Democracia e a regra da maioria

Há para a definição da teoria da democracia a confluência de três grandes tradições do pensamento político: a) a teoria aristotélica que prevê três formas de governo, que definiu a democracia como governo do povo, de todos os cidadãos e que se distingue da monarquia, com o governo de um só, e que, se distingue do governo da aristocracia ou de poucos, também chamada de oligarquia.

Já a teoria medieval de origem romana apoiada na soberania popular conforme o poder deriva do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior.

A teoria moderna inspirada em Maquiavel e nascida com o Estado moderno na forma das grandes monarquias: cujas formas históricas de governo são essencialmente duas: a monarquia e a república.

O problema da democracia é bem antigo tanto quanto qualquer reflexão sobre política e tem sido reformulado em todas as épocas. Os juristas medievais elaboraram a teoria da soberania popular, partindo de conhecidas passagens do Digesto particularmente de Ulpiano que fez a célebre afirmação de que o príncipe tem autoridade porque o povo lhe deu e a de Juliano, onde se diz que o povo cria o direito não apenas do voto, dando vida às leis e aos costumes.

Enquanto a causa primeira do Estado é o legislador, o governante seria a causa secundária, sendo executiva e instrumental, pois no sentido de quem governa age pela autoridade que lhe foi outorgada para tal fim pelo legislador e segundo a forma que este lhe indicar.

Importante é não confundir a doutrina da soberania popular com a doutrina contratualista até porque nem sempre teve êxitos democráticos (basta pensar em Hobbes e em Kant que foi contratualista sem ser democrático).

Na teoria contemporânea a democracia tende a esgotar-se num elenco relativamente amplo e expondo as seguintes definições:

a) O órgão político máximo, a quem é assinalada a função legislativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo, em eleições de primeiro ou segundo grau;

b) Junto do supremo órgão do legislativo deve haver outras instituições dirigentes eleitos, tal como acontece nas repúblicas;

c) Todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, credo, de censo e possivelmente de sexo devem ser eleitores;

d) Todos os eleitores devem ter direito a voto igual;

e) Todos os eleitores devem ser livres e votarem de acordo com sua opinião formada o mais possível, isto é, numa disputa libre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional;

f) Devem ser livres também no sentido de ser postos em condições de ter reais alternativas;

g) Vale-se do princípio da maioria numérica ou a regra da maioria;

h) Nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se a maioria em paridade de condições;

i) O órgão do Governo deve gozar de confiança do Parlamento ou do Chefe do Poder Executivo, por sua vez, eleito pelo povo.

Partindo da premissa que a vontade da maioria não é absoluta e realmente sofre diversas limitações. A fraternidade compreendida como categoria política, pode se apresentar como um legítimo ponto de equilíbrio entre o exercício da democracia e os modos de formação e expressão da vontade coletiva.

A democracia e a regra da maioria são dois conceitos que atravessaram a história do pensamento político mundial permanecendo numa constante tensão.

Durante séculos vários filósofos e juristas se dedicaram sobre teorias que tentavam responder as indagações sobre um conflito; a regra da maioria é o pressuposto para a democracia?

Afinal, a democracia é o governo da maioria? E a decisão majoritária é absoluta? É a melhor forma de se auferir a decisão coletiva? E, por fim, a maioria tem sempre a razão? Responder tais questões ainda é um desafio a cumprir.

Assim nos sistemas políticos democráticos a regra da maioria é aplicada tanto para eleger os que serão detentores do poder de tomar decisões que afetarão a sociedade, como para fixar das deliberações dos órgãos colegiados supremos e, assim, conferir condição necessária e suficiente à regularidade (ou validade) dos sistemas.

Saber qual o sistema democrático efetivamente se caracteriza pela presença da regra da maioria fez com que muitos estudiosos entendessem que a democracia e a regra da maioria fossem semelhantes, e guardassem identidade em seu significado, compreensão e tratamento.

A fraternidade detém a potencialidade para atuar na condição de “Terceiro Ausente” , e a resolutividade para estabelecer o exercício da pacificação, em perfeito Estado Constitucional e, assim, confirmar-se como legítimo ponto de equilíbrio entre o exercício da democracia e os mecanismos de formação e expressão da vontade coletiva, como no caso da regra majoritária, assentes no Estado político.

Oportuno é esclarecer que a expressão "Terceiro Ausente" é indicada por Norberto Bobbio (2009), na obra "O Terceiro Ausente: ensaios e discursos sobre a paz e a guerra" que serve de fio condutor para as discussões sobre o afastamento da guerra (metáfora de qualquer conflito que guarde sintonia com o Estado Político) e da construção da paz (simbólico das relações e do diálogo que se espera presente no Estado constitucional), tarefas estas que, se a liberdade e a igualdade não atingiriam, a fraternidade, enquanto que o terceiro ausente, carrega em si a potencialidade do fazer-se plena e capaz de estabelecer declarações e manifestações públicas.

A democracia teve sua origem na Antiguidade Clássica, e nasceu vinculada à noção de decisão no espaço público, em oposição ao mundo doméstico, e a partir da ação direta do cidadão livre na polis. Portanto, é no século V a.C., na áurea Atenas e nos ideais de Sólon e Clístenes, na ágora, que nascia a democracia.

Nessa época, referia-se a democracia direta, a qual significava a participação de todos os cidadãos em todas as decisões a eles pertinentes.

Mas, é necessário reconhecer que a democracia direta no mundo contemporâneo é notadamente impossível. Assim, vivenciamos uma sociedade complexa e plural, e no caso brasileiro, com abissais discrepâncias tanto econômicas, como sociais e culturais.

A dimensão e a complexidade do Estado-Nação contemporâneo evoluíram para a forma representativa de democracia, onde poucos representam muitos na esfera decisional de poder.

A expressão tirania da maioria foi cunhada pelo pensador francês Alexis de Tocqueville, ao alertar que o desenvolvimento democrático dos povos dois grandes perigos possíveis de acontecer: o primeiro seria o aparecimento da sociedade de massa permitindo que se realizasse uma Tirania da Maioria.

Pela democracia representativa, o cidadão se encontra numa espécie de polo passivo do poder público, ou seja, seu poder se limita ao voto. Assim possuía permissão de escolher um representante que, se eleito por maioria dos votos, tomará as decisões políticas em consonância com sua vontade.

E, essa escolha passa a obrigar a todos os demais, inclusive os que tinham opiniões divergentes, que não escolheram o representante eleito.

De qualquer forma a participação do cidadão é condição fundamental da democracia, sendo simbólico de autênticos ideais, sentido estes pertinentes à regra da maioria e da democracia e que não ressente da "arte do governo" de que nos alertou Bobbio e que não cansam de ressurgir: "o político, tal como o médico, o comerciante, o padre, não poderia exercer seu ofício sem obedecer a um código".

O primeiro significado positivo para a participação de todos os cidadãos seria em estabelecer um diálogo constante com seus representantes eleitos, chamando-os a responder de maneira precisa pelas decisões tomadas.

Afinal, o que qualifica o sistema representativo, a relação política fundamental, é o eixo vertical de baixo par cima, estabelecido entre o eleito e o eleitor.

Assim a soberania do cidadão acaba sendo levada em consideração somente na hora do voto, à qual se seguem períodos breves ou longos, mas eivados de verdadeira alienação política.

O mecanismo indireto de democracia trouxe a conhecida regra da maioria que corresponde exatamente à manifestação do indivíduo colocado na cena da vida pública. No caso, ao menos de forma indireta, o poder público fica nas mãos de uma maioria de cidadãos que escolheram seus representantes para que estes ajam e decidam de acordo com seus interesses.

Contudo, no sistema representativo no momento que eleito, o representante se desvincula dos seus eleitores/representados e passa a ter autonomia para decidir conforme a sua consciência até o término de seu mandato.

Assim então, as pessoas possuem duas características: na medida em que tem confiança do corpo eleitoral: a) uma vez eleito não é mais responsável perante os próprios eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável ; b) não é responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque convocados a tutelar os interesses gerais da sociedade civil e não os interesses particulares desta ou daquela categoria.

Então, na democracia representativa a vontade da maioria e o poder delegado por esta, obrigam a todos, mesmo as minorias excluídas do polo decisional.

Com tal fato, questiona-se: é possível afirmar que a vontade da maioria sempre prevalece sobre a das maiorias, independentemente de ser justa ou injusta, ser boa ou má? Afinal: a maioria sempre está com a razão?

A regra da maioria é tanto usada para eleger quem serão os detentores do poder decisional e que afeta a sociedade como um todo, como também para fixar as deliberações dos órgãos colegiados supremos. Porém, Bobbio alerta que isso não significa que a regra da maioria seja exclusiva dos sistemas democráticos e que nos sistemas de decisões colegiadas sejam tomadas somente com base nessa regra.

Afinal a democracia e a regra de maioria só têm uma parte em comum: esta pode ser superposta, já que, por um lado, podem existir sistemas políticos não democráticos que apliquem a mesma regra de maioria tanto na eleição do órgão decisório supremo como na tomada de decisões de grande importância.

Por outro lado, nos sistemas democráticos há determinações coletivas que não são tomadas com base no sistema de maioria, mas nem por isso, esses sistemas deixam de ser democráticos.

Ao afirmar que a democracia é o governo da maioria isso não significa afirmar que se exerça o poder mediante a regra da maioria propriamente dita. A maioria se estende ao sujeito coletivo do poder politico, indicando, assim, quantos governam e não como governam.

O fato de a maioria estar com a razão não é mera casualidade e nunca uma tendência. Há vários exemplos históricos que retratam isso, não apenas em guerras e revoluções, nas quais maiorias tomam decisões que violam até os direitos fundamentais das minorias, mas também no cotidiano político, em que grupos minoritários são obrigados a assimilar sua vontade, na condição de detentores legítimos do poder.

Na obra consagrada "O que é a democracia?" de Alain Touraine que elabora uma possível solução para findar ou minimizar os efeitos deste conflito entre maiorias com as minorias.

Lembremos que a democracia não é compatível com a rejeição das minorias e nem mesmo a rejeição da maioria pelas minorias, e com a afirmação de contraculturas e sociedades alternativas que já não se definem por sua posição conflitante, mas pela sua rejeição da sociedade considerada como discurso de dominação.

Registre-se que Bobbio classificou os argumentos que justificam a regra da maioria em técnicos e axiológicos. Em relação ao primeiro argumento, de teor técnico, costuma-se sustentar que a regra possibilita o alcance de uma decisão conjunta entre pessoas de opiniões diferentes.

Entretanto, já para os que se valem do último argumento, o de teor axiológico, a regra é racional porque garante alguns valores fundamentais tais como a liberdade e igualdade (Kelsen).

Em contrapartida, Bobbio entende que o princípio da maioria não pressupõe a ideia de igualdade e liberdade, de modo que esses valores não serviriam para justificar o princípio da maioria.

Repise-se que Bobbio insiste na concepção de que a regra da maioria não coincide necessariamente com a democracia. Assim, ao lado desta regra, o acordo firmado entre partes independentes também indica outro importante mecanismo de formação da vontade coletiva.

Neste último, diferentemente da vontade coletiva formada pela maioria, há um resultado positivo, isto é, o resultado de um compromisso, cuja forma típica é o contrato, geralmente é de soma positiva, a saber, um resultado no qual, ambos os sócios ganham algo...

Bobbio ainda identifica para o bom funcionamento democrático três limitações pertinentes à regra da maioria, a saber, o limite de: validade, aplicação e eficácia.

O limite de validade da regra da maioria questiona se esta vale em qualquer caso, ou seja, se possui uma validade absoluta. Quem aceita participar da formação de certa decisão ou eleição deve aceitar a regra da maioria como um procedimento, que faz parte das regras do jogo.

Os limites da aplicação da regra da maioria, por sua vez, devem ser entendidos, tendo em vista que existem algumas matérias sobre as quais o princípio da maioria não pode ser aplicado na decisão, sob pena de promover uma decisão injusta, ou inadequada.

Já os limites de eficácia da regra da maioria são todas aquelas promessas que a sua aplicação pretendia, mas que acabou não podendo ser cumprida. Uma das promessas não cumpridas seria a possibilidade de reversão das decisões tomadas. Assim, caso a minoria se tornasse a maioria, seria possível esta nova maioria modificar as decisões anteriores tomadas por aquela outra.

Mas, a regra majoritária não deve ser entendida como algo absoluto e nem tampouco como um pressuposto para a democracia, fazendo-se necessário deter-se a atenção para seus limites e aporias .

Observa-se também que a fraternidade poderá desempenhar papel político se for capaz de interpretar e transformar o mundo real em que vivemos, assim mostrando sua eficácia prática.

E, ao enfatizar a liberdade e a igualdade em detrimento da fraternidade, a modernidade só acentuou ainda mais os aspectos individualistas e egoístas dos Direitos Humanos, esquecendo-se do caráter social, fraterno e solidário desses mesmos direitos, que não são simplesmente do indivíduo e dos grupos ou classes, mas também do "outro", do mais pobre e do mais desfavorecido.

O direito sempre fora interpretado à luz do soberano, representado contemporaneamente pelos Estados-Nação.

Com isto, na cena contemporânea da agenda política, a fraternidade passa a ocupa lugar de destaque, tal qual ocupara no passado e continua atualmente, mas, desta feita, dividindo o espaço com os princípios da liberdade e da igualdade.

Todo conflito encerra ou com a vitória ou com a derrota de um dos lados. É importante abrir-se para uma virada que fora proposta a partir da DUDH - Declaração Universal de Direitos do Homem (1948) que persiste no paradigma dos princípios da liberdade e da igualdade, o anúncio da fraternidade pode entreabrir para uma nova oportunidade, qual seja, uma velha lição que introduza uma transformação nas relações entre os Estados de solucionar os conflitos, segundo o viés democrático, onde a regra majoritária detém novo alcance.

Todo conflito termina com a vitória de um dos rivais, ou então, com a intervenção de um Terceiro, ou acima, ou no meio, ou contra os dois rivais.

Em outras palavras, se um conflito deve ser solucionado por meio da força, um dos dois conflitantes deverá ser eliminado. Deve-se ser solucionado pacificamente, é preciso que surja um Terceiro no qual as partes confiem ou ao qual se submetem.

Assim no democrático atual, a participação liga-se a sua identidade - o direito à informação que surge como parceira de todo espaço ligado à rede democrática, no caso, o lugar onde é estabelecido o pacto dos mecanismos participativos.

A informação é um fundamento essencial da democracia em todos os níveis. Em sentido mais genérico, a democracia gira em torno da capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta.

O desafio sobre o desenvolvimento humano tem como principal temática aprofundar a democracia em um mundo fragmentado, e dá conta de três benefícios da participação democrática: um direito humano fundamental; a participação democrática é representativa de proteção contra as catástrofes econômicas e politicas e, é base para desencadear um círculo virtuoso de desenvolvimento.

Assim define-se com base no princípio da maioria , como conjunto de regras que permitem solucionar os conflitos de interesses e também de princípios entre muitos sujeitos sem que seja necessário recorrer ao uso de força recíproca (Bobbio).

O referido conceito tangencia as características dos movimentos da não violência, de cuja doutrina Gandhi é um dos principais expoentes. E, mais recentemente Hannah Arendt.

Posto que a democracia propriamente seja pelo uso da não violência e o recurso ao compromisso para resolver os conflitos sociais.

A questão da maioria na perspectiva de fortalecimento democrático na cena contemporânea nos remete a uma construção kelseniana, como um instrumento para a realização da ideia de democracia de Schmitt que só a compreendia pelo viés da igualdade, enquanto instrumento estabelecedor da própria igualdade e, portanto, ensejador da democracia.

A construção kelseniana abriga a jurisdição constitucional e democracia, e a de Schmittiana, a jurisdição constitucional e política e, ambos, ocupam o mesmo espaço, o da jurisdição constitucional e o poder (do Estado ou da Norma fundamental), acaba sendo a mesma flagrante história de defesa da democracia (ou, não seria o seu estabelecimento?).

Como podemos encontrar o equilíbrio no debate sobre o Estado Democrático, e, ainda compreender as principais questões políticas fundamentais que estão a ocupar a agenda da atualidade, e para que, se possa ser repensada a fraternidade na tônica do espaço público no Estado Constitucional.

No despontar do constitucionalismo e da democracia podem, eventualmente, aparecer pontos de tensão, posto que a vontade da maioria possa ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais, orgânicos ou processuais da Constituição. Em princípio, cabe à jurisdição constitucional efetuar esse controle e garantir que a deliberação majoritária observe o procedimento prescrito e não vulnere os consensos mínimos estabelecidos na Constituição.

Caberá à filosofia política examinar as questões fundamentais de nosso tempo, como analisar a jurisdição constitucional exsurge como legítimo ponto de equilíbrio entre o exercício da democracia e dos mecanismos de formação da vontade coletiva, como, por exemplo, a regra majoritária e, desse modo deve assegurar o equilíbrio das forças que se estabelece entre a salus republicae (salvação do Estado) e a Suprema Lex (lei suprema).

Enfim, a regra majoritária isolada não consegue exercer a tarefa que lhe cabe na dinâmica democrática.

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GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 21/11/2015
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