A globalização alcança os seres humanos, seus problemas, diferenças e semelhanças, globalizando igualmente as violências numa escola refinada e inventiva. E tais violências envolvem tanto agressão física como omissões indiretas, resultado de negligência ou ignorância em relação aos outros.
A violência pertence à antropologia humana básica, e desde sempre ocupou o primeiro plano da humanidade. Basta reler os livros antigos, textos sacros e, particularmente a Bíblia para observar que a violência é uma das dimensões constitutivas da relação humana desde a origem do laço social.
Na dinâmica genérica dos encontros, sob o forte influxo da circulação de bens e pessoas, atestamos que a igualdade é um mito, e restou claro que a violência é uma cultura fundamental dessa nova humanidade globalizada, conectada e em emergência.
A violência política dos sistemas sociais, sob a tutela econômica do hipercapitalismo, onde os contrastes convivem em paralelo. As grandes tradições comuns que fundam o que era até hoje a humanidade entendem que as relações humanas como ligadas à cultura e à violência endêmica.
E esta ganho múltiplos aspectos ao longo da história, mas hoje, está globalmente mediatizada, sustentada e reivindicada em termos de guerras, ingerência, da política de civilização.
Atualmente, a economia funda-se na oferta e esta pode existir até mesmo sem a demanda, e demonstram os mais lúcidos economistas, que essa oferta não leva mais em conta a demanda ou então apenas a imagina.
No lugar da análise e dos efeitos da demanda põe-se a formatação, a construção de comportamentos de consumo, hábitos alimentares, sexuais, artísticos e fantasiosos em todos os domínios da sociedade.
Esse hipercapitalismo produziu o que chamamos de hiperindividualismo baseado em posses materiais e mentais. E, reafirma o imaginário no comando. Se bem que o hiperindividualismo é um pouco como o último estágio da escalada consumista e liberal da sociedade globalizada.
A lógica das classes determinava para a escola o lugar em que deveria estar, não longe dos pais, das instituições e do Estado, cada um desses ocupando um lugar na hierarquia: o Estado tinha o lugar que lhe cabia, e como testemunha e condutor da sociedade total, este mantinha a direção que a sociedade deveria ter. A escola assegurava a escolarização e aprendizagem elementares em massa.
Vivemos em sociedades do paradoxo, ou seja, em sociedades, nas quais se prescrevem as condutas. Privilegiam-se certos comportamentos, declarados corretos, sem que sua prática ou a valorização social desta decorrente sejam ressaltadas. Ao contrário, sancionam-se as falhas ou a ausência de sucesso. O fracasso é um erro de seleção pessoal.
O problema da escola atual bem como das instituições em geral da política moderna é poder prometer tudo, sem nada ter, pode-se literalmente fingir que se tem tudo e isso basta. De uma forma ou de outra, prometer é uma palavra mágica, demonstradora de intenção moral. Pois não é preciso ir à escola para ser bem-sucedido. Quem não já ouviu uma assertiva dessas?
É precisamente onde a falência afetiva da solidariedade que provocou a fuga paradoxal dos contatos interpessoais. Na escola verificam-se vários tipos de agressão direta ou indireta, chegando-se até, inclusive, a autoagressão, e todas as questões orbitam em torno do indivíduo, de sua aparência, de sua reputação, principalmente concernente a sua identidade.
Essas questões funcionam como gatilho de fenômenos violentos. O hábito é o cartão de visitas e o tênis da moda corresponde ao símbolo da superioridade entre os jovens. As sociedades condicionam o pensamento. A essas grandes épocas correspondem moldes específicos.
O indivíduo é, segundo Popper, o núcleo central e duro do sistema social, pois é a partir do indivíduo que o conjunto de motivações, de interesses sociais, de escolhas de vida, de destinos escolares pode ser imaginado e fantasiado.
Hoje se tem dificuldade em ver para que podem servir, por exemplo, todas as estruturas que estabelecem e mantêm o vínculo social. A escola conserva seu papel de formadora de hierarquia entre as classes sociais e esconde, de certo modo, a chave dos papéis sociais, que é ao mesmo tempo um segredo, mas um segredo de polichinelo (essa expressão designa aquilo que todos já sabem, o que deixou de ser segredo, que já é de conhecimento público apesar de alardeado como novidade).
Desta forma, a escola torna-se cada vez mais isolada, contestável e contestada. E com a retirada do Estado desse cenário, não se dão ou não se dão mais, os meios de pôr em ação esses vínculos transversais de socialização.
Em suma, nas sociedades paradoxais, não se dá mais tempo ao tempo. A dinâmica dos ritmos é assombrosa. Quanto mais breve, será melhor. Ensina-se por ensinar, educa-se por educar...
Torna-se a infância funcional, desde o nascimento. E, com isso, acredita-se em racionalizar a educação, indexando-a pela economia, mas se esquece de que a inteligência e o pensamento têm um jeito peculiar de progresso que depende tanto das subjetividades quanto das condições nas quais estas são exercidas.
O paradoxo é a esquizofrenia. Realmente, o projeto liberal ao extremo está por inteiro dominado pela figura do mercado, carregado de fantasias.
O material escolar necessário, e sejam motivados e atentos às lições, por que estes não conseguem aprender o esperado ou aprendem mal. O desejo deles não vem ao encontro dessa aprendizagem. Agredidos, revidam com a agressão que alimenta a hipótese que fazem sobre o resultado escolar: o problema é a escola, que não é boa, ou então do professor, que ensina mal.
Os pais lutarão para matricular seus filhos nas boas escolas, em que se encontram, forçosamente, a elite docente.
Nesse sentido é que se pode afirmar que a problemática do mercado dissemina-se, alcançando-se também as relações entre as crianças, adolescentes, nos grandes espaços de socialização da escola.
Podemos observar nos pátios escolares, na hora do recreio, e dos intervalos entre as aulas, nas redondezas das escolas e além destas, condenada nas salas de aula, é a dificuldade de promover a mediação, é a busca da confrontação direta, da dualidade mimética, simplesmente pelo prazer do espetáculo, pela aparência.
Com isso, também se observa a constituição (em uma imitação institucional) das tribos ou dos grupos estruturados a partir do capital, da popularidade, das relações de poder, da influência que alguns têm e podem negociar.
A escola renuncia lentamente à tarefa de educar, especializando-se, profissionalizando-se em seu comércio de saberes, na verdade, a escola deixa de educar e formar.
Durante a Segunda Guerra Mundial, concluímos que a condição humana é originalmente marcada pela fragilidade, é a neotenia o termo utilizado para tal condição, que nos diferencia dos animais.
O ser humano é um ser neotênico, ou seja, mal chegou a desenvolver-se minimamente, quase fetal. Todavia, a maior das inteligências poderá desenvolver-se nesse indivíduo inicialmente inacabado que cada um de nós é marcado, construído e programado pelo apego. A neotenia[1] e o apego são os componentes dessa fragilidade humana.
A cooperação, a ajuda mútua, o afeto, as relações fazer e sustentam uma vida atribuindo à existência e comunicando o que não se acha na sociedade de consumo, garantindo às pessoas uma identificação fundamentada em elementos sólidos, cuja lógica atravessa gerações. As identificações deveriam ser o fundamento da pedagogia da socialização. Nós somos feitos de outros.
Como efeito da globalização há a formação de mentalidades pelas mídias, de que modo se constitui a vitimização. Ocorre uma relação dual, em que não há alternativa dialética, mediação entre vítima e o carrasco.
Profundamente, podemos afirmar que a vítima servia para concentrar a destrutividade quase letal dessa sociedade insegura, sem que necessariamente isso atraísse a atenção dos adultos, pois todos tiram proveito da situação.
É claro que os alunos mais fortes, os líderes, que obviamente não se aceitam como carrascos, esquivam-se da situação complicada, assim como os adultos, tiram também dessas situações de violência um ganho de influência e de poder.
A violência é seletiva e as violências nas escolas são também regulações inconscientes e institucionalizadas das relações sociais. A sociedade civil sabe disso. O caráter de reciprocidade e de coletividade da violência legitima-a tornando-a uma forma de revide. Isso demonstra bem que a sociedade violenta constrói-se na exclusão das formas de mediação, na exclusão do terceiro.
Vivemos num mundo binário, segundo uma perspectiva que reduz tudo a comportamentos controláveis, em um processo de corte e costura que fabrica mentalidades acríticas.
Vivemos relações quase formatadas. A globalização é isso, uma metodologia que nada da vida cotidiana deixa ao acaso, submetendo essa cotidianidade inteiramente ao mercado.
Todos precisam ser ouvidos, compreendidos e amados, eis um dos benefícios da globalização, o ser humano mostra-se de uma vez. A violência, por sua vez, também se mostra, com inteligência. Mas, podemos resistir à globalização nos espaços que esta ocupa e nós não nos privaremos dessa possibilidade.
Precisamos do professor que se encontre na contracultura da violência. Não é o dono de um saber, mas promove o saber dos outros. É o professor de socialização e tutor do pensamento crítico.
Diante da globalização da violência, três grandes palavras de ordem são fáceis de memorizar:
I) Mediação (é preciso manter sempre mediações, desde a primeira infância, manter terceiros institucionais por meio de pessoas que, trabalhando nas instituições escolares, as que representem, ao lado dos pais, com os pais, entre os pais e a escola, entre a escola e a comunidade. A mediação é uma problemática educativa fundamental que toca na constituição simbólica da inteligência;
II) Proximidade ou aproximação(não resolveremos os problemas da escola sem estar próximo, apto à convivência social, trabalhar com as famílias, com os pais, o bairro, estar lá inteiramente, em lição permanente);
III) A especificidade: a escola continua a ser esse lugar em que se concentra parte fundamental do saber, onde se pode normalmente ouvir que há um "saber do saber", onde se pode aprender a aprender.
É necessário, então, simultaneamente além de continuar a concentrar saberes, torná-los lições para grande parte dos jovens.
A agressividade também pode ser metabolizada. A violência é uma patologia da agressividade. Não é possível dar conta dela sem aprender a dominar a relação entre segurança e insegurança que liga e desliga angústia e emoção na relação de conflito.
Esse é o momento em que se é capaz de fazer da agressividade uma dimensão intelectual de confronto, permanecendo nos limites da palavra, esse momento que não se encontra mais com tanta frequência na antropologia humana.
A violência é a cultura social da globalização. Refletimos pouco sobre o perigo dessa violência. Lembremos que eu sou o outro e nada sou sem o outro. Ou como dizia Pe. Antônio Vieira, o todo sem a parte, não é todo. E, a parte, sem o todo, não é parte.
[1] Neotenia é a retenção de características juvenis na forma adulta. A neotenia humana está relacionada à notável adaptabilidade nos tornando capazes, até mesmo na fase adulta, de se adaptar, de se adaptar a um amplo espectro de situações de vida, ao invés de nos especializar a um único nicho.
Por conta dessa plasticidade comportamental, e consequentemente nos adaptamos bem a qualquer ambiente da Terra.
Por conta dessa plasticidade comportamental, e consequentemente nos adaptamos bem a qualquer ambiente da Terra.