O ESTADO DE RONDÔNIA ESTÁ INADIMPLENTE COM A PROMESSA CONSTITUCIONAL DE GARANTIR A POPULAÇÃO DE COSTA MARQUES A PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA

O ESTADO DE RONDÔNIA ESTÁ INADIMPLENTE COM A PROMESSA CONSTITUCIONAL DE GARANTIR A POPULAÇÃO DE COSTA MARQUES A PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA

FALTA DEFENSOR PÚBLICO DE CARREIRA PARA ATENDER OS NECESSITADOS DE COSTA MARQUES E SÃO DOMINGOS DO GRAPORÉ – RO

Chama a atenção, ainda, o enorme número de Defensores Públicos lotados na capital, cerca de 34, de um total de 65 defensores públicos em atividade, conforme fls. 52/54, ao passo que nas Comarcas situadas na BR 429 (Alvorada D’Oeste, São Miguel D’Oeste, São Francisco e Costa Marques) não há a presença de sequer um Defensor Público

Primeira Entrância

Comarca de Costa Marques

1ª Vara Cível

Proc.: 0001119-37.2015.8.22.0016

Ação:Ação Civil Pública

Impetrante:Ministério Público Estadual

Impetrado:Estado de Rondônia

DECISÃO:

DECISÃO Vistos.Trata-se de ação civil pública de obrigação de fazer com pedido liminar de antecipação de tutela ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia em face do ESTADO DE RONDÔNIA, CONFÚCIO AIRES MOURA (Governador do Estado) ou do Procurador-Geral do Estado.Narra o autor que não há servidor efetivo responsável pelo Núcleo da Defensoria de Costa Marques, informando que atividade fim desse órgão sempre foi exercida por ocupantes de cargos em comissão, que atuavam como se Defensores Públicos fossem, circunstância que perdurou até 19/02/2015, data em que foi publicada Resolução CSDPE/RO n. 29/2015. Aduz que desde então tem-se nomeado advogados dativos para prestar assistência jurídica aos réus em feitos criminais. A Defensoria Pública informou que, de fato, há escassez de profissionais em todo Estado e que os recursos repassados pelo Estado de Rondônia são insuficientes para lotar ou designar Defensores Públicos, ainda diz que há concurso vigente com aprovados que aguardam a nomeação.O Ministério Público pleiteia a concessão de liminar para lotar em definitivo, um Defensor Público no núcleo da DPE/RO em Costa Marques e aplicação de multa em caso de descumprimento. Ao final, requer a procedência do pedido e confirmação da tutela antecipada. Com a inicial juntou documentos - fls. 15/56.Relatei. Decido.A ação civil pública intentada pelo Ministério Público Estadual em face do Estado de Rondônia discute a necessidade de lotação de Defensor Público na comarca de Costa Marques de forma definitiva, em atendimento aos ditames inseridos em nossa Carta Magna, relativos à instituição da Defensoria Pública no âmbito dos Estados-membros. A possibilidade de concessão de liminar em ação civil pública vem disciplinada nos arts. 11 e 12 da Lei 7.347/85, in verbis: Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. Art. 12. Poderá o juiz conceder MANDADO liminar, com ou sem justificação prévia, em DECISÃO sujeita a agravo. § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em DECISÃO fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato. A presente lide trata da responsabilidade do Estado, por meio de seus gestores, em prover a assistência jurídica da população do Município de Costa Marques e Distrito de São Domingos, através da nomeação de Defensor Público, matéria que se encontra delineada na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXIV, in verbis: “LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.No caso dos autos a liminar pretendida é de antecipação de tutela, logo, nos termos do art. 273 do CPC, demanda a presença concomitante de dois pressupostos, quais sejam, a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o perigo da demora da prestação jurisdicional.No que diz respeito à verossimilhança da alegação, colhe-se da inicial que não há servidor efetivo responsável pelo Núcleo da Defensoria de Costa Marques, sendo as atividades desse órgão exercida por ocupantes de cargos em comissão. Ocorrequeapósaproibiçãodosocupantesdecargoscomissionados de praticar atos próprios dos membros por norma infralegal, a comarca ficou desassistida de Defensor Público, causando grande transtorno e prejuízo à população hipossuficiente. Além disso, com a ausência de Defensor Público na comarca, somada à proibição de realização de audiências por parte dos assessores, tem sido nomeado defensor dativo, sendo arbitrado honorários, gerando um ônus bem maior para o Estado.Como se não bastasse tudo isso, a própria corregedoria da DPE/RO informou a este juízo que não seria possível disponibilizar Defensor Público para atuar nas

sessões de Júri, que ocorreria durante o mês de agosto, conforme fl. 56. Registre-se que a não designação de Defensor Público tem causado prejuízos homéricos aos hipossuficientes e ao próprio andamento regular dos processos, aos detentos que não tem uma assistência mais cuidadosa e pessoal em audiência, atendimento no núcleo, dentre inúmeros outros problemas.Assim, ao menos em cognição sumária, que o momento admite, é possível verificar com clareza solar a necessidade do envio de Defensor Público a comarca de Costa Marques, uma vez que manter os assistentes jurídicos sem qualquer poder de atuação (posto não poderem sequer assinar petições) não é suficiente para manutenção satisfatória da assistência jurídica, de forma que o envio de um Defensor Pública é medida necessária e urgente, pois estão em risco bens jurídicos valiosos para a sociedade.Com efeito, a assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes é direito e garantia fundamental de cidadania, garantido pela Constituição, que impõe à União, aos Estados e ao Distrito Federal o dever inafastável da sua prestação, diretamente pelo Poder Público, através da Defensoria Pública. Assim dispõe o art. 134, da Constituição Federal, in verbis: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIIV.” A prova colacionada no inquérito civil demonstra a omissão do Estado, que, em que pese sua responsabilidade advinda do próprio texto constitucional, se mantém silente frente ao problema enfrentado pela população desta cidade.Sob tal contexto, neste juízo preliminar, mostra evidente a obrigação do Estado de Rondônia, uma vez que constatada afronta a direitos e princípios resguardados pela Constituição Federal, podendo e devendo o judiciário agir, sem que com isso afronte o princípio da separação dos poderes. Para melhor entendimento sobre a omissão estatal em relação aos comandos constitucionais, transcrevemos parte da DECISÃO proferida pelo Ministro Celso de Mello, nos autos da ADPF 45/04, na qual, mesmo reconhecendo a perda do objeto, decidiu o ilustre julgador manifestar-se sobre a questão. Neste sentido, a ADPF versava sobre inconstitucionalidade de veto presidencial que importou desrespeito ao comando constitucional que determina a aplicação de recursos financeiros mínimos nas ações e serviços públicos de saúde, mas que bem se amolda a questão de assistência jurídica, pois versa sobre ausência de violação ao princípio da separação dos poderes quando o Poder Judiciário decide suprir a falta estatal. Vejamos parte dos fundamentos esposados:”Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a FINALIDADE do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.” (grifei) Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL (“Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 22-23, 2002, Fabris): “A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado ‘livre espaço de conformação’ (...). Num sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de DECISÃO quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípioscondição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.” Nesse sentido, colhemos jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

(...)

Neste contexto, resta demonstrado que o Estado de Rondônia está inadimplente com a promessa constitucional de garantir à população de Costa Marques a prestação de assistência jurídica gratuita, inviabilizando, destarte, o próprio acesso à justiça àqueles que mais carentes são. Chama a atenção, ainda, o enorme número de Defensores Públicos lotados na capital, cerca de 34, de um total de 65 defensores públicos em atividade, conforme fls. 52/54, ao passo que nas Comarcas situadas na BR 429 (Alvorada D’Oeste, São Miguel D’Oeste, São Francisco e Costa Marques) não há a presença de sequer um Defensor Público, demonstrando, desta forma, a completa irrazoabilidade das designações, que prestigiam os grandes centros em detrimento do interior.Ora, aos olhos deste juízo, ainda que haja uma escassez de defensores públicos neste Estado, verifica-se uma má distribuição destes dentro do Estado de Rondônia.Em suma, denota-se uma completa falta de razoabilidade da própria Defensoria Pública, em lotar mais da metade dos defensores públicos deste Estado na capital, deixando à míngua os municípios do interior, notadamente esta região do Vale do Guaporé. Certamente, a permanecer esta política, a nomeação de novos defensores públicos ainda não será o bastante para minimizar este problema, posto que provavelmente serão designados para os grandes centros, que já possuem defensores lotados, deixando os interiores rondonienses desprovidos de pelo menos um defensor público.Desta forma, mais importante do que nomear novos defensores públicos, seria a redistribuição dos que já foram lotados, de maneira a minimizar este déficit, tornando mais razoável a abrangência desta instituição tão necessária à população brasileira. Noutro giro, no que diz respeito ao periculum in mora, este se evidencia na omissão do Estado de Rondônia em prejudicar os interesses dos hipossuficientes da comarca de Costa Marques, que estão diariamente desassistido.Vale ressaltar que este juízo procura atuar em favor do cumprimento das normas da Constituição da República que preconizam a imediata prestação de assistência jurídica estatal aos cidadãos que não possam, sem sacrifício de seu sustento, pagar os serviços de um advogado, assegurando-se, assim, os princípios constitucionais de acesso à Justiça, de igualdade entre as partes e de efetivação de direitos e liberdades fundamentais, pois outra não é a missão última do Estado brasileiro senão a concretização da dignidade da pessoa humana (inciso III do artigo 1º da CF/88).Assim, deve ser deferido o pedido liminar de antecipação de tutela para fazer cessar a grave omissão do Estado em relação a assistência jurídica.No que diz respeito a quantidade de Defensor Público, entendo como adequado ao momento processual deferir liminar para determinar que o Estado promova a designação, ainda que mediante remoção dos que já se encontram nomeados, de 1 (um) Defensor Público para a Comarca de Costa Marques, por entender que, neste momento, possa amenizar a insegurança do serviço prestado, bem como melhorar a situação grave existente, até que se tenha uma DECISÃO definitiva, após o contraditório.Pelo exposto, com fulcro nos arts. 11 e 12 da Lei 7.347/85 e art. 273, inciso I do CPC, DEFIRO parcialmente o pedido de antecipação da tutela, para determinar ao Estado do Rondônia a obrigação de fazer, consistente na transferência/designação de um Defensor Público, lotando-o nesta Comarca de Costa Marques em até 20 dias.Fica estipulada a multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), a ser aplicada em caso de eventual descumprimento, até o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Expeça-se o necessário para intimação do réu, com urgência, após intime-se o autor desta DECISÃO.No mesmo ato de intimação do réu para cumprimento da DECISÃO liminar, cite-o para, querendo, oferecer resposta no prazo legal.Após a apresentação de resposta, se forem alegadas pelo réu questões preliminares ou juntados documentos, vista ao MP.Em seguida, às partes para especificarem as provas que pretendem produzir, prazo de 5 dias.Cumpra-se. Costa Marques-RO, terça-feira, 28 de julho de 2015.Jaires Taves Barreto Juiz de Direito

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Ministério Público Estadual

Estado de Rondônia

Jaires Taves Barreto

1ª Vara Cível do TJRO

Primeira Entrância do TJRO

Comarca de Costa Marques

Processo n. 0001119-37.2015.8.22.0016 do TJRO

Divulgado por ELIOZANI MIRANDA COSTA

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Léo Nardo WebSniper
Enviado por Léo Nardo WebSniper em 13/08/2015
Código do texto: T5345534
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