Analisar a relação existente entre o conhecimento e prática tem sido um desafio constante e cada vez mais contemporânea quando diante da dimensão tecnológica...
A tecnologia é um saber científico que é instituído e utilizado por diversos ramos da ciência aplicada.
Portanto, a tecnologia se traduz por ser um conjunto de conhecimentos especializados, de princípios científicos, que se aplicam a um certo ramo de atividade humana.
A base filosófica da prática nos sugere a adoção de outras racionalidades, além naturalmente da tecnológica, para se refletir a respeito das mediações entre conhecimento e prática.
Além da razão técnica, usa-se a racionalidade da práxis e da arte para se pensar essa relação.
O método analítico conceitual proposto para pensar a mediação entre a teoria e a prática considera, desta forma, que não há somente uma modalidade de razão. Há, pois, diferentes modalidades de razão que vêm sendo desenvolvidas pelo ser humano para lidar com a relação entre o conhecimento e sua aplicação prática.
O método analítico conceitual proposto para pensar a mediação entre a teoria e a prática considera, portanto, que não existe somente uma modalidade de razão. Diferentes modalidades de razão vêm sendo desenvolvidas pelo ser humano para lidar com a relação entre o conhecimento e sua aplicação prática.
Para o método analítico conceitual adotado, a potência compreensiva e operativa das várias racionalidades depende de sua adequação prática a cada processo singular.
Há alguns elementos que devem ser considerados para discriminar a adequação de certa racionalidade: a natureza e os atributos do objeto sobre o qual se age, objetivo da prática e complexidade do processo, o que inclui o papel mais ou menos reflexivo o objeto da ação é uma ação e se objetiva a produção de bens ou serviços materiais, concretos, em geral, a racionalidade tecnológica mostra-se adequada.
A razão tecnológica é a dominante do ponto de vista discursivo na sociedade moderna, tem seu fundamento na filosofia de René Descartes e na variedade de autores que resumem a razão à lógica formal, como é o caso do materialismo, do mecanicismo ou de diversas formas de positivismo.
A razão tecnológica imagina que o trabalho e as práticas humanas seriam regulados pelo saber previamente acumulado, de preferência consolidado como ciência. Opera com a redução máxima da autonomia do agente.
A razão de práxis é a lógica dialética que reconhece contradições, paradoxos e aporias, buscando orientar a ação humana a partir de sínteses construídas pelos autores envolvidos em cada processo.
Geralmente é mais adequada sempre quando o objeto com que se lida são relações humanas e o objetivo é agregar algum valor ao ser humano ou à sociedade: educação, saúde, justiça, etc.
A variabilidade dos casos e a complexidade do processo - práticas sociais e da subjetividade - dificultam a aplicação automática do saber prévio, exigindo-se, portanto, reflexão e criatividade do agente da prática.
A racionalidade artística objetiva valores estéticos e, a relação doa rtista com o conhecimento e os padrões instituídos, necessita ser a mais livre possível, uma vez que se espera a originalidade do produto resultante do labor artístico.
Destaque-se que estas três racionalidades não possuem conteúdos equivalentes. Tampouco são excludentes entre si. Distinguem-se exatamente pela maneira diversa como interferem no modo como os sujeitos lidam com relação entre o saber e o fazer...
Trata-se, contudo, de diferenças de escala. Sendo mesmo difícil precisar onde terminar a técnica e onde começa a práxis ou a arte. Esta escala se refere à maior ou menor possibilidade de aplicação automática ou mecânica do conhecimento no momento da prática.
Esclarece também sobre a maior ou menor autonomia do agente da prática para lidar com o conhecimento instituído, de sua maior ou menor capacidade de interferência durante o processo de trabalho ou em qualquer forma de ação orientada por algum conhecimento.
Na técnica, o automatismo é máximo; na práxis, intermediário e na arte, muito pequeno ou mesmo ausente.
Ilustra-se essa relação entre estes três termos fazendo analogia entre o normal e o patológico, ou o limite entre o normal e o patológico que por vezes se torna impreciso.
No entanto, isto não nos leva à continuidade de um normal e de um patológico idênticos em essência, salvo em relação as mudanças quantitativas e a uma relatividade da saúde e da doença bastante confusa.
Haveria um continuum entre as três modalidades de razão com que os seres humanos realizam a mediação entre o saber e o fazer, ainda quando tais variações de grau terminem por indicar as qualidades distintas em cada estilo de mediação.
Considere-se, entretanto, que a definição dos limites entre o modo tecnológico de lidar com a aplicação de conhecimento, ou da práxis ou do artístico é uma construção social, variável, portanto, conforme a época e o sujeito.
Para a razão tecnológica a única relação científica, e, portanto, segura e útil, entre o saber e o fazer seria a técnica. O uso de tecnologia apropriada indicaria a mediação virtuosa entre o saber e o fazer.
Muito frequentemente, tais modalidades contaminam as práticas típicas de outras áreas. É o caso de um trabalho artístico que poderá ser realizado obedecendo à razão tecnológica sempre quando o artista produzir obras em série, estritamente elaboradas a partir do padrão dominante.
No caso, haverá um sacrifício da originalidade em decorrência do baixo grau de invenção e de criatividade do sujeito.
Cabe ressaltar que a referida imprecisão de limites decorre também do fato de que na modalidade práxis e artística de saber-fazer há incorporação, em medidas variáveis, de técnicas.
Tanto a práxis como a arte, ao aplicar algum saber, utilizam tecnologias.
Assim, trata-se de um referencial ampliado para se pensar a relação entre o saber e o fazer. Esse mesmo referencial permite a análise de políticas, de modalidades de gestão e do trabalho em educação...
Kant estabeleceu algumas diferenças entre a “razão pura”, o conhecimento teórico, aquele que busca “o que há”, e a “razão prática”, pela qual se imagina e se constrói “o que deveria ser”.
Segundo esse filósofo, na razão prática o julgamento da adequabilidade da ação decorre também do cumprimento de alguma finalidade, sendo, portanto, ético.
Considero, apoiando-me em Kant, que na racionalidade da práxis, além do conhecimento acumulado, do saber sobre as tecnologias apropriadas, o agente deverá considerar, tanto na programação, quanto durante a execução da atividade, os objetivos de seu trabalho.
A consideração de valores éticos modifica e amplia a racionalidade técnica ao tomar como referência para agir tanto alguma teoria e seus desdobramentos tecnológicos, quanto um sistema de valores e de diretrizes ético-políticas.
Por exemplo, ao se adotar como objetivo e finalidade do trabalho clínico, além da saúde, o tema da construção de autonomia para o usuário, modifica-se radicalmente tanto o papel do profissional durante o processo de trabalho, quanto a composição de recursos tecnológicos a ser utilizada em dado projeto terapêutico.
Chamamos de práxis este fazer no qual o outro ou os outros são visados como seres autônomos [...].
Existe na práxis um por fazer, mas esse por fazer é específico: é precisamente o desenvolvimento da autonomia [...].
A práxis não pode ser reduzida a um esquema de fins e de meios [...] a práxis jamais pode reduzir a escolha de sua maneira de operar a um simples cálculo [...] a práxis é por certo, uma atividade consciente, só podendo existir na lucidez; mas ela é diferente da aplicação de um saber preliminar (não podendo justificar-se pela invocação de tal saber – o que não significa que ela não possa justificar-se).
Portanto, a hegemonia da racionalidade tecnológica, apesar da importância do desenvolvimento técnico, impõe alienação e perda de autonomia dos trabalhadores e às práticas sociais em geral.
O autocuidado deveria, tanto quanto o trabalho médico, organizar-se com base em evidências; almeja-se a subordinação dos estilos de vida da maioria a comportamentos definidos pela ciência e não em interação com valores, interesses e necessidades dos agrupamentos e indivíduos.
Aristóteles, em a Ética a Nicômaco, considera a existência de três modos de relação entre o conhecimento e a prática. Haveria a atividade técnica, a práxis e aquela puramente teórica.
O método analítico conceitual utilizado incorporou os dois primeiros conceitos e, com base na lógica do filósofo, incluiu também a racionalidade da arte como uma terceira possibilidade. Para esse autor, o saber fazer não se reduz à tecnologia.
Há campos de atividade humana em que o saber tecnológico, ainda que útil, é insuficiente para assegurar os objetivos almejados.
Atualmente afirma-se para garantir eficácia e eficiência a qualquer ação ou ao trabalho em particular.
A racionalidade tecnológica é suficiente naquelas atividades em que o saber instituído sob a forma de normas, padrões protocolos, serve como principal orientação para atividade do agente da prática.
Para a razão tecnológica, em qualquer circunstância, seja qual for o objeto trabalhado (coisa ou relações sociais), ou, seja lá qual for a complexidade do processo, seria possível e conveniente organizarem-se linhas de produção conduzidas pela norma ou padrão instituído, em que caberia ao trabalhador, além dos gestos conduzidos pela norma, a realização de ajustes sempre segundo a referência padronizada.
Os limites da racionalidade tecnológica ocorrem principalmente nas práticas sociais, em contextos em que a atividade ou o trabalho realiza-se mediante interação pessoal (intra, inter ou transpessoal).
No campo das práticas sociais a relação linear entre saber e fazer tem a eficácia comprometida. Aristóteles recomendava que nessas situações a racionalidade que comandaria a relação entre saber e prática seria a da práxis.
Ele cita três campos de atividades – a política, a ética (justiça) e a clínica - onde o pensar e o agir técnicos não seriam suficientes ao atendimento das finalidades básicas destas práticas.
Podemos, hoje, acrescentar a essa lista a pedagogia, a gestão, o cuidado e o autocuidado, a amizade, o lazer, práticas amorosas, entre outras.