Violência cotidiana e escolar. parte 2

O esperado é que o pluralismo de códigos de conduta, de estilos de vida e padrões morais caracterizem a vida em sociedade, pois embora o indivíduo continue se submetendo às regras, não há um único modelo de conduta válido e aceito por todos.

Assim, os padrões se orientam a conduta são muitas vezes divergentes e incompatíveis entre si. A tolerância ao diferente é fartamente apregoada.

A exclusão social é termo usado para abordar uma série de temas e de problemas que nem sempre estão claramente diferenciados. Em geral, é um conceito que se emprega quando se fala de desemprego, de jovens de periferia, de sem-teto e de outros grupos sociais considerados problemáticos.

O termo exclusão implica uma heterogeneidade de usos e nomeia situações diferentes. É empregado, por exemplo, para designar situações que englobam de desempregados jovens de subúrbio que vivem vagando sem fazer nada e sem ir a qualquer lugar.

A exclusão social designa situações de degradação, gera uma situação de vulnerabilidade, caracterizada pelo trabalho precário, pelo isolamento social e pela dependência de uma rede de solidariedade.

Hoje é impossível traçar nítidas fronteiras claras entre os indivíduos que estão integrados na sociedade e os que estão sujeitos à precária relação de trabalho e os vulneráveis.

A exclusão do jovem drogado não é a mesma do desempregado. As trajetórias e as situações vividas por meninos de rua, jovens usuários de drogas, favelados, trabalhadores desempregados ou biscateiros, homossexuais, umbandistas, negros e mestiços são muito diferentes entre si, o que exige políticas públicas diferentes para reintegrá-los.

Mas no conceito de exclusão está implícita uma lógica classificatória ou binária, do sim e do não, que assinala diferenças.

Essas diferenças contribuem para a construção de identidades que ficam nas fronteiras entre grupos que se tocam ou se enfrentam e que são representados simbolicamente como diferenciados.

A exclusão social, segundo Young, é feita tendo como base os ricos, ou seja, uma atitude atuarial de cálculo e avaliação. O atuarialismo é forma de controle social da modernidade recente, significa agir em função da minimização de danos, por exemplo, dar droga para viciados e supervisionar seu uso para que eles não fiquem pelas calçadas.

A ideia é evitar problemas, o atuarialismo é que Bauman chamou de adiaforização: " despojar os relacionamentos humanos de seu significado moral, isentando-os de julgamento moral, tornando-os moralmente irrelevantes" e que Giddens ao discutir a sociedade de riscos, qualificou como atitude calculista, o que significa viver em uma atitude de cálculo em relação às possibilidades de ação positivas e negativas, com as quais somos continuamente confrontados.

A vida cotidiana é feita de encontros baseados no risco. As dificuldades devem ser evitadas e as diferenças, aceitas, desde que mantidas a distância.

Na sociedade atual, o compartilhar, aceitar ou mesmo tolerar o diferente tem limites restritos. Na demarcação das diferenças, nega-se que possa haver similaridades entre indivíduos e grupos diferentes. Nesse sentido, os depoimentos dos jovens apontam que há uma violência na relação entre pares que surge pela intolerância ao diferente, que discrimina negros, homossexuais, roqueiros e, etc.

Assim se fazem presentes os preconceitos e a intolerância frente ao outro, ao diferente. Os jovens constroem estereótipos uns sobre os outros, discriminam-se entre si e julgam-se de forma preconceituosa. Nas escolas, adolescentes e jovens interagem com outros que são diferentes deles ou de seu grupo de referência em função, por exemplo, da cor, da sexualidade, do corpo, da classe socioeconômica.

No espaço escolar essa interação com o diferente dá-se por meio de relações interpessoais pautadas por conflitos, confrontos e violência.

Ao se contraporem a outro há, muitas vezes, uma defesa sem críticas daquilo que é considerado certo e que, portanto, deve ser imposto como uma norma à qual não se permitem questionamentos ou respostas com condutas diferentes.

Essas atitudes dos alunos opõem-se ao postulado de que a modernidade, ao preconizar a pluralidade de valores e promover um debate constante sobre as regras que mudam conforme os grupos sociais, gera certa dificuldade para a definição de padrões.

A existência de vários mundos, com várias regras, é constatada, mas não se permite a avaliação moral deles, pois uma avaliação desse tipo implicaria afirmar a superioridade de um mundo sobre outro ou de um padrão moral sobre outro.

Entretanto, mesmo que essas afirmações sejam correntes, nem todos os estilos de vida, valores e diferenças são permitidos e acolhidos e essa aceitação está relacionada aos grupos de pertencimento ou às comunidades que se integram, como pode ser constado no comportamento dos alunos.

A inconstância, o caráter volátil que caracteriza a identidade hoje não é possível para todos.

Giddens ao discutir as limitações da escolha dos estilos de vida pelos diferentes grupos ou classes sociais, diz que, em grande parte, os pobres seriam quase completamente excluídos da possibilidade de escolher estilos de vida.

Na demarcação das diferenças, nega-se que possa haver similaridades entre indivíduos e grupos diferentes e, nesse processo de estabelecimento de diferenças, as identidades são hierarquizadas. Ao se hierarquizarem as diferenças, as relações de poder entre os indivíduos são estabelecidas.

Os indivíduos são medidos, comparados, relacionados e classificados. Ao classificar e hierarquizar as diferenças, atribuem-se diferentes valores aos grupos sociais. Dividir o mundo social entre nós e eles é classificar e ordenar grupos sociais.

Para Hall, normalizar é hierarquizar, é eleger uma identidade como parâmetro, é atribuir a ela tudo de positivo e avaliar o resto como negativo. A identidade considerada normal fica, inclusive, invisível.

Quando os indivíduos são reduzidos aos estereótipos, a sociedade constrói teorias ou ideologias para explicar essa diferença e justificar a discriminação. Fixa-se uma imagem social do outro, o diferente, que, ao ressaltar a diferença, o transforma em problema social que assusta e incomoda.

Os jovens que cometem atos violentos ou uma infração ou que já estiveram em situação de liberdade assistida são, qualificados como violentos.

Tal qualificação adere-se a eles como uma tatuagem e eles começam a ser vistos a partir do ato de violência cometido.

A diferença social pode gerar intolerância preconceito, discriminação. Temos aí uma violência que surge pela intolerância ao diferente, ao discrimina pobres, negros, homossexuais, maus alunos, rejeita os gordos e os feios.

A diferença é o modo, por comparação, se explicita uma não igualdade, enquanto o preconceito é o resultado de um juízo ou de uma concepção não problematizada, quando o diferente é transformado no desigual e no inferior.

Lembramos aqui que a diferença não é em si um problema. A diferença permite-nos legitimar o que somos e é valorizada na sociedade contemporânea. No processo de construção das identidades sempre há a referência ao "outro", ou seja, eu não sou o que o outro é. As pessoas constroem suas identidades a partir dessas diferenças.

As identidades dos excluídos são essencializadas como parte do processo de estigmatização. Bauman afirma que o essencialismo cultural contribui para a crença na superioridade de uns e na demonização do outro, percebido então como depravado, estúpido e criminoso.

O essencialismo facilita a exclusão social a fornecer alvos e estereótipos, reafirmar a identidade de grupo e possibilitar a desumanização dos excluídos por meio de colocações como esta: "são selvagens, só entendem pela violência".

O essencialismo contribui ainda para o processo de responsabilização da vítima, pois a culpa é dela, enquanto indivíduo, e não decorrente da estrutura e dos valores da sociedade. Também contribui para que certos grupos sejam tratados com condescendência, isto é, de forma paternal, porque são inferiores, infantis ou simplórios.

Mas da mesma forma que as identidades são atribuídas elas são assumidas. A exclusão social, segundo Young, contribui para que o desviante adote a essência a ele imputada.

Os jovens de classe baixa, inclusive como forma de enfrentamento, tendem a essencializar sua identidade para se mostrarem diferentes. Assim, por exemplo, estudantes operários assumem uma atitude machista, racista e anti-intelectual, como mostrou Paul Willis.

Identidades essencializadas são assumidas e projetadas. E, mesmo dentro da comunidade há diferenciações entre eles... por pertencerem aos diferentes comandos (o Vermelho, o Terceiro Comando, o ADA) e por posições diferentes: polícia versus banido; pela conversão de alguns membros às igrejas pentecostais que proíbem o contato com as outras religiões.

As entrevistas com pais de alunos que temos realizado têm apontado nessa direção. Os pais de alunos considerados bons, muitas vezes, atribuem a culpa dos problemas do bairro e da própria escola aos pais dos alunos protagonistas de violência.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 05/03/2014
Reeditado em 06/03/2014
Código do texto: T4715586
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