Casei no Exterior. Este casamento é válido aqui no Brasil?
O casamento realizado no exterior gera efeitos no Brasil?
Sim, o casamento realizado no exterior gera efeitos no Brasil porque o fato jurídico é um só no mundo todo. Explico: o fato de uma pessoa ser casada em um país, não significa que nos outros ela seja solteira; o casamento é só um. Se, por exemplo, você se casar mais de uma vez, caso o país foco não autorize a bigamia ou a poligamia, o casamento contraído posteriormente não terá validade.
Porém, feitas tais considerações, é preciso frisar que, conforme se depreende do artigo 32 da Lei de Registros Públicos, para que o casamento realizado no exterior produza plenos efeitos no Brasil, o mesmo tem que passar pelo seguinte trâmite: o casamento deve ser registrado em uma repartição do Consulado Brasileiro na cidade/país do matrimônio (ou, ao invés disso, fazer uma tradução juramentada da certidão de casamento e levá-la a registro em um Cartório de Títulos e Documentos, levando, então) e, posteriormente, deverá ser feita a transcrição dos documentos (que é, em outras palavras, uma validação dos mesmos para todos os efeitos – inclusive no que tange ao regime de bens aplicável). Tal transcrição deverá ser feita, conforme o parágrafo 1º desse mesmo artigo, no cartório de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio no território nacional do registrado.
Sobre esse registro, o Código Civil Brasileiro impõe, em seu artigo 1.544, um prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil. Além disso, é possível encontrar a relação dos documentos exigidos no Portal Consular do Ministério das Relações Exteriores.
Realizado o referido trâmite, será um casamento válido e legítimo como qualquer outro celebrado originariamente em território nacional.
Por fim, a respeito do regime de bens, é importante elucidar que a transcrição é um espelho da certidão de casamento e, em decorrência disso, constará naquela o regime de bens que constar nessa. Caso na certidão de casamento não conste nenhum regime de bens, a transcrição, por conseguinte, ficará carente dessa informação. Porém, em qualquer hipótese, independentemente de qual seja o regime escolhido, haverá sempre a menção do parágrafo 4º do artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal”. A legislação brasileira incorpora regime jurídico estrangeiro quando o casamento ocorre no exterior.
Caso um brasileiro se case e se divorcie no exterior, é preciso homologar o matrimônio e seu rompimento ao retornar ao Brasil?
Depende. Na prática, vemos um número grande de pessoas que se casam e se separam em outros países mais de uma vez e não transcrevem nenhum dos casamentos aqui no Brasil. A rigor, desde que essas pessoas estejam regularmente divorciadas no país onde se casaram, não há problema algum em elas se declararem solteiras ao retornarem ao Brasil (posto que, se elas se declararem divorciadas, deverão, nesse caso, fazer prova do divórcio, apresentando a certidão de casamento com divórcio averbado, expedida no Brasil) – isso, inclusive, não configura impedimento matrimonial, podendo contrair novo matrimônio, caso assim desejar. Declarando-se solteira, basta que apresente a sua certidão de nascimento.
No caso da pessoa que é divorciada no Brasil – explique-se: se casou e se divorciou regularmente aqui no Brasil ou fez uma transcrição do casamento e do divórcio realizados no exterior –, esta não terá dificuldades para fazer prova do divórcio, pois está com tudo regular em território nacional. Assim, não havendo necessidade ou vantagem em se declarar solteira, ela, naturalmente, se declarará divorciada – que é o seu último estado civil – e apresentará a sua última certidão de casamento no Brasil, com divórcio averbado para habilitação.
Estaria, no entanto, impedida de se casar novamente a pessoa que transcrevesse um casamento no Brasil, se divorciasse no exterior, não trouxesse o divórcio desse casamento para o Brasil e quisesse se casar de novo ou transcrever uma nova certidão de casamento. Neste caso, esse alguém estaria impedido, pois no Brasil o seu estado civil seria de casado.
O principal problema está na troca de nome: se houve sucessivas trocas de nome nos matrimônios, será exigido da pessoa que regularize a cadeia inteira – embora seja o que podemos chamar de um “absurdo burocrático”, infelizmente funciona assim. Desta forma, ela terá que fazer a transcrição da certidão de casamento aqui no Brasil e, em seguida, requerer a homologação do divórcio estrangeiro via Superior Tribunal de Justiça - STJ e, uma vez homologada a sentença estrangeira de divórcio, requerer a execução da mesma pela Justiça Federal, cuja competência para tal decorre do artigo 109, inciso X, da Constituição Federal.
É interessante destacar que, atualmente, a sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro (isto é, que não possui disposição sobre guarda de filhos, alimentos e/ou partilha de bens) já pode ser averbada diretamente em cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, sem que haja necessidade de homologação do STJ. A nova regra está no Provimento n. 53, de 16 de maio de 2016, editado pela corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi. Tal regra consta do artigo 961, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil.
Para realizar tal averbação direta, o interessado deverá apresentar ao cartório de Registro Civil, junto ao assentamento do casamento, cópia integral da sentença estrangeira e a comprovação de seu trânsito em julgado, acompanhadas de tradução oficial juramentada e de chancela consular.
Nesse mesmo ato, é possível retomar o nome de solteiro. O interessado nessa alteração deve demonstrar a existência de disposição expressa nesse sentido na sentença estrangeira, exceto se a legislação do país de origem da sentença permitir a retomada do nome ou se houver documento do registro civil estrangeiro, já com a alteração.
Quais são as consequências legais previstas a quem descumpre estas normas?
Embora não ocorra com muita frequência na prática, o brasileiro que se casa no exterior, se divorcia e, retornando ao Brasil, se declara solteiro, vindo a se casar com outra pessoa sem proceder com o divórcio, pode incorrer na prática de crime de falsidade ideológica, nos termos do artigo 299 do Código Penal, por ter mentido a respeito de seu estado civil, bem como na prática do crime de bigamia, nos termos do artigo 235 do mesmo Código. Esse último crime poderia ocorrer no caso, por exemplo, de a pessoa ser divorciada no exterior e casada aqui no Brasil, pelo fato de não ter transcrito o divórcio em território nacional (lembrando que independe o país onde ela se casou; pode ter sido aqui no Brasil ou no exterior, tendo ela transcrito o casamento).
Não suficiente, será considerado um matrimônio impedido e nulo, por força dos artigos 1.521, VI e 1.548, II, ambos do Código Civil. Porém, é importante esclarecer que tal situação é bastante improvável de se configurar.
O advogado Dr. Paulo Lins e Silva, Diretor de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), em entrevista ao Boletim IBDFAM, sanou todas as dúvidas.