Aspectos conceituais e históricos da ação rescisória
Todos nós sabemos que omnia definitio periculosa est, o faz ser oportuna a ação rescisória na erudita intelecção de Pontes de Miranda : “Na ação rescisória há julgamento de julgamento”. É, pois, processo sobre outro processo. Nela e, por ela, não se examina o direito de alguém, mas a sentença passada em jugado, a prestação jurisdicional, não apenas apresentada (seria recurso), mas já entregue.
É remédio jurídico processual autônomo cujo objeto é a própria sentença rescindenda, porque ataca a coisa julgada formal de tal sentença – a sententia lata et data. Retenha-se o enunciado: ataque à coisa julgada formal.
Se não houve trânsito em julgado, não há de se cogitar em ação rescisória. É reformável, ou revogável, ou retratável, a decisão.
Tem-se uma ação de natureza constitutiva negativa, consoante já enfatizado, posto que desfaça a situação criada pela sentença que não admite mais recursos, ou extingue a relação jurídica criada pela sentença, podendo rejulgar a matéria, dando-lhe uma nova definição jurídica.
Para propor a ação rescisória, deve-se esgotar o prazo de todos os recursos admitidos pela lei, ou transitar em julgado a sentença, que somente acontece depois de julgados os recursos eventualmente propostos, com o decurso do devido prazo para propor outro recurso.
Não basta o julgamento derradeiro recurso contemplado no ordenamento processual vigente. Deve-se aguardar o prazo de seu trânsito em julgado.
Caso se trate de recurso especial ou extraordinário, uma vez julgado, espera-se o lapso temporal necessário (quinze dias) para propor os embargos de divergência; ingressando, posteriormente, embargos de declaração, o prazo para o trânsito em julgado será de cinco dias.
Atinge-se a preclusão recursal máxima, no sentido de que não mais são admissíveis defesas e recursos normais no processo, exceto nos casos de inexistência do ato ou de sua nulidade absoluta, em que sequer o mesmo se projetou ou se formou.
Mas, não basta essa preclusão recursal máxima ou absoluta. É necessário, ainda, que a sentença não seja passível de modificação em ação adequada.
Novamente nos esclarece Pontes de Miranda que aludiu: “Não há ação rescisória de sentença que pode ser revogada ou reformada, porque a tal sentença falta coisa formal. Nem de sentença inexistente, pois seria rescindir-se o que não é: não se precisaria desconstituir, bastaria, se interesse sobrevém a alguma alusão a essa “sentença”, a decisão declarativa de inexistência. Nem de sentença nula, porque se estaria a empregar o menos tendo-se à mão o mais”.
A ação rescisória é a possibilidade de voltar-se contra a sentença, que se coloca como a última tentativa de se questionar perante o judiciário a coisa definitivamente julgada. Trata-se de ação que visa à impugnação de sentença definitivamente transitada em julgado, desde que seja proposta no lapso temporal de dois anos do decurso jurídico vigente. Há um julgamento de julgamento, mas que não se opera dentro do processo da sentença que se vai rescindir.
Cumpre salientar que existe certo preconceito ou predisposição dos julgadores contra a ação rescisória, o que sempre existiu, como já aludira Jorge Americano , no prefácio de sua obra “Da Ação Rescisória”, sendo aferidos com rigor os requisitos e pressupostos para sua admissibilidade.
Quanto aos dados históricos, sabe-se que, no direito romano , as decisões do pretor tinha caráter de definitividade, principalmente as de caráter particular e aos órgãos superiores, não se sujeitando a impugnações de modo geral. Existiam algumas exceções, como a suplicatio ao imperador e a revocatio, com a possibilidade de retratação ou de revogação. Comum era a segunda espécie, isto é, mera revogação a pedido da parte vencida se verificada a existência de vícios.
Igualmente, ao pretor se reconheceu posteriormente o poder de determinar a restitutio in integrum , que correspondia não apenas à rescisão dos contratos, mas das próprias sentenças proferidas com dolo, ou baseadas em documentos falsos, ou fundadas em erro na aplicação de normas processuais, ou lançadas com suporte em fatos vindos ao pretor a sob a ameaça de violência. Algumas causas da restitutio são as da ação rescisória, como a constatação de documento falso, de dolo, de fraude e a aparição de provas novas.
Sobre essa possibilidade, descreveu Manoel Antonio Teixeira Filho: “A partir de certa fase de desenvolvimento do direito estabelecido em Roma, o Pretor podia ordenar o desfazimento de ato realizado mediante violência, fazendo com que tudo retornasse ao status quo ante”.
“Era a restitutio in integrum. Sendo o ato derivante de dolo, o remédio cabível residia na in integrum restitutio ob dolum; caso acarretasse a diminuição patrimonial do devedor (e prejuízo aos credores), utilizava-se a in integrum restitutio ob fraudem para combater a fraus creditoreum, a despeito de tolerar-se, também, o emprego da interdictum fraudatorum e da ação pauliana”.
Em épocas posteriores, apareceram os recursos, a partir da appellatio, dirigida ao imperador, que, com o tempo, atribuiu o exame a funcionários mais graduados.
Registrou Modestino Martins Netto apud Rizzardo que a rescisão de julgados foi introduzida na península ibérica no século VII, proliferando-se entre os povos que passaram a dominar a Europa, e, assim entre os visigodos e os germanos, mormente quanto às sentenças inquinadas de vícios por suspeição do juiz e de injustiça; ficou sendo conhecida em Portugal no século XIII, com a introdução nas Ordenações Afonsinas e seguindo as Manuelinas. Nessa época, e até antes, no direito italiano, ficou conhecida a chamada querella nullitatis , mas que não tinha o mesmo conceito de rescisória, partindo de causas diferentes.
Apareceu a rescisória, no direito brasileiro, através do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, e perdurando no direito posterior. Antes, sob o regime monárquico, recorda Jorge Americano, havia sérias divergências sobre a admissibilidade da ação rescisória, principalmente nos primeiros tempos de nossa autonomia política.
Maria Conceição Alves Dinamarco ilustra que a ação rescisória é conhecida no direito italiano como revocazione; no direito alemão o instituto equivalente se denomina wiederaufnahme des verfahrens. No direito espanhol aparece no sentido de revisão; em Portugal também tem o significado de revisão; na França há a requête civile.
Reconhece-se que a ação rescisória tem em mira a desconstituição da sentença, enquanto a ação anulatória visa à desconstituição de um ato do processo, ato esse do qual derivou uma sentença, e que a informou.
Para propor a ação rescisória, deve-se consultar a casuística do art. 966 do CPC/2015, não se admitindo outros fundamentos, no que bem decidiu o STJ.
Já para a ação anulatória, a admissibilidade comporta uma análise mais complexa. Primeiramente, a matéria não pode ter sido objeto de discussão pelas partes, ou de enfrentamento pelo juiz, no processo.
Isso tanto para as sentenças meramente homologatórias como as decisões que decidiram controvérsias ou atacaram o mérito. Portanto, o pressuposto é que a matéria não mais esteja submetida a uma viabilidade recursal no processo onde se originou.
No caso das decisões não meramente homologatórias, mas de mérito, somente as nulidades consideradas absolutas para a constituição e validade do processo comportam a ação.
Nessa ordem, incabível uma ação sem a petição inicial, ou desacompanhada a parte de capacidade postulatória, e da devida representação.
Não se permite o seguimento do processo passando por cima de ato imprescindível, como da citação, ou das intimações das partes de todos os atos processuais.
Em resumo, as nulidades que autorizam a ação anulatória dizem com os atos processuais considerados indispensáveis, sem os quais nem se forma o processo, ou não prossegue, encontrando fundamento no art. 5º, inciso LV da CF/88.
Todavia, encontram-se hipóteses previstas para a rescisória que também autorizam a ação anulatória, e que mais se evidenciam nos seguintes incisos do art. 966 do CPC/2015 sem, no entanto, afastar outras.
Novamente com relação à violação literal da lei, Pontes de Miranda traz o exemplo da falta capacidade processual, cabendo o juiz as providências do art. 13 do diploma processual civil de.
Na omissão, é de considerar-se nulo o processo se uma das partes não tem capacidade processual. Sem ela, a relação jurídica processual existe, mas é nula. O juiz pode decretar, de ofício, a nulidade. Não se trata, portanto, de inexistência. Portanto, sobrevindo a capacidade, pode ser suprida.
Se o juiz, após as providências do art.76 do CPC/2015, não pronunciar a nulidade, violou a lei, e a sentença é rescindível.
Surgindo a nulidade absoluta ou nulidade ipso jure, enquanto não refeito o ato, estampa-se a ineficácia absoluta. Não emergem daí os efeitos jurídicos. Diante de tais elementos e contexto, fica inválida a citação, equivalendo-se a não consumação do ato.·.
E, apurada a falta ou nulidade de citação, não se formando a relação processual, corresponde à inexistência de processo válido.
Enseja-se, então, o legítimo caminho da ação anulatória. Não se coíbe à parte lesada que opte por uma ou outra ação, verificado, por exemplo, um ato judicial violador da lei, como citação feita por edital, se tinha o requerido endereço certo.
Assim também, se a confissão, desistência ou transação parte de uma pessoa coagida, ou interditada, fato que se descobre posteriormente à sentença; e se o veredicto se esteia em uma situação, retratada em um documento, que se apura, posteriormente, não existir, como uma promessa de compra e venda, quando o contrato envolveu uma doação.
A ação rescisória com base na mudança da jurisprudência é tema que tem gerado controvérsia, mas que se pacificou. Ou seja, os Tribunais, e principalmente os superiores STF e SJ, depois de algum tempo decidindo de uma maneira, alteram seu posicionamento e passa a entender de forma totalmente diversa, seja porque realmente mudaram de orientação, seja em face de nova composição do órgão julgador.
Como exemplo, temos uma situação que ocorria em alguns Estados, atinente ao direito tributário. Em razão da inexistência, na época, de previsão na legislação estadual a respeito da possibilidade de correção monetária de créditos tributários, mais especificamente saldos credores de ICMS originários de operações anteriores, muitas empresas socorreram-se do judiciário, pretendendo o reconhecimento de dita correção que era negada pelo Fisco.
A pretensão obteve êxito em diversos tribunais estaduais. Nas Cortes superiores, a matéria não alcançou entendimento uníssono, surgindo decisões ora negando e ora concedendo a pretendida correção. Entretanto, a partir de um determinado momento, as turmas passaram a pacificar a mesma orientação, no sentido de negar a correção dos saldos credores do ICMS.
Sustenta-se, como fundamento da rescisão, a mudança de entendimento jurisprudencial, inclusive posicionando-se pela impossibilidade da correção monetária, o que conduziria à viabilidade da ação rescisória. Além disso, representariam as decisões rescindenda ofensa a literal disposição de lei.
Já pela súmula 343 do STF depreende-se que é incabível a ação rescisória, sob esse enfoque: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
No entanto, a eventual mudança de entendimento não se presta para ensejar a rescisão de decisões que já transitaram em julgado, pois se constitui um argumento vulnerável. A mera modificação na composição das Câmaras ou Turmas pode significar uma nova alteração de orientação. Com essas idas e vindas, como fica a propalada segurança jurídica das decisões judiciais? A cada novo posicionamento ajuizar-se-ia uma ação rescisória?
A aceitar essa ideia, nunca haverá decisão definitiva e nem se alcançará a indispensável segurança jurídica que deve nortear uma questão já resolvida pelo Judiciário.
Em princípio, deve-se prestigiar a coisa julgada, que é elemento essencial à segurança jurídica e conduz à confiabilidade no judiciário, encontrando guarida na CF, art. 5º, XXXVI, e nos artigos 467, 468 473 e 474 do CPC/73 , devendo, portanto, ser respeitada, somente admitindo-se a rescisão em casos excepcionais, como bem demonstra Ada Pellegrini Grinover: No balanceamento dos valores em jogo, o legislador previu expressamente, no art. 485 do CPC/73, os casos de rescindibilidade da sentença passada em julgado. Mas, diante da relevância do instituto da coisa julgada, tais casos devem ser estritamente aplicados, com especial rigor.
Em resumo, a interpretação das normas excepcionais que regem a rescisória não pode ser extensiva, sob pena de comprometer-se o equilíbrio social, econômico e político da nação.
O STJ pende para a proteção dada à coisa julgada, e para o rigorismo a ser observado nas ações rescisórias, como se percebe em passagens do arresto a seguir:
O Estado tem interesse em proteger a coisa julgada, em nome da segurança jurídica dos cidadãos, mesmo em prejuízo à busca pela justiça. Por esse motivo, as hipóteses de cabimento da ação rescisória são taxativas e devem ser comprovadas estreme de dúvidas...
... No caso de não aplicação da lei ordinária, por motivo de ordem constitucional que mais tarde vem a ser afastada por mudança de orientação jurisprudencial, a ofensa que poderia ser divisada não é à Constituição, mas sim à lei ordinária que a sentença não reconheceu eficácia. Não se pode, data vênia, dizer que, na não aplicação da norma inconstitucional, se tenha configurado uma negativa de vigência de norma constitucional, para declarar-se a própria sentença como inconstitucional e, ipso facto, nula.
Julgando uma ação rescisória onde era tratada a matéria ora abordada, decidiu o TJRS por seu primeiro grupo de Câmaras Cíveis, pelo incabimento da ação em situações tais, como se percebe da ementa da: “Ação Rescisória. Correção monetária. Créditos de ICMS. Decisão controvertida. Não se caracteriza a violação literal dispositivo de lei se, ao tempo em que foi proferida a decisão rescindenda, era controvertida, a interpretação do texto legal nela aplicada, ainda que a jurisprudência do STF venha posteriormente a firmar-se em sentido contrário, favorável ao autor.”.
No curso do voto do relator, depreende-se a razão de tal entendimento: “À época, em vigor a Súmula 16 deste Tribunal, de aplicação obrigatória, de sorte que o v. acórdão antes de violar os dispositivos citados, lhes deu correta interpretação. E não decidiu fora do conteúdo imediato das disposições literais, especialmente de trato constitucional (art. 155, parágrafo 2º, inciso I e XII, alínea c da CF/1988); tampouco o fez contra elas”.
“Ao contrário, pois como diz, efetivamente, a correção monetária não constitui espécies de repetição de indébito, nem ofende, por si, aos princípios constitucionais da não cumulatividade e da isonomia, porque não acarreta qualquer aumento ou redução de débito ou crédito, mas apenas recompõe o valor inicial do poder aquisitivo da moeda solapada pela inflação. Além de ser um mecanismo de satisfação integral de débitos, é fator de Justiça, pois o pagamento de dívida com moeda podre ou defasada enseja o locupletamento indevido do devedor em prejuízo do credor, que receberá sempre menos que lhe é devido.”.
Na oportunidade do julgamento rescindendo, ainda que controvertido, esse era o entendimento dominante do STJ. Com isso, se pretende deixar clara a interpretação dada pelo decisum rescindendo não violou os dispositivos constitucionais e legais em sua literalidade. Deu-lhes, à época, dentro as interpretações cabíveis, a que dominava nos pretórios e que posteriormente acabou sendo acolhida pelo próprio Autor, com o editar das Leis 10.079 e 10.183/94.
Verdade que desse tempo até antes de escoado o biênio sobreveio a decisão do Pretório Excelso, esposando o entendimento em favor do autor. Também revogada a Súmula 16 deste Tribunal. Mais isso não pode ensejar a rescisória, pena de admitir-se se transforme em Recurso de Apelação com prazo de dois anos.
No mesmo sentido, também o primeiro grupo de Câmara Cíveis do TJRS deixou demonstrado que se a decisão rescindenda se ampara em critérios jurídicos lógicos não ofensivos à ordem jurídica vigente, não há razão para alterá-la, já que não viola qualquer preceito legal ou constitucional capaz de ensejar a rescisão. (Ação Rescisória 599480902). Bem como para obstar a admissibilidade dos mesmos pelo
A jurisprudência é rica em decisões que afastam a rescisória em casos onde se busca a revisão em virtude de mudança de posição sobre determinada matéria, traduzindo em verdadeiras lições doutrinárias sobre o cabimento da ação rescisória. Tanto que a jurisprudência não é uma das hipóteses que abre o caminho para a rescisória: A força da jurisprudência é servir ao cabimento de recursos para Tribunais Superiores, bem como para obstar a admissibilidade dos mesmos pelo ato isolado do Relator; mas não tem o condão de, lege data, ensejar o cabimento da Ação Rescisória.
Decidiu o STF, quanto à inviabilidade da ação em comento, diante da mudança de posição dos tribunais sobre certo assunto: Ação rescisória. Se, ao tempo em que foi prolatada a decisão rescindenda, era controvertida a interpretação do texto legal por ela aplicada, não se configura a violação literal de dispositivo da lei, para justificar sua rescisão (art. 485, V do CPC/73), ainda que a jurisprudência do STF venha, posteriormente, a fixar-se em sentido contrário. É essa, aliás, a orientação seguida na Súmula 343. Recurso extraordinário não conhecido.
No STJ, são fartas as decisões a respeito, como a seguinte:
“É pacífico o entendimento desta e.g. Corte no sentido de ser inadmissível ação rescisória fundada em violação a literal disposição de lei, se à época da decisão rescindenda, sua interpretação era controvertida os Tribunais (Súmula 343/STF)”.
“O fato de a pretensão ter sido analisada com ênfase no princípio do direito adquirido, não enseja o cabimento da ação rescisória, por isso que não houve exame da constitucionalidade dos dispositivos legais aplicáveis, causa que afastaria a incidência da Súmula 343/STF”.
O voto do relator Ministro Francisco Peçanha Martins, resume-se a exegese a ser aplicada: É pacífico o entendimento desta egrégia Corte que, se quando prolatada a decisão rescindenda a interpretação era controvertida nos tribunais, é incabível ação rescisória por violação de literal disposição de lei, ainda que a jurisprudência posterior tenha se firmado em conformidade com o pleito da autora.·.
A súmula 343/STF só pode ser afastada quando a decisão rescindenda aplica lei que foi declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso, ou deixa de aplicar aquela declarada inconstitucional.
De grande utilidade referir parte do voto do Ministro Djaci Falcão, prolatado na Ação Rescisória 607-SP, Tribunal Pleno do STF (RTJ 116/438- 451), citada no estudo de Ada Pellegrino Grinover, acima referido:
Trata-se sem dúvida, de matéria controvertida, inclusive no plano jurisprudencial... Ao lado disso, é de se considerar o que dispõe a Súmula 343, in verbis: Não cabe rescisória por ofensa à literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida dos tribunais.
Na verdade, diante duas exegeses, a aceitação de uma delas, havida como a melhor, não imporá, evidentemente, em ofensa à literal disposição de lei. Aí não há que cogitar em interpretação aberrante do texto legal, a que correspondia a previsão inserida no art. 798, I letra c do CPC/1939, aplicável ao caso.
O Estado admite o juízo rescisório com o objetivo de resguardar o ordenamento jurídico, preservando o interesse público, e não apenas o interesse das partes.
A interpretação consubstanciada no verbete 343 situa-se no exato alcance de tranquilidade jurídico- política que deve presidir as decisões da Justiça.
No mesmo sentido restou decidido no julgamento que tem a seguinte ementa: “1. A pretensão deduzida carece de respaldo jurídica a ampará-la. Não cabe ação rescisória para desconstituir julgados se a espoca a matéria era flagrantemente controvertida, ainda que a jurisprudência, em momento posterior, venha a se firmar a favor da parte autora. Aplicação da Súmula 343 do STF”.
“2. De fato, a jurisprudência assente nesta Corte é no sentido de afastar a incidência da aludida súmula, autorizando o processamento da ação rescisória, quando o STF decidir pela inconstitucionalidade de lei aplicada pelo acórdão rescindendo, porquanto, nessa hipótese, a decisão da Suprema Corte, com efeito, ex tunc, declara inválida e ineficaz o dispositivo legal que sustenta o decisum”.
“3. Entretanto, o caso vertente é bem outro. In casu, a toda evidência, o aresto rescindendo tratou do tema em debate sob a perspectiva exclusivamente infraconstitucional, sendo que a análise dos dispositivos constitucionais mencionados foi realizada pelo STF sem qualquer menção à eventual inconstitucionalidade de lei aplicada à hipótese”. (Agravo Regimental na Ação Rescisória 1.842/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, j. 24.10.2001, DJU de 04.02.2002).
De sorte que se torna claro que a mera alternância da orientação jurisprudencial não basta para dar ensejo à ação rescisória, pois se deve ter em mente que a lei busca a proteção da coisa julgada, mantendo a segurança jurídica das decisões. Vigora, portanto, a Súmula 343 do STF.
Desponta certo entendimento doutrinário e jurisprudencial contrário à Súmula 343 do STF nos casos em que a decisão rescindenda declara uma norma inconstitucional e, posteriormente e em outra ação, a mesma norma vem a ser declarada constitucional.·.
Sendo objeto do recurso a constitucionalidade, não incide a Súmula 343, consoante já analisado, sendo a inteligência reiterada do STJ.
Verifica-se a dificuldade que a questão é a mesma exposta anteriormente, onde não cabe a ação rescisória se há a declaração de inconstitucionalidade de uma norma que, posteriormente, torna a adquirir contornos constitucionais.
Nesta hipótese, a posterior declaração incidental de constitucionalidade nada nulifica, não se caracterizando a categoria de inexistência, pelo que ficam a salvo da rescisória as decisões que, na constância do dissídio jurisprudencial, consideram a lei inconstitucional.
Por mais autoridade que tenha o STF, nada mais expõe que uma das posições possíveis no dissídio jurisprudencial, mas não vincula os tribunais, que podem continuar a divergir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei. A própria Corte Suprema pode mudar de orientação e, posteriormente, manifestar-se pela inconstitucionalidade da lei declarada constitucional incidenter tantum.
Referências
RIZZARDO, Arnaldo. Limitações do trânsito em julgado e desconstituição da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
DONADEL, Adriane. A ação rescisória no Direito Processual Civil Brasileiro. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
Todos nós sabemos que omnia definitio periculosa est, o faz ser oportuna a ação rescisória na erudita intelecção de Pontes de Miranda : “Na ação rescisória há julgamento de julgamento”. É, pois, processo sobre outro processo. Nela e, por ela, não se examina o direito de alguém, mas a sentença passada em jugado, a prestação jurisdicional, não apenas apresentada (seria recurso), mas já entregue.
É remédio jurídico processual autônomo cujo objeto é a própria sentença rescindenda, porque ataca a coisa julgada formal de tal sentença – a sententia lata et data. Retenha-se o enunciado: ataque à coisa julgada formal.
Se não houve trânsito em julgado, não há de se cogitar em ação rescisória. É reformável, ou revogável, ou retratável, a decisão.
Tem-se uma ação de natureza constitutiva negativa, consoante já enfatizado, posto que desfaça a situação criada pela sentença que não admite mais recursos, ou extingue a relação jurídica criada pela sentença, podendo rejulgar a matéria, dando-lhe uma nova definição jurídica.
Para propor a ação rescisória, deve-se esgotar o prazo de todos os recursos admitidos pela lei, ou transitar em julgado a sentença, que somente acontece depois de julgados os recursos eventualmente propostos, com o decurso do devido prazo para propor outro recurso.
Não basta o julgamento derradeiro recurso contemplado no ordenamento processual vigente. Deve-se aguardar o prazo de seu trânsito em julgado.
Caso se trate de recurso especial ou extraordinário, uma vez julgado, espera-se o lapso temporal necessário (quinze dias) para propor os embargos de divergência; ingressando, posteriormente, embargos de declaração, o prazo para o trânsito em julgado será de cinco dias.
Atinge-se a preclusão recursal máxima, no sentido de que não mais são admissíveis defesas e recursos normais no processo, exceto nos casos de inexistência do ato ou de sua nulidade absoluta, em que sequer o mesmo se projetou ou se formou.
Mas, não basta essa preclusão recursal máxima ou absoluta. É necessário, ainda, que a sentença não seja passível de modificação em ação adequada.
Novamente nos esclarece Pontes de Miranda que aludiu: “Não há ação rescisória de sentença que pode ser revogada ou reformada, porque a tal sentença falta coisa formal. Nem de sentença inexistente, pois seria rescindir-se o que não é: não se precisaria desconstituir, bastaria, se interesse sobrevém a alguma alusão a essa “sentença”, a decisão declarativa de inexistência. Nem de sentença nula, porque se estaria a empregar o menos tendo-se à mão o mais”.
A ação rescisória é a possibilidade de voltar-se contra a sentença, que se coloca como a última tentativa de se questionar perante o judiciário a coisa definitivamente julgada. Trata-se de ação que visa à impugnação de sentença definitivamente transitada em julgado, desde que seja proposta no lapso temporal de dois anos do decurso jurídico vigente. Há um julgamento de julgamento, mas que não se opera dentro do processo da sentença que se vai rescindir.
Cumpre salientar que existe certo preconceito ou predisposição dos julgadores contra a ação rescisória, o que sempre existiu, como já aludira Jorge Americano , no prefácio de sua obra “Da Ação Rescisória”, sendo aferidos com rigor os requisitos e pressupostos para sua admissibilidade.
Quanto aos dados históricos, sabe-se que, no direito romano , as decisões do pretor tinha caráter de definitividade, principalmente as de caráter particular e aos órgãos superiores, não se sujeitando a impugnações de modo geral. Existiam algumas exceções, como a suplicatio ao imperador e a revocatio, com a possibilidade de retratação ou de revogação. Comum era a segunda espécie, isto é, mera revogação a pedido da parte vencida se verificada a existência de vícios.
Igualmente, ao pretor se reconheceu posteriormente o poder de determinar a restitutio in integrum , que correspondia não apenas à rescisão dos contratos, mas das próprias sentenças proferidas com dolo, ou baseadas em documentos falsos, ou fundadas em erro na aplicação de normas processuais, ou lançadas com suporte em fatos vindos ao pretor a sob a ameaça de violência. Algumas causas da restitutio são as da ação rescisória, como a constatação de documento falso, de dolo, de fraude e a aparição de provas novas.
Sobre essa possibilidade, descreveu Manoel Antonio Teixeira Filho: “A partir de certa fase de desenvolvimento do direito estabelecido em Roma, o Pretor podia ordenar o desfazimento de ato realizado mediante violência, fazendo com que tudo retornasse ao status quo ante”.
“Era a restitutio in integrum. Sendo o ato derivante de dolo, o remédio cabível residia na in integrum restitutio ob dolum; caso acarretasse a diminuição patrimonial do devedor (e prejuízo aos credores), utilizava-se a in integrum restitutio ob fraudem para combater a fraus creditoreum, a despeito de tolerar-se, também, o emprego da interdictum fraudatorum e da ação pauliana”.
Em épocas posteriores, apareceram os recursos, a partir da appellatio, dirigida ao imperador, que, com o tempo, atribuiu o exame a funcionários mais graduados.
Registrou Modestino Martins Netto apud Rizzardo que a rescisão de julgados foi introduzida na península ibérica no século VII, proliferando-se entre os povos que passaram a dominar a Europa, e, assim entre os visigodos e os germanos, mormente quanto às sentenças inquinadas de vícios por suspeição do juiz e de injustiça; ficou sendo conhecida em Portugal no século XIII, com a introdução nas Ordenações Afonsinas e seguindo as Manuelinas. Nessa época, e até antes, no direito italiano, ficou conhecida a chamada querella nullitatis , mas que não tinha o mesmo conceito de rescisória, partindo de causas diferentes.
Apareceu a rescisória, no direito brasileiro, através do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, e perdurando no direito posterior. Antes, sob o regime monárquico, recorda Jorge Americano, havia sérias divergências sobre a admissibilidade da ação rescisória, principalmente nos primeiros tempos de nossa autonomia política.
Maria Conceição Alves Dinamarco ilustra que a ação rescisória é conhecida no direito italiano como revocazione; no direito alemão o instituto equivalente se denomina wiederaufnahme des verfahrens. No direito espanhol aparece no sentido de revisão; em Portugal também tem o significado de revisão; na França há a requête civile.
Reconhece-se que a ação rescisória tem em mira a desconstituição da sentença, enquanto a ação anulatória visa à desconstituição de um ato do processo, ato esse do qual derivou uma sentença, e que a informou.
Para propor a ação rescisória, deve-se consultar a casuística do art. 966 do CPC/2015, não se admitindo outros fundamentos, no que bem decidiu o STJ.
Já para a ação anulatória, a admissibilidade comporta uma análise mais complexa. Primeiramente, a matéria não pode ter sido objeto de discussão pelas partes, ou de enfrentamento pelo juiz, no processo.
Isso tanto para as sentenças meramente homologatórias como as decisões que decidiram controvérsias ou atacaram o mérito. Portanto, o pressuposto é que a matéria não mais esteja submetida a uma viabilidade recursal no processo onde se originou.
No caso das decisões não meramente homologatórias, mas de mérito, somente as nulidades consideradas absolutas para a constituição e validade do processo comportam a ação.
Nessa ordem, incabível uma ação sem a petição inicial, ou desacompanhada a parte de capacidade postulatória, e da devida representação.
Não se permite o seguimento do processo passando por cima de ato imprescindível, como da citação, ou das intimações das partes de todos os atos processuais.
Em resumo, as nulidades que autorizam a ação anulatória dizem com os atos processuais considerados indispensáveis, sem os quais nem se forma o processo, ou não prossegue, encontrando fundamento no art. 5º, inciso LV da CF/88.
Todavia, encontram-se hipóteses previstas para a rescisória que também autorizam a ação anulatória, e que mais se evidenciam nos seguintes incisos do art. 966 do CPC/2015 sem, no entanto, afastar outras.
Novamente com relação à violação literal da lei, Pontes de Miranda traz o exemplo da falta capacidade processual, cabendo o juiz as providências do art. 13 do diploma processual civil de.
Na omissão, é de considerar-se nulo o processo se uma das partes não tem capacidade processual. Sem ela, a relação jurídica processual existe, mas é nula. O juiz pode decretar, de ofício, a nulidade. Não se trata, portanto, de inexistência. Portanto, sobrevindo a capacidade, pode ser suprida.
Se o juiz, após as providências do art.76 do CPC/2015, não pronunciar a nulidade, violou a lei, e a sentença é rescindível.
Surgindo a nulidade absoluta ou nulidade ipso jure, enquanto não refeito o ato, estampa-se a ineficácia absoluta. Não emergem daí os efeitos jurídicos. Diante de tais elementos e contexto, fica inválida a citação, equivalendo-se a não consumação do ato.·.
E, apurada a falta ou nulidade de citação, não se formando a relação processual, corresponde à inexistência de processo válido.
Enseja-se, então, o legítimo caminho da ação anulatória. Não se coíbe à parte lesada que opte por uma ou outra ação, verificado, por exemplo, um ato judicial violador da lei, como citação feita por edital, se tinha o requerido endereço certo.
Assim também, se a confissão, desistência ou transação parte de uma pessoa coagida, ou interditada, fato que se descobre posteriormente à sentença; e se o veredicto se esteia em uma situação, retratada em um documento, que se apura, posteriormente, não existir, como uma promessa de compra e venda, quando o contrato envolveu uma doação.
A ação rescisória com base na mudança da jurisprudência é tema que tem gerado controvérsia, mas que se pacificou. Ou seja, os Tribunais, e principalmente os superiores STF e SJ, depois de algum tempo decidindo de uma maneira, alteram seu posicionamento e passa a entender de forma totalmente diversa, seja porque realmente mudaram de orientação, seja em face de nova composição do órgão julgador.
Como exemplo, temos uma situação que ocorria em alguns Estados, atinente ao direito tributário. Em razão da inexistência, na época, de previsão na legislação estadual a respeito da possibilidade de correção monetária de créditos tributários, mais especificamente saldos credores de ICMS originários de operações anteriores, muitas empresas socorreram-se do judiciário, pretendendo o reconhecimento de dita correção que era negada pelo Fisco.
A pretensão obteve êxito em diversos tribunais estaduais. Nas Cortes superiores, a matéria não alcançou entendimento uníssono, surgindo decisões ora negando e ora concedendo a pretendida correção. Entretanto, a partir de um determinado momento, as turmas passaram a pacificar a mesma orientação, no sentido de negar a correção dos saldos credores do ICMS.
Sustenta-se, como fundamento da rescisão, a mudança de entendimento jurisprudencial, inclusive posicionando-se pela impossibilidade da correção monetária, o que conduziria à viabilidade da ação rescisória. Além disso, representariam as decisões rescindenda ofensa a literal disposição de lei.
Já pela súmula 343 do STF depreende-se que é incabível a ação rescisória, sob esse enfoque: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
No entanto, a eventual mudança de entendimento não se presta para ensejar a rescisão de decisões que já transitaram em julgado, pois se constitui um argumento vulnerável. A mera modificação na composição das Câmaras ou Turmas pode significar uma nova alteração de orientação. Com essas idas e vindas, como fica a propalada segurança jurídica das decisões judiciais? A cada novo posicionamento ajuizar-se-ia uma ação rescisória?
A aceitar essa ideia, nunca haverá decisão definitiva e nem se alcançará a indispensável segurança jurídica que deve nortear uma questão já resolvida pelo Judiciário.
Em princípio, deve-se prestigiar a coisa julgada, que é elemento essencial à segurança jurídica e conduz à confiabilidade no judiciário, encontrando guarida na CF, art. 5º, XXXVI, e nos artigos 467, 468 473 e 474 do CPC/73 , devendo, portanto, ser respeitada, somente admitindo-se a rescisão em casos excepcionais, como bem demonstra Ada Pellegrini Grinover: No balanceamento dos valores em jogo, o legislador previu expressamente, no art. 485 do CPC/73, os casos de rescindibilidade da sentença passada em julgado. Mas, diante da relevância do instituto da coisa julgada, tais casos devem ser estritamente aplicados, com especial rigor.
Em resumo, a interpretação das normas excepcionais que regem a rescisória não pode ser extensiva, sob pena de comprometer-se o equilíbrio social, econômico e político da nação.
O STJ pende para a proteção dada à coisa julgada, e para o rigorismo a ser observado nas ações rescisórias, como se percebe em passagens do arresto a seguir:
O Estado tem interesse em proteger a coisa julgada, em nome da segurança jurídica dos cidadãos, mesmo em prejuízo à busca pela justiça. Por esse motivo, as hipóteses de cabimento da ação rescisória são taxativas e devem ser comprovadas estreme de dúvidas...
... No caso de não aplicação da lei ordinária, por motivo de ordem constitucional que mais tarde vem a ser afastada por mudança de orientação jurisprudencial, a ofensa que poderia ser divisada não é à Constituição, mas sim à lei ordinária que a sentença não reconheceu eficácia. Não se pode, data vênia, dizer que, na não aplicação da norma inconstitucional, se tenha configurado uma negativa de vigência de norma constitucional, para declarar-se a própria sentença como inconstitucional e, ipso facto, nula.
Julgando uma ação rescisória onde era tratada a matéria ora abordada, decidiu o TJRS por seu primeiro grupo de Câmaras Cíveis, pelo incabimento da ação em situações tais, como se percebe da ementa da: “Ação Rescisória. Correção monetária. Créditos de ICMS. Decisão controvertida. Não se caracteriza a violação literal dispositivo de lei se, ao tempo em que foi proferida a decisão rescindenda, era controvertida, a interpretação do texto legal nela aplicada, ainda que a jurisprudência do STF venha posteriormente a firmar-se em sentido contrário, favorável ao autor.”.
No curso do voto do relator, depreende-se a razão de tal entendimento: “À época, em vigor a Súmula 16 deste Tribunal, de aplicação obrigatória, de sorte que o v. acórdão antes de violar os dispositivos citados, lhes deu correta interpretação. E não decidiu fora do conteúdo imediato das disposições literais, especialmente de trato constitucional (art. 155, parágrafo 2º, inciso I e XII, alínea c da CF/1988); tampouco o fez contra elas”.
“Ao contrário, pois como diz, efetivamente, a correção monetária não constitui espécies de repetição de indébito, nem ofende, por si, aos princípios constitucionais da não cumulatividade e da isonomia, porque não acarreta qualquer aumento ou redução de débito ou crédito, mas apenas recompõe o valor inicial do poder aquisitivo da moeda solapada pela inflação. Além de ser um mecanismo de satisfação integral de débitos, é fator de Justiça, pois o pagamento de dívida com moeda podre ou defasada enseja o locupletamento indevido do devedor em prejuízo do credor, que receberá sempre menos que lhe é devido.”.
Na oportunidade do julgamento rescindendo, ainda que controvertido, esse era o entendimento dominante do STJ. Com isso, se pretende deixar clara a interpretação dada pelo decisum rescindendo não violou os dispositivos constitucionais e legais em sua literalidade. Deu-lhes, à época, dentro as interpretações cabíveis, a que dominava nos pretórios e que posteriormente acabou sendo acolhida pelo próprio Autor, com o editar das Leis 10.079 e 10.183/94.
Verdade que desse tempo até antes de escoado o biênio sobreveio a decisão do Pretório Excelso, esposando o entendimento em favor do autor. Também revogada a Súmula 16 deste Tribunal. Mais isso não pode ensejar a rescisória, pena de admitir-se se transforme em Recurso de Apelação com prazo de dois anos.
No mesmo sentido, também o primeiro grupo de Câmara Cíveis do TJRS deixou demonstrado que se a decisão rescindenda se ampara em critérios jurídicos lógicos não ofensivos à ordem jurídica vigente, não há razão para alterá-la, já que não viola qualquer preceito legal ou constitucional capaz de ensejar a rescisão. (Ação Rescisória 599480902). Bem como para obstar a admissibilidade dos mesmos pelo
A jurisprudência é rica em decisões que afastam a rescisória em casos onde se busca a revisão em virtude de mudança de posição sobre determinada matéria, traduzindo em verdadeiras lições doutrinárias sobre o cabimento da ação rescisória. Tanto que a jurisprudência não é uma das hipóteses que abre o caminho para a rescisória: A força da jurisprudência é servir ao cabimento de recursos para Tribunais Superiores, bem como para obstar a admissibilidade dos mesmos pelo ato isolado do Relator; mas não tem o condão de, lege data, ensejar o cabimento da Ação Rescisória.
Decidiu o STF, quanto à inviabilidade da ação em comento, diante da mudança de posição dos tribunais sobre certo assunto: Ação rescisória. Se, ao tempo em que foi prolatada a decisão rescindenda, era controvertida a interpretação do texto legal por ela aplicada, não se configura a violação literal de dispositivo da lei, para justificar sua rescisão (art. 485, V do CPC/73), ainda que a jurisprudência do STF venha, posteriormente, a fixar-se em sentido contrário. É essa, aliás, a orientação seguida na Súmula 343. Recurso extraordinário não conhecido.
No STJ, são fartas as decisões a respeito, como a seguinte:
“É pacífico o entendimento desta e.g. Corte no sentido de ser inadmissível ação rescisória fundada em violação a literal disposição de lei, se à época da decisão rescindenda, sua interpretação era controvertida os Tribunais (Súmula 343/STF)”.
“O fato de a pretensão ter sido analisada com ênfase no princípio do direito adquirido, não enseja o cabimento da ação rescisória, por isso que não houve exame da constitucionalidade dos dispositivos legais aplicáveis, causa que afastaria a incidência da Súmula 343/STF”.
O voto do relator Ministro Francisco Peçanha Martins, resume-se a exegese a ser aplicada: É pacífico o entendimento desta egrégia Corte que, se quando prolatada a decisão rescindenda a interpretação era controvertida nos tribunais, é incabível ação rescisória por violação de literal disposição de lei, ainda que a jurisprudência posterior tenha se firmado em conformidade com o pleito da autora.·.
A súmula 343/STF só pode ser afastada quando a decisão rescindenda aplica lei que foi declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso, ou deixa de aplicar aquela declarada inconstitucional.
De grande utilidade referir parte do voto do Ministro Djaci Falcão, prolatado na Ação Rescisória 607-SP, Tribunal Pleno do STF (RTJ 116/438- 451), citada no estudo de Ada Pellegrino Grinover, acima referido:
Trata-se sem dúvida, de matéria controvertida, inclusive no plano jurisprudencial... Ao lado disso, é de se considerar o que dispõe a Súmula 343, in verbis: Não cabe rescisória por ofensa à literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida dos tribunais.
Na verdade, diante duas exegeses, a aceitação de uma delas, havida como a melhor, não imporá, evidentemente, em ofensa à literal disposição de lei. Aí não há que cogitar em interpretação aberrante do texto legal, a que correspondia a previsão inserida no art. 798, I letra c do CPC/1939, aplicável ao caso.
O Estado admite o juízo rescisório com o objetivo de resguardar o ordenamento jurídico, preservando o interesse público, e não apenas o interesse das partes.
A interpretação consubstanciada no verbete 343 situa-se no exato alcance de tranquilidade jurídico- política que deve presidir as decisões da Justiça.
No mesmo sentido restou decidido no julgamento que tem a seguinte ementa: “1. A pretensão deduzida carece de respaldo jurídica a ampará-la. Não cabe ação rescisória para desconstituir julgados se a espoca a matéria era flagrantemente controvertida, ainda que a jurisprudência, em momento posterior, venha a se firmar a favor da parte autora. Aplicação da Súmula 343 do STF”.
“2. De fato, a jurisprudência assente nesta Corte é no sentido de afastar a incidência da aludida súmula, autorizando o processamento da ação rescisória, quando o STF decidir pela inconstitucionalidade de lei aplicada pelo acórdão rescindendo, porquanto, nessa hipótese, a decisão da Suprema Corte, com efeito, ex tunc, declara inválida e ineficaz o dispositivo legal que sustenta o decisum”.
“3. Entretanto, o caso vertente é bem outro. In casu, a toda evidência, o aresto rescindendo tratou do tema em debate sob a perspectiva exclusivamente infraconstitucional, sendo que a análise dos dispositivos constitucionais mencionados foi realizada pelo STF sem qualquer menção à eventual inconstitucionalidade de lei aplicada à hipótese”. (Agravo Regimental na Ação Rescisória 1.842/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, j. 24.10.2001, DJU de 04.02.2002).
De sorte que se torna claro que a mera alternância da orientação jurisprudencial não basta para dar ensejo à ação rescisória, pois se deve ter em mente que a lei busca a proteção da coisa julgada, mantendo a segurança jurídica das decisões. Vigora, portanto, a Súmula 343 do STF.
Desponta certo entendimento doutrinário e jurisprudencial contrário à Súmula 343 do STF nos casos em que a decisão rescindenda declara uma norma inconstitucional e, posteriormente e em outra ação, a mesma norma vem a ser declarada constitucional.·.
Sendo objeto do recurso a constitucionalidade, não incide a Súmula 343, consoante já analisado, sendo a inteligência reiterada do STJ.
Verifica-se a dificuldade que a questão é a mesma exposta anteriormente, onde não cabe a ação rescisória se há a declaração de inconstitucionalidade de uma norma que, posteriormente, torna a adquirir contornos constitucionais.
Nesta hipótese, a posterior declaração incidental de constitucionalidade nada nulifica, não se caracterizando a categoria de inexistência, pelo que ficam a salvo da rescisória as decisões que, na constância do dissídio jurisprudencial, consideram a lei inconstitucional.
Por mais autoridade que tenha o STF, nada mais expõe que uma das posições possíveis no dissídio jurisprudencial, mas não vincula os tribunais, que podem continuar a divergir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei. A própria Corte Suprema pode mudar de orientação e, posteriormente, manifestar-se pela inconstitucionalidade da lei declarada constitucional incidenter tantum.
Referências
RIZZARDO, Arnaldo. Limitações do trânsito em julgado e desconstituição da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
DONADEL, Adriane. A ação rescisória no Direito Processual Civil Brasileiro. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008.