Crime militar - Furto de uso
O crime de furto de uso encontra-se capitulado no art. 241 do Código Penal Militar, inserido no título V, que trata dos crimes contra o patrimônio. A expressão patrimônio mencionada no título é referente ao patrimônio pertencente às Forças Armadas, ou Forças Auxiliares, Polícia Militar e Corpos de Bombeiro Militar.
O vigente texto constitucional colocou um término a discussão quanto ao alcance da expressão militar. Atualmente, existem duas categorias de militares, os militares das Forças Armadas, e os militares das Forças Auxiliares.
O furto de uso poderá ocorrer se um militar, estadual ou federal, agindo de forma dolosa, intenção livre e consciente de praticar o ato, subtrair para si com o intuito de uso momentâneo de um bem, coisa móvel, pertencente à Administração Pública Militar ou a um outro militar.
Para se caracterizar o furto de uso, que não possui previsão no Código Penal Comum, é necessário que o infrator não tenha por objetivo ter a res de forma definitiva, caso contrário será enquadrado no tipo penal previsto no art. 240, caput, do Código Penal Militar, furto simples, ou furto qualificado, § 1º e § 2 º, do art. 240, ambos do Código Penal Militar.
Segundo Celso Delmanto, o furto de uso não configura crime no Código Penal, sendo este entendimento compartilhado por Damásio E. de Jesus e Heleno Cláudio Fragoso.[1] No Direito Penal, não se admite analogia em desfavor do acusado, o que impede em respeito ao princípio da legalidade que o crime de uso seja considerado como ilícito.
O furto de uso exige em seu tipo penal que a res seja restituída imediatamente após o uso, ou reposta no lugar onde se achava, caso contrário o infrator poderá responder por um outro tipo penal.
A pena neste ilícito poderá ser aumentada, causas de aumento, se a coisa usada é veículo motorizado, em decorrência da importância que possui para a realização de tarefas, ou se um animal de sela ou de tiro. No Exército Brasileiro, existem os animais que são utilizados pelo Regimento de Cavalaria, e mesmo aqueles que integram a força para a realização de suas atividades nos mais distantes rincões do país.
O sujeito ativo deste crime a princípio é o militar, federal ou estadual. O civil também poderá praticá-lo desde que o fato ocorra em lugar sujeito a Administração Pública Militar Federal ou na forma do disposto no art. 9 º, incisos II e III do Código Penal Militar. No caso das Forças Auxiliares, o civil não fica sujeito a este tipo penal em atendimento ao disposto no art. 125, § 4º, da CF.
A Constituição Federal vedou expressamente o julgamento de civis perante a Justiça Militar Estadual. Se um civil praticar um crime de furto no interior de uma Organização Policial Militar ou mesmo um crime de lesão corporal não será julgado perante a Justiça Militar. Caberá conforme ensina a doutrina ao Ministério Público Estadual denunciar o acusado pela prática do ilícito mas com fundamento no Código Penal Comum. O legislador constituinte apenas permitiu o julgamento de civis perante a Justiça Militar no caso de crimes praticados contras às Forças Armadas na forma do disposto no art. 9 º do Código Penal Militar.
Se um civil for denunciado pelo Ministério Público perante a Justiça Militar Estadual, o auditor militar deverá rejeitar a denúncia com fundamento na Constituição Federal. Caso a denúncia seja recebida, o acusado poderá impetrar um habeas corpus para trancamento da ação penal por incompetência absoluta do juízo, com precedentes do Supremo Tribunal Federal.
O sujeito passivo deste ilícito é a Administração Pública Militar que tem como fundamento a hierarquia e a disciplina, punindo qualquer desvio de conduta do militar, que possa influir no exercício de suas funções. O sujeito passivo mediato é o militar lesado, possuidor ou detentor da res.
A ação penal é pública incondicionada não se admitindo nem mesmo nos crimes contra a honra a ação penal privada. Nos crimes militares, a regra é que as ações penais sejam públicas incondicionadas, e excepcionalmente públicas condicionadas a requisição. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a doutrina tem admitido no caso de desídia do Ministério Público o cabimento da ação penal privada subsidiária da pública. Na Justiça Militar Estadual, o órgão titular da ação penal é o Ministério Público Estadual, não existindo uma carreira específica de promotor militar. Na Justiça Federal, a competência é do Ministério Público Militar, órgão previsto na Lei Orgânica do Ministério Público da União, em atendimento a Lei Complementar n º 75/93.
Na lição de Mário Olímpio Gomes dos Santos para que o crime de furto, art. 240 e seguintes do CPM, que também possui previsão no Código Penal, Decreto-lei n º 2.848 de 7 de dezembro de 1940, art. 155 e seguintes, seja considerado militar é preciso a ocorrência das circunstâncias previstas nos incisos II e III do art. 9 º, do Código Militar.[2]
Segundo o autor estas circunstâncias são as seguintes. 1. Se o agente for militar da ativa, a conduta deverá ser praticada : a) contra militar da ativa, em qualquer lugar; b) contra militar da reserva, reformado ou civil, em local sujeito à administração militar; c) contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; d) estando ele de serviço, ou atuando em razão da função, ou então em formatura ou em manobras. 2. Se o agente for militar da reserva, reformado ou civil, a conduta deverá ser praticada contra : a) militar da ativa, em formatura ou em serviço (prontidão, exercício, acampamento, acantonamento, manobras); b) militar da ativa ou funcionário da Justiça Militar ou de Ministério Militar, no exercício da função, em lugar sujeito à administração militar; c) militar da ativa, em serviço ou no exercício de função militar, em qualquer lugar; d) as instituições militares, o patrimônio sob a administração militar ou a ordem administrativa militar.[3]
O Código Penal Militar prevê para o crime de furto de uso a pena de detenção de até seis meses, o que significa que o acusado poderá ser condenado a uma pena mínima de 1 mês, ou a uma pena máxima de 6 meses, que deverá ser cumprida em estabelecimento militar. Segundo o CPM, nos crimes apenados com detenção a pena mínima é de 30 (trinta) dias e máxima de 10 (dez) anos, art. 58 do COM
Na falta de estabelecimento militar, o condenado poderá cumprir a pena em estabelecimento comum, o que não é recomendável, ficando sujeito as regras estabelecidas na Lei Federal 7.210/84, inclusive com direito ao regime de progressão de penas na forma estabelecida pela Lei de Execução Penal.
No Estado de Minas Gerais, ainda não foi instituído um Presídio Militar a semelhança do que existe no Estado de São Paulo, Presídio Militar Romão Gomes. Naquele Estado, os militares condenados ou que estejam em prisão cautelar permanecem nas Unidades Militares em locais destinado a prisão dos militares, que são semelhantes a unidades carcerárias espalhadas pelo Brasil.
Segundo os estudos que tem sido realizados por especialistas, o ideal é que o preso militar não fique encarcerado em uma Unidade Militar, mas sim em um presídio militar. Mas, infelizmente, as mudanças não dependem dos estudiosos, mas sim de vontade política, o que se aplicam a todo o sistema penitenciário brasileiro.
Referências Bibliográticas
[1]DELMANTO, Celso, Delmanto, Roberto, Delmanto Júnior, Roberto. Código Penal Comentado. 4 ª ed. Rio de Janeiro : Editora Renovar, 1998, p. 295.
[2]SANTOS, Mário Olímpio Gomes. Os Crimes Militares. Belo Horizonte : Revista de Estudos & Informações, n. 08, nov/01, p. 43.
[3]SANTOS, Mário Olímpio Gomes. Os Crimes Militares. Belo Horizonte : Revista de Estudos & Informações, n. 08, nov/01, p. 43.
Notas:
1. O artigo foi publicado originariamente no site Direito em Debate no mês de fevereiro de 2003;
2. Proibida a reprodução no todo ou em parte sem citar a fonte em atendimento a lei federal que cuida dos direitos autorais no Brasil.