O DIREITO Á VIDA NO ORDENAMENTO JURIDÍCO-A QUESTÃO DO ABORTO

O DIREITO À VIDA
NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
ZALMINO ZIMMERMANN

A Questão do Aborto
“Jerôme Lejeune, o famoso descobridor da Síndrome de
Down, participou certa vez de um debate, pela televisão,
com um médico abortista, Monod, e, a tantas, lhe fez esta
indagação: ‘Sabendo-se que um pai sifilítico e uma mãe
tuberculosa tiveram quatro filhos: o primeiro, cego de nascença;
o segundo, morto logo após o parto; o terceiro, surdo-
mudo; o quarto, tuberculoso, e que a mãe ficou grávida
de um quinto filho, que fazer?’ Respondeu-lhe Monod:
‘Eu interromperia essa gestação’. A isso, concluiu Lejeune:
‘O senhor teria matado Beethoven’.”1
1. O direito à vida é o primeiro dos direitos naturais. Diz
com a própria natureza humana, daí o seu caráter inviolável,
intemporal e universal.2 Caracteriza-se como um direito supraestatal;
paira acima do Estado. Os direitos supraestatais, ensinava
mestre Pontes de Miranda, “não existem conforme os cria
ou regula a lei; existem a despeito das leis que os pretendem modificar
ou conceituar. Não resultam das leis, precedem-nas; não têm
o conteúdo que elas lhes dão, recebem-no do direito das gentes”.3
2. A Constituição de 1988, no art. 5o, garante “a inviolabilidade
do direito à vida”. A de 1946 (art. 141) e a de 1967 (art.
150) asseguravam “a inviolabilidade dos direitos concernentes à
vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”. Surpreende a cons
3
tatação de que, embora um direito originário,4 condicionante
dos demais direitos da personalidade, um direito fundamental
absoluto, não teve a necessária visibilidade nas Constituições
anteriores (1891, 1934, 1937), que tutelavam os direitos “concernentes
à liberdade, à segurança individual e à propriedade”, sem
nenhuma referência direta ao direito-matriz, o direito à vida.
3. Sob a vigência da Constituição de 1891, surge, em 1916,
o Código Civil. Embora a ausência da tutela constitucional
direta ao direito à vida, o legislador, com base na doutrina
concepcionista, busca proteger os direitos do nascituro, desde
a concepção (art. 4o), reconhecendo-o como filho (art. 357,
parágrafo único) e, portanto, sujeito de direitos.
4. Em 1940, ainda vigente, pois, a Constituição de 1937,
edita-se, com base no projeto Alcântara Machado, o Código
Penal. E, também, embora o silêncio constitucional em relação
à garantia do direito à vida, o legislador soube valorizá-la e
protegê-la como o bem jurídico maior, reconhecendo como
crime qualquer ação contra ela. Assim, no Título I, que trata
dos crimes contra a pessoa, o Capítulo I, que se refere aos crimes
contra a vida, tipifica como ações criminosas não só o
homicídio e o infanticídio, como a provocação do aborto (arts.
124 a 126).
Prevê, entretanto, a possibilidade da não aplicação da
pena no caso do chamado aborto necessário, quando não há
outro meio de salvar a vida da gestante, e no caso de estupro
(art. 128, incs. I e II).
4
5. O crime, pois, existe. Apenas segundo esse dispositivo,
deixaria de ser punido. De se lembrar, a propósito, que quando
do predomínio das teorias causalistas, que, originalmente, informaram
o Código Penal, houve quem entendesse (Nelson
Hungria e Basileu Garcia) que crime, seria o fato típico, antijurídico,
culpável e também punível. Discussões acadêmicas
que se seguiram resultaram na conclusão de que a punibilidade
é mera conseqüência do delito e, com a reforma da Parte
Geral do Código Penal, em 1984, informada pela teoria normativa
pura e pela teoria finalista da ação, retirando o dolo da
culpabilidade e colocando-o no tipo penal, estabelecido ficou
que o conceito estrutural de crime se exaure na tipicidade e na
antijuridicidade, comparecendo, então, a culpabilidade, não
mais como elemento do crime, mas como mera condição para
que seja imposta a pena.
6. Nessa linha, embora alguns autores sustentassem que
o art. 128 e incs. referiam-se à exclusão da antijuridicidade, na
realidade só poderiam dizer respeito à exclusão da culpabilidade,
comparecendo o aborto, pois, também nesses casos, como
crime contra a pessoa, compondo com os demais o elenco do
Título I (“Dos Crimes Contra a Pessoa”), Parte Especial do
Código. Apenas (por ausente a culpabilidade) não seria punível,
de acordo com o caput do art. 128 (“Não se pune o aborto...”),
a indicar claramente a intenção do legislador, na época.
(Em 1969, o Decreto-Lei n. 1.004, baseado num anteprojeto
de Nelson Hungria e de curta repercussão, pretendeu, em
seu artigo 130, descriminar esses tipos de aborto...).
5
7. Com o advento da Constituição de 1946, marcando a
democratização do Estado brasileiro, abriram-se os caminhos
para que as disposições penais tuteladoras da vida ganhassem
alicerce constitucional o que, definitivamente, aconteceu em
1988, quando o direito à vida, em todas as circunstâncias, foi
diretamente garantido como bem indisponível, esvaziando,
então, irreversivelmente, a validade do art. 128 e seus incisos
e, conseqüentemente, a importância das interpretações relativas
ao seu significado.
A Constituição atual, estabelecendo como um dos fundamentos
da República, “a dignidade da pessoa humana” (art.
1o), fazendo, assim, uma proclamação de valor universal e fixando,
definitivamente, a inviolabilidade do direito à vida (art.
5o) como garantia fundamental, firma petreamente o pensamento
constitucional brasileiro em relação ao direito de todos à
vida e ao respeito à sua dignidade.
Com isso, qualquer ação contra a vida, toda medida que
permita interrompê-la em seu desenvolvimento intra-uterino
ou em qualquer fase da existência, seja qual for a justificação,
comparece, inequivocamente, como inconstitucional.
Assim, a rigor, depois da Constituição de 1988, despiciendas
tornaram-se as discussões em relação ao art. 128 do
Código Penal, agora manchado de inconstitucionalidade, não
mais importando pois, se o seu texto se refere a exclusão de
ilicitude ou apenas de culpabilidade...
6
8. O Código Civil de 2002, com base no anteprojeto de
Miguel Reale, refletindo a atualidade constitucional e o direito
internacional, dispõe no art. 1o, que toda pessoa é capaz de
direitos e deveres na ordem civil. No art. 2o, estabelece que
sua personalidade civil começa com o nascimento, mas os seus
direitos estão garantidos desde a concepção, como proclamam
o art. 41 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(“Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Esse direito
estará protegido pela lei, a partir do momento da concepção”) e o
Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança (“A
criança por falta de maturidade física e mental, necessita de proteção
legal, tanto antes, como depois do nascimento”).
Desse modo, o ser humano, desde o seu primeiro momento
de vida intra-uterina, como pessoa já concebida, na dicção do
art. 1.798 da Lei Civil, legitima-se, tal qual a pessoa nascida,
no momento da abertura da sucessão; tem direito a curador
em diversas circunstâncias, para que o que é seu – sujeito de
direitos que é –, seja protegido (art. 1.779 e outros), sendo
certo que a Lei Processual garante à gestante ou ao curador, a
posse dos direitos que lhe assistam (arts. 877 e 878, CPC);
pode receber por doação (art. 542) e ser reconhecido como
filho antes do nascimento (art. 609, parágrafo único); tem direito
à indenização por dano moral no caso de ofensa à sua
integridade física e mental (art. 949); tem, enfim, direito a
alimentos, à imagem e à honra (se, por exemplo, sofrer imputação
de bastardia).
7
9. Evidente, pois, que o Direito pátrio reconhece que a
pessoa, mesmo que ainda não nascida, tem personalidade jurídica.
E isso porque a partir da concepção já passa a ter existência
própria, independente da de sua mãe – como, aliás, já se
constata desde a própria reação do sistema imunológico da
gestante, visando à expulsão do novo ser por reconhecê-lo
como estranho, só não o conseguindo, como se sabe, graças à
proteção extra na camada externa da placenta, propiciada por
um tipo de proteína agora já bem identificada.
Em seu estágio intra-uterino, como bem anota Maria H.
Diniz, tem personalidade jurídica formal, relativamente aos direitos
da personalidade, adquirindo personalidade jurídica
material, com o nascimento.
Como pessoa, ainda que não nascida, tem capacidade de
direito (art. 1o), embora não de exercício, devendo os pais ou o
curador zelar por seus interesses,5 que o sistema jurídico brasileiro
ampara integralmente a vida humana, desde o momento
da concepção, seja por fecundação natural ou artificial, não
importando se na fase do desenvolvimento intra-uterino ou
depois.
10. O direito à vida integra-se à pessoa, categoria humana,
desde o primeiro momento de existência intra-uterina até
o óbito, abrangendo o direito de nascer e viver, de trabalhar e
subsistir (art. 7o, art. 203, III, CF), de ser socialmente assistida
(art. 203, CF), de receber alimentos (art. 5o, LVII, CF), não
importando se nascitura, criança, adolescente ou idosa (art.
8
203, 227, § 1o, 230, CF, Estatuto da Criança e do Adolescente,
Estatuto do Idoso) ou se portador de anomalias físicas ou psíquicas
(art. 227, §1o, II, CF).
A Ordem Jurídica respeita e protege, assim, o bem supremo
que é a vida humana, em todas as fases de suas manifestação.
11. A vida não é uma concessão jurídico-estatal e, inclusive,
o direito a ela transcende ao direito da pessoa sobre si
mesmo. A pessoa não vive só para si, mas também, para a sociedade.
Não há, assim, como admitir a licitude de um ato que
atente contra a vida humana, cortando a possibilidade de seu
desenvolvimento e impedindo ao seu titular o cumprimento
de sua missão social, caracterizando-se, pois, também, na verdade,
como ato de lesa-sociedade.
12. Quem pratica aborto, afirmava Hungria, citando
Manzini, não opera in materiam, mas contra um homem na
ante-sala da vida civil.6
Não vale, então, o argumento de que a gestante pode dispor
livremente da vida do semelhante que se encontra em desenvolvimento
no seu ventre. Indefensável, juridicamente, tal
idéia. “Pode a mãe dilacerar, como queira, seus membros, mas
não pode golpear o embrião que amadurece em seu ventre”, proclamava
Altavilla.7
9
E não poderia ser diferente, estando em pauta o direito
inalienável de viver, que todo ser humano tem, mesmo que
ainda não nascido.
13. Surpreendentes, pois, as tentativas de liberalização
do aborto, a significar, na verdade, um retrocesso na promoção
da espécie humana, como afirma Papaleo, mostrando que
o corpo social, está, de fato, em crise.8
Tanto, que há quem até chegue a admitir que o direito de
abortar é garantido constitucionalmente (!), porque o art. 226,
§ 7o, da Constituição estabelece o planejamento familiar como
de livre decisão do casal, passando, entretanto, despercebido
o fato de que o planejamento familiar, como assegura a norma
constitucional citada, há que se fundar “nos princípios da dignidade
humana e da paternidade responsável”, o que, à toda evidência,
exclui a idéia do aborto, degradante da própria condição
humana.
Óbvio, assim, que o texto constitucional, ao se referir ao
planejamento familiar, enseja facilidades para a prevenção da
gravidez, com o uso de contraceptivos, e não a interrupção da
gestação por meio de processos abortivos,9 como pretendem
os semeadores da morte.
A verdade é que ninguém pode dispor da vida de ninguém.
Nem da sua própria. Como afirmou Lavigny, inadmissível
um direito sobre a própria vida, que nem é do domínio da
vontade livre.
10
14. O direito ao respeito à vida é também o direito de
exigir um comportamento negativo dos outros (excludendi
alios),10 mormente do Estado. “Os direitos fundamentais” – ensina
Gomes Canotilho, – “cumprem a função de direitos de defesa
dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num
plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os
poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes
na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídicosubjetivo,
o poder de exercer positivamente direitos individuais (liberdade
positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma
a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”.
11
Indevida e ilegal, portanto, qualquer ação do Estado que
vise permitir ou facilitar a morte de quem quer que seja, antes
ou depois de seu nascimento.
15. Assim posto, firmado que, entre todos, a vida é o bem
maior, ressalta à obviedade que a Constituição atual absolutamente
não recepciona a possibilidade de que o desenvolvimento
da vida intra-uterina possa ser interrompido (feticídio,
na linguagem de Carrara), seja qual for o motivo, resultando
que hoje, na realidade, não há como pensar no chamado “aborto
legal” (art. 128, I e II, CP), senão como uma figura estranha
ao nosso ordenamento constitucional.
16. No caso de perigo de vida da mãe (inc. I), impõe-se
reconhecer que, com os avanços da medicina, essa hipótese
tende a se tornar mais rara. Vale, todavia, considerar que em
11
casos realmente extremos, em que só resta a escolha entre perder
duas vidas, ou apenas uma, parece lógico que se opte pela
segunda alternativa, preservando-se, no caso, a vida da mãe,
que já se encontra em pleno exercício de seus direitos.
De qualquer forma, trata-se de uma situação complexa,
suscetível de ser definitivamente resolvida apenas pela via constitucional,
em tempo de Constituinte.
17. Já com relação à não punibilidade no caso de estupro,
inovação introduzido pelo Código de 1940 (art. 128, II),
há que se considerar que, ante a Lei Maior, por mais doloroso
seja o drama enfrentado pela mulher, cuja vida não corre perigo,
o ser humano que vive em seu ventre, como ressalta Ives
Gandra Martins, “não pode ser condenado à morte por lei ordinária”,
que é o que, na realidade ocorre quando se beneficia a
prática do abortamento com a não aplicabilidade da pena.
18. O mesmo raciocínio aplica-se à pretendida “legalização”
do aborto no caso da anencefalia e outros, pensados como
solução para a questão da natalidade, da pobreza, do risco estético,
do risco da saúde psicológica da gestante, da promoção
e independência da mulher, etc., fruto da mentalidade individualista-
libertária detectável em boa parte de nossa sociedade.
12
Com relação à questão do anencéfalo, especificamente,
objeto de tanta discussão na atualidade, mais uma vez é preciso
ter presente que a mulher traz em seu ventre uma outra
12
pessoa em desenvolvimento, em processo normal de gravidez fisiológica
(e não patológica, como a extra-uterina e a molar),
com ostensiva possibilidade de continuação da vida do feto,
cuja expulsão forçada configura, claramente, o aborto provocado.
O anencéfalo pode mostrar grave deficiência ou, até, ausência
de massa cerebral, mas tem tronco encefálico, tem reflexos,
nasce e vive – a casuística médica registra casos de anencéfalos
que vivem até um mês e mais, após o nascimento –,
mostrando-se, enfim, uma individualidade diferente da pessoa
da mãe, constitucionalmente protegida, como esta, em seu
soberano direito de viver.
Inadmissível, pois, que, decidido que uma pessoa que está
por nascer não terá condições de vida pós-parto, sem que, entretanto,
seja possível fixar o quanto poderá viver depois, estabeleça
a lei que, simplesmente, não viva mais, permitindo
ou facilitando seu assassínio, em afronta ao direito absoluto à
vida e ao princípio da dignidade humana, constitucionalmente
consagrados como alicerces de nosso Estado Democrático
de Direito.
19. Em síntese, a Constituição tem como fundamental o
direito à vida e à dignidade, o Código Civil reconhece como
pessoa tanto o ser humano nascido, como, desde sua concepção,
o ainda não nascido, e o Código Penal caracteriza o aborto
como crime contra a pessoa, não admitindo, inclusive, como
certas legislações, nenhuma circunstância atenuante.
13
O Estado, pois, não pode patrocinar a realização do aborto
no caso de anencefalia, e em nenhum outro.
A legislação infraconstitucional não pode autorizar, facilitar
ou permitir, sob nenhuma forma, a prática abortiva. Qualquer
medida que vise excluir a antijuridicidade ou a punibilidade
do aborto, sobre servir de estímulo à prática desse “homicídio
uterino de inocentes”,13 agride o Direito Natural e fere frontalmente
a Constituição Brasileira.
O reconhecimento da inalienabilidade do direito à vida
e sua valorização como o bem jurídico mais relevante, é um
dos mais importantes alcances da razão.
O desenvolvimento do indivíduo, antes e após seu nascimento,
expressam momentos de vida e os agravos dirigidos
contra esse bem jurídico especialmente protegido, não importando
se no interior ou fora do útero da gestante, corporificam
condutas antijurídicas.
20. Causa, assim, perplexidade, o fato de que membros
do Judiciário autorizem o abortamento ou reconheçam o direito
de fazê-lo, sem atentar para sua absoluta ilegalidade e
esquecendo que a missão fundamental da Justiça é proteger a
vida e a dignidade da pessoa nascida ou por nascer, como, também,
a quantidade de projetos em tramitação na Câmara dos
Deputados buscando facilitar o aborto, ou, até, liberá-lo de
vez.
14
Não bastasse isso e o próprio Governo, através do Ministério
da Saúde, baixa Normas Técnicas facilitando e incentivando
o abortamento, sem maiores justificações que a vontade
única da gestante, como se o nascituro não fosse uma outra
pessoa, com direitos constitucionais a serem preservados.
E agora, para maior surpresa, ainda, instaura, através da
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, uma Comissão
para “discutir e propor uma revisão da legislação que trata
do aborto do Brasil”.
21. Nestes tempos surrealistas, em que a própria solidariedade
ontológica, no dizer de Malherbe,14 resultante do fato
de sermos todos humanos, engendrados por outros seres humanos,
parece inexistir, é imperioso que a consciência jurídica
da Nação desperte e reaja.
O que se pretende? Alterar o Código Penal, facilitando
ou liberando a prática abortiva, em subvertendo o próprio princípio
da hierarquia das leis, é impossível. Qualquer medida
seria inconstitucional – e o art. 128, a rigor, já o é – e, seguramente,
não poderia passar pelo filtro das Comissões de Constituição
e Justiça, da Câmara e do Senado.
Só restaria a hipótese de uma emenda constitucional. Todavia,
o art. 60, § 4o, da Constituição, impede totalmente a
deliberação em torno de qualquer proposta de emenda tendente
a abolir “os direitos e garantias individuais”.
15
Irracional, mesmo, pretender que o direito à vida possa
ser desrespeitado, ante a prescrição constitucional explicitada
no art. 5o., que é cláusula pétrea.15 Significaria a ruptura do
próprio sistema jurídico.
22. Em sendo assim, impõe-se que o Governo desperte
para ações peremptórias, cuidando mais das causas que dos efeitos
– que é mais fácil cuidar desses, que daquelas –, adotando
políticas públicas preventivas de médio e curto prazo, cujos
resultados, por certo, poderão evitar a matança de pessoas ainda
não nascidas, comprometendo a saúde física e psíquica de
tantas mulheres que, desavisadamente, mancham suas vidas
com a ilicitude de seus atos.
23. Entre essas medidas, avultam em importância – e todos
o sabem – as campanhas educativas, com o amplo uso da
mídia; os programas de assistência efetiva à gestante carente,
a significar apoio psicológico, nutricional e médico-odontológico;
a assistência familiar pós-parto; um imprescindível serviço
de apoio à adoção, com a dinamização de áreas da Administração
Pública, do Ministério Público e do Judiciário, cumprindo-
se, assim, num projeto nacional de amplo alcance, o
comando constitucional (art. 227, §5o, CF).
Com essas e outras medidas, o Governo, ao invés de preocupar-
se em facilitar a prática delituosa do aborto, estaria protegendo
a vida de mães e filhos, valorizando-os em sua cidadania
e dignidade.
16
A Nação Brasileira merece que seus homens públicos, iluminados
pela lucidez, mostrem, no cumprimento de seu dever,
vontade política de fazê-lo e, efetivamente, o façam.
Zalmino Zimmermann*
* Presidente da Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas – ABRAME.
17
1. Francisco Herrera Jeramillo. El Derecho a la Vida y el Aborto. Pamplona:
EUNSA, 1994, p. 379. Apud Ricardo Henry Marques Dip. Uma
Questão Biojurídica Atual: A Autorização Judicial de Aborto Eugenésico
– Alvará para Matar. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 734, p.
522, dez. 1996.
2. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional. Coimbra:
ALMEDINA, 1989, p. 434. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Comentários
à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: SARAIVA, 1990,
vol. I., p. 23.
3. Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1946. 3. ed., Rio de
Janeiro: BORSOI, 1960, Tomo IV, pp. 242 e 243.
4. Jorge Miranda. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: COIMBRA
EDITORA, 1988, Tomo IV, p. 57.
5. Maria Helena Diniz. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: SARAIVA,
2001, pp. 113 e 126.
6. Nélson Hungria. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro, FORENSE,
1953, p. 275.
7. Enrico Altavilla. Trattado de Diritto Penal. Florian, 1934, lib. II, p. 162.
Apud E. Magalhães Noronha. Direito Penal. São Paulo, SARAIVA,
1965, p. 62.
8. Celso Cezar Papaleo. Aborto e Contracepção. Rio de Janeiro, RENOVAR,
2000, p. 39.
9. Maria Helena Diniz. Op. cit., p. 101.
10. Id. Ib. 22 e 23. Carlos Alberto Bittar. “Os Direitos da Personalidade”.
Rio de Janeiro: FORENSE UNIVERSITÁRIA, 1989, p. 66.
11. J. J. Gomes Canotilho. Op. cit., p. 448.
12. José Roque Junges. Bioética – Perspectivas e Desafios. São Leopoldo:
UNISINOS, 1999, p. 133.
13. Ives Gandra da Silva Martins. Pena de Morte para o Nascituro, in O
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14. Jean-François Malherbe. Estatuto Personal del Embrión Humano: Ensayo
Filosofico sobre el Aborto Eugenésico, in “La Vida Humana: Origen y
Desarollo”. Madri: UNIVERSIDADE PONTIFÍCIA COMILLAS,
1989, p. 91. Alberto Silva Franco. Aborto por Indicação Eugênica. Lex,
São Paulo, n. 132, p. 132.
15. Maria Helena Diniz. Norma Constitucional e seus efeitos. São Paulo:
SARAIVA, pp. 97-8.