Primeiras palavras sobre a Filosofia da Educação
A philos-sophia é o amor do conhecimento, vontade verdadeira de conhecer.
Os gregos foram os inventores da palavra “filosofia”. Se for preciso pensar bem, é para viver bem melhor.
Considera-se como vício, o desconhecimento da virtude, veio o platonismo fundar no pensamento ocidental a noção segundo a qual “ninguém age mal voluntariamente”, ninguém erra por deliberação.
Se a medicina assumir a missão de curar o corpo, a filosofia coube o desafio de ser o consolo da alma aflita, não é necessário fingir filosofar, como dizia Epicuro.
Assim como queremos não somente apresentar nova saúde, mas realmente de fato tê-la. Nunca é cedo ou tarde para cuidar da saúde da alma.
Nietzsche também dizia serem os artistas e os filósofos os médicos da civilização. A filosofia forma almas fortes pelo exercício da análise de si e do pensamento autônomo.
O grego Epicuro tinha sua escola em um jardim kepos com árvores frutíferas que ele mesmo cultivava. Seus cursos eram conversações das árvores.
Seus opositores filosóficos falavam dos “Jardins de Epicuro” como um lugar de prazeres onde os discípulos conhecem gozos refinados.
No entanto, o Kepos é um espaço de encontro à distância das questões e distúrbios da vida pública.
O tetrapharmacon (os quatro remédios) de Epicuro consistia em ensinar que:
O logos filosófico que traz a verdade iluminadora: é o discurso que traz pharmakon, remédio que dissolve as crenças e supertições que representam a fonte do medo e dos males da alma.
Seu objetivo não é instruir os homens, mas tranquilizá-los.
O pharmakon filosófico é o discurso que busca autarquia da alma e do corpo, o domínio da dos do corpo e d alma pela filosofia: nunca adie o filosofar quando se é jovem, nem (se) canse de fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro e nem demasiado nascido maduro para conquistar a saúde da alma.
E quem diz que a hora do filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou da hora de ser feliz.
A noção de felicidade por mais indeterminada que seja é objeto da filosofia e da medicina.
Afinal, para os gregos a ciência era buscar a justa vida e do bem-viver.
A filosofia é, em verdade, uma pedagogia da razão e uma medicina do espírito.
Porque a especialização e compartimentação das ciências, principalmente as ciências humanas, que fizeram com que elas perdessem sai destinação humana, a felicidade, como escreveu Adorno em suas Mínimas moralias, é hoje uma ciência esquecida.
Questão em aparência anacrônica.
Nosso objetivo é saber se a busca da felicidade, independentemente do sentido e qual seria ele.
O tecnicismo na filosofia como nas demais áreas do conhecimento, corre o risco de interpretar estritamente um texto, perdendo sua mensagem, no sentido em que Epicuro, em sua inultrapossível formulação escreveu: “a filosofia é uma atividade que, pelos discursos e raciocínios, nos dá a vida feliz”.
Para tanto a filosofia fez-se pássaro em voo livre, que é a metáfora do livre-pensamento: “A leve pomba, quando em seu voo livre, abre espaço no ar que lhe opõe resistência, poderia imaginar que teria melhor êxito no vazio. Por isso Platão abandonou o mundo sensível porque este opõe excesso de obstáculos ao entendimento e arriscou-se para além deste mundo, nas asas d ideia, no vazio do entendimento puro.”.
Esse pássaro, cuja ilusão é a de acreditar que voaria mis facilmente no vazio, foi por muito tempo, o símbolo da filosofia.
Esse mundo lhe opõe resistência, está sempre a nos lembrar de nossa finitude. Se o sofrimento é um fato, a sabedoria é um ideal. Se, para o corpo, basta a saúde, e para isso, a medicina para a felicidade foi preciso a filosofia.
E, se ainda Kant, realizou uma “revolução copernicana”, foi para procurar a explicação dos movimentos observados no céu, não nele mesmo, mas em seu expectador.
Entre o céu e a terra a finitude e a transcendência, as filosofias da Razão criam uma cena primitiva para estar, ao mesmo tempo, nos deveres da vida e na iminência do pensamento.
Pois se o sofrimento e a morte são fatos antiutópicos por excelência, a serenidade e a felicidade são invenções e preparação da razão.
A filosofia como Paideia (educação formadora) nasce de uma reflexão sobre a nacionalidade, pois o espírito “tem sempre a idade de todos os seus preconceitos”.
Neste sentido, a educação da razão é, para a filosofia, uma das mais nobres tarefas do pensamento.
Neste texto tem por referência os principais autores consagrados da história da filosofia. Assim a polifonia da razão procura retomar questões da história da filosofia ocidental, dentro da tradição humanista e iluminista que acredita na força da razão objetiva, controladora do mundo e de suas leis.
A história da filosofia narra uma racionalidade panóptica, que tudo vê, seja esta a do homem do bom senso sendo aquele que distingue o verdadeiro do falso, do bem e do mal, como em Descartes ou um Deus que não pode ser provado cientificamente, mas cuja ideia fundamenta uma metafísica dos costumes e máximas morais que fazem os homens melhores.
Há alguns aspectos da razão e de outros filósofos para compreender o mundo natural e o das paixões humanas de forma que os princípios da razão _ o da identidade e o da contradição _ não resultem no terceiro excluído (o busilis filosófico das ilusões, do sonho da loucura e da desrazão).
O princípio do desempenho e a concorrência e a determinação de todos os aspectos da vida pelas leis do mercado não encontram um aliado nas disciplinas humanistas, mas a oposição, pois a autorregulamentação das leis econômicas, ou seja, ao aumento do desenvolvimento econômico não corresponde um desenvolvimento espiritual e humano, mas provavelmente sua regressão bem como o empobrecimento espiritual das sociedades.
O texto propõe um dialogo entre a filosofia e a paideia, entre pensamentos e formação de indivíduos autônomos e, por que não mais felizes.
A filosofia e educação guardam preocupações comuns porque tornam o homem como enigma a ser decifrado diante das incertezas da vida e as histórias.
Em sentido amplo, preparam o homem para enfrentar os homens em infortúnio e boa sorte.
Não existem filósofos maiores ou menores, porque a filosofia, conforme Kant, é “uma ciência sem objeto” e, para Hannah Arendt “pensar é sem resultado”.
As respostas em filosofia, “são as traições das questões”.
Questiona-se: Filosofia, para quê?
Tal questionamento é o título de um ensaio de Adorno em que o filósofo, de início, assim se posiciona “de modo algum estou certo da resposta. Aquele que defende um assunto que o espírito da época suprime como supérfluo e envelhecido encontra-se em posição desfavorável”.
A pergunta contém uma afirmação clandestina: a filosofia não serve para nada. Preconceito simétrico encontra-se em relação ao filósofo, quando se diz que habita uma “torre de marfim”.
Decreta-se, desse modo, a inutilidade da filosofia do mesmo modo com que se faz do filósofo um “frio contemplador da barbárie”, colocado à distância dos sofrimentos e conflitos de seu tempo.
A “filosofia, para quê?” de Adorno, corresponde o “Elogio da filosofia” de Merleau-Ponty, ensaio em que o filósofo se propõe enunciar um elogia em seu sentido etimológico.
Além do grego eulogeo, falar com benevolência, consideração, respeito e “bem dizer”, eulogia é bela e a boa linguagem, a fala prudente da benção e do louvor.
O elogio não se confunde com a apologia, defesa e justificativa contra acusações, Apologeonat, “defender-se ou defender um outro refutando acusações”, é ação motivada pela necessidade de prestar contas dos gostos públicos a assembleias populares e inscrever-se no campo jurídico e político, distante do sentido de elogio.
Sócrates, conhecimento e autoconhecimento.
Elogiar a filosofia é cogitar de Sócrates, patrono de todos os filósofos e da filosofia, bem como de seus amantes, é referir-se àquele cuja vida e morte manifestam por excelência a atitude própria ao filósofo e à filosofia.
Sócrates ensinava a juventude grega em praça pública, dirigia-se a qualquer um em seu caminho, independentemente de condição social, e escutava a todos os que o interpelassem a fim de refletir sobre a “justa vida” e o “bem viver”, buscando na virtude a felicidade.
Sobre Sócrates escreveu Platão: “o homem mais justo e sábio de seu tempo” foi encarcerado como autor de duplo crime, corrupção da juventude e introdução e novos deuses em Atenas, e condenado à morte por impiedade.
Sócrates aceita a pena: mesmo injusta, submete-se à lei, a submissão é uma maneira de melhor recusá-la.
Defende a polis, mas por suas próprias razões e não pelas razões de Estado: é de seu interior que julga o exterior.
Essa obediência sem respeito ou esse “respeito desobediente” aparece no discurso de Sócrates a seus detratores: “senhores, eu creio nos deuses mais do que qualquer um de voz podes crer”.
Fórmula ambígua, pois não significa não apenas “crê o bastante” mas sobretudo, de maneira diferente. Ele ensinava que se devem sempre oferecer sacrifícios aos deuses e, era o primeiro a seguir as leis até o fim.
O que incomoda, em Sócrates, não pensar o que faz, suas ações, mas as razões que o dirigem. Quando o filósofo diz “creio como nenhum daqueles que me acusam”, está significando “crer”, mas em sentido diverso daqueles de seus inquisidores.
A verdadeira religião, pensou Sócrates, é aquela na qual os deuses estão em perpétua luta e seus presságios permanecem ambíguos, porque o divino só se revela ao homem se a invocação for sincera, ou seja, se lembrar ao homem sua arrogância e finitude.
Sócrates não procurava novos deuses, tampouco negligenciava os de Atenas.
O que Sócrates fazia era dar-lhes outro sentido: era os interpretava convicções e dogmas, subvertendo a inércia da razão. Em vez de observar longínquo, viveu atravessando as contradições de seu tempo, o Governo dos
Trinta Anos, que durou de aproximadamente 404 a.C a 398 a.C.
Constituía o partido aristocrático que depôs os democratas pondo fim à democracia ateniense.
Esta operava segundo a reversibilidade dos cargos, não havia burocracia tal nas democracias tal como nas democracias atuais nem tratados secretos e segredos em informações (a não ser em casos de guerra).
Os representantes eram eleitos por sorteio. O que caracterizava a democracia era o exercício da isegoria (igual direito de usar a palavra as assembleias públicas para persuadir, convencer e comover) e da isonomia ( as mesmas regras para todos que votavam e usavam a palavra independentemente do poder econômico político e prestígio militar e religioso). Não obstante, depois do governo de trinta anos, os democratas, de volta do ostracismo, ascendem de novo ao poder e condenam Sócrates à morte.
Provavelmente esta é uma das razões pelas quais Platão viu na democracia a véspera do advento da tirania.
Ensinando o “conhecer-te a ti mesmo”, Sócrates mostrava a necessidade de voltar-se para si sem o que o conhecimento da natureza é vão.
Este retorno à Ítaca da alma é a condição por compreender o cotidiano de ações e pensamentos que pode vir a questionar verdades estabelecidas, desestabilizar o torpor de opiniões cristalizadas.
A filosofia é essa disposição à dúvida, à hesitação, à incoerência Merleau-Ponty reconheceu em Sócrates o patrono dos filósofos e amantes da filosofia, declarando-o um pensador que tinha o dom de abalar certezas, de introduzir complicação onde se buscava simplificação [...] que ensinava que as verdadeiras questões não se esgotam nas respostas que elas não provêm unicamente de nós, mas são o indício de nossa frequentação do mundo, dos outros e do próprio ser.
A viagem de Ulisses durante vinte anos, durante os quais ele sonhou retornar à sua verde Ítaca.
“A Ítaca da alma é, portanto, uma analogia da alma que do céu inteligível ingressou no sensível e asseia o retorno para seu ponto de partida”. Merleau-Ponty
Filósofo e médico, “parteiro de ideias, Sócrates dispõe mais ao diálogo que leva do conhecimento de si mesmo do que à discussão nas assembleias públicas”.
Em um diálogo de Platão, ele diz a seu interlocutor: “não me peça à falar à multidão, só sei me dirigir a uma pessoa de cada vez.
Não obstante, prevalece nessa atitude de um sentido essencial. Trata-se de ação docente cuja função é não somente pedagógica e psíquica como também a de inverter situações.
Como no diálogo Menon, em que um escravo que desconhece as matemáticas se faz detentor desse saber, dominando questões que envolvem os números irracionais e a raiz quadrada de oito.
O diálogo essa disponibilidade do pequeno escravo (situação mesma do homem do senso comum) para o conhecimento, o que tem por emulação o amor. Sem ele, a busca do conhecimento e da verdade não se desenvolveria.
O amor na filosofia de Platão apresenta um duplo estatuto: seu ponto de partida é o sensível corpóreo no qual a ideia do belo inteligível se inscreve.
Inteligível é o conhecimento que se conquista graças à razão que progressivamente vai desvinculando do mundo sensível, sujeito este, ao nascer e ao morrer, à gênese e a corrupção.
O belo intangível deriva de corpos onde se inscrevem sentimentos e paixões, isto é, hylris esse deslimite próprio ao que nãoé de natureza racional
Contudo em “O banquete” Platão não negligencia os soluços de Alcebíades tomado por ciúmes ao ver Sócrates coroado por Lísias.
O amor e a palavra, Eros e Logos possuem uma unidade de essência. Só quem ama pode conhecer.
Eros e Logos
Tais deuses condensam o pensamento de Platão, da Estética à política. O amor e a fala, o amor e discurso, amor e palavra estão enlaçados no parentesco de Eros e Logos.
O amante e o amado encontram-se em cumplicidade pendular, feita ao mesmo tempo de prazer e dor.
Sócrates evocava essa alternância em sua fala derradeira, a prisão, quando pede a Fédon que se preste, em seu lugar, homenagem Asclépio, salientado que a filosofia vence a dor a doença, e a morte.
Deus da medicina e da saúde, Asclépio, preside também a filosofia. Quanto a Eros, é um semideus: encontra-se entre o sábio e o ignorante, como mediador entre deus e homens, entre as belezas sensíveis e corporais, efêmeras e transitórias e o belo em si, inalterável e eterno.
Seu poder é o de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses.
De uns as súplicas e sacrifícios e de outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios (...).
Um deus com homem não se alimenta, mas é através desse ser que se faz todo convívio e diálogo dos deuses com os homens. Se o discurso do Amor é feito de modulações e alterações, isso não significa que não sejam cogitações ponderadas.
A palavra do filosofo é, antes de tudo, senso de posologia, arte da medida: por isso Sócrates é também médico das almas enquanto terapeuta dos discursos.
Pensar palavras como quem cura as feridas.
Desta forma, há pluralidade de aproximação de amor, há também multiplicidade de discursos e linguagens como os quais o filósofo as considera e de falas com as quais o próprio Eros de apresenta.
O diálogo Lísis, de Platão começa expondo o amor de Hipócrates por Lísis.
O enamorado escreve versos para conquistar o amado, ao que Sócrates observa que o excesso de elogios rebaixa seu autor, dificultando-lhe a conquista.
Percebe-se no diálogo, que obter o amor do outro requer rebaixar-lhe os méritos e não, como fez Hipócrates com Lísis, elevá-los até o ridículo: “Importa, sobretudo, observa Eugenio Irías: “destacar um aspecto caracteristicamente platônico e, em geral grego do amor a saber seu aspecto unilateral e não recíproco; só o amante é possuído pelo deus os semideuses amor (...)
Aquele que é amado não ama ou não tem por amar (...) o pedagogo ama o efebo, sua beleza juvenil que seu corpo envelhecido sente falta, o que introduz como termo assimétrico de reciprocidade, um intercâmbio anímico e pedagógico.
(...) O que se anseia é chegar ao verdadeiro objeto desejado, a saber, a beleza, ou melhor, a sua ideia, a qual é, evidentemente, amada e ansiada sem que se possa dizer que ame por sua vez.
Assim como o Belo corporal é a manifestação sensível do Belo inteligível, o Belo que só é visível à luz da razão, há o bem em si.
Para além de todas as cidades históricas e contingentes, mais ou menos justas, mais ou menos ordenadas, há algo de justo, belo e harmonioso em si, uma inteligível, um modelo no céu, ao mesmo tempo essência da justa e da cidade perfeita.
E desta natureza o Amor, regido pela ideia de equilíbrio, proporção e medida.
Nos diálogos platônicos há a busca desse metron (a moderação medida, porque medida moral), mas também descontinuidade e incompletude.
A definição procurada do conceito é prometida, mas permanentemente adiada.
Em Lísis, O banquete e Fedro, o amor é tema que não se encerara ou se exaure: permanentemente retomado, abre-se as novas variações.
Não há início visível em final definido. Encontramos-nos em um entre dois em uma espécie de “terceira margem” dilacerada, onde a conclusão é sempre provisória.
A palavra na Polis, a palavra na história
Se o apogeu da filosofia se constituiu na forma do dialogo, é porque a palavra amplia o espaço público por sua livre circulação: dirigindo-se a Mênon, no diálogo de mesmo nome, Sócrates conversa com um jovem escravo, analfabeto e desconhecedor das matemáticas.
Pela maiêutica, a arte de dar nascimento a ideia, orientando-o de maneira a que participe, mesmo escravo e excluído da esfera dos assuntos públicos, do círculo dos dialéticos.
O generoso cosmopolitismo apátrida o de Sócrates que inclui todos aqueles que se valem da palavra, em tradição que remonta a Grécia arcaica.
A ilíada de Homero, obra inaugurada da leitura escrita no Ocidente, inicia-se com o verso: “a cólera de Aquiles, filho de Peleu, cantai oh deusa”.
No código de honra heroica e guerreira, a uma ofensa recebida - ter sido acusado de covardia por Agamenão -o herói deve responder com um assassinato.
Aquiles, porém, reage de outra maneira: “e palavras atravessaram a barreira de seus dentes”.
Ato fundador da própria civilização, a grandeza de Aquiles encontra-se no discurso - o que significa que as ações transferem-se para além da esfera de violência, sobretudo no fato de encontrar palavras adequadas no momento certo.
Também a narrativa histórica participa de uma compreensão de mundo que estabelece a forma por excelência da objetividade e da ação exemplar, pedagogia do caráter do indivíduo e do cidadão.
Essa histórica paradigmática veio ao mundo quando Homero decidiu cantar os feitos dos troianos não menos que os dos gregos e louvar a glória de Heitor não menos que a grandeza de Aquiles: “essa imparcialidade homérica - que pessoa em Heródoto - propiciou que os grandes e maravilhosos feitos de gregos e bárbaros não perdessem seu devido quinhão de glória e é ainda o mais alto tipo de objetividade que conhecemos”.
Não apenas deixa para trás o interesse comum pelo próprio lado e pelo próprio povo, que até nossos dias atuais, caracteriza quase toda a história nacional, mas descarta, ao mesmo tempo, a alternativa de vitória ou derrota, considerada pelos modernos como expressão “julgamento objetivo” da própria história, e não permite que ela interfira com o que é julgado digno de louvor imortalizante:
A poesia, esta forma superior de memória, era entre os gregos, a guardiã da recordação de eventos e grandeza pela posteridade, repertório de exemplos a demonstrar que a tradição, a autoridade dos antepassados heroicos, exige a cada geração o reconhecimento daquilo que o passado acumulou para o benefício do presente.
Homens que são tão frágeis, vulneráveis, mortais - podem através de ações que se provam dignas de forma eterna, permanecer em companhia das causas que duram para sempre.
O historiador grego fora comparado com o médico posto que ambos procurem nos acontecimentos, sinais com finalidade terapêutica tal como o político, o historiador oferece um discurso que interpreta e confere um valor em um sentido à vida coletiva.
Tucídides, o historiador, que se aproxima de Hipócrates, o médico. Em seu conhecido trabalho sobre o desenvolvimento da peste que assombrou Atenas, trouxe relatas minuciosas sobre os estágios da doença na cidade, seus insidiosos afeitos no comportamento moral e social dos cidadãos.
É o historiador dos pathos, da doença enquanto que Heródoto é o historiador do ethos, das realizações heroicas, modelares e inesquecíveis.
A filosofia não separa o saber e o desejo de sabedoria, conhecimento da natureza e autarquia do homem.
Como medicina da alma é a indenização da humanidade num mundo do qual “os deuses já partiram ou ao qual ainda não chegaram”.
Acreditar não é o mesmo que saber
Acreditamos que conhecemos muitas coisas, mas talvez isso não seja tão simples.
Desta forma, poderíamos por engano, acreditar em algo que depois se mostra não verdadeiro, ou aceitar como fato algo que alguém contou, sem verificar antes se há alguma razão para acreditarmos nisso.
As grandes perguntas são:
Quando de fato sabemos algo?
Crença ou conhecimento?
Em geral, relacionamos o vocábulo “crença” à fé religiosa, membro de uma fé religiosa em deus ou deuses, que acreditam no que é dito em suas escrituras sagradas.
Em filosofia, investigamos se o que acreditamos é ou não verdadeiro.
Os filósofos reconhecem que aceitamos muitas coisas como verdade, e muitas de nossas crenças podem, de fato, até ser verdadeiras.
Mas isso não quer dizer que simplesmente sabem algumas coisas, e, se por um lado, podem estar certas, nós instintivamente sentimos que na verdade eles não sabem porque são incapazes de nos dar uma boa razão para acreditarmos nisso.
Outras pessoas dão razão para acreditar no que acreditam, mas suas razões para acreditar não são tão boas. Então, parece como dizer que elas não sabem de verdade.
Crença verdadeira justificada
Um dos primeiros filósofos a tentar examinar o que exatamente, distingue o saber de crer foi Platão, que classificou o conhecimento como “crença verdadeira justificada”.
Para conhecer algo, tem se acreditar que seja verdade, devemos ter uma boa razão para acreditar que seja verdade e isso pode de fato ser verdade.
Posso acreditar que exista um Papai Noel e creio nele porque já vi os presentes que ele deixa debaixo das árvores que ele deixa. Mas não é possível dizer que eu sei que ele existe porque na verdade, não existe, não é uma crença verdadeira.
Por outro lado, posso acreditar que um dia ganharei na loteria o que pode, de fato vir a ser verdade, mas não tenho nenhuma justificativa para acreditar nisso, de modo que, mais uma vez, não posso dizer que sei disso. Para ser um conhecimento real.
Fé ou razão - Os filósofos medievais se depararam com um conflito quando tentaram usar os argumentos filósofos gregos para justificar suas crenças.
Na filosofia oriental, no entanto, as crenças religiosas, tais como o ciclo do nascimento e renascimento, era simplesmente aceitas como uma questão de fé em vez de debate filosófico.
Para um conhecimento real, minha crença precisa ser real como verdadeira e justificada.
O problema de Geltier nos anos de 1960, quando Edmund Geltier mostrou que ela nem sempre garantia uma explicação satisfatória.
Ele listou vários exemplos nos quais instintivamente percebemos que alguém que alguém não conhece de verdade alguma coisa, mesmo que a crença daquela pessoa seja verdadeira e justificada.
Por exemplo, combino de encontrar uma amiga Sue em sua casa e quando chego lá, vejo-a (sua irmã gêmea) Sue está em casa, enquanto que Sue está em outro cômodo (na cozinha).
Minha crença é que Sue está na casa é verdadeira, e tenho boas razões para isto, posto que a vi, mas está errado afirmar que sei que Sue está em casa - eu não sabia.
Exemplos assim ficaram conhecidos como problemas de Geltier e fizeram com que os filósofos se perguntassem se, além de crenças, na verdade justificada, existe um quarto critério para o conhecimento.
Geltier lançou uma dúvida não apenas sobre a definição de Platão, mas também se é possível ou não definir completamente o que é conhecimento.
A philos-sophia é o amor do conhecimento, vontade verdadeira de conhecer.
Os gregos foram os inventores da palavra “filosofia”. Se for preciso pensar bem, é para viver bem melhor.
Considera-se como vício, o desconhecimento da virtude, veio o platonismo fundar no pensamento ocidental a noção segundo a qual “ninguém age mal voluntariamente”, ninguém erra por deliberação.
Se a medicina assumir a missão de curar o corpo, a filosofia coube o desafio de ser o consolo da alma aflita, não é necessário fingir filosofar, como dizia Epicuro.
Assim como queremos não somente apresentar nova saúde, mas realmente de fato tê-la. Nunca é cedo ou tarde para cuidar da saúde da alma.
Nietzsche também dizia serem os artistas e os filósofos os médicos da civilização. A filosofia forma almas fortes pelo exercício da análise de si e do pensamento autônomo.
O grego Epicuro tinha sua escola em um jardim kepos com árvores frutíferas que ele mesmo cultivava. Seus cursos eram conversações das árvores.
Seus opositores filosóficos falavam dos “Jardins de Epicuro” como um lugar de prazeres onde os discípulos conhecem gozos refinados.
No entanto, o Kepos é um espaço de encontro à distância das questões e distúrbios da vida pública.
O tetrapharmacon (os quatro remédios) de Epicuro consistia em ensinar que:
- Não há o que temer dos Deuses;
Não há o que temer quanto a morte;
Pode-se suportar a dor;
Podo-se alcançar a felicidade.
O logos filosófico que traz a verdade iluminadora: é o discurso que traz pharmakon, remédio que dissolve as crenças e supertições que representam a fonte do medo e dos males da alma.
Seu objetivo não é instruir os homens, mas tranquilizá-los.
O pharmakon filosófico é o discurso que busca autarquia da alma e do corpo, o domínio da dos do corpo e d alma pela filosofia: nunca adie o filosofar quando se é jovem, nem (se) canse de fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro e nem demasiado nascido maduro para conquistar a saúde da alma.
E quem diz que a hora do filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou da hora de ser feliz.
A noção de felicidade por mais indeterminada que seja é objeto da filosofia e da medicina.
Afinal, para os gregos a ciência era buscar a justa vida e do bem-viver.
A filosofia é, em verdade, uma pedagogia da razão e uma medicina do espírito.
Porque a especialização e compartimentação das ciências, principalmente as ciências humanas, que fizeram com que elas perdessem sai destinação humana, a felicidade, como escreveu Adorno em suas Mínimas moralias, é hoje uma ciência esquecida.
Questão em aparência anacrônica.
Nosso objetivo é saber se a busca da felicidade, independentemente do sentido e qual seria ele.
O tecnicismo na filosofia como nas demais áreas do conhecimento, corre o risco de interpretar estritamente um texto, perdendo sua mensagem, no sentido em que Epicuro, em sua inultrapossível formulação escreveu: “a filosofia é uma atividade que, pelos discursos e raciocínios, nos dá a vida feliz”.
Para tanto a filosofia fez-se pássaro em voo livre, que é a metáfora do livre-pensamento: “A leve pomba, quando em seu voo livre, abre espaço no ar que lhe opõe resistência, poderia imaginar que teria melhor êxito no vazio. Por isso Platão abandonou o mundo sensível porque este opõe excesso de obstáculos ao entendimento e arriscou-se para além deste mundo, nas asas d ideia, no vazio do entendimento puro.”.
Esse pássaro, cuja ilusão é a de acreditar que voaria mis facilmente no vazio, foi por muito tempo, o símbolo da filosofia.
Esse mundo lhe opõe resistência, está sempre a nos lembrar de nossa finitude. Se o sofrimento é um fato, a sabedoria é um ideal. Se, para o corpo, basta a saúde, e para isso, a medicina para a felicidade foi preciso a filosofia.
E, se ainda Kant, realizou uma “revolução copernicana”, foi para procurar a explicação dos movimentos observados no céu, não nele mesmo, mas em seu expectador.
Entre o céu e a terra a finitude e a transcendência, as filosofias da Razão criam uma cena primitiva para estar, ao mesmo tempo, nos deveres da vida e na iminência do pensamento.
Pois se o sofrimento e a morte são fatos antiutópicos por excelência, a serenidade e a felicidade são invenções e preparação da razão.
A filosofia como Paideia (educação formadora) nasce de uma reflexão sobre a nacionalidade, pois o espírito “tem sempre a idade de todos os seus preconceitos”.
Neste sentido, a educação da razão é, para a filosofia, uma das mais nobres tarefas do pensamento.
Neste texto tem por referência os principais autores consagrados da história da filosofia. Assim a polifonia da razão procura retomar questões da história da filosofia ocidental, dentro da tradição humanista e iluminista que acredita na força da razão objetiva, controladora do mundo e de suas leis.
A história da filosofia narra uma racionalidade panóptica, que tudo vê, seja esta a do homem do bom senso sendo aquele que distingue o verdadeiro do falso, do bem e do mal, como em Descartes ou um Deus que não pode ser provado cientificamente, mas cuja ideia fundamenta uma metafísica dos costumes e máximas morais que fazem os homens melhores.
Há alguns aspectos da razão e de outros filósofos para compreender o mundo natural e o das paixões humanas de forma que os princípios da razão _ o da identidade e o da contradição _ não resultem no terceiro excluído (o busilis filosófico das ilusões, do sonho da loucura e da desrazão).
O princípio do desempenho e a concorrência e a determinação de todos os aspectos da vida pelas leis do mercado não encontram um aliado nas disciplinas humanistas, mas a oposição, pois a autorregulamentação das leis econômicas, ou seja, ao aumento do desenvolvimento econômico não corresponde um desenvolvimento espiritual e humano, mas provavelmente sua regressão bem como o empobrecimento espiritual das sociedades.
O texto propõe um dialogo entre a filosofia e a paideia, entre pensamentos e formação de indivíduos autônomos e, por que não mais felizes.
A filosofia e educação guardam preocupações comuns porque tornam o homem como enigma a ser decifrado diante das incertezas da vida e as histórias.
Em sentido amplo, preparam o homem para enfrentar os homens em infortúnio e boa sorte.
Não existem filósofos maiores ou menores, porque a filosofia, conforme Kant, é “uma ciência sem objeto” e, para Hannah Arendt “pensar é sem resultado”.
As respostas em filosofia, “são as traições das questões”.
Questiona-se: Filosofia, para quê?
Tal questionamento é o título de um ensaio de Adorno em que o filósofo, de início, assim se posiciona “de modo algum estou certo da resposta. Aquele que defende um assunto que o espírito da época suprime como supérfluo e envelhecido encontra-se em posição desfavorável”.
A pergunta contém uma afirmação clandestina: a filosofia não serve para nada. Preconceito simétrico encontra-se em relação ao filósofo, quando se diz que habita uma “torre de marfim”.
Decreta-se, desse modo, a inutilidade da filosofia do mesmo modo com que se faz do filósofo um “frio contemplador da barbárie”, colocado à distância dos sofrimentos e conflitos de seu tempo.
A “filosofia, para quê?” de Adorno, corresponde o “Elogio da filosofia” de Merleau-Ponty, ensaio em que o filósofo se propõe enunciar um elogia em seu sentido etimológico.
Além do grego eulogeo, falar com benevolência, consideração, respeito e “bem dizer”, eulogia é bela e a boa linguagem, a fala prudente da benção e do louvor.
O elogio não se confunde com a apologia, defesa e justificativa contra acusações, Apologeonat, “defender-se ou defender um outro refutando acusações”, é ação motivada pela necessidade de prestar contas dos gostos públicos a assembleias populares e inscrever-se no campo jurídico e político, distante do sentido de elogio.
Sócrates, conhecimento e autoconhecimento.
Elogiar a filosofia é cogitar de Sócrates, patrono de todos os filósofos e da filosofia, bem como de seus amantes, é referir-se àquele cuja vida e morte manifestam por excelência a atitude própria ao filósofo e à filosofia.
Sócrates ensinava a juventude grega em praça pública, dirigia-se a qualquer um em seu caminho, independentemente de condição social, e escutava a todos os que o interpelassem a fim de refletir sobre a “justa vida” e o “bem viver”, buscando na virtude a felicidade.
Sobre Sócrates escreveu Platão: “o homem mais justo e sábio de seu tempo” foi encarcerado como autor de duplo crime, corrupção da juventude e introdução e novos deuses em Atenas, e condenado à morte por impiedade.
Sócrates aceita a pena: mesmo injusta, submete-se à lei, a submissão é uma maneira de melhor recusá-la.
Defende a polis, mas por suas próprias razões e não pelas razões de Estado: é de seu interior que julga o exterior.
Essa obediência sem respeito ou esse “respeito desobediente” aparece no discurso de Sócrates a seus detratores: “senhores, eu creio nos deuses mais do que qualquer um de voz podes crer”.
Fórmula ambígua, pois não significa não apenas “crê o bastante” mas sobretudo, de maneira diferente. Ele ensinava que se devem sempre oferecer sacrifícios aos deuses e, era o primeiro a seguir as leis até o fim.
O que incomoda, em Sócrates, não pensar o que faz, suas ações, mas as razões que o dirigem. Quando o filósofo diz “creio como nenhum daqueles que me acusam”, está significando “crer”, mas em sentido diverso daqueles de seus inquisidores.
A verdadeira religião, pensou Sócrates, é aquela na qual os deuses estão em perpétua luta e seus presságios permanecem ambíguos, porque o divino só se revela ao homem se a invocação for sincera, ou seja, se lembrar ao homem sua arrogância e finitude.
Sócrates não procurava novos deuses, tampouco negligenciava os de Atenas.
O que Sócrates fazia era dar-lhes outro sentido: era os interpretava convicções e dogmas, subvertendo a inércia da razão. Em vez de observar longínquo, viveu atravessando as contradições de seu tempo, o Governo dos
Trinta Anos, que durou de aproximadamente 404 a.C a 398 a.C.
Constituía o partido aristocrático que depôs os democratas pondo fim à democracia ateniense.
Esta operava segundo a reversibilidade dos cargos, não havia burocracia tal nas democracias tal como nas democracias atuais nem tratados secretos e segredos em informações (a não ser em casos de guerra).
Os representantes eram eleitos por sorteio. O que caracterizava a democracia era o exercício da isegoria (igual direito de usar a palavra as assembleias públicas para persuadir, convencer e comover) e da isonomia ( as mesmas regras para todos que votavam e usavam a palavra independentemente do poder econômico político e prestígio militar e religioso). Não obstante, depois do governo de trinta anos, os democratas, de volta do ostracismo, ascendem de novo ao poder e condenam Sócrates à morte.
Provavelmente esta é uma das razões pelas quais Platão viu na democracia a véspera do advento da tirania.
Ensinando o “conhecer-te a ti mesmo”, Sócrates mostrava a necessidade de voltar-se para si sem o que o conhecimento da natureza é vão.
Este retorno à Ítaca da alma é a condição por compreender o cotidiano de ações e pensamentos que pode vir a questionar verdades estabelecidas, desestabilizar o torpor de opiniões cristalizadas.
A filosofia é essa disposição à dúvida, à hesitação, à incoerência Merleau-Ponty reconheceu em Sócrates o patrono dos filósofos e amantes da filosofia, declarando-o um pensador que tinha o dom de abalar certezas, de introduzir complicação onde se buscava simplificação [...] que ensinava que as verdadeiras questões não se esgotam nas respostas que elas não provêm unicamente de nós, mas são o indício de nossa frequentação do mundo, dos outros e do próprio ser.
A viagem de Ulisses durante vinte anos, durante os quais ele sonhou retornar à sua verde Ítaca.
“A Ítaca da alma é, portanto, uma analogia da alma que do céu inteligível ingressou no sensível e asseia o retorno para seu ponto de partida”. Merleau-Ponty
Filósofo e médico, “parteiro de ideias, Sócrates dispõe mais ao diálogo que leva do conhecimento de si mesmo do que à discussão nas assembleias públicas”.
Em um diálogo de Platão, ele diz a seu interlocutor: “não me peça à falar à multidão, só sei me dirigir a uma pessoa de cada vez.
Não obstante, prevalece nessa atitude de um sentido essencial. Trata-se de ação docente cuja função é não somente pedagógica e psíquica como também a de inverter situações.
Como no diálogo Menon, em que um escravo que desconhece as matemáticas se faz detentor desse saber, dominando questões que envolvem os números irracionais e a raiz quadrada de oito.
O diálogo essa disponibilidade do pequeno escravo (situação mesma do homem do senso comum) para o conhecimento, o que tem por emulação o amor. Sem ele, a busca do conhecimento e da verdade não se desenvolveria.
O amor na filosofia de Platão apresenta um duplo estatuto: seu ponto de partida é o sensível corpóreo no qual a ideia do belo inteligível se inscreve.
Inteligível é o conhecimento que se conquista graças à razão que progressivamente vai desvinculando do mundo sensível, sujeito este, ao nascer e ao morrer, à gênese e a corrupção.
O belo intangível deriva de corpos onde se inscrevem sentimentos e paixões, isto é, hylris esse deslimite próprio ao que nãoé de natureza racional
Contudo em “O banquete” Platão não negligencia os soluços de Alcebíades tomado por ciúmes ao ver Sócrates coroado por Lísias.
O amor e a palavra, Eros e Logos possuem uma unidade de essência. Só quem ama pode conhecer.
Eros e Logos
Tais deuses condensam o pensamento de Platão, da Estética à política. O amor e a fala, o amor e discurso, amor e palavra estão enlaçados no parentesco de Eros e Logos.
O amante e o amado encontram-se em cumplicidade pendular, feita ao mesmo tempo de prazer e dor.
Sócrates evocava essa alternância em sua fala derradeira, a prisão, quando pede a Fédon que se preste, em seu lugar, homenagem Asclépio, salientado que a filosofia vence a dor a doença, e a morte.
Deus da medicina e da saúde, Asclépio, preside também a filosofia. Quanto a Eros, é um semideus: encontra-se entre o sábio e o ignorante, como mediador entre deus e homens, entre as belezas sensíveis e corporais, efêmeras e transitórias e o belo em si, inalterável e eterno.
Seu poder é o de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses.
De uns as súplicas e sacrifícios e de outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios (...).
Um deus com homem não se alimenta, mas é através desse ser que se faz todo convívio e diálogo dos deuses com os homens. Se o discurso do Amor é feito de modulações e alterações, isso não significa que não sejam cogitações ponderadas.
A palavra do filosofo é, antes de tudo, senso de posologia, arte da medida: por isso Sócrates é também médico das almas enquanto terapeuta dos discursos.
Pensar palavras como quem cura as feridas.
Desta forma, há pluralidade de aproximação de amor, há também multiplicidade de discursos e linguagens como os quais o filósofo as considera e de falas com as quais o próprio Eros de apresenta.
O diálogo Lísis, de Platão começa expondo o amor de Hipócrates por Lísis.
O enamorado escreve versos para conquistar o amado, ao que Sócrates observa que o excesso de elogios rebaixa seu autor, dificultando-lhe a conquista.
Percebe-se no diálogo, que obter o amor do outro requer rebaixar-lhe os méritos e não, como fez Hipócrates com Lísis, elevá-los até o ridículo: “Importa, sobretudo, observa Eugenio Irías: “destacar um aspecto caracteristicamente platônico e, em geral grego do amor a saber seu aspecto unilateral e não recíproco; só o amante é possuído pelo deus os semideuses amor (...)
Aquele que é amado não ama ou não tem por amar (...) o pedagogo ama o efebo, sua beleza juvenil que seu corpo envelhecido sente falta, o que introduz como termo assimétrico de reciprocidade, um intercâmbio anímico e pedagógico.
(...) O que se anseia é chegar ao verdadeiro objeto desejado, a saber, a beleza, ou melhor, a sua ideia, a qual é, evidentemente, amada e ansiada sem que se possa dizer que ame por sua vez.
Assim como o Belo corporal é a manifestação sensível do Belo inteligível, o Belo que só é visível à luz da razão, há o bem em si.
Para além de todas as cidades históricas e contingentes, mais ou menos justas, mais ou menos ordenadas, há algo de justo, belo e harmonioso em si, uma inteligível, um modelo no céu, ao mesmo tempo essência da justa e da cidade perfeita.
E desta natureza o Amor, regido pela ideia de equilíbrio, proporção e medida.
Nos diálogos platônicos há a busca desse metron (a moderação medida, porque medida moral), mas também descontinuidade e incompletude.
A definição procurada do conceito é prometida, mas permanentemente adiada.
Em Lísis, O banquete e Fedro, o amor é tema que não se encerara ou se exaure: permanentemente retomado, abre-se as novas variações.
Não há início visível em final definido. Encontramos-nos em um entre dois em uma espécie de “terceira margem” dilacerada, onde a conclusão é sempre provisória.
A palavra na Polis, a palavra na história
Se o apogeu da filosofia se constituiu na forma do dialogo, é porque a palavra amplia o espaço público por sua livre circulação: dirigindo-se a Mênon, no diálogo de mesmo nome, Sócrates conversa com um jovem escravo, analfabeto e desconhecedor das matemáticas.
Pela maiêutica, a arte de dar nascimento a ideia, orientando-o de maneira a que participe, mesmo escravo e excluído da esfera dos assuntos públicos, do círculo dos dialéticos.
O generoso cosmopolitismo apátrida o de Sócrates que inclui todos aqueles que se valem da palavra, em tradição que remonta a Grécia arcaica.
A ilíada de Homero, obra inaugurada da leitura escrita no Ocidente, inicia-se com o verso: “a cólera de Aquiles, filho de Peleu, cantai oh deusa”.
No código de honra heroica e guerreira, a uma ofensa recebida - ter sido acusado de covardia por Agamenão -o herói deve responder com um assassinato.
Aquiles, porém, reage de outra maneira: “e palavras atravessaram a barreira de seus dentes”.
Ato fundador da própria civilização, a grandeza de Aquiles encontra-se no discurso - o que significa que as ações transferem-se para além da esfera de violência, sobretudo no fato de encontrar palavras adequadas no momento certo.
Também a narrativa histórica participa de uma compreensão de mundo que estabelece a forma por excelência da objetividade e da ação exemplar, pedagogia do caráter do indivíduo e do cidadão.
Essa histórica paradigmática veio ao mundo quando Homero decidiu cantar os feitos dos troianos não menos que os dos gregos e louvar a glória de Heitor não menos que a grandeza de Aquiles: “essa imparcialidade homérica - que pessoa em Heródoto - propiciou que os grandes e maravilhosos feitos de gregos e bárbaros não perdessem seu devido quinhão de glória e é ainda o mais alto tipo de objetividade que conhecemos”.
Não apenas deixa para trás o interesse comum pelo próprio lado e pelo próprio povo, que até nossos dias atuais, caracteriza quase toda a história nacional, mas descarta, ao mesmo tempo, a alternativa de vitória ou derrota, considerada pelos modernos como expressão “julgamento objetivo” da própria história, e não permite que ela interfira com o que é julgado digno de louvor imortalizante:
A poesia, esta forma superior de memória, era entre os gregos, a guardiã da recordação de eventos e grandeza pela posteridade, repertório de exemplos a demonstrar que a tradição, a autoridade dos antepassados heroicos, exige a cada geração o reconhecimento daquilo que o passado acumulou para o benefício do presente.
Homens que são tão frágeis, vulneráveis, mortais - podem através de ações que se provam dignas de forma eterna, permanecer em companhia das causas que duram para sempre.
O historiador grego fora comparado com o médico posto que ambos procurem nos acontecimentos, sinais com finalidade terapêutica tal como o político, o historiador oferece um discurso que interpreta e confere um valor em um sentido à vida coletiva.
Tucídides, o historiador, que se aproxima de Hipócrates, o médico. Em seu conhecido trabalho sobre o desenvolvimento da peste que assombrou Atenas, trouxe relatas minuciosas sobre os estágios da doença na cidade, seus insidiosos afeitos no comportamento moral e social dos cidadãos.
É o historiador dos pathos, da doença enquanto que Heródoto é o historiador do ethos, das realizações heroicas, modelares e inesquecíveis.
A filosofia não separa o saber e o desejo de sabedoria, conhecimento da natureza e autarquia do homem.
Como medicina da alma é a indenização da humanidade num mundo do qual “os deuses já partiram ou ao qual ainda não chegaram”.
Acreditar não é o mesmo que saber
Acreditamos que conhecemos muitas coisas, mas talvez isso não seja tão simples.
Desta forma, poderíamos por engano, acreditar em algo que depois se mostra não verdadeiro, ou aceitar como fato algo que alguém contou, sem verificar antes se há alguma razão para acreditarmos nisso.
As grandes perguntas são:
Quando de fato sabemos algo?
Crença ou conhecimento?
Em geral, relacionamos o vocábulo “crença” à fé religiosa, membro de uma fé religiosa em deus ou deuses, que acreditam no que é dito em suas escrituras sagradas.
Em filosofia, investigamos se o que acreditamos é ou não verdadeiro.
Os filósofos reconhecem que aceitamos muitas coisas como verdade, e muitas de nossas crenças podem, de fato, até ser verdadeiras.
Mas isso não quer dizer que simplesmente sabem algumas coisas, e, se por um lado, podem estar certas, nós instintivamente sentimos que na verdade eles não sabem porque são incapazes de nos dar uma boa razão para acreditarmos nisso.
Outras pessoas dão razão para acreditar no que acreditam, mas suas razões para acreditar não são tão boas. Então, parece como dizer que elas não sabem de verdade.
Crença verdadeira justificada
Um dos primeiros filósofos a tentar examinar o que exatamente, distingue o saber de crer foi Platão, que classificou o conhecimento como “crença verdadeira justificada”.
Para conhecer algo, tem se acreditar que seja verdade, devemos ter uma boa razão para acreditar que seja verdade e isso pode de fato ser verdade.
Posso acreditar que exista um Papai Noel e creio nele porque já vi os presentes que ele deixa debaixo das árvores que ele deixa. Mas não é possível dizer que eu sei que ele existe porque na verdade, não existe, não é uma crença verdadeira.
Por outro lado, posso acreditar que um dia ganharei na loteria o que pode, de fato vir a ser verdade, mas não tenho nenhuma justificativa para acreditar nisso, de modo que, mais uma vez, não posso dizer que sei disso. Para ser um conhecimento real.
Fé ou razão - Os filósofos medievais se depararam com um conflito quando tentaram usar os argumentos filósofos gregos para justificar suas crenças.
Na filosofia oriental, no entanto, as crenças religiosas, tais como o ciclo do nascimento e renascimento, era simplesmente aceitas como uma questão de fé em vez de debate filosófico.
Para um conhecimento real, minha crença precisa ser real como verdadeira e justificada.
O problema de Geltier nos anos de 1960, quando Edmund Geltier mostrou que ela nem sempre garantia uma explicação satisfatória.
Ele listou vários exemplos nos quais instintivamente percebemos que alguém que alguém não conhece de verdade alguma coisa, mesmo que a crença daquela pessoa seja verdadeira e justificada.
Por exemplo, combino de encontrar uma amiga Sue em sua casa e quando chego lá, vejo-a (sua irmã gêmea) Sue está em casa, enquanto que Sue está em outro cômodo (na cozinha).
Minha crença é que Sue está na casa é verdadeira, e tenho boas razões para isto, posto que a vi, mas está errado afirmar que sei que Sue está em casa - eu não sabia.
Exemplos assim ficaram conhecidos como problemas de Geltier e fizeram com que os filósofos se perguntassem se, além de crenças, na verdade justificada, existe um quarto critério para o conhecimento.
Geltier lançou uma dúvida não apenas sobre a definição de Platão, mas também se é possível ou não definir completamente o que é conhecimento.