Foro privilegiado: Fábrica de intocáveis
Isonomia, Foro Privilegiado, afinal de contas, o que significa estas palavras tão comuns no vocabulário difundido ultimamente pela imprensa brasileira?
“Isonomia” é o principio de igualdade do indivíduo perante a lei e pela lei. Segundo nos conta a história e os velhos livros das antigas faculdades de ciências jurídicas, o Princípio da Isonomia foi estabelecido em Atenas, na Grécia antiga por volta de 508 ac por Cístenes, o pai da democracia ateniense.
Mas se alguém conseguiu há tantos anos atrás estabelecer uma regra tão formidável e nobre, com certeza teria de haver alguém, preocupado em ser melhor do que todos; e este estouvado criou o Foro Privilegiado.
Foro Privilegiado em princípio pode ser confundido com Imunidade Parlamentar, mas na realidade não é; é bom deixar claro que a imunidade parlamentar diz respeito apenas a membros do parlamento, que no Brasil está restrito a Deputados e Senadores. O que assegura a outros membros dos poderes constituídos (bem todos) a prerrogativa de AMPLA LIBERDADE E INDEPENDENCIA nos exercício de suas funções, protegendo-os contra ABUSOS E VIOLAÇÕES por parte de outros Poderes Constituídos, é chamado de Foro Privilegiado.
O exercício da imunidade é exercido diretamente pela possibilidade de uso do foro privilegiado, ou seja, membros de parlamentos (e outras legislaturas), têm acesso, segundo a Constituição do Brasil, a uma praxe processual diferente da ordinária, usada por todos os outros cidadãos comuns,
Quando a Ministra Ellen Gracie tomou posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal, foi indagada acerca do foro privilegiado. A Ministra respondeu que o instituto já fazia parte da nossa tradição. Joaquim Barbosa, também Ministro do STF, ao receber para processar os volumes do inquérito do “Mensalão”, referiu-se ao privilégio do foro como uma excrescência, ou supérflua.
Existem bons motivos para supor que ambos os magistrados estão com a razão. A competência por prerrogativa de função, nome técnico para foro privilegiado, é ao mesmo tempo uma tradição e uma excrescência, fato, aliás, que não é isolado em nossa história.
Desde as Ordenações Filipinas que vigoraram no Brasil Colônia, está presente a diferenciação entre juízos, de acordo com o status da autoridade: fidalgos de grandes Estados só eram processados por mandados do rei.
A enorme fonte que infringe ao princípio da isonomia tem se mantido incólume no correr dos anos, ainda que as Constituições e o prestigio das normas referentes à igualdade tenham mudado profundamente desde o absolutismo que vigorava naquele período. Neste sentido, faz bem que tenhamos deixado para trás algumas tradições de nosso direito. Outras ainda podem ser descartadas pelo caminho.
Há quem diga que a regra do foro privilegiado não perturba a isonomia, mas a revigora, pois, afinal, tal como os iguais devem ser tratados de forma igual, os desiguais devem receber tratamento distinto.
A lógica poderia ser aplicada ao “apartheid” sem grandes alterações filosóficas. Em determinado momento político, alguém sentenciou que brancos e negros eram diferentes e, portanto, mereciam tratamento desigual.
A questão, fundamental, por óbvio, é saber que desigualdade – na lei -, pode contribuir para afirmações da igualdade – na vida real -, e qual a diferenciação pode simplesmente esvaziar o conceito de isonomia. As autoridades são diferentes das pessoas comuns quando cometem crimes? Por acaso, ao malversar verbas públicas ou receber suborno, são os cargos ou os indivíduos que praticam ilícitos?
Esta regra da desigualdade para desiguais apenas aprofunda a desigualdade, o que subverte a idéia de isonomia. Tratamento desigual, para assegurar a igualdade, é o que deve ser dado ao pobre, por exemplo, não cobrando custas quando de seu ingresso em juízo, fornecendo-lhe advogado público para litigar. Sem essa “desigualdade”, a isonomia de permitir que todos ingressem em juízo certamente restaria esvaziada.
Afirmam, ainda, alguns doutrinadores, que a regra da prerrogativa de competência visa proteger o cargo, não seu titular. Explicação que, na verdade, é difícil de compreender, pois o cargo público independe de seu titular e, no mais das vezes, é justamente utilizando-se do cargo público, que o funcionário pratica o ilícito. A melhor forma de proteger o cargo é tornando mais fácil o julgamento daquele que por seu intermédio pratica crime, e não o reverso.
O foro privilegiado é apenas um entre outros mecanismos da rede de proteção das autoridades, como a justiça dos militares, a prisão especial e a imunidade parlamentar, convive bem com a síndrome dos desiguais, da sociedade do você sabe com quem está falando que ainda se mantém ativa entre nós, mas não é próprio da democracia republicana. A visão de proteção da autoridade (e que não do bem público), é a que permeia o patromonialismo, tradicional no Brasil desde as capitanias hereditárias. Mas não devemos ter nenhum orgulho dessa tradição.
Ao contrário, a desintoxicação destas regras de proteção dos mais fortes (portanto, os que menos precisam delas) é importante ao país, senão para diminuir a avassaladora improbidade, ao menos como um efeito didático para a sociedade, que deve se acostumar a uma regra básica da democracia republicana: todos aqueles que infringem a lei devem ser tratados sob as mesmas leis, com igual rigor e perante os mesmo Juízes.
Na contra mão dos fatos, tramita no Legislativo Federal uma emenda a Constituição Federal que permite a incorporação, pasmem, de ex-ocupantes de cargos públicos para que estes tenham foro privilegiado, ampliando-se ainda a esfera do privilégio às ações cíveis de improbidade. (PEC 358/2005).
Desde que a Lei 10.628/02 aprovada nos estertores do governo FHC foi julgada inconstitucional pelo STF, com a mesma redação hoje proposta, tem-se tentado introduzir na Constituição a regra que estenderia o privilégio para ex-autoridades. A proposta, agora, está embutida na segunda parte da Reforma do Judiciário, pronta para passar quase despercebida.
A par de aumentar a já grande fissura ao principio da isonomia, revigorar a rede de proteção de quem deveria servir o Estado (e não se servir dele), se aprovada a proposta que tramita na Câmara, em breve estaremos transformando as Cortes Superiores, formatadas para apreciar recursos especiais e extraordinários, em varas criminais de primeira instância.
Ter foro privilegiado é tão bom e culturalmente já inserido no contexto da história do Brasil, que os deputados estaduais mineiros sancionaram uma lei que estende tal prerrogativa para até secretários estaduais. O Governador Aécio Neves até que tentou vetar, mas a Assembléia Legislativa derrubou o veto e pôs a delirante e sem graça Lei em vigor. Na mesma corrente de mediocridade e brutal ignorância jurídica, sem falar no estado de impunidade, também acompanha Minas Gerais outros estados como Bahia, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Tocantins. De fato, somente Tocantins e Maranhão já aplicam tais privilégios.
Enquanto milhares de novos cientistas buscam investimentos que permitam o aperfeiçoamento de novos projetos para facilitar a vida da humanidade como a cura de doenças ou meios de sobrevivência junto a adversidades climáticas do mundo os nossos homens públicos amanhecem, permanecem durante o dia inteiro e dormem cada vez mais com a possibilidade de permanecerem no poder e poder com isso se valer de Leis mais rígidas (rígidas contra o povo) para que os transformem cada vez mais em HOMENS INTOCÁVEIS; acima de tudo e de todos, inclusive de mim e de você, leitor, que paga seus salários, mordomias e sevícia com o dinheiro público.
Estar imune é estar refratário, inacessível mas nunca intransponível, pelo menos no que diz respeito ao foro privilegiado, mas o que pensam nossos atuais políticos é que tais prerrogativas os deixam intransponíveis perante a Constituição.
Eu não tenho nenhuma dúvida quanto ao respeito, honestidade e independência do Supremo Tribunal Federal e de seus membros do Pleno e espero ainda poder ver e divulgar cada vez mais, que matérias inépcias que envolvam aqueles que pensam ser intocáveis, sejam rejeitadas e que haja punições severas, maiores e mais significativas do que as já vistas no caso do Mensalão. Somente desta forma poderemos dizer em alto e bom som que lá no final de um túnel, esquecido pela democracia e pelas leis romanas modificadas, existe algum princípio de ISONOMIA.