O agravo no processo penal
A prática de um ilícito, penal ou administrativo, conforme ensina a doutrina traz como conseqüência o nascimento para o Estado do jus puniendi, que no Estado de Direito deve ser exercido por um órgão representante do Estado-Administração. No Brasil, por força do art. 19 da CF, o titular do direito de punir é o MP nas ações penais públicas, e o ofendido ou o seu representante legal nas ações penais privadas.
O Ministério Público é uno, indivisível, mas em atendimento a forma de organização adotada pelo país, República Federativa, divide-se em Ministério Público da União e Ministério Público Estadual.
O Ministério Público da União que possui lei orgânica própria divide-se, em Ministério Público Federal; Ministério Público do Trabalho; Ministério Público Militar; Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em conformidade com o art. 128, inciso I, da C.F.
Nos Estados-membros da União, o MP possui uma divisão funcional que está representada por áreas consideradas importantes, como meio ambiente, consumidor, criminal, civil, família e sucessões, falência, entre outras. No caso da Justiça Militar Estadual, o promotor de justiça que atua nesta área é oriundo do próprio Ministério Público, não existindo um ramo independente e especializado como ocorre na Justiça Militar da União, criada por meio de Alvará Régio expedido por D. João VI em 1808.
No curso do processo penal, ação penal pública ou ação penal privada, surgem questões de ordem que a parte se vê obrigada a suportar por falta de um instrumento hábil que possa resolver a questão, que poderá ter reflexos na defesa da causa e como conseqüência no direito de liberdade, jus libertatis, do acusado.
O recurso em sentido estrito possui limitações, o que impede o questionamento de determinadas decisões que surgem no processo, que somente poderão ser atacadas quando do oferecimento do recurso de apelação ou mesmo do recurso em sentido estrito, pronúncia ou impronúncia, no tocante aos crimes dolosos contra a vida de competência do Tribunal do Júri.
A introdução do agravo de instrumento no processo penal, sugestão que já consta do projeto de reforma do Código de Processo Penal, que na realidade não deveria ser integralmente modificado, mas apenas sofrer algumas alterações seguindo-se como paradigma às micro-reformas do Código de Processo Civil, contribuirá para um processo mais efetivo. A relação processual deve respeitar tanto o acusado como a vítima, na maioria das vezes esquecida, na busca de um equilibro de forças.
O processo penal brasileiro ainda fica sujeito na maioria das vezes à oitiva de testemunhas como matéria de prova, que irá ser utilizada para o livre convencimento do julgador em atendimento a exposição de motivos do Código de Processo Penal. A testemunha, antes de ser testemunha do autor ou do réu é testemunha do juízo conforme ensina José Wilson Seixas Santos, e está sujeita as relações que possui, o que não deveria ocorrer em respeito ao princípio da imparcialidade, garantia do jurisdicionado.
O legislador de 1940 conhecendo a natureza humana criou a figura da contradita, e o Código de Processo Penal Militar criou a impugnação ao depoimento prestado em juízo, art. 352, § 4 º, do CPPM, Decreto-Lei n º 1002 de 21 de outubro de 1969, mas estes instrumentos não impedem a existência de decisões que não poderão ser atacadas por meio de agravo, retido ou de instrumento, por falta de previsão legal.
No caso de uma audiência, onde uma das partes com base nos depoimentos prestados na polícia, inquérito policial, civil ou militar, venha a argüir a suspeição ou impedimento da testemunha para depor, alegando que esta possui amizade intima com o réu, se o julgador indeferir o pedido a parte nada poderá fazer. Indeferida a contradita, caso a testemunha não confirme a questão suscitada pela parte, esta poderá depor, a respeito de fatos que não serão apresentados com a imparcialidade necessária que exige o processo penal.
Além das questões relacionadas com a prova testemunhal, como por exemplo, o indeferimento da oitiva de uma testemunha, existem outras questões que estão voltadas para as provas periciais, que muitas vezes são indeferidas sob o argumento de serem impertinentes, cabendo a parte quando muito aguardar o momento do recurso para argüir junto ao Tribunal competente em atendimento a Constituição Estadual e a Lei de Organização Judiciária a nulidade do ato processual, ou mesmo do processo em decorrência do cerceamento dos princípios constitucionais e processuais.
Deve-se observar, que a ocorrência de nulidades no processo penal não é um fato isolado, mas uma realidade. Na análise das questões que são submetidas aos Tribunais, Tribunal de Alçada Criminal ou Seção Criminal do Tribunal de Justiça no Estado de São Paulo, com a devolução da matéria de fato e de direito, os juízes de 2 º grau muitas vezes reconhecem a nulidade do ato ou mesmo do processo desde o oferecimento da denúncia, e determinam que os atos sejam refeitos.
Não se deve esquecer que todo processo possui um custo, um valor, decorrente do emprego das pessoas envolvidas com a ação penal, das perícias que são realizadas, a atividade desenvolvida pela força policial, civil ou militar, para os cofres públicos. A nulidade de um processo decorrente de uma questão que poderia ter sido atacada por meio de um agravo, caso houvesse previsão legal, impediria a realização de novos atos, afastando a possibilidade de novos gastos para a coletividade.
Poderia se indagar que a introdução do agravo, retido ou de instrumento, no processo penal seria uma forma de se procrastinar a ação penal na busca da prescrição, ou mesmo de uma maior complexidade do processo. Tal afirmativa não merece acolhimento. O processo civil possui a previsão do agravo e nem por isso este se tornou mais ou menos complexo.
O legislador poderá prever quais são as hipóteses que admitem agravo. Na busca da celeridade, que deve existir no processo penal para se evitar a prescrição, responsabilidade do Estado que poderá inclusive levar a propositura de uma ação de indenização por danos morais e materiais por parte da vítima caso fique comprovada a inércia, ou a omissão, do Estado-administração, ou mesmo do Estado-juiz., poderá se estabelecer quais são as situações, as hipóteses, que admitem ou não a concessão de efeito suspensivo.
Com o abandono da autotutela que não deve mais existir, mas que em algumas situações vem ocorrendo conforme já noticiado pela imprensa, escrita e falada, o processo deve ser efetivo, o que significa que as partes devem estar em igualdade, e que as decisões interlocutórias possam ser questionadas em decorrência dos efeitos que estas podem ocasionar no curso da ação.
O processo, penal e civil, deve ser aprimorado na busca de uma efetiva prestação jurisdicional. A pacificação das lides, independentemente do grau de importância, é essencial para se evitar novos conflitos na sociedade. A não resolução de forma justa de uma questão pode levar a novas situações de tensão.
A sociedade acredita no Poder Judiciário que é o guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Somente um processo que permita a igualdade entre as partes é que poderá conduzir a uma sociedade mais justa e fraterna, onde o homem não seja o lobo do homem.
Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 19.03.2003