Quando a Justiça é injusta - Antônio Lisboa

Quando a Justiça é injusta - Antônio Lisboa

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A lentidão da Justiça brasileira remete a uma questão estrutural, mas diz respeito ainda a uma cultura construída ao longo de vários anos.

Adegmar José Ferreira, juiz de Direito da 10ª Vara Criminal e professor da Universidade Salgado de Oliveira, situa na raiz da questão fatores como a carência de aparelhamento do Judiciário, materializada na falta de juízes, escassez de serventuários, em espaços físicos insatisfatórios e na prática de certos advogados. “Quando o advogado percebe que sua causa é inglória, prefere procrastinar o processo. Entre perder hoje e daqui a dez anos, ele apela por recursos destinados a ganhar tempo. Essa má fé decorre da intenção de jogar para frente o resultado final da demanda”, explica.

O advogado Reinaldo Limirio entende que o sistema judiciário brasileiro, por si só, já traz no seu seio a natural demora decorrente de cumprimento de prazos, do excesso de pendências (o aumento da população eleva o número de conflitos, daí a necessidade de intervenção do Judiciário), que se multiplicam em progressão geométrica, contra o crescimento pífio da estrutura judiciária. Ele diz reconhecer o monumental esforço do Judiciário para melhorar sua prestação de serviços, mas a luta acaba esbarrando na falta de recursos. “Hoje, reformam-se as leis processuais, as quais, timidamente acenam para uma possível celeridade processual; ainda, criam-se súmulas vinculantes, decretam-se súmulas impeditivas de recursos, entre outros. O Judiciário precisa urgentemente de investimentos massivos em toda a sua estrutura, que, bem administrada, poderá enfim atender aos reclamos dos jurisdicionados. Pela lentidão da Justiça todos nós somos responsáveis, principalmente os operadores do direito, inclusive a OAB”, acredita Limírio.

Custas processuais mais caras do Brasil

Goiás tem as custas processuais e as taxas cartoriais mais caras do País. Quem garante é o advogado Marcelo Di Rezende, para quem os motivos alegados pelo Poder Judiciário para essa realidade, não convencem. Ele diz ser notório que falta dinheiro ao Poder Judiciário, mas lembra que foram desperdiçados milhões de reais do Tribunal de Justiça de Goiás no falido Banco Santos. “Nós, advogados, sempre nos mobilizamos e efetivamente nos insurgimos com os excessivos valores de custas e taxas cartoriais em Goiás, sendo que a todos interessa o resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta por nossa Seccional da OAB contra os aviltantes valores cobrados aqui em Goiás, processo ainda em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Tal demanda visa afastar os altos índices a que está submetido o cidadão goiano quando necessita da prestação jurisdicional”, acusa.

Adegmar Ferreira constata que o cidadão que necessita dos serviços da Justiça paga duas vezes. Primeiro, como consumidor, através dos 52 impostos que oneram todos os setores da sociedade. Segundo, quando postula, em juízo. Salvo se for pobre, situação que exige uma humilhante declaração de miserabilidade. No Tribunal de Justiça, a alegação é de que todos os valores arrecadados com as custas judiciais se destinam ao Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário do Estado e são utilizados na construção de prédios para a Justiça.

De acordo com o Provimento nº 17/2006, que reajusta as Tabelas de Custas e Emolumentos, uma ação de procedimento ordinário tem custas que variam de R$ 97 reais, para causa de valor de até R$ 1 mil, a R$ 3,900 mil, em causas acima de R$ 800 mil. Quanto aos processos de execução de sentença ou de títulos extrajudiciais, inclusive os executivos fiscais, implica em 70% das custas, até o limite máximo. Significa que uma ação de execução de valor acima de R$ 800 mil, o valor das custas é R$ 2,73 mil. Quando a execução recai sobre bens que devam ser penhorados, avaliados e alienados através de precatória, as custas são reduzidas a 35% do valor previsto, inclusive quanto ao limite total máximo.

Pequenas causas, decisões demoradas

Os Juizados Especiais foram criados pela Lei 9.099/95 (e ampliados com a Lei 10.259/2001 para a Justiça Federal) para resolver gratuitamente causas consideradas simples. Teoricamente, eles são orientados pelos critérios da simplicidade, informalidade, rapidez e economia processual. No entanto, com o tempo, essas instâncias simplesmente se tornaram um obsoleto apêndice da emperrada máquina judiciária. Adegmar Ferreira recorda-se de que, em um primeiro momento, o sucesso dos Juizados Especiais foi tão grande que eles foram vistos pela população como exemplo de Justiça ágil e eficiente. “Ao longo do tempo, no entanto, não apenas em Goiás mas em outros estados, esses juizados começaram a se assoberbar de serviços e as estruturas das instalações, os recursos humanos se tornaram de certo modo insuficientes para suportar a avalanche de demandas. Na minha visão, isso ocorreu devido à conscientização da população em reivindicar seus direitos e ao próprio crescimento populacional”, explica o juiz.

Em Goiás há 13 Juizados Especiais de Pequenas Causas. Um dos caminhos para imprimir eficiência à Justiça seria, para Adegmar Ferreira, injetar recursos humanos e materiais na estrutura, elevando o nível de juízes e serventuários. Ao mesmo tempo, criar mecanismos de maior controle, com mais rigor no cumprimento das tarefas. Depois, educar a população para se tornar vigilante e cobrar do Estado. E, por último, alterar a legislação processual penal e civil, tornando a marcha processual mais ágil.

Abusos da penhora on-line, exceção que virou regra

Outro mecanismo que afasta a Justiça do cidadão, ou seja, que impede que a Justiça aconteça, é a chamada “penhora on-line”. Esse mecanismo permite a juízes cometerem verdadeiros desatinos, como penhorar salários, cadernetas de poupança e mesmo saldos em contas-correntes. Renaldo Limírio considera grande a freqüência do uso da penhora eletrônica em Goiás. A Justiça do trabalho, por exemplo, a utiliza há anos. “A nosso ver, o devedor é pego de surpresa e, tendo sofrido a penhora on- line, fica praticamente sem os meios de defesa. Ora, primeiro, há que se lhe ser dada a oportunidade de pagar ou de discutir o débito - o que é previsto no sistema legal e ocorre na prática. Mas às vezes ocorrem surpresas altamente desagradáveis, onde não se observou o direito de defesa, entre outros”, observa.

O sistema eletrônico ao qual recorre o Judiciário, no caso da penhora on-line, para atender o credor que busca receber seu crédito ainda é bastante precário, avalia Marcelo Di Rezende. Com isso, acaba por bloquear indiscriminadamente qualquer tipo de conta ancária do suposto devedor, que em muitos casos são recursos que garantem o sustento da pessoa executada. “Entendo que a medida deveria ser vista como uma exceção e não como uma regra”, propõe.

Já Adegmar Ferreira considera a penhora on-line uma prática saudável sob alguns aspectos, mas que está criando alguns inconvenientes, como, por exemplo, recair sobre bens impenhoráveis, como proventos de aposentadoria, salários, soldos e vencimentos de servidores. O juiz teme que possa haver grande número de condenações do Estado, que terá de responder po r danos causados a pessoas cujos recursos foram confiscados indevidamente.

JORNAL O SUCESSO DE GOIÂNIA-GOIÁS.

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 11/06/2007
Código do texto: T521884