Considerações sobre o sistema constitucional
Para obtermos a idéia sobre o sistema constitucional invocamos oportunamente Bobbio quando informa: “Para que se possa falar em ordem é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, uma coerência entre si, e em quais condições é possível essa relação”.
O sistema constitucional é um conjunto de normas que formam um sistema necessariamente harmônico, coeso por força da supremacia constitucional.
Sob o aspecto normativo, as normas constitucionais desdobram-se em duas espécies: as regras e os princípios. Deve-se distinguir enunciado (formulação, disposição) da norma e o conceito de norma. A formulação da norma é qualquer enunciado que faz parte do texto normativo (de uma fonte de direito).
Norma é o sentido ou significado adstrito a qualquer disposição. Disposição é a parte de um texto ainda a interpretar, norma é parte de um texto interpretado. Os princípios constitucionais são dotados de grande abstratividade que imprime certo significado às normas.
Os princípios refletem a própria estrutura ideológica do Estado, e como tal, representam os valores consagrados por uma determinada sociedade. São normas gerais generalíssimas que exprimem valores, são “supernormas”. Por outro sentido, seriam “standards” que imporiam disposições que preordenem o conteúdo da regra legal.
São generalizações que podem ter conotação prescritiva ou descritiva. Costuma-se atribuir ao grau de abstração da norma como sinal distintivo entre princípio e regra, sendo esta voltada para o mundo concreto.
É por tal razão que Dworkin denomina os princípios standards. Ducat assevera que as regras têm caráter categórico, estabelecendo branco-ou-preto. Ao passo que os princípios são dispostos em termos gerais, com significado e conseqüências ambíguas.
O grau de aplicabilidade da norma pode ser fator diferenciador entre princípios e regras, sendo aqueles dependentes de concretização verdadeira integração. Enquanto que as regras são imediatamente aplicáveis aos casos concretos.
Os princípios correspondem à base do sistema jurídico, seus fundamentos últimos. Possui natureza normogenética, pelo fato de serem fundamento das regras, constituindo o motivo determinante da existência das regras em geral.
Os princípios permitem o balanceamento de valores e interesses consoante seu peso e a ponderação de outros princípios que eventualmente conflitem.
Os princípios são responsáveis pela incorporação de valores fundamentais no sistema jurídico, conferem unidade ao sistema jurídico e, são os fundamentos das regras.
Não desencadeiam pois, a eliminação de um em face daquele que prevalecer, em caso de colisão, tal como ocorre com as regras jurídicas. São os princípios constitucionais que consagram valores que servem de fundamento para todo o ordenamento jurídico, e irradiam sobre este para transformá-lo em verdadeiro sistema, conferindo-lhe harmonia.
Não receou a doutrina em reconhecer que as hipóteses de cabimento de ação direta interventiva contemplam os princípios sensíveis.
Também existem as chamadas cláusulas pétreas que são normas de alta relevância e, dotadas de garantia especial que é a imutabilidade. Quando a Constituição preceitua que não poderá ser objeto de emenda constitucional a proposta tendente a abolir: a federação do Estado brasileiro, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação de poderes, os direito se garantias individuais.
Oscar Vilhena Vieira cogita de cláusulas superconstitucionais e, elenca uma série de normas que deveriam fazer parte, em tese, desse conjunto de preceitos a serem subtraídos do poder de reforma constitucional.
É a essência da Constituição: direitos e princípios básicos que buscam estruturar a democracia e o Estado de Direito, na perspectiva da emancipação e da dignidade humana.
È correto afirmar que, de mera proclamação jurídica de normas com superioridade hierárquica em relação às demais, procura traçar valores supremos que assumem importância ainda maior em relação às demais normas constitucionais, embora estejam vestidos também de roupagem constitucional.
Cabe à jurisdição constitucional como atividade desenvolvida pelo Tribunal Constitucional a missão de desenvolver os princípios constitucionais, particularmente relevantes no caso dos direitos humanos, na elaboração de institutos jurídicos próprios (ações específicas).
O acolhimento de valores desmistificou a neutralidade axiológica da Constituição que vinha sendo apontada pela doutrina. Crisafulli se refere aos princípios constitucionais como meras pautas dogmáticas ou científicas, que são convertidos em direito positivo, com plena eficácia normativa.
Observa Cappelletti que as constituições modernas contêm a indicação daqueles que são supremos valores; as rationes, os Grund da atividade futura do Estado e da sociedade.
A própria Carta Magna pátria incorpora extenso rol de valores chamados de fundamentos do Estado, e em outra oportunidade, chamados objetivos fundamentais além de contemplar inúmeros valores difusamente.
Os valores superiores da Constituição são decisões fundamentais, ou supremos valores dos quais depende a validade de todas as demais normas. Têm-se dois relevantes elementos integrantes do núcleo da Constituição, além de seus valores materiais: a soberania e o Estado de Direito.
Os básicos valores consagrados são normas de identificação das demais normas, normas sobre normas, constituindo “um direito sobre direito”, regras de conhecimento (Hart), normas de segunda instância (Bobbio).
Os valores fundamentais são vetores axiológicos fundamentais que O Estado pretende implementar por meio da ordem jurídica.
Tais valores são núcleo básico e informador de todo sistema jurídico-político. Os valores superiores de certo ordenamento jurídico estão vertidos tanto na forma principiológica como na forma de regramento.
A idéia de que possa haver hierarquia de normas jurídicas dentro da Constituição é descartada. É também a posição partilhada pelo STF, in litteris:
“A tese de que a hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas, em face de outras é impossível com o sistema de Constituição rígida”.
Razoável parte da doutrina denomina alguns princípios, de princípios gerais de direito, aqueles inseridos nas constituições.
Flórez-Valdés entende por princípios gerais de Direito as idéias fundamentais sobre a organização jurídica de uma comunidade que cumprem funções fundamentadoras, interpretativas e supletivas a respeito do ordenamento jurídico.
Os valores superiores do ordenamento são perspectivas teleológicas dos princípios gerais de Direito que hão de ser constitucionais são princípios do Direito Natural. Betti assinalava a correspondência entre os princípios gerais do Direito e valores supremos.
Preceito é espécie ou gênero autônomo de normas ou princípios, ou mesmo regras. Preceito tem dois significados:
1. aquilo que é dado para servir de regra (máxima, princípio) de ação ou de conduta, sobretudo de conduta moral ou religiosa.
2. aquilo que é aceito como princípio regulatório ou funcional na organização e direção da conduta.
Preceito é palavra derivada do latim praeceptum exprime a ordem, a regra ou o mandado que se deve observar e guardar. Preceito engloba tanto as regras quanto os princípios. No campo constitucional há ainda um postulado hermenêutico que determina ao intérprete conferir a máxima eficiência ou como quer Canotilho a maior efetividade possível às normas constitucionais. É o princípio da interpretação efetiva.
A fundamentalidade do preceito liga-se ao communis praeceptum como regra a ser seguida por todos. O preceito fundamental é delimitação conceitual do puro conceito. È imprescindível mas nem é toda e qualquer norma contida na Lei Fundamental.
Preceito é qualquer norma, enquanto que o preceito fundamental traduz-se na somatória entre, de uma parte, parcela dos próprios princípios constitucionais. Bem como as regras cardeais de um sistema constitucional, formadas, essencialmente, pelo conjunto normativo assecuratório dos direitos humanos. São preceitos fundamentais aqueles que conformam a essência de um conjunto normativo-constitucional.
Nem todo princípio constitucional é preceito fundamental, nem norma principiológica. Assim, todo princípio é naturalmente, um preceito, mas não um preceito qualquer, antes apresentando natureza principiológica (já que entre os preceitos existem regras).
Será preceito fundamental apenas nos casos nos quais se agregar a sua condição principiológica a natureza da fundamentalidade. Algumas normas podem ocupar o mesmo nível dos princípios, para fins de proteção e, em especial, da argüição de descumprimento. É o que ocorre, verbi gratia, com certas regras que no sistema pátrio são implementadoras de direitos humanos, como se vê, com regras específicas da separação de poderes.
A alma ou o espírito da Constituição está conformado pelo complexo, integral e orgânico dos valores, essenciais filosóficos, morais, históricos, sociais, jurídicos, econômicos, etc... assim como dos ideais, finalidades, propósitos, e, em geral, condições que inspiram animam e fundamentam a totalidade ou qualquer parte do texto constitucional, enquanto lei funcional, fundamental e suprema do país.
Reconhece Pierandru que existe um núcleo central da Constituição em torno da qual se obtém uma integração. Representam o núcleo central da Constituição, trata-se dos princípios que diretamente expressam valores políticos nos quais fundamenta o Estado, podem estar expressas ou implícitas. O fundamental é a essência de um conjunto normativo constitucional.
Há, pois, uma simetria imperfeita e preceitos fundamentais e princípios constitucionais. Nem todos os preceitos fundamentais são princípios e nem todos os denominados princípios constitucionais são preceitos fundamentais.
Todo princípio, é naturalmente um preceito, mas não um preceito qualquer, antes apresentando natureza principiológica (já que entre os preceitos existem as regras). E será preceito fundamental apenas nos casos nos quais se agregar a sua condição principiológica a natureza da fundamentalidade.
Os preceitos fundamentais da Lei Maior apresentam-se como categoria autônoma formada por princípios e por regras constitucionais.
Como idéias fundamentais do ordenamento jurídico, são consideradas como fontes imediatas das demais normas. Utilíssimos são os preceitos fundamentais posto que possam ser utilizados pela hermenêutica constitucional.
Pondera Alfredo Buzaid que todos os dispositivos da Constituição Federal são preceitos constitucionais que se sobrepõem a qualquer outra norma da legislatura ordinária. É constitucional toda norma editada pelo Poder Constituinte, todas as normas inclusive às atinentes à organização dos poderes públicos.
Os preceitos fundamentais não se apresentam como meras normas programáticas, ainda que concentrem grande carga valorativa, tanto assim que a Carta Magna pátria previu medida específica pra fins de conferir a necessária guarida a esses preceitos fundamentais, quando descumpridos por aqueles que estariam a obrigados a segui-los.
É clarificante a lição dada por Vezio Crisafulli: “Ponto de partida para uma exata inteligência da natureza jurídica dos princípios gerais é o de normas-princípios (são normas fundamentais das quais derivam as normas particulares)”.
Só a guisa de informação traduziremos resumidamente as principais contribuições das mais recentes Emendas Constitucionais brasileiras à atual Constituição Federal Brasileira.
A emenda 45, de 30/12/2004 que alterou os dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A. A referida emenda implementou a reforma do Judiciário.
A emenda 46 de 05/05/2005 que alterou o inciso IV do art. 20 da Constituição Federal.
A emenda 47 de 05.07.2005 que altera os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, para dispor sobre a previdência social, e dá outras providências.
A emenda 48 de 10.08.2005 que acrescenta o § 3º ao art. 215 da Constituição Federal, instituindo o Plano Nacional de Cultura.
A emenda 49 de 8.2.2006 que alterou a redação da alínea b e acrescenta alínea c ao inciso XXIII do caput do art. 21 e, alterou a redação do inciso V do caput do art. 177 da Constituição Federal para excluir do monopólio da União a produção, a comercialização e a utilização de radioisótopos de meia-vida curta, para usos médicos, agrícolas e industriais.
A emenda 50 de 14.02.2006 que alterou o art. 57 da Constituição Federal.
A emenda 51 de 14.2.2006 que acrescentou os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 198 da Constituição Federal
A emenda 52 de 8.03.2006 que deu nova redação ao § 1º do art. 17 da Constituição Federal para disciplinar as coligações eleitorais.
A emenda 53 de 19.12.2006 que deu nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.