O QUE É CIDADANIA
 
                                                       Carlos Orlando Fonseca de Souza
 
 
                   Para que se possa definir o que é cidadania, devemos fazer uma retrospectiva do termo ao longo dos séculos, atentando-se para cada momento histórico em que ele foi empregado e, ainda, na semântica de cada região na qual se fazia uso do referido instituto.
 
                   O termo cidadão deriva do latin civitas, que na Roma Antiga servia para designar as pessoas nascidas dentro dos seus domínios geográficos e que em razão do jus solis, tinham a sua existência reconhecida pelo Estado e ditas como aptas ao convívio com a sociedade civil romana. A partir deste termo ocorre a derivação para outros, daí que, no mesmo liame linguístico e de igual semiótica emerge outro termo correlato, como seja a civilidade, que aos auspícios do Estado, também era utilizado para designar a qualidade de cada pessoa para bem coabitar com os patrícios.
                        
                   A sociedade civil romana se constituía de núcleos populacionais, que na afinidade com a mesma vertente etimológica do termo civitas, vieram a ser denominados de cidades, a dar origem a mais outro termo, o de cidadão, para designar o indivíduo que habitava em tais núcleos.
                          
                   O termo civitas se contrapunha a outro, o dito barbariumque de outra sorte e a exemplo do que faziam os gregos, era utilizado para se referir a uma pessoa tida como não civilizada. Segundo os romanos, todo aquele nascido fora das fronteiras de Roma era dito como bárbaro.
                          
                   Na afinidade com o termo civitas, vem daí, da Roma Antiga, os princípios que chegaram até nós, de que o cidadão deva ter zelo pela coisa pública, pelo bem comum, pelo respeito ao meio, pela boa convivência com o Estado etc... e de que, agir como pessoa civilizada, significa não agir com a rusticidade dos bárbaros, historicamente conhecidos pelo vandalismo, pela crueldade e pelo desamor a arte.
             
                   Desta concepção de civilidade, naquilo que se deriva para a formação da palavra cidadania, podemos dizer que, atualmente, a eles sejam correlatos os pressupostos:   - do respeito as normas, de não destruir o bem público; de não pichar os logradouros públicos; de conservar os coletivos; de não jogar lixo nas calçadas e de não destruir telefones públicos, dentre outros e, ainda, que a ambos  sejam observadas as praticas dos atos de gentileza a exemplo de, se cumprimentar as pessoas nas ruas, ao se dizer bom dia, boa tarde ou boa noite; de se agradecer ao receber uma ajuda; de  se pedir desculpa quando se erra, de se dizer obrigado ao receber um favor e, na hipótese do conflito, de se disponibiliar a conversação e ao acordo..
                           
                   Mais além, desta vez quanto as relações com o Estado, é irrefutável que cidadania também diz respeito a um interagir entre a servidão e o poder, num contexto de deveres e direitos, daí que também significa que a pessoa se obriga: - ao pagamento de tributos; ao exercício do voto; ao serviço militar; ao cumprimento das leis e a preservação da coisa pública, dentre outros.
 
                   Ainda, neste interagir ,  o Estado, por sua vez, se obriga a dar ao cidadão: - Saúde, educação, segurança, assistência jurídica e judiciária, liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, proteção a sua família, direito a propriedade, direito de petição, direito a dignidade, direito ao trabalho, direito a moradia, dentre outros.
               
                   Volvendo ao outro ponto, no que se vinha falando sobre a vida social e ainda em retrospectiva, desde a mais remota experiência política primitiva, o homem transita por diversas experiências sociais, a começar pela formação dos pequenos grupos: família, clãs e tribos, até a posterior formação das primeiras e grandes nações, quando desta evolução, finalmente, alcança a um ponto final, que é a formação dos primeiros grandes estados, que no estudo da história das civilizações, marcam o início da idade antiga, a exemplo do Egito, Pérsia, Fenícia, Babilônia, Roma e Grécia.
                 
                   A partir de então, com o surgimento de uma sociedade politicamente organizada, passa-se a conviver com uma nova relação, de um lado o homem e de outro o Estado, que desde o início já se observa tratar de uma relação complexa, cujo desnível logo passa a ser visto como uma dificuldade no interagir, de um lado o poder e de outro, a servidão. Esta convivência, aos poucos vai se aprimorando, ao ponto de que, finalmente se reconhece pela necessidade de instituir valores a individualidade, daqueles que integram o Estado. É a conclusão óbvia de que ele, o Estado, não existe sem o trabalho de um povo.
 
                   Na individualidade de cada pessoa que integra um Estado, já na Roma Antiga, como já visto, sob a denominação de civitas, estes valores individuais passaram a ser prestigiados pelo Estado, daí a nomenclatura cidadão que aflora no mundo pela primeira vez e que mais tarde universalizou e chegou até nós. 
                 
                   Prosseguindo nesta retrospectiva, mais tarde ocorre o aprimoramento político, já no advento da idade moderna, com as ideias dos grandes pensadores que integraram o movimento conhecido como iluminismo, bem como pela ocorrência de fatos históricos marcantes tais como a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, quando a sociedade passa a impor ao Estado, que o elemento cidadão seja respeitado e que sejam reconhecidos os seus direitos e garantias individuais.
               
                   De grande valia foi a contribuição do pensamento dos iluministas, bem como do aprimoramento político com a formação da Federação Americana que deu origem aos Estados Unidos da América em 1776. Tal a envergadura dos referidos fatos históricos/políticos, que vieram a inspirar aos constituintes da França Revolucionaria a aprovar em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizado em dezessete artigos e um preâmbulo, a essência da cidadania, a irradiar pressupostos para o mundo moderno.
                           
                    Pela primeira vez e de forma documental, são proclamadas as liberdades e os direitos fundamentais do homem, sob o reconhecimento político da sociedade, a refletir, mais tarde, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217-A da Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948.  

                   No Brasil, hodiernamente, os valores da cidadania estão consignados na Carta Política da República, como seja, na Constituição de 1988, quando sob o título Dos Direitos e Garantias Fundamentais e em capitulo próprio denominado de Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, embora que neles o constituinte em nenhuma partícula tenha expressado o termo cidadania, ainda assim é consenso de que, no referido bloco normativo, se condensam as normas pertinentes ao instituto, no texto da Magna Carta.
 
                   A propósito das conquistas legiferadas em prestigio a cidadania, ressalte-se, ainda, conquanto a letra da lei e da constituição possa trazer fascínio com os belos dizeres, expressando isso ou aquilo, como se bastasse, nunca esqueçamos que ele, o Estado (o mesmo que edita tais leis), em muitas vezes é o maior sonegador dos direitos do cidadão daí que a tal liberal-democracia que se prega no país, nela se preconiza que o cidadão, vulnerados seus direitos, possa agir com insurgência, contra o Estado, seja através das manifestações em massa ou seja através do uso das instituições, dentre as quais o judiciário.
      
                   Ultrapassados os referenciais normativos, passando-se doravante a contribuição da doutrina jurídica acerca da cidadania, afloram os ensinamentos do jurista Dalmo Dalari, que assim ensina: "A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social".
 
                   Celso Ribeiro Bastos por sua vez, ao se reportar sobre o elemento humano que integra o Estado, como seja, o cidadão, assim contribui: "o Estado é uma sociedade e, como tal, envolve necessariamente a existência de membros, de pessoas que a integram. Há, portanto, um vínculo, um nexo de participação das pessoas na realidade estatal. Daí poder-se reconhecer o caráter eminentemente jurídico desse vínculo de filiação".               
 
                   Por último, quando falamos que o termo cidadania tem significados distintos, dependendo do momento histórico e da região onde ele é empregado, para que se tenha uma boa conclusão neste sentido, passamos a nos reportar sobre a noção de cidadania que nos era enfiada goela abaixo na época do regime militar que vigorou no Brasil por 20 anos. O tema cidadania era trabalhado dentro de uma pedagogia marcada pelo dirigismo estatal, de acordo com a ideologia vigente à época, dentro de uma instituição chamada escola e com o engendramento de um elemento curricular propositadamente criado pelo Estado, como forma de dominação, numa disciplina denominada de Educação Moral e Cívica.
             
                   Dentro deste elemento curricular, o tema cidadania era veiculado dentro de um nacionalismo com indicativos pedagógicos ao se ensinar deveres, tais como: - respeito aos símbolos nacionais, respeito as forças armadas, respeito as autoridades constituídas e a autoridade suprema do Presidente da República, não atentar contra a ordem e que ser bom cidadão era: - não ser subversivo, não fazer greve, não falar mal do governo, não ir às ruas para protestar, mesmo que: - explorado e mal remunerado pelo patrão, desassistido pela saúde pública e sem escola para os filhos, e em muitos casos, injustamente preso por discordar do governo da época.
 
                   Enfim, é de se concluir que a cidadania não nasceu como um presente caído de céu, como um clicar fiat lux dos dedos do criador, surgindo do nada; ao contrário, cidadania decorre de um processo histórico e vem forjada a ferro e sangue dos nossos antepassados.  
              
                   Além da conquista legal ou constitucional de alguns direitos, é necessário que o cidadão vá até as ruas, vá até aos gestores públicos, vá até a imprensa, vá até ao judiciário. Faça valer os seus direitos.

                                 Macapá-AP 28/11/2015