Produção Antecipada de Provas no Novo CPC
Introdução
As provas constituem elemento instrumental na disputa processual relativa a um litígio. Produzir provas não é a razão de ser do processo. Nem mesmo “descobrir a verdade” o é. O processo destina-se a solucionar o conflito (ou a aperfeiçoar um ato, na jurisdição voluntária), mediante a definição das normas jurídicas incidentes no caso. A produção probatória, como elemento adequado para a reconstrução dos fatos pretéritos (etapa imprescindível para se definir quais normas incidiram no caso), é uma importante etapa no exercício da função jurisdicional, mas é um meio, e não fim. Isso está bastante ligado à ideia de que a atividade jurisdicional não se destina à mera eliminação de dúvidas hipotéticas, questões acadêmicas e simples fatos.
No entanto, em determinadas oportunidades, a prova assume o papel principal. Sua relevância para o processo, somada à necessidade de que uma definição a respeito dela vincule as partes e se torne definitiva e imutável, justificam que, uma vez observados determinados pressupostos, a prova se torne o próprio objeto de um processo jurisdicional. Em outros termos: o ordenamento reconhece que um conflito pode estabelecer-se em torno da própria prova – e reputa importante resolvê-lo em caráter principal, e não como simples providência incidental no bojo do processo para o qual essa prova seja útil.
Nesses casos, temos aquilo que poderíamos denominar “ações probatórias”. A admissibilidade de tais ações não é fenômeno moderno. De há muito, os ordenamentos processuais reconheciam, em certas hipóteses, a possibilidade de processos que tivessem por objeto a imposição de produção ou a veracidade da prova. São esses, ainda no direito atual, os escopos das ações probatórias.
Mas, modernamente, a disciplina legal, o estudo e a aplicação concreta das ações probatórias são enriquecidos pela constatação – essa sim, bem mais recente – da existência de um direito autônomo à prova. Supera-se a noção de que as provas têm por destinatário único o juiz, não dizendo respeito às partes. Reconhece-se que as partes têm, em relação às provas, não apenas uma faculdade estritamente instrumental e interna ao processo, atinente ao exercício da ação e da defesa. Mais do que isso, as partes têm direito à produção ou à aferição da veracidade da prova, antes e independentemente do processo, por uma série de razões: avaliar suas chances efetivas numa futura e eventual disputa litigiosa, estimar os custos de tal disputa, verificar as possibilidades e termos de um possível acordo com o adversário – e assim por diante. Como se vê, esses objetivos guardam relação instrumental com uma possível disputa litigiosa, em que aquela prova poderia vir a ser usada. Mas essa disputa litigiosa não é apenas futura, mas eventual. Pode vir a não existir. Mais do que isso, o resultado da ação probatória pode ser decisivo para que ela não ocorra. Evidencia-se assim que a prova, ainda que não perdendo seu caráter de instrumentalidade, não se destina apenas à demonstração de fatos dentro de um específico processo. Tem um papel que vai muito além disso, ao fornecer previamente balizas para as partes, como acima destacado.
O ordenamento processual civil brasileiro contempla basicamente três ações probatórias: a produção antecipada de prova, a exibição de documento e a arguição de falsidade.
Os arts. 381 e seguintes disciplinam a produção antecipada de provas como medida autônoma. Nesses casos, o processo em que se porá a pretensão ou defesa para a qual a prova é relevante é algo futuro e eventual.
1. Natureza jurídica
A produção antecipada de provas é ação (veicula um pedido de tutela jurisdicional) geradora de processo próprio. Não se trata de simples “jurisdição voluntária”. Insere-se no contexto de um conflito, ainda que não tenha por escopo diretamente o resolver. É medida com procedimento sumário (a ponto de excluir contestação e recursos) e cognição sumária horizontal (o juiz averigua superficialmente o pressuposto para antecipar a prova) e vertical (o juiz não se pronuncia sobre o mérito da pretensão ou defesa para a qual a prova poderá futuramente servir).
2. Funções (hipóteses de cabimento)
Como dito na introdução deste texto, a ação em exame presta-se a proteger o direito processual à prova, em casos em que se põe interesse jurídico para que tal direito seja exercido autonomamente (i.e., não dentro do processo em que se põe a pretensão ou defesa para a qual a prova é relevante).
Portanto, a ação de produção antecipada é utilizável apenas quando não houver processo em curso (no qual se vá usar a prova). Se tal processo já estiver em curso, e houver a necessidade da antecipação de uma prova (i.e., sua produção antes da fase instrutória), aplica-se o art. 139, VI, que confere ao juiz o poder de alterar a ordem de produção dos meios de prova.
Embora o direito à prova assuma relevância autônoma, sua proteção em processo próprio e específico justifica-se sempre sob a perspectiva de uma possível pretensão (ou defesa) relativa a outro direito. Promove-se a medida de antecipação da prova: (I) por razões urgentes, para ser usada em uma possível subsequente ação de qualquer natureza (referente a outra pretensão); ou (II) para auxiliar na solução extrajudicial de um conflito (referente a outra pretensão); ou (III) para permitir a avaliação das possibilidades de promover-se uma ação (referente a outra pretensão). Essa pretensão pode ser futura e meramente eventual, mas é indispensável sua indicação para que se ponha a proteção autônoma do direito à prova.
Assim, a produção antecipada pode assumir papel de tutela urgente (cautelar), pois, entre outras hipóteses, cabe seu emprego quando houver a perspectiva da impossibilidade ou excessiva dificuldade de sua produção no futuro processo (art. 381, I).
Mas existem também finalidades alheias à urgência. No CPC, consagra-se expressamente o emprego da produção antecipada em situações não cautelares. São explicitadas duas outras finalidades para a prova antecipada: (a) como elemento facilitador da solução extrajudicial de um litígio (art. 381, II) e (b) como subsídio para a definição da viabilidade de uma possível ação (art. 381, III). Essas duas hipóteses são bastante largas – e podem justificar até a concessão da medida requerida com fundamento na urgência, quando o juiz reputar que essa não se apresenta ou não é tão intensa. Há fungibilidade entre os fundamentos da produção antecipada.
A ação de produção antecipada pode ainda servir para inventariar e documentar uma universalidade de bens (C. Civil, arts. 90 e 91 – ex., uma biblioteca, um rebanho de gado, em espólio...) – como prevê o art. 381, § 1.º. Já quando o que se pretende é mais do que identificação e documentação dos bens, buscando-se também de algum modo apreendê-los ou limiar sua disponibilidade, deve-se empregar a via geral da tutela provisória cautelar (art. 301).
A produção antecipada presta-se também a viabilizar a providência que tradicionalmente se denomina de “justificação” (art. 381, § 5.º). A justificação não se concentra apenas na produção de uma prova, em si, mas na reunião de um conjunto probatório que permita justificar dada posição jurídica, conferindo-lhe plausibilidade. A qualificação jurídica dos fatos não será feita dentro do processo em que se faz a justificação, pois, nele, o juiz nem sequer avalia a prova e muito menos emite juízos jurídicos. No entanto, toda a instrução probatória é desenvolvida tendo em vista essa determinada qualificação jurídica que se pretenderá sustentar depois – e que já é, de antemão, anunciada. Tanto quanto nos demais casos de produção antecipada, a justificação tem natureza contenciosa, quando realizada nas hipóteses dos incisos do art. 381 ou em outras situações a essas equiparáveis. Já quando se procede à justificação para meros fins comprobatórios não litigiosos, tem-se medida de jurisdição voluntária.
De resto, o elenco do art. 381 não exaure as hipóteses em que se põe autonomamente o direito à prova. É apenas exemplificativo. Justifica-se a produção antecipada da prova sempre que seu requerente demonstrar possuir interesse jurídico para tanto, ainda que em hipóteses não arroladas no art. 381 (p. ex., o requerente pode pretender produzir antecipadamente a prova para pré-constituí-la, e assim poder usá-la em futuro processo que, por razões procedimentais, só admita prova escrita – como é o caso do mandado de segurança ou da fase inicial da ação monitória – ou usá-la como fundamento para a obtenção de tutela da evidência, na hipótese do art. 311, II e IV).
3. O empréstimo da prova produzida antecipadamente
Como dito, nem sempre a prova antecipada será depois utilizada em algum processo. Porém, quando utilizada em processo subsequente, a prova antecipada lá ingressa como prova emprestada (art. 372). Nesse segundo processo, a prova emprestada tem a forma documental, mas é apta a preservar o seu valor originário (de prova pericial, testemunhal etc.). Para que se admita seu empréstimo, a prova precisa ter sido produzida perante autoridade jurisdicional e a parte contra a qual se pretende utilizá-la tem de haver podido participar, em regime contraditório, de sua produção.
Esses aspectos devem ser considerados na aferição do interesse de agir e da legitimidade passiva na medida de produção antecipada de prova. Ou seja, se já se tem em vista utilizar a prova em um futuro processo contra determinada pessoa, essa precisa figurar como ré da produção antecipada, para que possa participar do procedimento probatório – o que viabilizará o futuro empréstimo da prova.
4. Aplicabilidade a todos os meios de prova
Em princípio, todo meio de prova comporta produção antecipada. O art. 381 não faz nenhuma ressalva ou limitação. Assim, pode ser empregada para antecipar-se prova pericial, ouvida de testemunhas e mesmo tomada de depoimento das partes.
A inspeção judicial é providência instrutória que se presta a assegurar a imediação – fazendo com que o juiz que vai decidir tenha contato direto com locais ou objetos relevantes para os fatos da causa (art. 481 e ss.). Mas isso não obsta sua antecipação. Apenas, se for usada em processo futuro, conduzido por outro juiz, ela não terá como manter, necessária e absolutamente, o seu valor originário (o que, de todo modo, acontece sempre que o juiz que inspeciona não vem a ser o mesmo que sentencia...).
O depoimento pessoal da parte também pode ser antecipado. Apenas não caberá extrair-se dele a confissão, pois, como se vê adiante, a valoração da prova não é feita no processo da sua antecipação. Se for o caso, ela será valorada no processo subsequente em que vier a ser usada. Nesse processo é que caberá ao juiz verificar se aquilo que a parte afirmou constitui confissão.
A exibição de documento, se requerida no curso de um processo, dá origem a um procedimento específico. No entanto, caso se pretenda sua antecipação, a ação em exame é o veículo para tanto.
5. Competência
Para fins de competência, sob o aspecto territorial, toma-se em conta o local em que a prova deve ser produzida – privilegiando-se a eficiência na sua produção. Alternativamente, é também competente o foro do domicílio do réu. Havendo a perspectiva de produção probatória em diferentes localidades, há concorrência de foros – podendo o autor optar por qualquer deles. Caso o autor opte pelo domicílio do réu, aplicam-se as regras dos arts. 46, §§ 1.º a 4, e 53, III, a a c, do CPC/15. Em princípio, pode haver a incidência cláusula de eleição de foro (art. 63).
No que tange à competência funcional, deve ser considerada a natureza das partes e da matéria relativa à pretensão ou defesa para a qual a prova será relevante. Se a produção probatória que se quer antecipar é pertinente para um atual ou potencial litígio trabalhista, a competência para a medida é da Justiça do Trabalho (CF, art. 114). Se a providência é requerida por (ou em face da) União, autarquia ou empresa pública federal, em princípio, a competência é da Justiça Federal (CF, art. 109, I). Para a justificação sem caráter contencioso, permanece aplicável a Súm. 32 do STJ.
Todavia, nas produções antecipadas promovidas em face da União ou de autarquias ou empresas públicas federais, se no local em que a prova deve ser produzida não há vara federal, a ação pode ser proposta perante o órgão de primeiro grau da Justiça Estadual. A regra do art. 381, § 4.º, do CPC ampara-se na permissão dada pelo art. 109, § 3.º, parte final, da CF. Mas os recursos serão de competência do TRF (CF, art. 109, § 4.º).
O CPC prevê expressamente que a medida de produção antecipada não previne a competência do juízo para a ação que eventualmente se venha a propor com utilização da prova antes produzida. Essa norma é compreensível em face: (a) do caráter não constritivo da medida; (b) da ausência de juízo, nem mesmo sumário, sobre o mérito da pretensão principal; (c) da eventualidade de uma ação principal. Tal diretriz, já consolidada sob a égide do CPC/73 (TFR, Súm. 263), é ainda mais justificável diante da ênfase à autonomia da tutela à prova no CPC/15.
6. Legitimidade
A legitimidade ativa recai sobre todo aquele que justifique a utilidade da produção da prova à luz de uma possível e eventual pretensão ou defesa. Para legitimar-se ativamente para a produção antecipada, é irrelevante a posição que o sujeito ocuparia no eventual e futuro processo em que usaria a prova: autor, réu, terceiro interveniente.
Deve ser incluído no polo passivo, como réu, todo aquele contra o qual se possa pretender futuramente, de algum modo, utilizar a prova. Por mais incerto e eventual que seja o uso futuro da prova em outro processo, cabe observar esse parâmetro. A prova produzida sem a presença do adversário é despida de valor, não sendo admissível no processo subsequente (n. 3, acima).
Mesmo quando o escopo da produção antecipada não for o de assegurar ou pré-constituir a prova, mas sim o de incentivar a autocomposição ou permitir a avaliação de chances de eventual demanda, é relevante a participação do adversário: sua presença no procedimento probatório antecipado qualifica a prova, ampliando as chances de que ela cumpra essas funções. Uma vez que se reconhece o direito autônomo à prova (v. Introdução, acima), cabe reconhecê-lo em sua plenitude, i.e., em sua dimensão bilateral, intersubjetiva.
Na hipótese de justificação para simples documentação sem caráter contencioso (art. 381, § 5.º – n . 2, acima), não haverá legitimado passivo (art. 382, § 1.º, parte final). Essa regra, que constitui exceção, merece interpretação restritiva. Basta a potencialidade de conflito para que se imponha a citação de réus na produção antecipada – sob pena de inocuidade da prova ali produzida.
7. Intervenção de terceiros
Não cabem chamamento ao processo e denunciação da lide, pois não há julgamento da pretensão principal na produção antecipada. Se o requerente da medida pretende formular denunciação ou chamamento em posterior processo em que a prova vai ser usada, cabe-lhe desde logo incluir o futuro chamado ou denunciado no polo passivo. Se é o réu da produção antecipada quem pretende provocar depois tais modalidades interventivas, cumpre-lhe requerer ao juiz que desde logo cite o futuro chamado ou denunciado.
É possível a assistência na produção antecipada. O terceiro que tem a perspectiva de assistir uma das partes, no futuro processo principal, pode igualmente assisti-la no processo de antecipação da prova.
Assim também é cabível participação de amicus curiae (art. 138): o terceiro pode intervir, provocada ou espontaneamente, para apresentar subsídios técnico-científicos relevantes para a produção probatória.
A produção antecipada pode servir para reunir subsídios para respaldar pleito de desconsideração de personalidade societária a realizar-se incidentalmente em futuro processo (art. 133 e ss.). Mas nesse caso, o sócio e a pessoa jurídica que seriam atingidos pela desconsideração devem participar desde logo da medida de produção antecipada – sob pena de a prova não poder ser depois utilizada.
8. O contraditório na produção antecipada
O art. 382, § 4.º, estabelece que “não se admitirá defesa” no processo de produção antecipada. Tal dispositivo exige interpretação que o salve da inconstitucionalidade (CF, art. 5.º, XXXVI, LIV e LV). Não há dúvidas de que o juiz detém poder para, mesmo de ofício, controlar (i) defeitos processuais, (ii) a ausência dos pressupostos da antecipação probatória e (iii) a admissibilidade e validade da prova. Logo, o requerido tem o direito de provocar decisão do juiz a respeito desses temas. A suposta proibição de defesa deve ser compreendida apenas como: (a) ausência de uma via específica para formulação de contestação e (b) não cabimento de discussão sobre o mérito da pretensão (ou defesa) para a qual a prova pode servir no futuro.
Entre as questões processuais que o juiz tem o dever de controlar de ofício, está a incompetência absoluta (CPC/15, art. 64, § 1.º) – cabendo provocação de exame do tema pela parte interessada. Quanto à incompetência relativa (inclusive a derivada do desrespeito ao art. 381, § 2.º) o réu, na falta de estipulação específica, terá o prazo geral de cinco dias para argui-la (art. 218, § 3.º), sob pena de prorrogação de competência (art. 65).
De resto, o réu tem direito de participar de todo o procedimento probatório, desde a proposição da prova.
Ele tem ainda o direito de aproveitar o procedimento instaurado para também requerer, justificadamente, a produção de provas. Não se trata de apenas controlar ou completar a produção probatória pleiteada pelo autor. Confere-se ao réu poder autônomo de iniciativa probatória: ele pode “requerer a produção de qualquer prova” (art. 382, § 3.º). Mas há limites: (i) a prova deve versar sobre o mesmo fato que é objeto da prova do autor; (ii) a produção conjunta não pode implicar excessiva demora.
9. As regras do procedimento probatório
Aplicam-se, no que couber, as regras do procedimento comum do processo de conhecimento, relativas ao meio de prova cuja antecipação requer-se. Os limites a essa aplicação subsidiária derivam:
(i) da simplicidade (sumariedade) procedimental da medida de antecipação. Por exemplo, ao citar o requerido, o juiz deve já determinar a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico para a perícia objeto da antecipação;
(ii) da ausência de valoração da prova. Caberá ao juiz de eventual processo em que a prova seja usada valorá-la. Mas pode haver dificuldades na precisa definição daquilo que concerne à admissibilidade (ou regularidade) e o que se refere à avaliação da prova. Tome-se por exemplo o art. 447, § 4.º: o juiz apenas admitirá a ouvida da testemunha menor, impedida ou suspeita, se “necessário”. Tal necessidade é definida pela possível relevância da prova para uma mais clara reconstrução dos fatos. Ou seja, para admitir tal prova, o juiz precisa avaliar o resto do material probatório já existente. Isso é inviável na produção antecipada. Em casos como esse, o juiz da antecipação deve privilegiar a ampla admissibilidade da prova – cabendo ao juiz do processo em que se venha a pretender usá-la desconsiderá-la, se for o caso.
10. A decisão final – Efeitos, recorribilidade e estabilidade
A sentença que encerra o procedimento (art. 203, § 1.º) declara a regularidade da prova produzida e constitui (pré-constitui) a prova para eventual uso subsequente. Não se valora a prova produzida nem se emite nenhum juízo sobre o mérito do litígio para cuja composição a prova poderá ser depois utilizada. No eventual processo subsequente, o juiz dará à prova o seu valor. Sempre mediante decisão fundamentada, poderá até determinar seu complemento, esclarecimento ou, quando possível e estritamente necessário, sua repetição.
Proíbe-se recurso contra qualquer decisão no processo de produção antecipada, seja interlocutória, seja a própria sentença – exceção feita à decisão que indefere integralmente a antecipação probatória (art. 382, § 4.º). O duplo grau de jurisdição não é, em si mesmo, garantia constitucional. Pode não ser previsto em lei, desde que isso não implique modelo desarrazoado de processo, ofensivo à garantia do due process (CF, art. 5º, LIV). Pareceu ao legislador do CPC/15 ser esse o caso da medida de antecipação de prova, dada a limitação de seu objeto. Todavia, caberá mandado de segurança contra as decisões que violem direito líquido e certo de qualquer das partes (CF, art. 5.º, LXIX; Lei 12.016/09, art. 5º, II).
Não há coisa julgada quanto ao mérito da (possível) pretensão principal, pois nem cabe pronunciamento sobre ela. Mas também a própria regularidade da prova, atestada na sentença, é passível de revisão em futuro processo em que aquela venha a ser usada. A prova antecipada não é meramente provisória. Porém, é incompleta: a aferição definitiva de sua validade e sua valoração apenas poderão ocorrer no concreto contexto do processo em que ela venha a ser utilizada. Por outro lado, quem pediu e obteve a antecipação da prova não pode repetir a medida de produção antecipada, senão para outro objeto probatório ou para o desenvolvimento de outros meios probatórios. Falta interesse processual para tal reiteração. Já se a medida de antecipação foi indeferida, não há o que impeça nova demanda, dada a sumariedade da cognição que ampara o pronunciamento denegatório.
11. O destino dos autos e o emprego da prova depois do fim do processo
A prova produzida antecipadamente não é do exclusivo interesse do autor da medida. O requerido também tem o direito de utilizá-la – e não apenas quando tiver também requerido provas nos termos do art. 382, § 3.º. Vigora o princípio da comunhão da prova.
Por isso, depois de encerrado o processo de antecipação, os autos apenas são entregues ao autor depois de permanecerem em cartório por pelo menos um mês, para extração de cópias e certidões por interessados (réus ou terceiros).
É possível que alguém que não participou do processo de produção antecipada use a prova ali obtida contra alguma ou ambas as partes de tal processo. Isso é possível desde que aquele contra quem a prova vai ser utilizada tenha participado da produção probatória em regime de contraditório. Mas o terceiro eventualmente pode não ter acesso aos autos da produção antecipada nos trinta dias que antecedem sua entrega ao autor. Se já tiver havido a entrega dos autos, o terceiro poderá requerer que eles sejam exibidos pelo autor da antecipação, que só se eximirá de exibi-los nas hipóteses do art. 404. Aliás, o mesmo direito à exibição tem o requerido da produção antecipada, se por qualquer razão deixar de obter cópias e certidões no prazo de trinta dias.
Por outro lado, se o processo de antecipação da prova seguir a forma eletrônica, não há razão para não se manter no ofício judicial o arquivo eletrônico dos autos – sem prejuízo de o autor receber cópia eletrônica ou impressa dos autos. Afinal, a única razão para os autos serem entregues ao autor é diminuir o volume de material arquivado em cartório – problema que não se põe com os autos eletrônicos.