Sociologia e Direito: um diálogo possível e necessário!
SOCIOLOGIA DO DIREITO
PROF. MSC. LUCIANO SILVA DE MEDEIROS
BACHAREL EM DIREITO FACSUL, CAMPO GRANDE MS
LICENCIADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS NA UNESP ARARAQUARA SP
MESTRE EM SOCIOLOGIA NA UNESP ARARAQUARA SP
ESPECIALISTA EM DIREITO EDUCACIONAL UNICLARETIANO , FEIRA DE SANTANA BA
E-MAIL: luciano.medeiros@ifrj,edu.br
Wattszap: 21 979310777
1. INTRODUÇÃO:
Delimitaremos alguns temas importantes. Isto numa interface entre o Direito positivo e segmentos das Ciências Sociais (como a Política, a Sociologia e a Antropologia).
A Sociologia do Direito é uma disciplina acadêmica. Ela é muito afeta esta interface, com base, num primeiro momento, nos seguintes autores:
1) Mauro Cappelletti & Bryant Garth no livro "O Acesso à Justiça", obra dos anos 70 do século XX;
2) Max Weber, no capítulo 2, de "Ciência e Política: duas vocações - "A Política como vocação", obra da primeira década do século XX;
3) Boaventura de Souza Santos: no capítulo sobre a "Sociologia dos Tribunais". Isto no livro "Pelas Mãos de Alice", obra que marcou os anos 90 do final do século XX.
Para nós, com formação em Direito e Ciências Sociais, a Sociologia é, num sentido didático, "equiparada a uma Física Social" e, o Direito: sua engenharia.
Isso obviamente de um paradigma reportadamente “comteano” (Auguste Comte –in_ Curso de Filosofia Positiva, de 1836) ou “durkheimiano”. Apenas de valor didático no estudo jurídico bem preliminar que estamos a tentar aqui (pois Sociologia do Direito é matéria propedêutica do primeiro ano do bacharelado em Direito).
Especificamente, o paradigma de Émile Durkheim procura fazer o sociólogo imitar, na França, o biólogo, na obra “As Regras do Método Sociológico”, do fim do século XIX. Transforma o Direito num fato social, com objetividade, historicidade e coercitividade.
Ou seja: o Direito existe independente da vontade do indivíduo. Existe antes dele nascer e se impõe a ele com violência, caso seja preterido. As instituições sociais e a moral a elas correlata, para Durkheim, seriam os objetos de estudo de uma Sociologia que imitaria a Biologia.
Se fosse de um paradigma marxista, por outro lado, o Direito seria uma expressão da luta de classes. Esta luta abstrata que se trava no processo de produção do excedente - já que empiricamente é o caos que aparece ao olhar de quem não sabe marxismo acadêmico.
O Direito, por Marx, é um falseamento da realidade (uma ideologia que compõe a superestrutura). Este falseamento ou alienação é cometido por parte da classe dominante: a burguesia, contra a classe proletária (explorada e dominada, pela violência do Estado e pelas ideias introjetados por agentes de socialização; os intelectuais orgânicos da ordem liberal).
Na Sociologia o drama é o de sempre.
As excessivas teorias - cada qual com uma ideologia de um dado grupo social (ou classe ou fração da classe).
Essas teorias nunca conseguem formar um corpo único. Um corpo científico (dão a elas o nome de positivismo, marxismo, funcionalismo, estruturalismo...). Isto numa tentativa de mesclar cada uma numa nova teoria, o que sempre confunde ainda mais o estudante).
Porém, o Direito positivo já é consolidadamente "dicotômico".
Isso se deve ao seu viés não de ciência interpretativa dos fatos sociais, mas sim de prescrição de condutas moralmente relevantes: oscilando ora entre:
1) o Positivismo (inspirado na Física Social do matemático francês Auguste Comte; posteriormente: do jurista austríaco Hans Kelsen, sendo o último autor da "teoria pura do direito", que buscou "liofilizar" o campo jurídico em relação à metafísica filosófica "inútil, verborrágica, pedante");
2) ora no jusnaturalismo (inspirado na teoria dos direitos naturais da Escolástica medieval de Santo Agostinho e do Liberalismo moderno dos filósofos contratualistas - os quais observam na Teologia ou na Metafísica uma forma de evitar o autoritarismo normativo).
No caso do "kelseanismo", ele acaba colocando a forma legislativa, ou seja, de como são redigidas as leis (sejam em regimes democráticos ou despóticos) acima do conceito metafísico: o de justiça (vendo o jurista como um cientista semelhante ao físico).
Já no caso do jusnaturalismo (pensado por Santo Agostinho, no começo da Idade Média e pelos "iluministas", no fim da Era moderna), termina colocando a metafísica da justiça acima da forma; odiando, dessa forma, de morte, leis que são feitas em regimes absolutistas (direito natural do homem a resistir diante de leis injustas).
Os "kelsenianos" afirmam não ser científico discutir o que é justo. Por uma questão óbvia: porque a forma é que é científica, sendo o justo próprio da Filosofia do Direito, com isso, aderindo este paradigma ao pragmatismo.
Isso é afirmar que a Justiça é como Deus. Não tem como definir, porque lei, esta sim, é que tem técnica- já Deus é especulação metafísica.
O Direito seria uma tecnologia da lei e NUNCA o pensamento do JUSTO. O justo é um objeto de estudo da Filosofia do Direito. Objeto de teólogos.
Isto o coloca na berlinda de ciências em prol da exploração social no que os autores da Escola de Frankfurt chamariam de "eclipse da razão" (quando a tecnologia se coloca em prol da dominação e da alienação, não mais da emancipação e da liberdade humana).
Autores com Walter Benjamim, Max Horkheimer e Theodor Adorno, entre as duas grandes guerras mundiais, afirmam que a razão ou está em prol da emancipação ou da reprodução das desigualdades sociais: onde o Direito estaria mais para a última forma de razão.
2. DESENVOLVIMENTO:
2.2 A escola dos direitos difusos e sua crítica à elite jurídica:
Mauro CAPPELLETTI et all na obra "Acesso à Justiça" areja o Direito. Faz isso buscando torná-lo multidisciplinar; com isso: saindo do "corporativismo" dos juristas que amam a linguagem rebuscada como forma de "blindar o saber" (como nas "guildas ou corporações de ofício medievais" havia segredos profissionais entre os construtores de catedrais que deram origem às "irmandades maçônicas").
M. Cappelletti deu a possibilidade de profissionais como psicólogos, sociólogos, antropólogos e cientistas políticos estudarem o Direito.
Estudarem, por sua vez, por meio de metodologias próprias de cada área, sem se preocuparem com os rigores hermenêuticos dos autores da dogmática jurídica.
O Direito ocidental, de viés romano-germânico, sempre espantou estes pesquisadores. Isso se deu por conta da sua linguagem que criou justamente as profissões jurídicas, com termos como preclusão, decadência, prescrição, caducidade, expressões latinas ("erga omnes", "ex nunc"), etc - os quais blindam o saber jurídico.
Blindam com obstáculos linguísticos contra o ataque de filósofos, sociólogos e antropólogos que precisariam dominar o jargão para, logo depois, mostrarem suas falácias (blindam, mas empobrecem).
São termos que exigem estudo e prática, criando um "clube de iniciados na linguagem forense" - que pioraria ainda quando o campo é o Direito processual civil-penal.
O Direito do processo civil-penal chegou a tal nível de hermetismo que ele mesmo já estava se separando do direito civil e penal, ramos do direito substantivo - por puro preciosismo.
Isso estava causando a crise de efetividade da justiça e o deleite da mercantilização da advocacia (que viveria basicamente de defesa processual em cima de caros honorários pagos apenas pelos mais abastados e grandes grupos econômicos).
O usuário comum, o povo, o autor da ação, ficava perplexo quando sendo, na sua lógica, merecedor de um direito substantivo, perde.
Perde a tutela jurisdicional por causa de termos como prescrição ou preclusão, de direito adjetivo.
Pior ainda se vê seu pleito demorando décadas, por conta do excessivo valor dado a forma processual, ao direito processual, às "chicanas", as manobras protelatórias em cima de recursos que sempre contestam prazos, assinaturas e carimbos.
O Código de Processo Civil Brasileiro atual vem buscando, por meio da tutela de evidência, superar essa “patologia” do processo.
O processo civil-penal pode, em muitos casos, dar margem a injustiças ou mesmo a coisas julgadas de má-índole (como dar uma sentença favorável para uma parte processual que apresentou documento falso sem o juiz natural notar, ou o MP: logo, passados os dois anos de prazo para anular a sentença, após fazer coisa julgada, o ilícito estaria amparado pelo judiciário).
Isso cria um descontentamento perigoso da opinião pública com a prestação de serviço judicial - podendo realizar o retorno à autotutela e milícias.
A opinião pública é, segundo os filósofos iluministas (semelhante a Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII) denominou o esteio da democracia.
Todas as normas devem obediência a ela, pois é dela que nasce a legitimidade ou obediência do povo ao Estado.
Por isso da importância da educação pública na formação de uma opinião pública esclarecida, conforme obras “rousseaunianas” como O Contrato Social. As leis, vindas dos representantes eleitos pelo povo, seriam expressão dos anseios populares, hoje aferíveis pelas empresas que pesquisam a opinião pública, como o IBOPE.
A prestação de serviço jurisdicional é um serviço fundamental para manutenção da democracia de massas, da legitimidade das instituições e a pressão por direitos sociais. Eles estão advindos dos movimentos sociais. Movimentos esses que não são partidários, não disputam o controle do Estado, mas é um sintoma de uma sociedade nova: a sociedade pós-industrial que está se expandindo na sociedade digital.
Mauro CAPPELLETTI afirma que no século XX, por conta das democracias de massas, em especial, que florescem após a 2° Guerra Mundial, explodiria a litigiosidade contida.
A causa seria a procura pela justiça, por sentenças (declaratórias, condenatórias e modificativas), mostrando que as pessoas comuns (pobres e sem instrução) confiavam no Estado, abrindo mão de soluções privadas de conflitos de interesses (aumento da legitimidade dos juízes).
Mais ainda: as camadas mais baixas da população são aquelas que realizam este aumento de demanda, pois a justiça, os processos, os advogados, no século XIX, eram caros e restritos aos grandes interesses da burguesia.
Mauro CAPPELLETTI afirma que a dicotomia entre direito público e direito privado já não procedia mais. Ela nasceu no século XIX no momento de intensa produção do direito em universidades, quando o direito passa a ser uma matéria acadêmica a produzir estudos de teoria pura do direito.
Porém, o pensamento jurídico ocidental (de matriz romana e alemã no sentido de excesso de solenidades, que não estão presentes no direito anglo-saxônico) precisa ser urgentemente revisto segundo as conclusões do "Projeto Florença" (estudos acadêmicos comandados por Cappelletti para reformar os sistemas jurídicos ocidentais).
Isso acontece diante do avanço dos movimentos sociais que buscam direitos substantivos para minorias sociais subjugadas na expansão do capitalismo monopolista.
No fim dos anos 60 do século XX, os movimentos sociais que nascem após Maio de 1968, mostraram que há o nascimento dos direitos difusos e coletivos
Os direitos difusos e coletivos explodem a dicotomia entre o interesse público e privado.
Mudam até o perfil da advocacia, exigindo a existência da advocacia estatal para pessoas sem condições de pagarem honorários.
De outro lado, exigem uma advocacia engajada em movimentos sociais sem que tenham a mera pretensão de enriquecimento com causas de elevado valor econômico; ou seja: um novo advogado politizado nas causas das minorias sociais.
Um direito que vai além do interesse privado, no qual o meio ambiente, por exemplo, passa a ser defendido por advogados contratados por organizações não governamentais (ONG's), que, ao serem contratados, não defendem o interesse dos seus clientes, mas sim o interesse da Humanidade.
Uma Sociologia do Direito, pelo viés de Mauro Cappelletti, está a estudar a linguagem processual, procurando nela a intenção de ser hermética, de ser apanágio de um grupo de juristas privilegiados, que estão "emperrando o acesso dos leigos, dos pobres, dos movimentos sociais, a efetivação dos direitos difusos e coletivos."
São esses direitos difusos e coletivos os direitos dos consumidores, dos adolescentes, das crianças, dos índios, dos negros, das mulheres, dos portadores de deficiência, e assim por diante.
Facilitar o acesso ao Poder Judiciário torna-se vital para manutenção das democracias de massas.
Depois dessas ideias foram realizados vários mutirões carcerários e justiça itinerante, por meio de ônibus com conciliadores e juízes togados (feitos em vários tribunais brasileiros).
Facilitar o acesso ao Poder Judiciário torna-se vital para que não se estimule: 1) autotutela; 2) formação de milícias - "fazendo com que a população de baixa renda enxergue na justiça algo que ela não possa confiar."
Mais que isto: que ela possa abrir mão de fazer justiça com suas mãos em prol da delegação ao Estado.
Porém, a burocracia judiciária não teria como dar conta do aumento cada dia maior da busca por justiça, por parte do "povão", que aprendeu a processar. Processar por qualquer coisa, além dos advogados, formados em massa pelas faculdades de direito - "todos com ilusões e aptos às aventuras jurídicas".
Para tanto, com base na ideia dos títulos executivos extrajudiciais, a arbitragem deveria ser difundida como composição de conflitos pela própria população, por meio das Igrejas, das associações de bairros, das organizações não governamentais etc.
Aqui está o futuro da efetivação dos direitos difusos e coletivos: a confecção de títulos executivos extrajudiciais por leigos. Mas mesmo assim, caso descumprido exigiria a tutela jurisdicional. Porém, evitaria a fase do processo de conhecimento, em vários casos, indo direto à execução.
2.3 A escola weberiana e a crítica à burocracia com estamento jurídico:
Já o sociólogo alemão, Max Weber, no Capítulo 2 da obra: "Ciência e Política: duas vocações", onde ele pensa a "Política como vocação", alimenta-nos com ideias importantes, antes da 1° Guerra Mundial.
São ideias sociológicas para ser pensada a Sociologia do Direito, como crítica à burocracia. Burocracia como fenômeno da Modernidade Ocidental e, sendo mais crítico: base do Estado nazista.
Burocracia esta, segundo Weber, que vem matando a espontaneidade, o carisma e a política (políticos que vivem da política, mas não à política).
A burocracia, enquanto estamento reproduziria a aristocracia, em alguns elementos, mesmo com o fim do feudalismo, para Weber.
Max Weber afirma que a burocracia nasceu a partir do momento que os monarcas precisavam acabar com o poder dos estamentos medievais. Estes estamentos eram mercenários que vendiam proteção aos reis, aos papas e nobres, sem vínculo algum com a ideia de nacionalidade, que ainda era formada.
Os Estados modernos nasceram, dessa forma, entre os séculos XIV e XIX, a partir do momento que os monarcas criavam um corpo de servidores públicos que retiravam dos estamentos medievais as armas e todo aparato material de exercício da violência. Isso sim é que garantia o cumprimento das leis dos reis, da soberania dos territórios e o cumprimento dos contratos assinados entre os particulares, o que foi uma centralização fundamental. Fundamental para o desenvolvimento do capitalismo: a centralização administrativa do Estado eliminando os meios privados de violência.
O processo de formação do Estado moderno por meio da expropriação dos estamentos é paralelo ao que Marx chamou de acumulação primitiva, no capítulo XXIV de O Capital - no qual ocorre a expropriação das terras dos camponeses medievais. Isso para que os mesmos vendessem suas forças de trabalho como proletários nas cidades industriais.
Logo, a formação do Estado moderno é irmã gêmea da formação da empresa capitalista. A empresa estatal é movida pela força de trabalho dos burocratas, que embora assalariados, estão longe de pertencerem ao proletariado, por conta de vários privilégios estamentais que possuem (estabilidade, vitaliciedade, inamovibilidade etc.).
O Estado como prestador do serviço de fazer valer a lei, nem que seja pela violência e, de outro lado, a empresa capitalista como exploradora do excedente social na forma de mais-valia, que garantiriam os impostos (num sistema de dominação, hegemonia e exploração).
Ou seja: a empresa capitalista exploraria economicamente.
Já a empresa estatal manteria a todos com medo de reagir à exploração, por assim dizer.
Dessa maneira, o Estado moderno seria composto por empregados improdutivos, que não gerariam lucro, mas viveriam dos lucros alheios.
Viveriam por meio dos impostos repassados na forma de soldos, etc.
Seriam recrutados nas fileiras das classes populares, pois os burgueses não tinham interesse neste segmento social com caráter estamental (como era na Idade Média).
Seriam recrutados por meio da expansão do ensino público, já que o letramento foi um dos requisitos para ser servidor público - pois a lei, as regras e as normas editadas pelos monarcas precisariam de aplicação.
Esta aplicação ocorre por meio de escribas, de oficiais de justiça e de força policial obediente.
Obediente por meio de pagamento pecuniário, por planos de títulos honoríficos dadas pelos monarcas.
Dados àqueles que não tinham outra possibilidade de ascensão e prestígio social, pois não eram possuidores natos dos meios de produção que possibilitavam extração de mais-valia.
O serviço público foi, segundo Max Weber, o meio de obediência de uma parte dos pobres que queriam melhorar de vida e, para tanto, estudos, escolas públicas, concursos meritocráticos, tornar-se-iam a forma de cooptação de uma parcela do proletariado:" que não se sentiria tão proletariado assim."
O burocrata, por esse motivo, está ao lado da burguesia, podendo até, por meio do "patrimonialismo" (apropriação dos bens públicos de maneira particular) acumular bens.
2.2.1 O jurista como burocrata autoritário:
O jurista nasceu aqui, como um segmento da burocracia que formariam um estamento dentro da estrutura do Estado moderno. Este estamento ascendia por meio do sistema de ensino em direção ao poder estatal, diferentemente do burguês que ascendia pelo acúmulo de moeda.
O jurista foi primeiramente oriundo do clero, segundo Max Weber, já que o clero recebia alta educação nos mosteiros escolásticos, sendo especialistas em direito romano, a base do direito contemporâneo.
Os padres foram os primeiros assessores dos monarcas. Assessores nas questões jurídicas e diplomáticas, eivados de visão escolástica e aristotélica - misturando política e cristianismo.
O clero, todavia, não poderia servir ao exército, mas deu a base hierárquica das forças armadas inspirada na Igreja e seu bispado.
Dessa forma, o militares foram também um dos primeiros servidores públicos dos Estados modernos, ao lado dos padres - porém dotados não somente de instrução intelectual, mas de dotes bélicos, para a paz do monarca, chefe de Estado. Eram mantidos mesmo em tempo de paz, treinando e pesquisando estratégias, armas e doutrinas geopolíticas. Eram doutrinados pelo nacionalismo, sentimento fundamental para que um Estado exista. O "amor à pátria".
Os juristas aos poucos se separam do clero, passando a serem formados por universidades específicas, que precisaram da Filosofia para constituir o que vieram a chamar de Dogmática Jurídica. Terminariam precisando, mais ainda, da experiência dos pretores romanos materializada nas "Institutas de Gaio" ("copilação das decisões romanas", após o século I d.C.) como base do direito privado capitalista contemporâneo.
No século XVII, em diante, com o Iluminismo, a formação do jurista passa a ser mais laica, mais secular, nascendo uma nova metodologia que foi distanciando a cada dia mais a justiça do sentimento comunitário.
Foi criando-se assim o que os pensadores do direito diziam nos livros e não o que o povo pensava na rua sobre o que é justo.
A isso foi chamado "senso comum" (não sendo lembrado que os costumes são base do "common law").
O Estado de direito, dessa maneira, deriva das monarquias absolutistas e, com a Revolução Francesa de 1789, dão, de forma distinta dos reis, os contornos da República, das constituições, dos sistemas de freios e contrapesos.
São eles que fortalecem a democracia formal burguesa - que iguala a todos diante à lei, mas concentra a renda pela exploração da mais-valia relativa.
Acaba-se, como isso, afirmando que a Lei está acima dos caprichos dos governantes (e que todos os cidadãos são iguais perante a Lei, base da ideologia jurídica - que mascara a estrutura econômica).
Fortalece-se a profissão de advogado, um membro da sociedade civil, que não era servidor público, mas que servia para fazer o diálogo do homem comum com a "selva legislativa" que florescia.
Nasce também a ideia de "parquet", neste momento: o embrião do ministério público, como fiscal do cumprimento das leis de direito público.
Leis a cada dia mais indecifráveis pelos homens comuns, dando a cada dia mais prestígio e fortuna aos que se dedicavam ao estudo do Direito.
Os juristas são, dessa maneira, profissionais condicionados ao crescimento dos Estados modernos e da expansão das economias capitalistas.
Nascem de uma natural divisão social do trabalho para o aumento do excedente, conforme Adam Smith pensa em "A Causa Riqueza das Nações" (obra do fim do século XVIII que salienta que o parcelamento das tarefas aumenta a produtividade e o excedente econômico).
A expansão estatal e da empresa capitalista, do ponto de vista weberiano, tornam as relações sociais mais complexas.
Mais complexas no campo de registros e de garantias econômicas dos investimentos - que se tornam contratos ou títulos executivos extrajudiciais como letras de câmbio, ações nominais, ações ao portador etc.
Isso tudo não seria pouco sem contarmos o sistema penal.
Sistema que precisou de Cesare Beccaria para se tornar "racional e humanista", no século XVIII (o que foi contestado por M. Foucault em "Vigiar e Punir", o qual mostra a evolução do castigo físico para o psicológico em Beccaria).
Foucault, que escreveu na segunda metade do século XX, é fundamental para compreender uma espécie de evolução do “panóptico”.
Panóptico é um novo controle social pensado por filósofos como J. Bentham, no século XIX.
O “panóptico” seria uma evolução do castigo físico para o castigo psicológico por meio de “ciência” como a Pedagogia, o Direito e a Psiquiatria e suas instituições correlatas (tecnologia da punição e aumento do controle que envolve uma racionalização da punição).
As ordálias medievais são paulatinamente substituídas por "discursos racionais de ciências do comportamento humano" que serviriam para "recalcar impulsos de rebeldia", segundo Foucault. Criar os "corpos dóceis".
Não havia a necessidade dos juristas profissionais e acadêmicos na Idade Média, de maneira tão densa/intensa como hoje. Pois, conforme Weber, a interpretação dos direitos e do conflitos eram consuetudinariamente monopólio do clero.
Era o clero, e não juristas profissionais, que realizava a mediação dos conflitos, tendo por base a moral católica escolástica, julgando frivolidades como "bruxarias", "heresias" etc.
Isso pelo motivo de não haver a centralização do poder na figura do rei e do Estado - muito menos as complexas empresas e grupos capitalistas de produção e serviços.
Logo, a essência das profissões jurídicas é de manterem seu prestígio social, que garante seu poder ao lado da burguesia. Urge, por esse motivo, fazer com que esse estamento não se torne promotor de interesses públicos secundários, que apenas mantenham seu “elitismo” (pois possuem uma missão quase que sacerdotal diante da população).
Isso ocorreria como um tipo especial de poder, que não é econômico. Ele ocorre por meio da complexidade da "selva legislativa", o que pode, até certo ponto, deturpar a essência da justiça e do direito.
Isso em relação às classes mais baixas, sem instrução e que são a maioria da população nas democracias de massas.
Logo: a maioria veria com desconfiança a justiça.
2.3 A sociologia da profissão jurídica e dos tribunais como empresas:
Por fim, outra grande contribuição, advém do sociólogo português, Boaventura de Souza SANTOS, nosso contemporâneo, altamente produtivo na Universidade de Coimbra.
No livro "Pelas Mãos de Alice", o autor faz um capítulo para falar da diferença entre Sociologia do Direito e Sociologia Jurídica.
A Sociologia do Direito estudaria o direito substantivo, que é aquele presente no Código Civil e no Código Penal, por exemplo: as duas bases do sistema jurídico brasileiro (privado e público). Mas os códigos estão dando lugar aos microssistemas legais. A codificação de Napoleão Bonaparte, do século XIX, vem sendo alterada por microssistemas.
Estes ramos são os responsáveis por trazerem as demandas sociais para o edifício normativo, por meio das leis que gravitam em torno destes códigos, que estão se decompondo em microssistemas.
Isto pelo princípio da especialidade (muito presente em estatutos, como no caso o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil, de 1990, para dar um exemplo).
Fala-se em microssistemas como sinônimo de "movimentos sociais".
Esses microssistemas saem por meio dos parlamentos, onde estão os representantes dos grupos sociais (grupos de pressão ou "lobbismo").
É assim que ocorre o processo de legitimação dos sistemas legais dos movimentos sociais de direitos difusos e coletivos.
Antes, ocorrem edição de leis que nascem dos processos legislativos.
São processos legislativos antecedidos pelos processos eleitorais das democracias de massas, nos quais são escolhidos os debatedores de leis (hoje criticados e fiscalizados em redes sociais ostensivamente).
Já as constituições, feitas como quase "contratos sociais", por meio de constituintes originários, servem de freios.
Freios ao possível despotismo dos legisladores posteriores, que não podem passar por cima do "contrato nacional base" (Carta Magna).
Com a ideia dos direitos difusos e coletivos, os microssistemas jurídicos ajudam ainda mais na "inflação legislativa", inundando os movimentos sociais de mais e mais leis que os fazem se mover nas lutas no seio da sociedade civil.
A Sociologia do Direito nasceu com Montesquieu no livro "O Espírito das Leis", segundo Boaventura de Souza Santos, o qual entre os séculos XVII e XVIII, demonstra que as leis são condicionadas a fatores como a geografia e aos costumes de um povo.
O sistema jurídico de um país tem uma identidade étnica: uma assinatura dada na Geografia Física, que a Antropologia Cultural da segunda metade do século XIX levou como base de toda pesquisa (o relativismo cultural).
Montesquieu é um dos primeiros a falar sobre determinismo (lei causal).
Ele afirma que a vontade humana é mitigada por condicionantes naturais, dentro os quais, o clima e o solo de um país.
Logo, países insulares, como Portugal, teriam costumes e regras diferentes, por exemplo, das russas, onde o clima polar é mais contundente, dando relações humanas peculiares, por causa do perfil da agricultura, por exemplo, que poderia dar formas peculiares de propriedade e de repartição de excedente.
Já em relação a Sociologia da Justiça, o sociólogo lusitano Boaventura de Souza Santos segue o jurista italiano Mauro Cappelletti - demonstrando como a supremacia do direito processual sobre o direito material criou uma crise de efetivação.
Crise de legitimidade e de crédito da opinião pública das democracias de massa em relação ao poder judiciário, também.
Observa-se, mais uma vez, que o balanceiro da democracia, para ambos, seguindo Rousseau, é a opinião pública.
Na Grécia Antiga, em Atenas, ela era colhida nas praças na hora de serem feitas as leis, por meio da consulta aos cidadãos (homens não escravos e atenienses).
Na Era Medieval, foi condicionada ao que os padres diziam nos seus sermões.
Na Era Moderna, a imprensa passa a ter um papel maior, por conta da expansão do ensino primário gratuito estatal, o qual cria o público letrado para os jornais.
No caso do Brasil, todos sabem os desvios processuais, ou "chicanas", são perpetrados nos embargos declaratórios e agravos, os quais perduram processos à exaustão, por mera chicana. Isso retira da justiça sua credibilidade junto à opinião pública e aos meios de comunicação de massas que estão a fomentá-la.
Os recursos são extremamente mal interpretados pela opinião pública, que os veem como irracionalidades do mundo dos advogados (quando não é assim, na técnica – mas pode ser, dependendo do contexto).
A última, a Sociologia da Administração da Justiça, estudaria a forma com ocorre a gestão judiciária, assim como é a gestão de uma moderna empresa capitalista com seus métodos de recursos materiais e humanos (taylorismo, fordismo e toyotismo).
Ai que mora o dilema: judiciário com gestão de empresa!
Dilema que não é somente brasileiro, mas de todos os países que possuem democracias de massas, inclusive do Hemisfério Norte, que precisam dar vazão as demandas dos movimentos sociais.
Movimentos e "lobbies" e seus direitos difusos e coletivos emergentes.
O dilema é o de você entrar no judiciário, nos países ocidentais, e ter, como é sua mercadoria (cujo preço são as custas processuais iniciais) uma sentença.
O que se faz com uma sentença?
Sentença rápida e que seja executada satisfatoriamente, por um corpo de funcionários condicionados aos índices de produtividade de uma empresa faminta por novos mercados.
Um Poder Judiciário que crie satisfação dos seus usuários, vistos como clientes de uma empresa cujo serviço é dar vazão à circulação de bens e serviços. Isso por meio de uma administração judicial com padrões de qualidade total, desde atendimento até o bem da vida tutelado numa execução justa.
Isso ocorre por meio de sistemas eletrônicos, que permitem economia de tempo, de papel e de servidores desnecessários, diante dos avanços da era informacional, das ondas da 3° revolução industrial.
Uma justiça de execução penal, por exemplo, com estabelecimentos competentes para ressocialização - que consiga, juntamente com o Poder Executivo, estabelecimentos de cumprimento de penas.
Estabelecimentos com índices de reinserção social do apenado, sem superlotação, sem desrespeito à dignidade da pessoa humana e dando lucro para o Estado. Lucro por meio da terceirização de RH.
Uma justiça na qual os mais pobres tenham acesso rápido aos advogados preparados, pois o "bem da vida" é de valor subjetivo, não podendo um litígio de multinacionais ser mais relevante que a disputa por uma casa de menos de 30 salários mínimos, por dois hipossuficientes.
Assim como Mauro Cappelletti, Boaventura de Souza Santos olha com bons olhos o fortalecimento do que ele chama de "direito achado na rua".
Trata-se do velho e bom direito consuetudinário.
Eugen Ehrlich, jurista austríaco e sociólogo do direito, pensa, na primeira metade do século XX, neste direito como “direito vivo”, que é mais rico que aqueles que são feitos pelos juízes.
É o direito não escrito, que na verdade foram/são as formas encontradas pelas comunidades de bairro e até pelos próprios presidiários. Um "direito" para resolver os conflitos de interesses numa dada localidade (usando-se aqui, no caso dos presidiários, a visão durkheimiana de neutralidade).
Neutralidade na observação; não julgar se é bom ou ruim, mas observar a parte em relação ao todo funcional de como os presidiários julgam delitos por eles mesmos.
O Direito foi, durante muito tempo, monopolizado pelo Estado. Um Estado que se coloca com o detentor da racionalidade e gestor monopolista do território e do povo (um Leviatã, conforme Thomas Hobbes o descreveu no século XVII).
Porém, nas formas de solução dos conflitos pelos movimentos populares podem estar uma chave da Sociologia do Direito, ou seja: como o direito não é somente estatal e um conhecimento fechado num círculo de juristas profissionais.
Como, por meio de uma pesquisa de campo, um pesquisador, que não seja somente dos bancos dos cursos de Direito, pode encontrar "formas alternativas de justiça e construção simbólica de normas de conduta humana" (um conceito que depende da subjetividade).
Assim, delimitado o problema, termina se usando de técnicas etnográficas, psicanálise, semiótica e outras que possam descortinar uma inovação.
Está aí o cerne da Sociologia do Direito - cheia de dilemas e poucas respostas.
3. CONCLUSÃO:
Com base nos três autores estudados aqui, pode-se afirmar que:
i) O Direito nunca foi monopólio estatal. Pode-se afirmar que ele é um "a priori" da condição do ser humano. Nasce da sua necessidade de conviver em grupo, abrindo mão dos seus "instintos egoísticos". Passa a ser monopolizados pelo "Príncipe" a partir do começo do Estado Moderno, por causa da necessidade de centralização do poder político em prol da expansão do capitalismo comercial, naquele momento (ver: Maquiavel, Nicolau em “O Príncipe”). Logo, o Estado não está mais em condições de ser a única voz a dizer o que é e o que não é direito ("direito achado na rua" segundo Boaventura de Souza Santos – inspirado em Eugen Ehrlich e pelas teorias pós-modernas dos movimentos sociais como "legiferantes não partidários");
ii) A profissão jurídica nasceu com o poder estatal, tanto a do juiz natural a do promotor natural e das funções essenciais à justiça. A profissão jurídica, no entanto, tornou-se um fim em si mesmo. Isso a partir do hermetismo linguístico do direito, em especial, o ramo processual e das carreiras estatais de magistrados e outros atores. Dessa forma, os "conciliadores leigos oriundos dos movimentos populares" podem ser os "novos pretores do direito pós-moderno", menos dependente do que é escrito e do que sai dos tribunais estatais;
iii) A Sociologia do Direito deveria focar nas técnicas de entrevista dos atores do mundo jurídico, desde a fase de processual até a forma como a sentença é vivenciada pelos atores (especialmente os pólos processuais passivos e ativos, a despeito dos advogados particulares, dos procuradores estatais, dos promotores, juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores, delegatários de cartórios, serventuários de justiça, conciliadores leigos etc);
iv) Além disso, deveria focar nas pesquisas de campo em que os movimentos sociais sejam captados na sua dimensão de resolução de conflitos internos por meio da criação comunitária de normas não escritas (um direito essencialmente não estatal). Como os grupos comportam-se em termos éticos e das normas de convivência consuetudinárias. Isto tendo em vista técnicas de estudo dos antropólogos em campo para captarem uma essência antropológica das regras de convivência sociais (uma ETNOGRAFIA JURÍDICA que mostre o grupo e não o Estado como fonte de direito).
4. BIBLIOGRAFIA:
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio. Fabris, 2002.
WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix,
1968. CAP 2.
SANTOS, Boaventura de Sousa. PELA MÃO DE ALICE. O SOCIAL E O POLÍTICO NA PÓS-MODERNIDADE. 1.° edição: Maio de 1994, CAPÍTULO DA SOCIOLOGIA DOS TRIBUNAIS.