Nos sistemas processuais contemporâneos, a sentença de mérito, mesmo depois de adquirir a autoridade de coisa julgada material, pode ainda ser revogada em hipóteses excepcionais.
 
Costuma-se justificar esta técnica pela necessidade de prevalência de um interesse que transcende aquele das partes à realização de justiça, uma vez que a decisão definitiva poderá apresentar vício tão nocivo à ordem pública que propícia sua revogação inclusive após ter-se operado a preclusão dos prazos para a interposição de quaisquer recursos.
 
Os mecanismos processuais instituídos para esse fim são tradicionalmente de duas espécies: ação autônoma ou recurso, ambos considerados de natureza especial em razão de seu escopo, que se destaca das vias ordinárias de impugnação e supera o da generalidade das ações.
 
É, aliás, o que se verifica nos ordenamentos processuais da Itália e da Alemanha, que consagram no ricorso per cassazione e na Nichtikeisklage uma espécie de ação de revogação da sentença; e da França, Espanha e Portugal, que disciplinam um recurso de revisão da sentença também já transitada em julgado.
 
No Brasil tal remedium iuris, tendo como antecedente histórico mais próximo o recurso de revista do velho direito lusitano, é a denominada ação rescisória, que constitui o meio pelo qual se pede a desconstituição da sentença ou acórdão transitado em julgado, com a possibilidade de rejulgamento, ato contínuo, da matéria já apreciada, isto é, do meritum causae.
 
Ostenta, assim, a natureza de ação constitutiva, destinada ao pronunciamento da anulação de ato decisório de mérito.
 
A causa petendi da ação rescisória, a distinção entre a quaestio iuris e a quaestio facti. Para Micheli, aquela se refere à cognição do fato normativo, esta se refere ao conhecimento do fato histórico. E, por isso, enquanto algumas questões de direito podem ser apreciadas de ofício pelo órgão jurisdicional, a questão de fato deve sempre ser alegada pelo interessado.
 
O art. 485 do CPC/73 ou art. 966 do CPC/2015 elenca as hipóteses que ensejam a pretensão à rescisão. Cada uma delas corresponde a uma possível causa petendi de ação rescisória. E, portanto, subordinam-se, em sua totalidade, ao regime reservado às questões de fato.
 
Essa asserção inclui, à evidência, a violação de literal disposição de lei, ou de norma jurídica deduzida como fundamento do pedido de rescisão.
 
Como observa Barbosa Moreira, para averiguar se o fundamento existe, e, portanto se a sentença deve ser rescindida, o órgão julgado tem de partir da análise da lei que o autor aponta como violada, e apreciar questões que, em si mesmas, à luz do respectivo objeto, seriam classificáveis como questões de direito.
 
Ele o fará, porém, com a exclusiva finalidade de saber se há de aplicar ou não o próprio art. 485, V do CPC/73 rescindindo ou não a sentença.

No caso afirmativo, a violação da lei, dada como existente, será o fato em que se fundará a rescisão. No processo da rescisória, portanto, funcionam como questões de fato, e assim se devem tratar, quaisquer questões que se necessita apreciar para apurar se foi ou não violada a lei que se refere o autor. E essa mesma ordem de ideias, ainda segundo do renomado doutrinador, vale para todas as demais hipóteses do art. 485.
 
Conclui-se, assim, que, também na esfera da ação rescisória, vigora a regra iura novit curia, dispensando-se a indicação do inciso em que lastreado o pedido de rescisão, sendo absolutamente indiferente se o autor, na inicial deixou de mencioná-lo, ou se, por engano, colacionou permissivo diverso.
 
Impõe-se ao demandante a precisa indicação, ainda que na hipótese do inciso V do art. 485 (vide o art. 966, inciso V)que, em seu entender, foi transgredido pelo julgado rescindendo, como elemento integrante da causa de pedir.
 
Caso a petição inicial omita essa indicação, deve o relator do processo determinar, de logo, seja esta completada no prazo de dez dias, e, uma vez não atendida tal ordenação indeferir a inicial.
 
O órgão julgador, por seu turno, não pode em caso algum apreciar o pedido de rescisão à luz de outra norma, que o autor se haja abatido de dizer violada. Por mais evidente que seja a dita violação, se o órgão julgador rescindir a sentença com base nela, infringirá o art. 128 do CPC/73 (artigo 141 do CPC/2015), ou seja, o fundamento da decisão estará fora dos limites da lide.
 
Assevera Moacyr Lobo da Costa que a ação rescisória poderá produzir duplo julgamento como decorrência da instauração de dois juízos, o rescindente que constitui o escopo princípio da demanda, e o juízo rescisório, que são conexos, não obstante distintos.
 
Aquele que tem por objetivo rescindir a sentença transitada em julgada, arguida de vício capitulado na lei como motivo de sua insubsistência. O juízo subsequente, a seu turno, visa promover novo julgamento da causa, uma vez rescindida a decisão.
 
Infelizmente, nem sempre tem lugar a duplicidade de julgamento. É o caso de rescisória contra decisão que violou a coisa julgada: o juízo rescisório não teria cabimento. Do mesmo modo, na hipótese de incompetência ratione materiae do órgão prolator da decisão rescindenda.

Em tais situações, como se conclui, delineia-se impertinente o juízo rescisório, uma vez que o fim colimado com a ação rescisória é atingido no juízo rescindente. Se o órgão judicial não tinha competência para julgar a causa, não na tem para julgá-la de novo.

Desta forma, é imprescindível que o advogado ao preparar a inicial da rescisória, tenha presente o requisito previsto no primeiro inciso do art. 488 do CPC/73 determinativo da ampliação objetiva da demanda (art. 968  do CPC/2015).
 
Com efeito, se for o caso, o aludido dispositivo aponta que deverá ser cumulado ao pedido de rescisão e de novo julgamento da causa. Porém, em algumas ocasiões o tribunal tenha competência originária para julgar a ação rescisória, porém, não está autorizado a reexaminar o mérito da demanda primitiva.
 
A análise das hipóteses legais, discriminadas no art. 485 do CPC/73 evidencia que pelo menos em cinco delas a finalidade da ação rescisória já é atingida com o julgamento de procedência do pedido, ou seja, com a rescisão da sentença.
 
É como ocorre nos casos de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, impedimento ou incompetência absoluta do juiz, dolo do vencedor em prejuízo do demandado, ou conluio dos litigantes visando fraudar a lei, a ofensa á coisa julgada, e a descoberta de documento novo não há lugar para o juízo rescisório por manifesta falta de interesse ou impossibilidade lógica, ainda que o respectivo pedido tenha sido erroneamente cumulado ao rescindente.
 
Em todas essas situações, a rescisória aflora amparada em única causa petendi, que servirá para fundamentar apenas e tão-somente a pretensão do autor ao juízo rescindente.
 
Por outro lado, que entre os permissivos legais, três destes elencados no art. 485, incisos VI, VIII e IX (vide art. 966, incisos VI,VII e VIII) abrem a via para o desfazimento da sentença, possibilitando o pedido cumulado, não apenas de rescisão, mas também de novo julgamento da causa pelo mesmo órgão perante o qual a demanda foi ajuizada.
 
Toda vez que a rescisória se amparar em falsa prova, a invalidade confissão, renúncia ao direito ou transação, erro de fato, a respectiva causa de pedir emergirá necessariamente complexa.
 
Causa petendi complexa é a que encerra pluralidade de fatos jurídicos, individuando mais de uma pretensão: narra o autor, em uma ação rescisória, lastreada em prova falsa, a situação fática precedente a insubsistência do meio probante reconhecidamente falso (causa de pedir do juízo rescindente), bem como fundamenta aquela mesma situação no contexto jurídico dos demais elementos de convicção para o fim de obter o rejulgamento da demanda (causa de pedir do juízo rescisório).
 
Nesse caso, não há qualquer impedimento que o tribunal, reconhecendo a procedência do primeiro pedido, rescinda o acórdão tido como viciado e, na mesma oportunidade, profira novo julgamento da causa.
 
Já referente à violação a literal dispositivo de lei, a causa de pedir da ação rescisória poderá ser simples ou complexa, dependendo da natureza da norma inobservada.
 
Sendo vício de atividade, o error in procedendo (por exemplo: a falta de intimação do procurador da parte para o julgamento da apelação), que, sem dúvida, constitui motivo de nulidade do acórdão por afronta à literalidade do art. 236,§1º do CPC/73 (art. 271, §2º do CPC/2015), a fundamentação da rescisória restringir-se-á essa causa petendi, uma vez que o tribunal, convencendo-se da procedência do pedido, determinará o rejulgamento da causa, agora com estrita observância da regra legal efetivamente violada, pelo mesmo órgão que proferira o acórdão rescindido.
 
 
Some-se, por fim, que a mencionada cumulação de pedidos se subordina às regras de competência previstas na legislação processual em vigor. Daí, porque em razão do motivo de rescindibilidade invocado contra a decisão rescindenda, é imperioso que se verifique se o tribunal é competente para julgar, novamente, o objeto litigioso da sentença rescindida. Sendo incompetente, o julgamento da rescisória se exaure no juízo rescindente.
 
Não importa, para ensejar a ação rescisória, que a sentença se revele injusta, ou não tenha enfrentado os aspectos éticos ou de juridicidade, posto que não se deve fugir da relação de hipóteses elencadas no art. 966 do CPC/2015.
 
Se não existisse a ação rescisória triunfariam as injustiças acobertadas pelo manto da coisa julgada e pela sua eficácia preclusiva, restando imunes para o todo sempre. Assim, reafirma-se que a rescisória corresponde a um instrumento da justiça para que a celeridade processual harmonize-se com os valores que contribuam para o aprimoramento das decisões judiciais.
 
 
Referências
 
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 16ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
 
MELO, Nehemias D.(coord.) O Novo CPC Comentado. Anotado Comparado. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.

RIZZARDO, Arnaldo. Limitações do trânsito em julgado e desconstituição da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
 
 
 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/12/2015
Reeditado em 15/12/2015
Código do texto: T5474866
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