do STJ concebeu o seguinte enunciado: “não é potestativa a cláusula contratual que prevê comissão de permanência, calculada pela taxa média apurada pelo Banco central do Brasil, limitada à taxa do contrato.”
Obviamente o presente artigo somente tem cunho didático e, não poderia jamais pretender exaurir tema de acirrada polêmica e grande profundidade.
Gisele Leite
Referências
GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil. Volume III, tomo 1, São Paulo, Saraiva, 2005.
GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Coordenação de Ricardo Pereira Lima. Contrato Rio de Janeiro, Renovar, 1999.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Série Concursos Públicos, volume 3 Teoria Geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo, Editora Método, 2006.
SIMÃO, José Fernando. Direito Civil contratos, volume 5,Série Leituras Jurídicas , Provas e Concursos, São Paulo, Editora Altas, 2005.
DE FARIAS, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro, Editora Lúmen Júris, 2006.
WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos, 16ª. Edição com a colaboração do Prof. Semy Glanz, São Paulo, Editora Saraiva, 2004.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, Rio de Janeiro, Forense, 2005. volume III, 12ª edição.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito das obrigações: parte especial, volume 6, tomo I contratos, Série Sinopses Jurídicas, 7ª. Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2004.
VENOSA, Silvio Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 5 ed.;. São Paulo, Atlas, 2005(Coleção Direito Civil volume II).
SOARES, Paulo Brasil Dill. Código do Consumidor Comentado. 6a. edição, Rio de Janeiro, Editora Destaque, 2000.
E ainda os links:
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22364
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22700
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/19847
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/17502
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22636
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/20560
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/17173
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18908