Redução da Maioridade Penal - Radicalismo sempre foi e será preguiça de pensar...ou trabalhar.
Não podemos falar do tema como "atendentes, defensores ou processadores de crimes" em busca de culpados. Isso é "chegar atrasado à cena". Precisamos PENSAR na coletividade e o que esperamos dela no FUTURO. Precisamos chegar antes de o crime acontecer, nas bases mais profundas da sociedade, no tecido mais próximo da nossa estrutura ósseo social.
É imprescindível falar da maioridade penal, ou não, aos 16 anos num contexto cultural, histórico, internacional e até universal, desprovidos das impressões midiáticas ou influências passionais dos que tiveram algum contato com as infrações juvenis. Sem demagogia, concordo com Dr Rangel (Promotor do Tribunal do Juri do PR), quando conclui que, no atual momento social e conjuntura política nacional, "não estamos prontos para ver um adolescente no banco dos réus".
Nem tanto rigor ou punição, muito menos mais proteção e impunidade. EQUILÍBRIO é o que resta prejudicado nesta discussão, pois, o "Ius", o "ponteiro da balança" já está pendente para a aprovação populista desta ilação política que encontra amparo na capitalização pela política partidária perversa. A Redução da maioridade penal (RMP) não é e não pode ser encarada como questão que envolve um ou outro partido político ou ideologia política no geral. Esta é uma questão que exige sobriedade e exercício da consciência coletiva, além de muito trabalho.
Aprovar a RMP, em qualquer formato, é fazer "mais do mesmo", é criar mais um ônus para o sistema judiciário e penitenciário, ao previamente selecionar o "gado que vai para o abate". É uma resposta ao anseio populista criado midiaticamente. Não são somente escolas necessárias para mudar a situação do menor infrator, mas sim um renascimento cultural em nosso país, além de muitos investimentos nas políticas destinadas à juventude. Aceitar a RMP como única via alternativa que "temos para hoje" em busca de solucionar a violência no país, soa como que se fosse um "fraquejar público" diante da necessidade, mais do que isso, do dever de se exigir do Estado (Nação) que faça seu papel para mudar a periclitantes situação da criminalidade no Brasil.
Precisamos de prevenção e repressão, sim. Porém, estas devem ser realizadas de forma justaposta, numa aliança indissolúvel, integrando União, Estados e Municípios, articulando Executivo, Legislativo e Judiciário e possibilitando a participação dos cidadãos de maneira qualificada. É preciso exercitar o Estado Democrático de Direito, tão sofrido, para que este se fortaleça e possa enfrentar questões mais duras, tal qual essa que trata da RMP.
Tentar mudar comportamentos sociais com a imposição de Lei tem se provado algo ineficaz para toda e qualquer política pública. Onde se tem muita lei, se tem pouco cumprimento e, com isso, a tendência é redundar em conduta delitiva.
Abaixo estaco algumas questões para se tenha ideia do que ainda precisamos enfrentar como Nação e vencer como sociedade, para, depois, falarmos em RMP:
1. A definição de uma regra geral nacional, diante das diferenças regionais tão expressivas num país com dimensões continentais, não é lesiva às realidades experimentadas em cada município ou estado membro? Isso, a exemplo de Curitiba, aonde os jovens negros morrem em menor número que os brancos, porque a colonização municipal se deu majoritariamente por população branca. Uma solução como RMP não fere o bom senso ao não dar devido respeito ao tratamento diferenciado às realidades diferentes, às diversidades experimentadas pelo povo brasileiro?
2. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 4 anos, na atual legislatura, foram aprovados 35 projetos ligados à área da segurança pública, sendo que 43% desses dedicados a temas de interesse corporativo das instituições policiais. 4% dos Deputados Federais eleitos para a legislatura 2015-2018 são policiais ou ex-policiais. Nada errado com isso, contudo, não seria presumível certa dificuldade de se tratar de questões que atingem toda a sociedade somente com o calor das emoções profissionais? Isso, sem falar nos profissionais da imprensa policial que chegam a esses cargos eletivos...
3. Vincular a criminalidade à pobreza seria uma impressão generalista e incipiente. Pobreza é um estado individual e, no muito, um resultado da ineficiência das políticas públicas. Enfim, não é a pobreza razão para a criminalidade. Contudo, no Brasil, quem mais morre em crimes letais intencionais são os jovens entre 15 e 24 anos, pobres e da cor preta. Isso fica evidente nas publicações como o Mapa da Violência, o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ou até mesmo as estatísticas locais das Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Logo, a RMP não se estaria somente facilitando a vida de quem teria de trabalhar para entender e tratar o fenômeno da violência em detrimento da mera reatividade à prática criminal? Agir na resposta sem avaliar ou se dar ao trabalho de antes tentar inibir, impedir, evitar (prevenir) o crime? Não seria mais viável agir nas raízes de exposição à violência juvenil e tentar reduzi-las?
4. Contudo, por outro lado, nas estatísticas, oficiais ou não, nos faltam detalhamentos sobre as autorias dos crimes. Não há certeza e confiança científica nas que parcamente existem. Assim, como julgar uma situação com a RMP se faltam dados confiáveis? Não é no Brasil que cada 100 homicídios dolosos, algo perto de 10% dos casos viram processo, menos de 5% são julgados e somente em perto de 3% casos há condenação? Somente tirar os adolescentes infratores das ruas e trancafiá-los é a melhor solução? A RMP então não seria uma política higienista contra parcela vulnerável da população ? Não se está “escondendo” as chagas e deixando de atacar a causa da enfermidade?
5. Desigualdade é um resultado do desajuste social. A maioria dos menores infratores reside em áreas vulneráveis situadas em boa parte das grandes regiões metropolitanas que concentram significativa desigualdade socioeconômica. A frequência é maior de países com maiores taxas de desigualdade social entre os países com maiores índices de homicídios dolosos, segundo a ONU. Isso quer dizer que há uma grande tendência de as raízes da violência estarem ligadas à desigualdade. Como pode o Brasil com tantas riquezas e tamanha compleição econômica ser ainda um “quase pobre”? Prender os menores não seria consagrar o atual modelo de gestão que não realiza adequadamente as distribuições de riqueza, como numa espécie de “cala a boca” no ânimo midiático populista?
6. Há uma diferença importante entre violência (lato senso) e criminalidade (estrito senso). A primeira é a violação material dos direitos, a segunda a violação da lei (noticiada ou não). Não se reduz a violência somente combatendo o crime, até porque muitos crimes não são registrados ou, até mesmo, não são tipificados pela Lei. O crime é resultado da ineficiência do combate à violência. A violência começa dentro das casas (no convívio intrafamiliar) e nas mais simples relações entre as pessoas.
7. Muitos adolescentes se envolvem no crime por falta de oportunidades de instrução, ocupação sadia e aproveitamento de seus potenciais, da sua ansiedade por protagonismo e pertencimento social. Nascem, vivem e se desenvolvem alheios à tutela estatal. Muitas vezes são originários de lares monoparentais e têm como referências pessoas já com históricos de envolvimento com o crime. Onde estão os bons exemplos que cooperam para melhoria de vida dos semelhantes, dos iguais, dos filhos abandonado à sorte por nossa Mãe Pátria?
8. O reflexo jurídico da RMP vai além de alcançar e prender os menores infratores. Bate na porta de outras questões de maneira periclitante. Veja-se, como exemplo, um caso de estupro de menor de idade (maior de 16 anos). Numa análise ainda que rasa, uma defesa nefasta encontraria brechas para reduzir, em contrassenso à lei penal, os impactos no que diz respeito à punição prevista para quem praticar este crime se a vítima for maior de 16 anos, pois, o que se debateria seria a consciência de ambos os envolvidos no ato (autor e, agora, a vítima). Isso significaria romper com o instituto da proteção ao menor vulnerável. Veja o artigo 213, §1º, do Código Penal Brasileiro.
9. O FBSP informa que dos 20.532 jovens cumprindo medidas socioeducativas no Brasil em 2012, apenas 11,1% correspondem a crimes violentos contra a vida (homicídios e latrocínios). Tão logo, de onde vem esta maioria da população em favor da RMP? Não há controle social pervertido em reflexo aos casos emblemáticos propagados na mídia, inclusive nas redes sociais?
10. Filosoficamente falando, o caminho do "Lobo" hobbesiano, passando pelo "Homem Social" aristotélico até chegarmos ao "Fato Social" durkheimniano não nos trouxe a uma possível prisão daqueles que podem ser chamados como "frutos do meio social"?
11. O problema da violência e da criminalidade não é pena, até porque ninguém se trata em nosso sistema (precário) penal. Pena é o desvalor social que se impõe pelo Estado a alguém por cometer ofensa a determinados bens jurídicos relevantes para o Direito Penal. Lewis Carrol em seu conto “Alice através do espelho" havia uma rainha que trajava vermelho que dizia assim: “It takes all the running you can do, to keep in the same place." ("É preciso correr o máximo possível, para permanecermos no mesmo lugar."), o que deu origem ao princípio ao enunciado biológico da “Rainha Vermelha”: "Para um sistema evolutivo, é preciso haver um desenvolvimento contínuo para manter a aptidão relativamente aos sistemas com o qual estão a co-evoluir.” A Segurança Pública, como diz o professor Marcos Rolim, a sociedade (povo e estado) não está patinando tal qual a Rainha Vermelha? Parece se movimentar, mas não sai do lugar e ainda se afunda onde patina? Não se atualiza ou não se agiliza ao ponto de, com isso, permitir que esse parasita indesejado (o crime) se instale, se mantenha e evolua até comprometer o hospedeiro?
12. É necessária uma reviravolta orçamentária, investindo maciçamente recursos em áreas que possam evitar a criminalidade e o consequente aprisionamento de adolescentes infratores. Como está a atenção orçamentária dos governos em nosso país (União, Estado, Municípios) para a temática da juventude, especialmente, nas rubricas para esporte, lazer, cultura e educação?
13. A Faculdade de Direito da USP, em 2013, 81% dos entrevistados acreditavam ser fácil desrespeitar as leis. Somente 33% acionara a polícia para resolver seus problemas com crimes em que foram vitimados ou partícipes. Dos que acionaram 37% se declararam muito ou pouco satisfeitos com o atendimento recebido e 62% disseram que ficaram insatisfeitos com os serviços prestados. Entre as instituições envolvidas na segurança pública somente 33% confiam na Polícia, 32% confiam no Poder Judiciário e 48% acreditam no Ministério Público. Este é mais um exemplo de como a mídia pode interpretar a vontade do senso comum, quando expõe os desvios mais do que os sucessos das operações policiais. É o resultado da capitalização com o crime. O crime vende mais do que é correto. Além do mais, a maioria da população já tem o crime como uma banalidade diária, como um cancro social. O acerto é parte da obrigação profissional, já a falha parece justificar toda execração dos envolvidos. Quem acredita em quem? Se não acredita, por quê?
Diante de uma possível aprovação da RMP, uma verdadeira reviravolta a ser promovida pelo Poder Público seria necessária. Não como a que aconteceu ontem (02/06/2015), quando a Presidência da Câmara Federal recolocou o tema em pauta e atentou contra o regimento da Casa de Leis Federais e contra a própria Constituição Federal. Essa situação é a típica consagração da “política da preguiça”, que seleciona seus culpados (preferencialmente jovens), mesmo sem ter condições de puni-los adequadamente. Essa é a velha “politiquice” que vota em plenário fingindo ouvir o anseio da população, mas, está com os olhos pervertidos pelo pleito eleitoral vindouro.
Por outro lado, agora, mais do que nunca, se o projeto passar, há necessidade de fazer diferente. Se não se quer ver os adolescentes presos, a sociedade deve EXIGIR ações estatais de prevenção à violência de base, para evitar o contato com os primeiros degraus da escada do crime. É uma reciclagem do que efetivamente está dando errado e criação de novas políticas com precisão cirúrgica, visando evitar males maiores.
A primeira e a mais importante, deixada de lado nesse novo (velho) projeto de lei, é a questão do envolvimento das drogas nos crimes de autoria ou vitimização juvenil. Coisa perto de 75% das motivações para crimes praticados contra a vida possuem envolvimento com drogas e é maior ainda quando o recorte etário fica entre 15 e 24 anos. É preciso mais investimento na área de prevenção ao uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas, contudo, com financiamento federal em âmbito local. Deixando mais de lado a questão criminal e social e ver mais pelo aspecto da saúde, do indivíduo. Enquanto houver viciados haverá tráfico. Enquanto houver tráfico, existirá necessidade de arregimentar jovens e adolescentes.
A reviravolta citada é sim a cultural, axiológica, uma verdadeira gênesis de sentido para nosso país, onde o cuidado com o jovem vulnerável comece pela destinação prioritária de recursos nos programas sociais fundamentalmente voltados para evitar o contato dos adolescentes com a criminalidade, ainda dentro das suas primeiras relações com o mundo, a partir de sua própria realidade, trazendo-os a pertencerem ao mundo de todos nós.