Considerações sobre ato ilícito
O conceito de ilícito é de extrema generalidade e complexidade no plano jurídico até mesmo porque é atuante em todas as suas ramificações. Simplificando grosseiramente dizem que o ilícito é tudo aquilo que é contrário ao Direito, até porque se entende este como proteção do que é lícito.
Tal simplificação remonta às máximas romanas: “Honeste vivere, altere non laedere, suun cuique tribuere”, que significa: “Viver honestamente, não prejudicar a outrem, atribuir-se o que é seu”.
A summa divisão que se elabora quanto à ilicitude, distinguindo o que é ilícito civil e o que é ilícito penal é mais de cunho didático do que científico.Pode mesmo coincidir sobre um mesmo fato, é o caso, por exemplo, do motorista que faz uma conversão em local proibido e, provoca um acidente automobilístico com vítima fatal.
A diferença fundamental entre os ilícitos reside na aplicação do sistema sancionatório pois o direito penal pode afetar a liberdade da pessoa do infrator, como o direito de ir e vir, enquanto que o âmbito civil irá atingir sua esfera pessoal, sua subjetividade, mas preferencialmente o seu patrimônio.
O fato é que o comportamento contrário à norma tipifica uma ilicitude. Concluímos que o ilícito civil é transgressão do dever jurídico quer seja legal, quer seja negocial.
A definição do ato ilícito outrora contida no art. 159 do Código Civil de 1916 acarreta a obrigação de reparar o dano assim, em sua etiologia, o ato ilícito é, fonte de obrigação, embora sua conseqüência independa da vontade do agente, resulta de ação ou omissão sua.
Esclarece Caio Mário da Silva Pereira para haver a caracterização do ato ilícito deve ocorrer certos elementos: a) violação do direito ou dano causado a outrem; b) ação ou omissão do agente; c) culpa.
A ilicitude da conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente (neminem laedere).Destaca o mestre português Luís A. Carvalho Fernandes apud Lotufo que tanto o direito civil como o direito penal referem-se muitas vezes à mesma matéria, embora sob justificativas diversas.
Na esfera criminal, os ilícitos podem ser definidos como crimes ou contravenções e, ao puni-los, faz aplicação de sanções mais graves chamadas penas. Mas esses mesmos atos, enquanto envolvam a violação de interesses de pessoas singularmente consideradas, pertinem também ao direito civil.
A ilicitude comportamental pode advir tanto da norma jurídica, na norma contratual concebida dentro da égide da autonomia privada.Ao contrário do ato jurídico, que é uma declaração de vontade, o ato ilícito é um ato material (ato ou omissão) que, infringindo dever legal ou contratual, causa dano a outrem.
Assim o ato ilícito pressupõe sempre uma relação jurídica originária lesada e a sua conseqüência é uma responsabilidade, ou seja, o dever de indenizar ou ressarcir o dano causado pelo inadimplemento do dever jurídico existente na relação jurídica originária.
O não-cumprimento do dever na relação jurídica, pelo sujeito passivo, implica em lesão do direito do sujeito ativo, que pode recorrer ao Estado, a fim de obter não só a prestação devida, mas ainda, o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do inadimplemento.
Orlando Gomes acautela ser relevante distinguir a atividade infringente da norma jurídica, da atividade que lesa interesse legítimo de outrem, cuja satisfação depende de sua iniciativa.Se alguém deixa de honrar pagamento com dívida assumida, prejudica o credor, mas não pratica ato ilícito propriamente dito, embora que seu procedimento importe numa violação de regra contratual que ordena ao devedor o adimplir da obrigação livremente contraída.
Assim a transgressão a uma norma contratual não deixa de ser uma espécie de ilicitude, mas não se traduz propriamente numa transgressão direta e frontal à lei. Deparamos que o dever jurídico decorrente de norma legal evidentemente não pode ser ignorado por ninguém. Esse é o dogma fundamental do direito previsto no art. 3o, LICC para sua eficácia, sob pena de inexistindo, não ser viável qualquer sistema jurídico.
Licitude vale como elemento essencial e constitutivo do ato jurídico, seu objeto há de ser lícito; se lícito não for, não haverá ato jurídico propriamente dito, senão fato voluntário que somente produz as sanções ou cominações impostas por lei.
Vicente Raó distingue com clareza os atos ilícitos de objeto contrário à ordem pública, às disposições imperativas da lei e aos bons costumes, dos ilícitos que se consideram por serem viciados por dolo civil, ou de culpa. Os primeiros são nulos; anuláveis são os segundos.
É dos primeiros, isto é dos moralmente ilícitos, ou como desejava Coelho da Rocha que os qualificava como moralmente impossíveis, com amparo em Windscheid (Pandectas, vol. I, § 81) designava como declarações de vontade “cujo conteúdo se acha em contradição com a lei moral”.
Observe-se que no sistema pátrio não há qualquer referência às antigas figuras do quase-delito e do quase-contrato que eram existentes no direito romano e que já foram abandonadas na BGB que prestigiou um conceito único, o ato ilícito.
Jamais será caracterizado como o ato ilícito se remanesceu apenas na mera esfera íntima da pessoa, ou só na declaração de vontade. Efetivamente, deve haver uma conduta, um comportamento, uma exteriorização material que enseja a percepção por terceiro.
É curial, nesse sentido, Ulhoa ao relatar que são externalidades do homem,(grifo nosso) ou seja, ação ou omissão de qualquer pessoa que infere com interesses, bens e situação de outras pessoas.
A externalidade é negativa se a ação de uma pessoa prejudica a outra, e será positiva, se beneficia. O que caracteriza a externalidade é a inexistência de compensação entre as pessoas envolvidas. Caso contrário, ocorre a hipótese de compensação de prejuízos ou ganhos, dar-se-á a internalização da externalidade.
Há inúmeros exemplos de externalidades que não comportam internalização. E Ulhoa bem exemplifica referindo-se à capital paulista, como o caminhar por uma de suas famosas avenidas urbanas, ao respirar, o ar denso e poluído pela emissão de gás carbônico dos ônibus e carros que nela trafegam. Apesar de notoriamente nocivo aos pulmões do doutrinador, as empresas de transportes que exploram tal atividade no município paulista e demais proprietários dos veículos particulares nada lhe devem a título de indenização.
Outro bom exemplo e bem trivial é o incômodo produzido pelo forte odor de tinta fresca aplicada na pintura do apartamento do vizinho, ou a lentidão do tráfego urbano na hora do rush, ou pelos arredores de shopping center; os transtornos causados pelas greves legais; a frustração de não assistir o filme pelo fato da sala de projeção já estar lotada, são todos inúmeras externalidades negativas que não comportam nenhuma internalização, logo, não redundando em nenhuma obrigação de indenizar.
Ulhoa sublinha com propriedade que as normas de responsabilidade civil cuidam exatamente da internalização das externalidades. A referida internalização opera-se em sociedades complexas tais como as contemporâneas, e por meio de regras jurídicas reprimem o enriquecimento sem causa.
A responsabilidade civil é classificada doutrinariamente como obrigação não negocial (grifo nosso) posto que não deriva nem de contrato e nem de ato unilateral de vontade. Origina-se do ato ilícito ou de fato jurídico.
O fato de ser não-negocial, a referida obligatio não a impede que entre os sujeitos envolvidos, não possa mais tarde existir um negócio jurídico, não sendo este o fundamento da obrigação de reparar o dano.
Temos, pois que a vontade deve integrar o conceito de ato ilícito. Mas, não apenas a vontade capaz de caracterizar o dolo, mas mesmo diante da negligência, imprudência ou imperícia com que se conduz o agente, o objetivo desejado não é alcançado, mas sim, o ato que causa a lesão a outrem.
Frisa com pertinência San Tiago Dantas: “não é por querer o evento que o ato se torna doloso: é por ser querida a ação”. Enquanto que o comportamento reflete negligência, imprudência ou imperícia caracteriza a culpa stricto sensu, significando a inexistência de comportamento devido e conforme a previsão legal, por isso, previamente conhecido e que deve ser observado.
O elemento subjetivo do ato ilícito lembra o conceito lato de culpa onde se inclui o dolo pertinente ao âmbito privado, e a culpa é referida como sendo aquiliana por abranger ação (in faciendo) ou omissão (in omittendo).
Em várias hipóteses no sistema normativo, desde a Antiguidade, vige uma presunção de culpa em razão da pessoa com as coisas, ou com seus pressupostos, o que vem sendo denominado, de forma pouco feliz e apropriada, como responsabilidade objetiva.
São as hipóteses como as dos arts. 932, 936 e 937 do Código Civil de 2002. Depreende-se do art. 186 C.C., que o ato do qual há de resultar lesão para outrem, isto é deve, produzir o dano.
A alteração da conjunção de “ou” para “e” (grifo nosso) no bojo do vigente art. 186 em comparação ao teor do art. 159 do Código Civil de 1916, implicou estabelecer relação direta com a responsabilidade civil, distinguindo-se das hipóteses de ilicitude que não levam à responsabilidade civil, pela ausência do dano, mas que não ficam imunes à incidência do Direito.
É o outro elemento que se tem para a completar caracterização do ato ilícito civil. Logo, em doutrina, se tem que o ato ilícito é ação, ou omissão (comportamento) de alguém que, mediante culpa, viola norma jurídica e causa dano a outrem.
O dano tanto pode ser material ou patrimonial como moral, pode ser dano emergente, ou ainda, lucro cessante, mas deve estar ligado ao ato, mediante o qual se convenciona denominar de nexo causal.
É de se salientar que o ato ilícito implica em regime jurídico submetido à responsabilidade civil, portanto, em princípio, há dever do praticante do ilícito em promover o retorno ao status quo ante (anterior ao ocorrido), ou pela indenização, ou pelo ressarcimento.
Orlando Gomes como apoio de Trabucchi esclarece que o negócio ilícito é alcançado pela ineficácia, e se caracteriza pela causa, ou motivo determinante desconforme com o sistema normativo, ou pela inidoneidade do objeto e o comportamento das partes.
Portanto, a ilicitude negocial não prospera, e pode ser atribuída a ambas partes e o direito veda-lhe a produção de efeitos. O ato ilícito em princípio, é praticado por uma parte que causa dano à outra.
A conseqüência fundamental da ilicitude é a referida responsabilidade civil que gera a necessária reparação que pode ser da mesma natureza da prestação ou de natureza diversa. O surgimento do dever de reparar possui evidente estrutura obrigacional.
Um ato praticado despido de vontade não produzirá ato ilícito. Mas isto não significa que o dano não ocorreu e que o mesmo não deva ser reparado.O art. 188 do C.C. /2002 enumera as hipóteses de atos que podem efetivamente causar danos, mas que não são considerados como ilícitos. Tal elenco é taxativo, sendo vedada a interpretação extensiva e nem mesmo analógica. São: A legítima defesa (mais particularmente sobre o tema, leia meu artigo citado nas referências), o estado de necessidade, e o exercício regular de direito, e mesmo não expresso o consentimento do ofendido.
Mesmo na seara penal excluem a ilicitude do fato. São também comumente denominadas de excludentes da responsabilidade civil são: força maior, caso fortuito e ato de terceiro, culpa exclusiva da vítima.
Quem sofre dano, não está obrigado a empobrecer com o mesmo. A todos é garantido o direito de permanecer na sua condição de integridade física e moral, tanto quanto patrimonial.
As hipóteses de exclusão de responsabilidade civil, além de serem excludentes, têm de ser interpretadas com rigor, pois levam a um choque de princípios, que no caso concreto tem que ser dirimido pelo juiz, com base no princípio da proporcionalidade, também conhecido como da ponderabilidade.
O denominado dano moral que sempre existiu e, já era reconhecido tanto pela doutrina como pela jurisprudência brasileira como indenizável, ou pelemos, compensável. Apesar de grande resistência doutrinária por parte da parcela da magistratura.No entanto, com a expressa previsão constitucional, a discussão deixou de existir quanto a indenizabilidade, e tem ficado restrita à questão da avaliação do dano moral.
Configurado como dano que deve ser demonstrado cabalmente, não se admitindo a mera alegação de que o ato ilícito decorreu uma dor, um sentimento negativo e, etc.
Lembremos que a súmula do STJ que expressa que até a pessoa jurídica pode ser também indenizada por dano moral, Renan Lotufo, no entanto, tem entendimento diverso.
Não é que se queira purismo de linguagem, o que se objetiva em preservar a denominação de dano moral para as pessoas humanas e a questão de valoração.
A extramaterialidade do dano sempre existiu na seara das pessoas jurídicas mas nunca no sentido de ligação com valores éticos decorrentes da dignidade humana. Sempre foram, na verdade, considerados bens imateriais das pessoas jurídicas a clientela o ponto comercial, a marca, a fama, entre outros e, isto sempre compôs sua patrimonialidade.
Tais elementos sempre foram ligados diretamente à atividade econômica, enquanto a retomada da dignidade humana veio mais como resultado da Segunda Grande Guerra Mundial e, a conseqüente instalação da chamada “Era dos Direitos”, por Norberto Bobbio que culminou com a Declaração Universal dos direitos fundamentais passando a ser incorporada constitucionalmente hoje em dia por 157 países, isto contabilizado apenas até o ano de 2000.
O que pode e deve ser indenizado para as pessoas jurídicas, não é exatamente dano moral, é a lesão patrimonial de bens imateriais, mas cujo valor não se pode equiparar aos sentimentos humanos que integram a personalidade humana.
Merece destaque a figura do abuso de direito já que é bem próximo ao conceito de ato ilícito. O abusivo exercício de um direito possui teor impactante e faz com que não queira haja reação sancionatória pelo sistema jurídico.
No entanto, o Código Civil de 2002 que pouco inovou, pelo menos nessa seara apresentou um efetivo avanço. Não só positivando o conceito de abuso de direito como também consagrando que tudo em Direito deve ser relativizado até o exercício de direitos.
No Brasil, a monografia mais brilhante acerca do direito de vizinhança e que bem ilustra esse relevante conceito, é do inesquecível San Tiago Dantas que foi um dos primeiros professores a abordar o assunto: “abuso de direito” no que fora seguido pelos doutrinadores como Serpa Lopes, Caio Mário, Sílvio Rodrigues, Limongi França e mais recentemente por Carlos Alberto Bittar e, ainda Silvio Salvo Venosa.
A dúvida que se aponta diante do abuso de direito, se este é tão reprimível quanto o ato ilícito. Questão tormentosa e que ganhou espaço no direito francês particularmente no que tange ao direito de propriedade.Mas hoje está plenamente consagrado o princípio da função social para uma série de direitos absolutos e personalíssimos.
Planiol ao traçar o que chamou de teoria moderna do uso abusivo dos direitos, aludiu que este não pode ser, a um só tempo paradoxalmente, ao mesmo tempo conforme o direito e contrário ao direito. Mas, na lição dos irmãos Mazeaud é que se avulta a idéia mais límpida e que aponta que a noção de abuso de direito, esta não passa de uma aplicação extensiva da noção de culpa.
A noção de abuso de direito não fora prontamente aceita em doutrina. Embora hoje seja presente em várias legislações. Foi Marcel Planiol que veemente se insurgiu contra a teoria do abuso de direito, sintetizando que os atos jurídicos são lícitos ou ilícitos, inexistindo um tertius genus.
Duguit e Josserand deram grande colaboração para essa teoria e, afirmavam que nenhum direito assegurado por lei pode ser exercido com único objetivo de prejudicar outras pessoas, se não houver proveito para seu titular.
A concepção do abuso de direito mais se aproxima do ato emulativo do direito romano. A concepção objetiva não se ocupa das intenções do agente, e considera ilícito o exercício do direito sem observância de sua finalidade social, econômica ou moral.
Na concepção subjetiva, o abuso se tipifica em ser emulação, pela vontade de prejudicar (dolo). Dentro da ótica objetiva, quem abusa ao exercer seu direito, o desvia de sua finalidade ou desconsidera as regras de convivência em sociedade.
Exercer um direito para causar um prejuízo é, com efeito, cometer uma culpa delitual caracterizada pela má intenção de causar prejuízo a outrem. Francisco Amaral conceitua o ato ilícito como ato praticado como infração de um dever legal ou contratual, de que resulta dano para outrem.
Ilustrativo é o exemplo trazido por Ulhoa a respeito de abuso de direito que apesar se referir ao início do século passado em França (mais precisamente em Compiègne), onde o fazendeiro vizinho de certa propriedade havia erguido, na divisa das terras com o hangar de seu vizinho, umas altas colunas de madeira com varas de ferro pontiagudas erguidas em grande altura. Pelas condições do lugar, a estranha divisória tornou a manobra dos dirigíveis extremamente perigosa e houve mesmo um deles perfurado pelas pontas das varas da divisória.
O fabricante dos equipamentos moveu processo contra o vizinho para obrigá-lo a retirar ou alterar a divisória. Mas a justiça francesa rechaçou os argumentos do fazendeiro, decidindo a questão em favor do construtor dos dirigíveis. Considerou que o direito de propriedade, malgrado o previsto no Código Civil francês, esbarrava em outros limites além dos legais. Já se alumbrava, naquela época, a função social da propriedade a limitar o exercício do direito de propriedade.
A importância da caracterização, estudo e disciplina do ato ilícito reside no fato de este ser uma relação jurídica cujo objeto é o ressarcimento do dano causador. E na obrigação de indenizar inclui-se no conceito amplo da responsabilidade civil, um dos mais relevantes setores do direito contemporâneo, a relevância do ato ilícito reside no fato de ser o elemento primacial da teoria da responsabilidade civil, como conjunto de princípios e normas que definem ato ilícito e sua autoria e obrigam a reparação do dano causado a outrem.
Orozimbo Nonato consagrou que os atos ilícitos constituem a categoria principal e dos fatos jurídicos. São jurígenos como lhe chama o professor Paulino Neto e, compreendem os atos jurídicos e, os atos ilícitos.
Assim sendo, os atos ilícitos, produzem conseqüências de direito e se dividem em dolosos e culposos. Nos primeiros, a ação é desejada e voluntária enquanto que nos segundos, resulta de negligência ou imprudência.
Repisando, na configuração do ato ilícito, congregam-se os seguintes elementos como a existência de ação ou omissão do agente; a contrariedade à ordem jurídica; a penetração na esfera jurídica de outrem co a produção do evento danoso e a imputabilidade do agente, além é claro do nexo de causalidade.
Conforme o ato ilícito seja ou não contratual, teremos a responsabilidade civil contratual e extracontratual que é a clássica divisão nos sistemas civis contemporâneos.
Sustenta Silvio Rodrigues que o conceito de abuso de direito provém da evolução do conceito de responsabilidade civil. Já Pedro Baptista Martins por sua vez, adota a orientação eclética admitindo que esta provenha da culpa como do desvio da destinação social do direito exercitado de forma abusiva.
O ato ilícito tem correlata a obrigação de reparar o mal. Se permanecer meramente abstrata ou teórica, não interessa senão à moral. Mas, quando se tem em vista a efetiva reparação do dano, toma-o direito a seu cuidado e então, constrói a teoria da responsabilidade civil.
Formam-se duas correntes: uma, que afirma ser de ordem pública, o princípio definidor da responsabilidade civil, também chamada de escola francesa (grifo nosso) e, outra que afirma ter sido este instituído para a salvaguarda de um interesse privado (a chamada escola belga), e, por conseguinte, admite sua derrogação pela vontade das partes. E aí, ainda, se insere o busilis acerca da chamada cláusula de não indenizar.
Sustenta Caio Mário, mestre dos mestres, que a cláusula de não indenizar é aceitável desde que não haja dever de reparação instituído em lei de ordem pública; quando não seja expressamente proibida em lei; e no caso de haver o agente causado o dano não intencionalmente.
Afirma o nobre jurista que a doutrina moderna, seguida pelo Código Civil de 2002, cogita em responsabilidade sem culpa, quando a obrigação de reparar o dano sofrido independe de apuração de culpa do agente, e, nesse propósito se constrói a doutrina da responsabilidade objetiva (teoria do risco).
Da leitura do art. 186 do C.C., em comparação com art. 159 do C.C. de 1916, evidencia-se um deslize como professa Caio Mário que necessita de esclarecimento, a fim de sanear as dúvidas. Nos seus elementos, constitui ato ilícito a violação do direito ou dano causado. De sua redação subtrai-se a etiologia da conjugação de uma e de outro. Ademais, o novo codex retirou da cláusula geral do art. 186 a conseqüência da reparação do dano, indo incluí-la no art. 927 constante mais no Título da Responsabilidade Civil.
Assim o princípio da responsabilidade por fato próprio é a idéia originária, e em seu evoluir, foi criada a responsabilidade pelo fato de terceiros e das coisas, que De Page denomina de responsabilidade complexa.
No campo objetivista é que se situa a teoria do risco proclamando ser de melhor justiça que todo aquele que disponha de um conforto oferecido pelo progresso ou que realize certo empreendimento portador de utilidade ou prazer, deva também suportar os riscos de seus atos, sem cogitação da idéia de culpa, e, portanto, o fundamento da responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para idéia de risco.
Alguns doutrinadores o encaram como risco-proveito, que se fundo no princípio pelo qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável; ora mais genericamente como risco criado, a que se subordina todo aquele, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.
A teoria do risco não substitui a da culpa, e deve conviver ao seu lado. Por pretender mais equanimidade na distribuição dos encargos, o justo e o injusto, nem promove separação entre o indivíduo que procede ao arrepio da lei, admitindo que agente indistintamente responda por conduta culposa, como pelos efeitos imprevisíveis do ato não culposo.
È preciso fixar a causa da responsabilidade que deve residir em fundamento ético de apuração direta ou indireta da culpa. Para a teoria do risco, o fato danoso gera a responsabilidade pela simples razão de prender-se à atividade do seu causador, argumentam alguns que o fato danoso está intimamente ligado ao exercício da atividade, e este nasce, em verdade, nasce do choque das duas atividades. Assim, não é bem que se escolha, em substituição ao critério da culpa, conclui Colin e Capitant. É velha parêmia que relata: quem aufere bônus, deve arcar com ônus...
A teoria do risco é uma realidade admitida no direito moderno, e o sistema pátrio já a colhia francamente em alguns casos, expressos em lei, onde a responsabilidade se define pura e simplesmente sem culpa. Entre nós, foi a legislação de acidentes no trabalho. Daí a obrigação de reparar do empregador nos acidentes do trabalho definindo-se como tal qualquer lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte ou a perda total ou parcial, temporária ou permanente da capacidade para o trabalho.
Outro exemplo de responsabilidade sem culpa por alargamento jurisprudencial é o dever de reparar o dano imposto ao que explora indústria insalubre, ou perigosa. Trava-se uma responsabilidade civil ponderada, pois o empregado acidentado por ocasião do trabalho tem sempre direito à indenização; mas esta, é limitada na forma das tabelas aprovadas pelo legislador.
Salienta Silvio Salvo Venosa que a ilicitude prevista no art. 186 do C.C. /2002 diz respeito a infringência de norma legal, violação de dever de conduta, por dolo ou culpa, que tenha resultado prejuízo de outrem.
Por dolo, aduz o Código Penal é a situação em que o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo (distinguindo-se assim o dolo específico, do dolo eventual). Já no tange à culpa estatuída no art. 186 do C.C. pelas expressões negligência ou imprudência e, o Código Penal, no art. 18, acrescenta imperícia, onde sempre se contém um ato voluntário determinante de resultado voluntário e previsível.
Quando o resultado é imprevisível, não há culpa, pois o ato entra no campo de caso fortuito ou força maior, onde não vige a indenização alguma.
Outras modalidades de culpa também podem ser citadas como assevera Venosa, a culpa in eligendo que é a decorrente da má escolha ou eleição do representante ou preposto; a culpa in vigilando que é que decorre da ausência, de fiscalização, é necessária ou decorre da lei, é o que ocorre nos casos do patrão com relação aos empregados; os atos ilícitos do preposto fazem surgir o dever de indenizar o proponente. Pode também ocorrer em relação à coisa, como por exemplo, o indivíduo que dirige o veículo sem a devida manutenção dos equipamentos de segurança do veículo.
A culpa in custodiendo consiste na ausência da devida cautela com relação a uma pessoa, animal ou coisa. É o caso do pit Bull que não é devidamente conduzido e guardado por seu dono, e causa dano ao pedestre posto que o cão se encontrava inadvertidamente solto na rua.
Há a tendência, continua a sublinhar Venosa (vol. I, p. 596) que a cada dia mais se avoluma, a de se alargar o conceito de culpa para propiciar maior âmbito na reparação de danos.
Daí a criação da culpa presumida, tendo em vista o dever genérico de não prejudicar. Sob esse fundamento, chega-se a teoria da responsabilidade objetiva que escapa à culpabilidade, que outrora era o centro da responsabilidade subjetiva.
A base dessa teoria tende melhor à justiça social, mas não pode ser indiscriminadamente aplicada para que não recaia noutro extremo da injustiça. É no campo da teoria objetiva que se situa a teoria do risco, pela qual cada um deve suportar riscos da atividade a que se dedica, devendo indenizar, quando causar o dano. Salienta que o novo Código Civil assume posição arriscada nessa direção, conforme prevê o parágrafo único do art. 927 do Código Civil.
Na responsabilidade por fato de terceiro, o conceito de culpa recebe tamanha elasticidade que em essência é removido ao segundo plano, pois vige o dever de repara ainda que não tenha havido culpa (in vigilando, in eligendo, in custodiendo), contentando-se com a demonstração do fato danoso e da relação jurídica de paternidade, de tutela, curatela ou preposição ou representação. É critério abolitivo da aferição objetiva da culpa, que desloca o fundamento da responsabilidade para outra seara.
Prossegue Venosa a respeito do abuso de direito criticando o vocábulo “abuso” que fornece a noção de excesso, aproveitamento de uma situação contra pessoa ou coisa de maneira em geral. Explicita que juridicamente o abuso de direito significa o fato de se usar um poder, uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa além do razoavelmente permitido pelo Direito e pela sociedade.É o dolo de aproveitamento contido no exercício abusivo do direito.
Brilhantemente sintetiza o doutrinador, há no abuso de direito, sob a máscara de ato legítimo esconde-se uma ilegalidade. Trata-se de ato jurídico aparentemente lícito, mas que levado a efeito sem a devida regularidade ocasiona resultado tido como ilícito.
Seu justo oposto é o exercício regular do direito que se traduz por ser excludente de responsabilidade, tanto como a culpa exclusivamente da vítima, o caso fortuito ou força maior.
No entanto, na responsabilidade civil visando promover o maior equilíbrio nas relações sociais que possível, por vezes o autor do dano não será o responsável ou pelo menos não o único responsável pela indenização.
Trata-se da responsabilidade por fato de outrem que se distingue bem claramente da responsabilidade primária por fato próprio. O novo codex civil estabeleceu que os pais, o tutor, o curador, o empregado e comitente responderão por atos praticados dos filhos, pupilos, assistidos, empregados ou prepostos ainda que não haja culpa de sua parte (grifo nosso) conforme bem expressa o art. 933 do C.C.
Cria-se, ressalta Venosa uma responsabilidade objetiva, apartada da noção de culpa, situação que hoje se apresenta unicamente com relação aos empregadores em função da Súmula 341 do STF.
A responsabilidade civil por fato de outrem de perfil complexo possui eixo embrionário na responsabilidade civil (que era nitidamente subjetiva) traz o compartilhamento dos deveres genéricos de não lesar a ninguém.
Os alemães afirmavam firmemente que não contém aí exceção ao princípio de culpa e nem crivam a responsabilidade por culpa alheia. Em verdade, cogita-se de responsabilidade civil própria e, não por culpa alheia. Pois, mormente, esta referida culpa deve-se presumir, desde que as circunstâncias não afastem tal presunção. Destaque-se que é uma presunção relativa aonde é cabível a prova em contrário.
A culpa do responsável se dá na medida em que não se exerce o dever de vigiar, fiscalizar, custodiar, supervisionar o serviço os atos, os procedimentos, ou ainda, com escopo destinar o encargo a quem possa exercê-lo probamente.
No texto atual do art. 186 do C.C. não consta a referência à culpa que outrora constava na segunda parte do art. 159 do Código Civil de 1916, mas não se deve concluir que não se exige o elemento culpa na caracterização do ato ilícito.
Mas, certamente o vigente texto codificado com essa proposital omissão desejou melhor se adequar ao sistema de responsabilidade civil estabelecido pelos arts. 927 a 954 do C.C. Pois como são inúmeros as hipóteses legais de responsabilidade civil sem a indagação de culpa (vide parágrafo único do art. 927 do C.C.) por sua natureza a atividade admitir risco para direitos de outrem.
Igualmente o art. 928 do C.C. que prevê a responsabilidade do absolutamente incapaz, ou ainda adiante, no art. 931 do mesmo diploma legal que fixa a responsabilidade civil objetiva dos empresários e das empresas pelos danos causados pelos seus produtos em circulação.
Culpabilidade inclui o dolo, e a culpa stricto sensu. A conduta culposa também se pode manifestar tanto através de uma ação (imprudência ou imperícia) como de omissão (negligência).
Negligência se traduz pela ausência de cautela, é um não-fazer de cuidados necessários à impedir a causação do dano. É a conduta humana em que o agente atua com ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado. Esta pressupõe um preexistente dever jurídico. A negligência é uma conduta negativa (omissão).
A imprudência é a violação de regras de conduta ao realizar ou fazer alguma coisa. É a conduta positivada em que o agente pratica fato perigoso. Exemplifica com propriedade Gianpaolo Paggio Smanio, o disparo da arma ao limpa-la que vem a matar alguém, ou ainda, um “empurrão” que fez a pessoa cair e morrer.
A imperícia que é também chamada de culpa profissional ou técnica é a falta de aptidão no exercício de arte ou profissão. O médico, o engenheiro, farmacêutico, ente outros profissionais, necessitam de aptidão prática e técnica para o exercício de suas atividades. Logo, quando se afastam dessa prática ou técnica, ocasionando dano a outrem, praticam ato ilícito culposo.
Exemplificando novamente o proficiente Smano destaca: o engenheiro que constrói casa sem alicerces que ministra remédio, sem os cuidados necessários e causa choque anafilático no paciente que morre.Cumpre esclarecer que erro profissional não é imperícia é o caso que se revela no médico que emprega determinada técnica cirúrgica com base em diagnóstico errôneo. A imperícia é a não observância de cuidados devidos, a falta de aptidão profissional.
Resumidamente, ensina Aguiar Dias apud Orlando Gomes, através de idéias aproximativas, sintetiza magistralmente: que a negligência é desídia, imprudência é temeridade e imperícia é a falta de habilidade.
O critério para aferição da diligência exigível do agente, e, portanto, para a caracterização da culpa, é o da comparação de seu comportamento com o do homo medius, ou do bom, do homem ideal que age com diligência, prevê o mal e precavidamente evita o perigo.
É relevante sublinhar que a questão da culpa como elemento do ato ilícito é muito complexa. Doutrinadores dividem a culpa em contratual se o dever jurídico violado resultou de contrato; e extracontratual, ou chamada também de aquiliana, se o dever jurídico independe de vínculos obrigacionais, decorrendo de um princípio geral de direito.
Leclerq é exagerado e confunde culpa com lesão ao direito alheio. Informa Orlando Gomes que o conceito de culpa formulado por esse doutrinador pela primeira vez, em audiência na Bélgica em 1927, no exercício de sua função de procurador. Prosseguiram aperfeiçoando o conceito Esmein e De Page, dentre outros.
Enuncia Leclerq que todo aquele que atenta contra direito de outrem viola a obrigação de não lesar a ninguém. E essa violação é necessariamente culposa. À primeira vista, essa concepção de culpa nos conduz aos mesmos resultados da teoria objetiva da responsabilidade civil.
Ampliando a concepção de culpa, e admitindo-a mesmo sem imputabilidade moral, que dispensa a relação de causalidade entre o ato e o dano. É a teoria da culpa preexistente bem consagrada no Código alemão (BGB), Código suíço e no polonês de obrigações.
É presumida a culpa do empregador ou preponente pelos atos danosos de seu empregado ou preposto, como se encontra bem assentado na Súmula 341 do STF. É também presumida a culpa na responsabilidade do transportador de passageiros (Dec. 2.681/1912). Daí, a jurisprudência dominante entender que mesmo a culpa de terceiro não elide a responsabilidade civil do transportador pelo acidente com o passageiro (Súmula 187 do STF).
Responde objetivamente ainda pela reparação do dano o Estado quando seus agentes no serviço público causem danos a particulares Nessa seara o elemento culpa é irrelevante, indaga-se apenas sobre o nexo causal existente entre o serviço público e o prejuízo experimentado pela vítima. A Constituição Federal Brasileira de 1988 ampliou mais esse tipo de responsabilidade incluindo os concessionários de serviços públicos (arts. 37§ 6o).
Os graus de culpa que se apresenta de forma tradicional, a saber: culpa lata ou grave que é aquela em que o agente atua de maneira incompatível com o comum dos homens. Nesta o agente atua com extrema displicência, assumindo o risco do resultado que, embora não previsto, era perfeitamente previsível.
Já a culpa leve é aquela em que a conduta do agente ocasiona dano que poderia ser evitado com atenção ordinária. A culpa levíssima é aquela que o agente só poderia evitar o dano realizado, se tivesse tomado extraordinária atenção.
Atualmente a referida classificação é relevante tendo em vista os termos do parágrafo único do art. 947 do C.C. que prevê em caso de excessiva desproporção entre a gravidade de culpa e dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
O art. 945 do C.C. ainda admite que se a vítima tiver de alguma forma concorrido culposamente para o evento danoso, a indenização cabível será fixada tendo-se em vista a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Temos ainda, o critério de classificação da culpa in abstracto e culpa in concreto, na qual se procura saber qual o parâmetro a ser utilizado pelo ordenamento jurídico para aferir a culpa doa gente, isto é, se deve levar em conta a situação concreta que está submetida à apreciação do Judiciário, considerando as circunstâncias do ato ilícito praticado, ou, ao contrário, deve tomar como parâmetro o comportamento do bom ai de família.
Doutrinadores acreditam que o sistema pátrio adota o critério in abstracto no que diz respeito ao ilícito extracontratual. Também é possível que a culpa não seja exclusivamente do autor da conduta lesiva, mas também, da própria vítima. É a chamada culpa concorrente da vítima.
O Código Civil de 2002 inovou novamente ao prever a hipótese, que esta culpa concorrente da vítima deve ser avaliada pelo juiz no momento da fixação da indenização devida.
Note-se que a concorrência de culpa não há exclusão do ilícito, mas apenas mitigação do quantum indenizatório. Não existe o ato ilícito sem dano. O dano é ofensa a um bem jurídico. Pode ser patrimonial ou material, ou ainda, simplesmente extrapatrimonial ou moral.
O dano moral doutrinariamente é consagrado inclusive dentro do direito positivo nacional, onde é nítida a distinção e independência do dano moral e do dano patrimonial.A priori, a identificação do dano moral se faz por exclusão daí, denominar-se extrapatrimonial em franca contraposição ao dano patrimonial, ou como prefere Aguiar Dias, já alcunhado por alguns como o “pai da responsabilidade civil brasileira”, “quando o dano não corresponde às características de dano patrimonial”.
Pontes de Miranda com seu eruditismo habitual aduz que o dano não-patrimonial é o que é, só atingindo o devedor, como ser humano, não lhe atinge o patrimônio.
A expressão dano moral bem como a expressão germânica schmerzengeld (dinheiro de dor) tem concorrido para sérias confusões acadêmicas. Alguns utilizaram-na em sentido amplíssimo significando dano à normalidade da vida. E, finalmente, há o senso estrito de dano, que é o dano à reputação, a fama, ao bom nome social da vítima.(Tratado de Direito Privado, XXVI, §3.107, p.30-31).
A rigor, pondera Orlando Gomes não existe mesmo dano moral, pois por definição dano é lesão patrimonial de alguém que o sofre contra sua vontade. A eqüidade justifica plenamente a inclusão do dano extrapatrimonial bem ao lado do dano patrimonial. Parece-me que a terminologia mais adequada seria chamá-lo de extramaterial.
Cumpre distinguir a bom tempo, a lesão ao direito personalíssimo que repercute no patrimônio da que não repercute. O atentado ao direito à honra e à boa fama de alguém pode determinar prejuízos na ordem patrimonial do ofendido ou cause-lhe apenas sofrimento moral. A expressão dano moral deve ser utilizada somente para definir agravo que não produz qualquer efeito patrimonial.
Se há danos ao patrimônio ainda que por mera reflexão, o dano deixa de ser extrapatrimonial. E define com contundência Orlando Gomes que dano moral é, portanto, o constrangimento experimentado pela vítima em função de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem.
No passado o referido dano moral já enfrentou ferrenhos opositores que se fulcravam em bons argumentos para seu não reconhecimento: a saber, primeiro o de que a dor não admite compensação pecuniária; segundo, da impossibilidade de se aquinhoar o dano moral (ou o pretium doloris – o preço da dor).
A compensação do dano moral possui assim dupla função; a de expiação e a de satisfação em relação à vítima. Apesar de contestarem seu caráter puramente expiatório, sublinhando mais que sua finalidade não é acarretar perda patrimonial do culpado e, sim efetivamente proporcionar vantagem ao ofendido.
Face ao dano moral não se dá propriamente o ressarcimento em sua acepção técnica-jurídica pois o direito de reclamar a compensação caduca se a ofensa desaparece. A reparação do dano moral é admitida em algumas legislações e podem ser qualificadas em dois grupos: no primeiro grupo situam-se as legislações que prevê norma genérica, com força de princípio. O Código de Obrigações suíço filiou-se a esse primeiro grupo.
Já o segundo grupo, enquadram-se as codificações que só permitem a reparação do dano moral nos casos expressamente previstos (numerus clausus). Tal orientação foi seguida pelo Código Civil alemão, pelo Código de Obrigações da Polônia e ainda pelo italiano. Outros, finalmente, silenciam completamente, sem conter qualquer dispositivo alusivo ao dano moral.
O Código Civil de 1916 era omisso, embora Clóvis Beviláqua, Eduardo Espínola, Hermenengildo de Barros, Aguiar Dias, Wilson Melo da Silva entendessem pelo reconhecimento do dano moral e sua respectiva compensação.
Não é fácil a determinação do nexo causal, e se esforça muito a doutrina diante da hipótese de ocorrerem causas sucessivas e/ou simultâneas. Sem dúvida, importa investigar o fato determinante do dano, quando concorrem várias causas, sucessiva ou simultaneamente.
A doutrina se divide em três critérios:primeiro, pela equivalência das condições; segundo da causalidade adequada e a terceira o da causalidade imediata.
Pela equivalência das causas temos que qualquer dos fatos pode ser considerado como hábil e eficiente a causar o dano. Não é necessário que o dano seja conseqüência forçosa e imediata do fato que concorreu para a produção do dano. Basta ser condição sine qua non para produção do dano, para o efeito de ser considerado como suficiente para causar o dano.
Já pelo critério da causalidade adequada, verifica-se qual é a causa idônea e que propõe a inevitabilidade do dano. É o caso de quem em virtude de lesão corporal e, após a internação hospitalar vem a falecer em decorrência de infecção hospitalar.
Se ao contrário, o dano advém de efeitos ou circunstâncias extraordinárias, que escapam à experiência corrente, não há causalidade. O ato deve, em abstrato, ser a condição essencial para se realizar o dano.
Pela causalidade adequada, considera-se causa do dano o fato do qual deriva mais proximamente, tem sido essa teoria utilizada os litígios da responsabilidade contratual.O requisito da imediatez permite que se excluam os danos indiretos, remotos conforme consigna Pothier. O nexo causal se estabelece entre o dano e o fato que foi sua causa necessária, ou seja, direta.
Antunes Varela opina de que o Código Civil pátrio optou pelo critério da causalidade adequada, não contrariando essa tese o disposto do art. 1.060 do C.C. de 1916 hoje reproduzido no art. 403 do Código Civil de 2002.
A regra pode ser aplicada à indenização do dano proveniente do ato ilícito e, portanto à responsabilidade extracontratual, apesar de sua não- literalidade. O fato danoso pode ainda derivar do exercício de direito, mas pode gerar também responsabilidade se caracterizar situações definidas pela teoria do abuso de direito.
Ademais, há certa classe de pessoas, a quem a lei impõe deveres especiais, como o de: vigilância, custódia, guarda e controle. È a infração de tais deveres que determina a responsabilidade por fato danoso causado por indivíduos ou coisas que estão adstritos a sua guarda.
De qualquer modo, no Direito Civil brasileiro prevalece a atipicidade dos atos ilícitos. Para delimitarmos o conceito de ato ilícito, precisamos delimitar o conceito de violação de direito.No ordenamento jurídico a proteção de direitos absolutos como o direito à vida, à integridade física, à honra (direitos da personalidade), o direito de propriedade. A proteção desses direitos absolutos ocorre independentemente da relação jurídica determinada em face de alguém.
Qualquer lesão a um desses direitos configura o ato ilícito, justificando o pedido de reparação pelos danos sofridos. A linha divisória entre o lícito e o ilícito nas condutas humanas depende da valoração dos interesses em jogo, bem como o princípio da utilidade pública para, por exemplo, delimitar a concorrência leal (dentro das regras do jogo) em relação à concorrência desleal; ao estabelecer os limites da liberdade da imprensa em face dos direitos da personalidade (honra, privacidade, imagem, etc).
Deve o ordenamento jurídico decidir diante de um dano, se o lesado deve suportar o dano sofrido, como uma conseqüência inevitável de nossa sociedade, ou, ao contrário deve ser ressarcido e, em tal caso, por quem.
O ato ilícito é um simples corolário do princípio neminem laedere. E bem, ao lado dos contratos e dos atos unilaterais de vontade está o ato ilícito como fonte de obrigações. E via de regra, a obrigação de repara o dano significa uma obrigação de dar que tem por objeto o pagamento de certa soma de numerário, representando a equivalência monetária do dano sofrido.
Também é possível surgir o ressarcimento em virtude de contrato, no caso de inadimplemento de uma das partes (art. 389 do C.C.). A principal fonte da obrigação de ressarcir é o ato ilícito extracontratual que surge em função de lesão a um interesse tutelado pelo ordenamento jurídico, do qual deriva prejuízo para o lesado.
Em se tratando de contratos benéficos responde o agente por simples culpa o contraente a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Entretanto, nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo exceções previstas em lei no art. 392 do C.C.
É o caso do desforço imediato que visa a defesa legítima do direito de propriedade, em face do esbulho. Desde que o titular do direito esteja respondendo a agressão atual ou iminente e injusta, e que empregue meios moderados (conforme o art. 25 do C.P.), não há ilicitude do ato.
No estado de necessidade que se configura com a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente (não confundir com o estado de perigo que é defeito do negócio jurídico).É bastante restrita a possibilidade do ofensor em estado de necessidade eximir-se da responsabilidade de indenizar, pois a escusabilidade do estado de necessidade sofre as restrições dos arts. 929 e 930
No estado de necessidade sempre há o sacrifício do direito de uma pessoa para salvar o de outra do perigo de se perder. Mas, para operar a exclusão da ilicitude, o ato de remoção do perigo deve ser necessário e não pode exceder aos limites do indispensável para atingir esse objetivo.
Não se exige que seja que o valor ameaçado seja inferior ao salvaguardado. Quando, porém o direito sacrificado refere-se à lesão em pessoa, pode configurar-se a ilicitude se o bem exposto a perigo era uma coisa. O dano causado em estado de necessidade não isenta seu causador, mesmo que tenha sido absolvido na esfera criminal, é o que deduz de boa parte da jurisprudência.
Quem pratica ato ilícito deve indenizar o dano a que der causa (responsabilidade civil fundada em culpa própria). Mas também, se imputa, em alguns casos, a obrigação de indenizar a quem praticou atos lícitos (responsabilidade objetiva).
O art. 188 do Código Civil de 2002 faz remissão forçosa aos arts. 23 a 25 do Código Penal Brasileira. É possível que mesmo a conduta lícita cause dano a outrem, é quando estaremos no campo da exclusão de ilicitude. São hipóteses albergadas no direito pátrio: A) a legítima defesa; b) estado de necessidade; c) exercício regular do direito; d) consentimento do ofendido.
A legítima defesa é uma das formas de autotutela consistindo uma exceção ao princípio que ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos. É admitida em casos expressos e taxativos em que a lei admite que o próprio titular do direito subjetivo o defenda pessoalmente e diretamente, sem recorrer à prestação jurisdicional. Inclui o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta, atual ou iminente agressão, a direito seu ou de outrem.
Questão vexata em doutrina é saber se aquele que se encontra em legítima defesa deve ou não ressarcir o dano que porventura ocasionou a terceiro. O excesso da legítima defesa está previsto como indenizável.
Alguns defendem que na legítima defesa, não vige o dever de indenizar, tal como se dá no estado de necessidade. Outros doutrinadores, no entanto, alegam que se a agressão ocorreu contra o agressor, não há o devedor de indenizar, mas se por qualquer motivo vier a atingir a terceiro que não o agressor, cabe o dever de indenizar.
Convém ressaltar que a legítima defesa putativa não é causa excludente de dever de indenizar. O estado de necessidade é conceito bem identificado no art. 24 do CP e seus requisitos são:
a) que a situação de perigo não tenha sido provocada pelo necessitado;
b) que o mal causado seja maior do que aquele que se pretende evitar;
c) que as circunstâncias tenham tornado a reação absolutamente necessária;
d) que a reação não exceda aos limites do indispensável para remoção do referido perigo.
e) que não exista, por parte do necessitado, o dever de enfrentar o perigo.
Não há unanimidade na doutrina se os danos devem ser indenizados pelos agentes que se encontrava em estado de necessidade. Esclarece o novo codex civil que a lesão pode ser dirigida tanto à coisa alheia como também à pessoa.
O consentimento do ofendido apesar de não expressamente elencado no direito positivo também opera a causa de exclusão de responsabilidade, desde que incidente em direitos disponíveis. É evidente sobre direitos personalíssimos e indisponíveis o consentimento será irrelevante.É discutível se poderíamos incluir aí o caso a permissão dos participantes do Big Brother Brasil (reality-show).
Todavia, há direitos de personalidade que admitem o consentimento. É o caso exemplificado por José Maria Leoni Lopes de Oliveira, da mulher que anuiu a ser fotografada nua para certe revista. Não há de se cogitar em violação ao direito de intimidade ou à imagem.
É a interrupção do nexo de causalidade que justifica a existência da causas de exclusão de responsabilidade civil que ocorre no caso de culpa exclusiva de vítima, caso fortuito ou de força maior.
A maior parte da doutrina não distingue entre caso fortuito e força maior, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (conforme o parágrafo único do art. 393 do C.C.). Também o Código Civil atribui os mesmos efeitos tanto ao caso fortuito como o de força maior, equiparando-os, mas prevê uma exceção no caso de ilícito contratual se o devedor estiver em mora.
Carvalho de Mendonça ensina que, no Direito Romano, o fortuito caracteriza-se pela imprevisibilidade, ao passo que o caso de força maior tinha por traço a invencibilidade.
Havia, pois distinção entre as duas figuras, conquanto fossem sempre enumeradas em conjunto. Segundo o doutrinador, a lei pátria também a distingue.Caso fortuito seria o fato previsível. Envolveria um elemento subjetivo: a não-imputabilidade ao devedor; e outro objetivo: a impossibilidade de cumprimento da obrigação, e seria mais amplo que a força maior, compreendendo-a como gênero compreende a espécie.(Doutrina e Prática das Obrigações, pp.36-37).
Para estabelecer a identidade entre o fortuito e força maior, torna-se necessário conceitua-los, onde se contrapõem as teorias objetiva e subjetiva. A primeira delas, equipara-os à ausência de culpa, ou seja, dar-se-ia o fortuito sempre que a inexecução não se pudesse imputar ao devedor.
Critica-se tal concepção, pois redundaria na realidade, na inutilidade do conceito, além de promover a exoneração do devedor pela impossibilidade meramente relativa, se não-culposa. Já para a corrente objetiva, a característica essencial do fortuito recai sobre a sua inevitabilidade (Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso fortuito, pp. 80 e 133). Insere-se, pois, nessa acepção, o fato irresistível que impede o cumprimento da obrigação (fato do príncipe).
Arnoldo Medeiros da Fonseca sustenta, que são dois os elementos componentes do caso fortuito: um objetivo, qual seja, a inevitabilidade, traduzida na impossibilidade de superar o acontecimento, e entendida como absoluta, sem quaisquer considerações acerca das condições pessoais do devedor, porém apreciada em concreto, isto é, à luz das circunstâncias em que o obrigado se viu envolvido; e outro subjetivo, referente à ausência de culpa.
A ausência de culpa, conclui o citado autor, é, portanto, gênero do qual o fortuito é espécie. Exige-se também que o evento seja inevitável. São dois os requisitos do fortuito, como condição de liberação do devedor: a necessidade, como resulta claro do texto do parágrafo único do art. 393 C.C., uma vez que só exclui a responsabilidade o fato do qual a inexecução seja resultado obrigatório; a inevitabilidade (Caio Mário da Silva Pereira).
Têm os autores concluído que a imprevisibilidade não se exige. Esta é tomada em consideração não como requisito autônomo, mas na medida em que o evento imprevisível mostra-se por isso mesmo, inevitável (neste sentido: Caio Mário da Silva, e Arnoldo Medeiros de Fonseca; Em sentido contrário: Sérgio Cavalieri Filho, que entende ser este traço diferenciador entre o fortuito e a força maior, e Darcy Bessone).
Pode-se definir ato ilícito em função do direito positivo ou subjetivo. Ulhoa alega que quando a conseqüência prevista para ato jurídico é a punição do sujeito que o pratica, então este, se praticado, é ilícito.
O ato ilícito tem sido referido como contrário ao direito ou contra a ordem pública. Mas essas fórmulas embora correntes são imprecisas. E submete-se a sanções que são de três tipos: as penais, as administrativas e as civis.
Ilícito e ilicitude redundam em conceitos generalistas e abrangem não só conceitos do direito privado, mas também os fundamentos do direito público.O ato ilícito é aquele que a norma jurídica descreve como pressuposto de uma sanção que pode ser civil (normalmente, a indenização dos danos), penal (normalmente, a perda da liberdade ou a prestação de serviços à comunidade) ou administrativa (normalmente, multa).
O ato ilícito é definido pelo critério de contraposição ao direito subjetivo, que é a opção adotada pelo Código Civil em seu art. 186. Consagra que será ilícita a conduta que desrespeita o direito titularizado por outrem.
Identificamos elementos próprios do conceito de ato ilícito adotado pelo direito positivo pátrio a culpa e o dano, e nesse sentido, recomendo a leitura de meu artigo intitulado “Culpa e dano”.
Lembrando sempre que a culpa em sentido lato engloba também o dolo, e ainda acepção estrita que contém a negligência, imprudência e a imperícia.
Exemplifica Ulhoa que comete ilícito e se submete à obrigação de indenizar quem divulga sobre determinada pessoa, quando esta a desejava manter reservada, viola o direito à privacidade e causa-lhe dano extrapatrimonial. Quem mata um filho, causa aos pais danos tanto patrimoniais como simultaneamente extrapatrimoniais (a dor da perda de um descendente).
Sinteticamente podemos relacionar nítidas fases pelas quais passou a teoria da responsabilidade civil que fora pouco a pouco suavizando o rigor de se exigir a prova de culpa do agente até desembocar na teoria do risco, como última etapa da evolução:
1a. Procurou-se facilitar a prova da culpa, jurisprudencialmente passou-se a examinar combenignidade a prova de culpa produzida apela vítima, extraindo-a de circunstâncias do fato e de outros elementos identificáveis;
2a. Admissão da teoria do abuso do direito como to ilícito; a jurisprudência e, mormente o Código Civil de 2002 passou a responsabilizar pessoas que abusavam de seu direito, desatendendo À finalidade social para a qual foi criado, lesando a terceiro;
3a. Estabelecendo de hipóteses de presunção de culpa (Súmula 341 do STF) e dispositivos do CDC e lei sobre a responsabilidade de estradas de ferro, e, nesses casos, sempre invertem o ônus da prova, favorecendo processualmente a situação da vítima.
Para livrar-se da presunção de culpa, o causador da lesão patrimonial ou moral é que teria de produzir prova de inexistência de culpa ou de caso fortuito. Mais adiante, no direito francês acabou-se por admitir na responsabilidade complexa por fato das coisas, a chamada teoria da culpa na guarda, que inicialmente era apenas aceita por presunção juris tantum de culpa por parte do agente, presunção essa vencível e que posteriormente, evolui, sob o ensinamento doutrinário de Aubry e Rau, para a presunção juris et jure, irrefragável. E então se começou a pisar efetivamente no território do risco.
Na quarta fase, ocorre admissão de maior número de casos de responsabilidade contratual (principalmente sobre os transportes em geral) que favorecem a vítima no tocante à prova e, em face do inadimplemento contratual.
Na quinta e derradeira fase é quando se dá adoção da teoria do risco quando não se cogita mais em culpa, bastando prova da relação de causalidade entre a conduta e o dano.
Duas perguntas permeiam a maiêutica da responsabilidade civil: quem deverá ressarcir pelo dano? E como se recomporá o status quo ante e a indenização do dano?
As implicações da responsabilidade não são fenômeno exclusivo e particular da ciência jurídica, mas de todos os domínios da vida social. Não à toa Josserand alardeava ser a responsabilidade civil a “grande vedete do direito civil”, na verdade, como absorve vários diferentes ramos do Direito, realmente pertence à Teoria Geral do Direito, embora sofra adaptações conforme seja aplicável ao direito público ou direito privado, no entanto, seus princípios basilares, fundamento e o regime jurídico os mesmos, só ocorrendo diferenciação concernente às matérias.
É natural que seja um território de acirradas batalhas doutrinárias ou filosóficas tendo em vista o campo ilimitado de aplicação da responsabilidade civil, o que tona a temática de difícil sistematização.
Orlando Gomes, com sua natural perspicácia baiana, enfoca que os fatos antijurídicos se distinguem conforme o modo pelo qual se manifesta em desconformidade entre o ato e a norma. A referida desconformidade se apresenta como pura e simples inobservância de preceitos ordenatórios do ato jurídico do agente, ora como violação de normas assecuratórias de direitos universais, ora como antijuridicidade qualificada em razão do desfavor da lei por motivo de política legislativa.
A desconformidade pura da lei traduz-se em desobediência à lei para a validade do ato. Lembremos que o mestre baiano sagazmente ensina que a ordem jurídica reage, decretando o ato como nulo, e, ipso facto, negando-lhe eficácia.
No entanto, é bem diferente quando ocorre a violação promovida pelo ato infringente resultando dano à outra pessoa. Pois a referida violação implica em lesão, surgindo a obrigação de reparar o dano para quem o produziu. Esse é o domínio da ilicitude que é um dos aspectos mais relevantes da antijuridicidade.
Os fatos antijurídicos não se esgotam apenas nas espécies de antijuridicidade subjetiva. Existem situações que consideradas pela lei, resultantes de fatos jurídicos “stricto sensu” ou de atos jurídicos. Como, por exemplo, um acontecimento natural, tal como a avulsão ou qualquer ato resultante de dano sem culpa do agente. Cogita-se, nessa hipótese de antijuridicidade objetiva.
Mas a antijuridicidade subjetiva difere cabalmente da antijuridicidade objetiva. Assim para que esta se configure é necessário que o ato seja imputável ao agente. Já antijuridicidade objetiva, é irrelevante o comportamento do agente, ademais pode ser provocada por um fato stricto sensu, enquanto que a antijuridicidade subjetiva é sempre conseqüência de um ato voluntário.
O conhecimento desses diversos aspectos da antijuridicidade é indispensável à perfeita caracterização do ato ilícito. Pelo confronto, delimita-se, com maior firmeza, o campo da ilicitude. Ato ilícito, portanto, é necessariamente uma ação humana. A norma violada pelo agente há de ser das que conferem direitos absolutos e unilaterais.
Deste modo, temos o agente infrator como devedor, e a vítima do dano como credor, mas o ato ilícito delineia uma obrigação que não é contraída voluntariamente como a de quem contrata, por exemplo.
A feição atual sobre a configuração externa do ato ilícito, significando sanção pertinente a quem o comete é a indenização que outrora no Direito romano em sua fase primitiva se apresentava como vingança privada, vindo mais tarde mesmo a patrimonialização dessa pena não atingiu o refinamento conceitual da indenização. De forma que o pagamento devido do agente conservou o caráter de multa privada ajustada entre as partes. E devida a essa natureza, não se permitia à generalização da regra.
A partir, porém, da Lex Aquilia iniciou-se a tendência para generalização com fundamento atinente ao damnum injuria datum, que regulava, de início, a responsabilidade daquele que, sem direito ou escusa legal, causasse dano à propriedade alheia. Bem mais tarde, alargou o pretor a aplicabilidade da norma, atingindo mesmo quando o dano fosse causado corpori.
A Lei Aquilia teria introduzido o elemento culpa como fundamento da responsabilidade, sendo assim elemento estrutural do delito civil, mas apesar de grandes progressos o direito romano não construiu uma teoria geral de responsabilidade.
Aliás, a teoria geral da responsabilidade é fruto do Código de Napoleão e, mais particularmente de seu art. 1.382, firmando a regra geral de que fica obrigado a reparar o dano àquele que o causar por sua culpa.
O ato ilícito como fonte de obrigações, assim o é em face da lei que em última análise, e contra a vontade do agente o faz sujeito passivo, ou seja, devedor, da obrigação, impondo-lhe o dever de prestar indenização à vítima.
Nem todo ato infringente da lei é ilícito, e Ferrara apud Orlando Gomes aponta a doação entre cônjuges como exemplo. É mister que o ato resulto prejuízo para alguém. Mas não é ilícito apenas quando cause dano, mas sempre que expresse certa conduta, independentemente de qualquer conseqüência a outrem. Não se pode confundir fato ilícito com fato danoso. Existem fatos que causam prejuízo a outrem, mas não são ilícitos.
O dever de indenizar surge mesmo quando não haja o cometimento de ato ilícito, tal particularidade se expressa melhor na chamada responsabilidade objetiva. Cumpre esclarecer, afinal, que a ação antijurídica consista em violação de um direito personalíssimo de outrem e do direito de propriedade (que compreendem os da personalidade e os direitos reais). A configuração do ato ilícito corresponde à lesão de um direito absoluto, isto é, um direito que todos devem respeitar, como a vida, a liberdade, a saúde e a honra.
Toda lesão culposa de um desses direitos subjetivos obriga aquele que praticou a indenizar suas conseqüências patrimoniais, configurando ato ilícito stricto sensu. Mas o conceito de ato ilícito não se circunscreve a tais violações.
Além desses, o Código alemão (BGB) qualifica como civilmente delituosos os atos que constituem violação das disposições legais de proteção e ainda os praticados contra os bons costumes, dos quais resultem dano a outrem. Ouro fator, é que sem culpa, não há ato ilícito. E nesse caso o elemento culpa refere-se tanto ao dolo quanto à culpa inserida pela negligência, imprudência ou imperícia.
Outra distinção preciosa é que não se deve confundir o dever de indenizar (uma conseqüência legal doa to ilícito) com o conceito deste próprio. Uma coisa é ser obrigado a pagar indenização, outra é atribuir a alguém ato ilícito.
Consigna Orlando Gomes, que o ato ilícito é a ação ou omissão culposa, pela qual, lesando alguém direito absoluto de outrem ou determinados interesses especialmente protegidos, fica obrigado a reparar o dano causado. Em síntese, um comportamento antijurídico de efeitos previsto em lei, uma reação da ordem jurídica contra os que violam normas de tutela de direitos existentes independentemente de qualquer relação jurídica anteriormente existente entre agente e vítima.
Resume Orlando Gomes que o elemento material ou objetivo do ato ilícito é o dano e, o elemento subjetivo é a culpa e devem estar vinculados por nexo causal. O ilícito civil só adquire substância se é fato danoso.Se há infração das regras de trânsito, mas daí não defluir qualquer prejuízo, apesar de antijurídico, não comete ilícito civil.
A ofensa injusta ao direito de outrem (injúria na acepção civilista) é, indispensável à sua configuração. Na lição de Chironi em duas idéias se desdobra o conceito de ato ilícito: a exterioridade da violação (fato material, positivo ou negativo); a lesão do direito alheio.
De resto, o fato danoso deve ser voluntário, como alude Antunes Varela, necessário que sendo o que quisesse ou soubesse das suas conseqüências. Desta forma, a omissão pode ser causa de dano indenizável, se havia obrigação de agir.
O delito civil está unificado na figura do ato ilícito. Não mais se justifica a distinção entre delito e quase-delito. Pouco importa se o ato ilícito era doloso ou culposo, pois seu efeito jurídico é o mesmo. O delito civil importa na infração de norma que tutela interesse privada e a sanção impõe ao transgressor a restituição da integridade do direito lesado, consistindo no dever de reparar o dano causado.
Apesar de toda independência entre responsabilidade civil e responsabilidade criminal, quando a sentença criminal condenada é inexorável sua influência sobre a ação civil que busca a reparação indenizatória, é obviamente peremptória. A própria sentença servirá de título executivo judicial que pode ser liquidado na jurisdição civil. Nesse particular é salutar a consulta a Adroaldo Furtado Fabrício e, ainda Araken de Assis. No fundo a ordem jurídica ao tecer a responsabilidade civil pretende concluir e assumir pretende assumir duplo sentido:proteger o lícito e reprimir o ilícito.