A Teoria do Pintinho Envenenado e a Análise Econômica do Direito

Repercutiu no meio jurídico, principalmente entre os estudiosos da Teoria do Direito, o artigo publicado pelo jurista Lenio Streck, em 13 de julho de 2017, na sua coluna Senso Incomum, mantida no site da revista eletrônica Consultor Jurídico: “Livre apreciação da prova é melhor do que dá veneno ao pintinho” [1].

O colunista denuncia que estão querendo enfiar para dentro da teoria da prova, teorias exóticas, a exemplo do bayesionismo e explanacionismo, que ele denomina de teorias céticas ou não cognitivista moral.

Em outro artigo [2] o jurista lembra liminar do conselheiro Valter Shuenquener do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para anular a questão nº 9 do 54º concurso público para promotor de justiça do Ministério Público de Minas Gerais. No voto o conselheiro cita a coluna Senso Incomum, na qual o autor denuncia o exotismo perquirido no certame, como a teoria da graxa e do Estado vampiro (sic).

O bayesionismo reporta-se aos ensinamentos do pastor e matemático Inglês Thomas Bayes (1701-1761), que desenvolveu uma fórmula (Teorema de Baynes) utilizando-se da teoria das probabilidades e da estatística, a partir de um conhecimento a priori que pode estar relacionado a um evento. O explanacionismo tem por base a lógica abdutiva desenvolvida pelo filósofo e matemático inglês Charles Sanders Peirce, no início do século XIX.

Lenio Streck, adepto da Hermenêutica Filosófica, admite a possibilidade de utilização dessas teorias (bayesionismo e explanacionismo) no estudo da filosofia e em áreas ligadas à economia e gestão, para análises econômicas envolvendo riscos nas decisões, no entanto condena sua utilização na teoria da prova, mormente no direito penal e processual penal, que tratam de direitos fundamentais à liberdade e integridade. Afirma que tais teorias não podem ser aplicadas na teoria da prova, sob pena de estarmos criando uma espécie contemporânea de “ordália” ou prova do demônio: atirem o réu às probabilidades.

O teorema do pinto a que se refere Streck, decorre do ritual promovido pela tribo Azende, da África Central, com o propósito de “buscar a verdade e construir a prova”. Dá-se para um pintinho uma dose de veneno previamente preparada e, se o pinto morrer, o réu é considerado culpado, se o pinto sobreviver é absolvido.

No que pertine à teoria do direito, foi a crítica à Análise Econômica do Direito (AED) que suscitou a reação de Cristiano Rosa de Carvalho, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP, fundador e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), adepto da teoria que tem suas raízes no Movimento Law and Economics, originado na Universidade de Chicago. Carvalho respondeu com a sua “critica à crítica de Lênio Streck sobre AED” [3], na qual afirma que nenhuma outra escola jurídica foi tão testada e debatida quanto a Análise Econômica do Direito.

Conforme a própria ABDE, o Direito e Economia (Law and Economics) é um campo interdisciplinar de conhecimento, que aplica ferramentas da Ciência Econômica a temas jurídicos e de políticas públicas, tais como a teoria dos preços, teoria dos jogos, econometria, teoria das externalidades e dos custos de transação, além de outras. Tudo com o firme propósito de tornar o sistema jurídico mais eficiente, justo e equânime e, portanto, indutor da paz social e do desenvolvimento.

Streck deixou claro que não é adepto da AED e acrescentou que defendê-la no Brasil é um grande e barulhento tiro no pé, confirmando sua oposição a qualquer teoria ceticista (emotivista, não-cognitivistas moral e ou pragmaticistas, todas parentes entre si).

O colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico critica o sentido “utilitarista” da Análise Econômica do Direito, e toma como exemplo as operações da Justiça-MPF-PF, que sob esse enfoque podem ser criticadas: a operação carne fraca e a divulgação das gravações do presidente Michel Temer com Joesley Batista (nesse dia a bolsa perdeu R$ 200 bilhões), porque mais causam prejuízo que felicidade.

Para Streck, a AED e demais teorias que intitula de exóticas não devem promover a decisão jurídica, visto que não se pode condenar alguém com base em cálculos de probabilidades. No entanto, reconhece que há autores que trabalham com a Análise Econômica do Direito (AED) para aferir a eficiência de (e entre) fins e meios. O erro nas teorias desse tipo é o de pensar que o único critério de controle da ação seria o de analisar como que se “relacionam” fins (vazios) e meios (indeterminados) em busca de um resultado eficiente.

O ex-presidente da ABDE, infirma as alegações de Streck, alegando que o utilitarismo não está por trás da AED, mas sim o “consequencialismo", que são completamente distintos. O Consequencialismo é uma posição positiva de análise das possíveis consequências advindas da escolha racional e, no caso do Direito, da decisão jurídica. Prosseguindo, afirma que o próprio Kelsen não faria confusão, ao distinguir a tarefa do cientista puro do Direito com a do decisor jurídico, a quem cabe realizar atos políticos, não jurídicos no sentido da teoria pura.

O colunista, autor de uma vasta obra jusfilosófica, busca a validade de suas afirmações na Crítica Hermenêutica do Direito (CHD), que tem por suporte a ideia de que existem padrões objetivos que sustentam o certo e o errado. De minha parte, afirma, sou confessadamente um cognitivista. A CHD é a escola de pensamento da qual o articulista foi pioneiro e a divulga em suas obras que são bastante citadas por juristas brasileiros e estrangeiros da estirpe de Ferrajoli e Canotilho.

Cristiano Carvalho negou o caráter cético da AED e argumenta quanto ao rigoroso método científico em que se baseia e suas conexões com os padrões de objetividade do positivismo.

Lenio Streck, em post scriptum, informa que ao ler a sentença condenatória do ex-presidente Lula, prolatada pelo juiz Moro, teve a nítida impressão que o réu teria mais chance de ser absolvido se tivesse sido usado o “Teorema do Pintinho Envenenado”, que faz sucesso na tribo Azende, da África Central. Esclarece não ser contra a operação Lava Jato, apenas contra seus desmandos e autoritarismos. E ficou por aí. Não apresentou detalhes ou ponderações.

Por sua vez, Carvalho sentencia: “Streck não diz o que está errado na decisão, mas certamente ali não foi empregado o Teorema de Bayes, mas sim todo o procedimento probatório previsto pelo Direito Penal Brasileiro.

Outro leitor da sentença do juiz Moro, o Prof. Miguel Reale Jr., titular de Direito Penal da USP, também fez os seus comentários a respeito: “a decisão é minudente, irrefutável, lógica, precisa, sem nenhum cunho político. Não deixa pedra sobre pedra”. E acrescenta: “Por meio de um exame minucioso de provas documentais e testemunhais, ele (Moro) desmonta qualquer eventual impugnação que se faça de cunho formal”. [4].

O prof. Cristiano Carvalho alega que Lenio Streck carece de conhecimentos sobre a AED, mas também confessa desconhecer com profundidade a sua vasta obra.

REFERÊNCIAS:

[1] STRECK, LENIO: disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-jul-13/senso-incomum-livre-apreciacao-prova-melhor-dar-veneno-pintinho. Em 19.09.2017.

[2] STRECK, LENIO: Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-jun-22/senso-incomum-exoticas-teorias-usadas-mpf-seriam-chumbadas-cnmp2. Em 19.09.2017.

[3] CARVALHO, CRISTIANO: Crítica à crítica de Lenio Streck sobre a AED. Disponível: https://jota.info/colunas/coluna-da-abde/critica-a-critica-de-lenio-streck-sobre-a-aed-01082017, em 19.09.2017.

[4] REALE, MIGUEL: entrevista concedida ao site O antagonista, disponível em: https://www.oantagonista.com/brasil/decisao-e-minudente-irrefutavel-logica-precisa-sem-nenhum-cunho-politico., em 19.09.2017.

DJAHY LIMA
Enviado por DJAHY LIMA em 20/09/2017
Reeditado em 20/09/2017
Código do texto: T6120164
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