Teoria da Cegueira Deliberada (quando se fecha os olhos para o ilícito)

Segundo a escritora Fabiana de Oliveira Coutinho em importante artigo publicado já em 2013¹, podemos conceituar a Teoria da Cegueira Deliberada da seguinte forma

Com origem norte-americana (willful blindness doctrine - traduzida para “doutrina da cegueira intencional”), a teoria da cegueira deliberada ou teoria do avestruz foi criada para situações em que o agente finge não conhecer a origem de bens, valores e direitos, com o intuito de auferir vantagens.

Sendo assim, para a aplicação de tal doutrina, mister que o agente tenha conhecimento da elevada possibilidade de que os bens, valores ou direitos sejam provenientes de crimes e que o agente tenha agido de modo indiferente a esse conhecimento. Pode-se afirmar, então, que a teoria visa punir àquele que se coloca, intencionalmente, em estado de desconhecimento ou ignorância, para não conhecer detalhadamente as circunstâncias fáticas de uma situação suspeita.

Em uma importante decisão dos EUA, os magistrados assim registraram: “Cegueira voluntária é o conhecimento (...) é a situação em que o agente, sabendo ou suspeitando fortemente que ele está envolvido em negócios escusos ou ilícitos, toma medidas para se certificar que ele não vai adquirir o pleno conhecimento ou a exata natureza das transações realizadas para um intuito criminoso. Em United States v. Giovannetti (1990) restou estabelecido que o esforço deliberado para evitar o conhecimento da ilicitude é tudo que a lei exige para estabelecer a culpa do acusado.”

Aqui no Brasil, o caso que revelou a Teoria da Cegueira Deliberada foi o assalto ao Banco Central do Brasil em 06 de Agosto de 2005, quando os bandidos, através de um túnel, furtaram exatos R$ 164.755.150,00 (cento e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinqüenta e cinco mil, cento e cinqüenta de reais), sendo 3.295.103 notas de cinquenta reais.

Após a investida, os marginais se conduziram à uma concessionária de veículos e adquiriram, em dinheiro vivo, ou seja, despenderam 980 mil reais para a compra de 09 automóveis.

O juiz de primeira instância entendeu, à época, que não havia como os dois sócios desconhecerem a origem do dinheiro. Foi a primeira vez que a Justiça Federal aplicou a teoria no país.

Os dois sócios, em segunda instância, também foram absolvidos, pois o TRF 5ª Região entendeu que adotar que teoria da cegueira deliberada é quase o mesmo que adotar uma responsabilidade penal objetiva no Brasil.

Recentemente, no caso do Mensalão, na AP 470, o Ministro Celso de Mello também trouxe à baila a Teoria da cegueira Deliberada, quando se posicionou no sentido de que se observasse, ao menos, o Dolo Eventual para o caso em apreço.

No entanto, sua tese fora resistida por seus pares quando o Ministro Marco Aurélio alertou sobre a observância cautelosa da Teoria da Cegueira Deliberada, uma vez que, por esta linha de raciocínio, caso um advogado que defenda traficantes, por exemplo, o dinheiro seria ilícito, já que, nesses casos, há sempre a possibilidade de que os honorários pagos, sejam provenientes do tráfico de drogas.

O Ministro Marco Aurélio asseverou: "Assusta-me brandir que, no caso da lavagem de dinheiro, contenta-se o ordenamento jurídico com o dolo eventual".

Em seguida, o Ministro Gilmar Mendes completou que "é preciso que haja a prova do dolo", mas continuou ao afirmar que esta só é possível pela confissão do réu. Segundo ele, "a precária situação do PT na época dos fatos, evidencia a origem do dinheiro".

Agora, o Juiz Sérgio Moro novamente traz à tona a Teoria da Cegueira Deliberada quando analisa o caso do Deputado Eduardo Cunha e de sua esposa, Cláudia Cordeiro Cruz, tendo em vista que, de acordo com as investigações, Cláudia Cruz foi favorecida, por meio de contas na Suíça, de parte de valores de uma propina de cerca de US$ 1,5 milhão recebida pelo marido.

A ré afirma categoricamente não saber da origem dos valores recebidos do marido, acreditando que fossem oriundos de suas remunerações como deputado.

A ré Cláudia Cordeiro Cruz está sendo processada pelo juiz paranaense Sérgio Moro pelos crimes de Lavagem de Dinheiro e Evasão de Divisas.

Como podemos perceber, a Teoria da Cegueira Deliberada ainda caminha à passos lentos no Brasil, mas a tendência é que esta visão mude gradativamente e os tribunais utilizem com mais constância a Teoria que os dias atuais ainda é rotulada como altamente polêmica por muitos estudiosos do cenário jurídico brasileiro.

(1) COUTINHO, Fabiana de Oliveira. A Teoria da Cegueira Deliberada. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul. 2013. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.44465&seo=1>. Acesso em: 13 jun. 2016.