O Auto de Infração previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente no âmbito do Estado do Rio de Janeiro

1. INTRODUÇÃO

A lavratura de autos de infração é atividade rotineira dos comissários de justiça do Estado do Rio de Janeiro em sua atividade externa. Ao se deparar com situações que violem as normas de proteção à criança e ao adolescente, tipificadas como infrações administrativas, é dever do comissário preencher (em caso de utilização de formulário) ou redigir (quando for por meio de petição) o auto de infração, a fim de informar à autoridade judiciária acerca do ocorrido.

2. DEFINIÇÃO

Conforme o Novo Dicionário Aurélio (2004), auto é o registro escrito e autenticado de qualquer ato. Logo, auto de infração é o registro da ocorrência de uma infração administrativa.

De forma mais completa, pode-se afirmar que o auto de infração é o documento que dá início ao procedimento que tem por finalidade levar ao conhecimento da autoridade a constatação de violação à lei, tipificada por esta como infração administrativa.

Os autos de infração em geral podem ser lavrados por fiscais de trânsito (art. 280 da Lei 9503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro), por agentes que fiscalizam o recolhimento de tributos e também por servidores que fiscalizam o cumprimento de normas relativas à infância, à juventude e ao idoso. O presente trabalho abordará esta última hipótese.

3. PREVISÃO LEGAL

3.1. Legislação Federal: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

No ECA, o auto de infração está previsto no artigo 194, caput:

Art. 194. O procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente terá início por representação do Ministério Público, ou do Conselho Tutelar, ou auto de infração elaborado por servidor efetivo ou voluntário credenciado, e assinado por duas testemunhas, se possível. (BRASIL, Lei 8069 de 13 de julho de 1990, 1990)

Logo, o ECA prevê a lavratura do auto de infração tanto por servidor ocupante de cargo efetivo quanto por voluntário credenciado. Observe-se, para efeito meramente comparativo, que o Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003) tem previsão diversa, mais restrita, não incluindo o voluntário como agente dotado de atribuição para lavrar autos de infração.

O Estatuto prevê que o procedimento para apurar violação que tipifique infração administrativa também pode ser iniciado pelo Ministério Público ou pelo Conselho Tutelar, mas estes órgãos devem para tal oferecer representação.

3.2. Legislação Estadual do Rio de Janeiro: a Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça (CNCGJ)

A CNCGJ, consubstanciada no Provimento CGJ nº 11 de 30 de janeiro de 2009, relaciona os deveres dos comissários de justiça nos incisos do artigo 422. Por força do artigo 425, §6º do mesmo provimento, os deveres dos comissários aplicam-se, no que couberem, aos colaboradores voluntários. A Consolidação Normativa não prevê atribuição ou dever exclusivo de comissário de justiça e nem de colaborador voluntário.

A existência de voluntários atuando junto aos Juízos da Infância e Juventude vem de longa data e ocorre em diversos Estados da Federação. Outrora conhecidos no Estado do Rio de Janeiro como “comissários voluntários”, passaram a ser denominados colaboradores voluntários, a fim de que o termo comissário seja utilizado exclusivamente para se referir ao servidor ocupante de cargo efetivo. A CNCGJ dispõe em seu artigo 425 que:

Art. 425. O Juízo de Direito com competência na matéria de Infância e Juventude poderá, excepcionalmente, contar com Colaboradores e Orientadores Voluntários, que exercerão suas atividades sob a coordenação dos Comissários de Justiça, nas Comarcas onde os houver, por período de 12 meses, sem ônus para os cofres públicos, mediante indicação do Juiz e autorização do Corregedor-Geral da Justiça, sendo necessário o cadastramento dos mesmos na Corregedoria, podendo ser dispensados, ad nutum, tanto pelo Juízo a que estiver subordinado como pelo Corregedor-Geral da Justiça. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Provimento CGJ nº 11 de 30 de janeiro de 2009, 2009)

Apesar de o supracitado artigo considerar a excepcionalidade da existência de colaboradores voluntários, é fato que a grande maioria das comarcas do interior do Estado do Rio de Janeiro possui colaboradores voluntários credenciados, diante da quantidade insuficiente de comissários de justiça.

Também é importante observar que, apesar de a Consolidação Normativa não diferenciar as atribuições de comissários e colaboradores, a norma deixa claro que a coordenação das atividades cabe aos comissários de justiça, nas comarcas onde os houver.

No inciso VI do artigo 422 da CNCGJ, encontra-se a previsão para a lavratura de auto de infração:

“Art. 422. São deveres do Comissário de Justiça da Infância, da Juventude e do Idoso:

(omissis)

VI - lavrar auto de infração quando constatar violação das normas de proteção à criança, ao adolescente e ao idoso, que tipifiquem infrações administrativas;”

Importante frisar que somente as infrações administrativas ensejam lavratura de auto de infração. Em caso de flagrante de fato previsto na lei como crime ou contravenção penal, não há previsão legal no ECA e nem na Consolidação Normativa para lavrar auto de infração, devendo o comissário ou colaborador solicitar auxílio de força policial e relatar a ocorrência ao juiz, conforme art. 422, inciso XIV da CNCGJ.

Ademais, existem julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que extinguiram autos de infração lavrados em decorrência da constatação de venda ou entrega de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, por impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista o entendimento de que se trata de conduta delituosa (contravenção penal), não cabendo lavratura de auto de infração nesta hipótese.

4. MODALIDADES DE AUTO DE INFRAÇÃO

4.1. Eventos e festividades

Em geral, os autos lavrados nestas ocasiões se baseiam nos artigos 252 e 258 do ECA. O primeiro artigo trata de infração omissiva:

Art. 252. Deixar o responsável por diversão ou espetáculo público de afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza da diversão ou espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (BRASIL, Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990, 1990)

Já o artigo 258 é, sem dúvida, o mais comum em caso de eventos, locais de diversão e festividades, pois pune aquele que não observa as disposições da lei sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão ou na participação de espetáculo:

Art. 258. Deixar o responsável pelo estabelecimento ou o empresário de observar o que dispõe esta lei sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou sobre sua participação no espetáculo.

Pena - multa de três a vinte salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias. (BRASIL, 1990)

Cabe observar que o auto de infração pode ser direcionado simultaneamente contra o responsável pelo estabelecimento e contra o empresário organizador do evento, em litisconsórcio passivo. Decisões reiteradas do Tribunal de Justiça fluminense têm considerado que o artigo 258 estabelece uma solidariedade relativamente à legitimidade passiva nesta hipótese.

Para constatar que houve inobservância de disposição da lei sobre o acesso de criança ou adolescente, é necessário que se estabeleça a faixa etária de cada evento ou local de diversão. Nesse ponto, o ECA somente prevê limitação de idade no artigo 75, parágrafo único, quando dispõe que:

“Art. 75, parágrafo único. As crianças menores de dez anos somente poderão ingressar e permanecer nos locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas dos pais ou responsável.”

Portanto, para a lei federal, crianças com idade inferior a 10 (dez) anos devem estar acompanhadas de pai, mãe ou responsável legal, em locais de apresentação ou exibição, sob pena de violação ao artigo 258 do ECA.

Entretanto, o ECA não fixa as faixas etárias adequadas às variadas festividades e locais de diversão. Essa tarefa é de competência da autoridade judiciária, por comando expresso no artigo 149 da referida lei:

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

a) estádio, ginásio e campo desportivo;

b) bailes ou promoções dançantes;

c) boate ou congêneres;

d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;

e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

II - a participação de criança e adolescente em:

a) espetáculos públicos e seus ensaios;

b) certames de beleza.

Essa determinação judicial pode estar contida em uma portaria, que traça as normas gerais no âmbito da comarca sobre entrada e permanência de crianças e adolescentes, ou por um alvará, que significa a autorização judicial concedida para um evento ou local específico, relativamente ao ingresso de crianças e adolescentes.

É essencial que o auto de infração especifique não só o artigo do ECA infringido, mas também o artigo da portaria ou o item do alvará que porventura tenha sido violado.

4.2. Entidades de atendimento

Conforme o artigo 422, VII da CNCGJ, é atribuição dos comissários de justiça a inspeção de entidades públicas ou particulares, que atendam crianças e adolescentes, tanto em programas de proteção quanto socioeducativos. Diz a norma:

Art. 422, VII – inspecionar as entidades governamentais e não governamentais de atendimento a crianças e adolescentes que executem programas de proteção ou sócio-educativos (sic), relatando as ocorrências à Autoridade Judiciária para as providências cabíveis; (TJRJ, 2009)

A infração administrativa porventura constatada em entidade é prevista no artigo 246 do ECA, que significa um descumprimento de dever estabelecido na mesma lei, no artigo 124.

Art. 246. Impedir o responsável ou funcionário de entidade de atendimento o exercício dos direitos constantes nos incisos II, III, VII, VIII e XI do art. 124 desta Lei:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (BRASIL, 1990)

Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

(...)

II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

(...)

VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;

VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

XI - receber escolarização e profissionalização; (BRASIL, 1990)

4.3. Meios de Comunicação

Amparados pelo artigo 422, V da CNCGJ, que dispõe que cabe aos comissários de justiça “relatar à autoridade Judiciária qualquer ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente e do idoso” (TJRJ, 2009) podem estes serventuários lavrar autos de infração contra jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, dentre outros, que violem as normas de proteção a crianças e adolescente e se enquadrem em alguma das infrações administrativas relacionadas a seguir:

Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

§ 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente. (BRASIL, 1990)

Art. 253. Anunciar peças teatrais, filmes ou quaisquer representações ou espetáculos, sem indicar os limites de idade a que não se recomendem:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, duplicada em caso de reincidência, aplicável, separadamente, à casa de espetáculo e aos órgãos de divulgação ou publicidade. (BRASIL, 1990)

Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação:

Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.(BRASIL, 1990)

Art. 255. Exibir filme, trailer, peça, amostra ou congênere classificado pelo órgão competente como inadequado às crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo:

Pena - multa de vinte a cem salários de referência; na reincidência, a autoridade poderá determinar a suspensão do espetáculo ou o fechamento do estabelecimento por até quinze dias.(BRASIL, 1990)

Sobre o artigo 253, é importante ressaltar que a classificação indicativa de filmes, peças de teatro, espetáculos, jogos eletrônicos, entre outros, é atribuição do Ministério da Justiça (Portaria do Ministério da Justiça nº 1.220, de 11 de julho de 2007), que a fixa dentro de uma das faixas enunciadas abaixo:

L - Livre para todos os públicos

A análise não aponta inadequações – exibição em qualquer horário

10 – Não recomendado para menores de 10 anos

Exibição em qualquer horário

12 - Não recomendado para menores de 12 anos

Exibição após as 20h

14 - Não recomendado para menores de 14 anos

Exibição após as 21h

16 - Não recomendado para menores de 16 anos

Exibição após as 22h

18 - Não recomendado para menores de 18 anos

Exibição após as 23h

Já quanto aos critérios que são utilizados, vale a transcrição de trecho do Guia Prático da Classificação Indicativa do Ministério da Justiça:

Os critérios de análise são embasados na quantidade, relevância, contextualização e intensidade das cenas com conteúdos de sexo, drogas e violência apresentados. Antes de lançar a Classificação Indicativa, o analista avalia se a obra apresenta agravantes e atenuantes. São agravantes, por exemplo, a apresentação de violência e ausência de punição ao agressor. A apresentação de comportamentos cooperativos, solidários, de valorização da vida e do ser humano podem ser atenuantes e ajudam a reduzir a Classificação Indicativa das obras analisadas. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, p. 42)

4.4. Contra os pais ou responsável

Existe também previsão legal de autuação dos pais ou responsável por criança ou adolescente, em caso de descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, ou decorrente de tutela ou guarda.

Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (BRASIL, 1990)

A previsão de multa pecuniária como sanção ao descumprimento aos deveres do poder familiar é muito criticada no meio jurídico, por conta do caráter de hipossuficiência financeira de grande parte das famílias atendidas no juízo da infância e juventude. Há situações em que o procedimento não é instaurado, pois em vez de educativo, seria ainda mais prejudicial à família.

4.5. Hospedagem e viagem de menores de 18 anos

Cabe autuação contra hotel, pousada ou congênere, em caso de hospedar criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou responsável ou sem autorização destes ou do juiz.

Art. 250. Hospedar criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável ou sem autorização escrita destes, ou da autoridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere:

Pena - multa de dez a cinquenta salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias. (BRASIL, 1990)

Inevitável salientar que a proibição de hospedagem de adolescente sem autorização dos pais, do responsável ou do juiz vai de encontro à autorização para viajar livremente pelo território nacional que o mesmo adolescente tem garantida no artigo 83 do ECA. Em suma, o adolescente pode viajar por todo o território nacional desacompanhado e sem autorização, no entanto, não pode se hospedar, se não portar autorização. Tal contradição não coaduna com o princípio da proteção integral consagrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em caso de inobservância das regras relativas à autorização para viajar, pode o comissário de justiça lavrar auto de infração, constatando a hipótese descrita no artigo seguinte.

Art. 251. Transportar criança ou adolescente, por qualquer meio, com inobservância do disposto nos arts. 83, 84 e 85 desta Lei:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.(BRASIL, 1990)

4.5. Locadoras de vídeos, editoras e bancas de jornal e revistas

O ECA, sempre objetivando a proteção integral à criança e ao adolescente, prevê infrações administrativas que podem ser cometidas por locadoras de vídeo (analogicamente estende-se a locadoras de DVD e jogos eletrônicos), editoras e bancas de jornal e revistas.

Art. 256. Vender ou locar a criança ou adolescente fita de programação em vídeo, em desacordo com a classificação atribuída pelo órgão competente:

Pena - multa de três a vinte salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias. (BRASIL, 1990)

Art. 257. Descumprir obrigação constante dos arts. 78 e 79 desta Lei:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, duplicando-se a pena em caso de reincidência, sem prejuízo de apreensão da revista ou publicação. (BRASIL, 1990)

Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.

Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca. (BRASIL, 1990)

Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família. (BRASIL, 1990)

5. LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO

5.1. No momento da fiscalização

Conforme o artigo 194, §2º do ECA, o auto de infração deve ser lavrado, sempre que possível, em seguida à constatação da ocorrência de infração administrativa. A elaboração do documento, nesta hipótese, conclui-se com a intimação do autuado efetuada pelo próprio agente de fiscalização, durante a diligência, conforme artigo 195, I do ECA.

O parágrafo 1º do mesmo artigo 195 dispõe que se pode utilizar formulário impresso na lavratura dos autos de infração, devendo estar especificadas a natureza e as circunstâncias da infração, a fim de salvaguardar o direito de defesa do autuado.

Art. 194 (...)

§ 1º No procedimento iniciado com o auto de infração, poderão ser usadas fórmulas impressas, especificando-se a natureza e as circunstâncias da infração.

§ 2º Sempre que possível, à verificação da infração seguir-se-á a lavratura do auto, certificando-se, em caso contrário, dos motivos do retardamento. (BRASIL, 1990)

5.2. Lavratura a posteriori

No entanto, há casos em que é difícil identificar os organizadores de um evento. Nos eventos de carnaval e nas exposições agropecuárias, por exemplo, pela magnitude do evento, é virtualmente impossível colher a assinatura do responsável pelo evento. Tais informações serão obtidas posteriormente, possibilitando a identificação do autuado.

Também é possível que o requerido, no intuito de evitar a autuação, recuse-se a fornecer seus dados pessoais ou do estabelecimento, impossibilitando a lavratura durante a diligência fiscalizatória.

Para estas hipóteses, o ECA prevê excepcionalmente a lavratura a posteriori do auto de infração, sendo o autuado intimado por meio de oficial de justiça, por via postal ou, ainda, por edital (se incerto ou não sabido o seu paradeiro).

A lei determina, todavia, que devem ser indicados os motivos que levaram o auto de infração a ser lavrado posteriormente, sob pena de ser julgado improcedente .

Importante frisar que o auto quando lavrado a posteriori não acarreta cerceamento de defesa do autuado, muito pelo contrário. O prazo oferecido para defesa, na hipótese de auto a posteriori, fica consideravelmente dilatado, pois a contagem se inicia com a juntada aos autos do mandado cumprido (artigo 241, II do Código de Processo Civil). Já no auto cuja lavratura se dá no calor da fiscalização, o prazo se inicia no momento em que o autuado toma ciência e assina o termo de autuação.

Ademais, para o advogado que apresentará a defesa, o auto posteriormente lavrado se apresenta de forma semelhante a uma petição inicial, com menção aos fatos, ao direito e, ao final, com os pedidos. No caso da utilização de formulários impressos, fica sensivelmente prejudicado o trabalho da defesa, pois não há descrição dos fatos, constando meramente a tipificação da conduta infracional, tornando árdua a tarefa do advogado, que tem poucos elementos a contestar.

6. PECULIARIDADES DO AUTO DE INFRAÇÃO

No auto de infração previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, a regra insculpida no artigo 36 do Código de Processo Civil, que trata da capacidade postulatória, vale dizer, da necessidade de se estar representado em juízo por advogado legalmente habilitado, é atenuada. O legislador, levando em conta a relevância dos interesses e direitos tutelados, optou por um abrandamento do formalismo processual (AMORIM, 1998). Logo, de forma peculiar, os comissários podem apresentar seus autos de infração, tanto por meio de fórmulas impressas (art. 194, §1º ECA) quanto por meio de relatórios assemelhados às petições iniciais, sem necessidade de representação por advogado.

Além disso, outros requisitos da lei processual, tais como os previstos nos incisos V a VII do artigo 282 da Lei 5869/1973 – CPC, a saber: valor da causa, especificação de provas e requerimento para citação do réu, não são considerados essenciais na estrutura do auto de infração, pois este é tido como um mero procedimento administrativo judicial e não como um processo judicial comum submetido a todos os requisitos da lei processual.

Outra situação atípica, relativamente ao auto de infração, é a condição com que os comissários figuram no procedimento de auto de infração já instaurado. Se fossem considerados partes, os comissários teriam direito de interpor recursos, participar de todos os atos processuais, manifestar-se em audiências, inquirir testemunhas, entre outras prerrogativas daqueles que ocupam um dos polos da ação judicial.

No entanto, após a apresentação em juízo do auto de infração, aos comissários não é permitida a prática de mais nenhum ato processual. Não participam obrigatoriamente da audiência de instrução e, quando o fazem, atuam como informantes, não tendo direito de inquirir o autuado ou eventuais testemunhas. Também não têm legitimidade para interpor recursos ou apresentar contrarrazões.

Portanto, por não terem outra oportunidade de se manifestar processualmente, os comissários têm o dever de lavrar um auto de infração que se aproxime da perfeição, sob pena de vê-lo indeferido, anulado ou julgado improcedente pela autoridade judiciária.

Em contrapartida, há vários registros de decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reconhecendo a fé pública do comissário, tendo o auto de infração lavrado por este presunção de legitimidade .

Por fim, cabe registrar que há críticas quanto ao procedimento em tela ser iniciado por órgão do Poder Judiciário, cabendo posteriormente ao próprio Judiciário julgá-lo. Os críticos alegam que seria mais razoável que a fiscalização e a instauração de procedimentos coubessem apenas ao Ministério Público e ao Conselho Tutelar, que têm prevista em lei a representação como forma de instauração de procedimento da proteção dos direitos de crianças e adolescentes.

7. REQUISITOS DO AUTO DE INFRAÇÃO

Como foi comentado anteriormente, após a apresentação do auto de infração ao juízo da infância e juventude, não há outra oportunidade processual para que os comissários emendem, corrijam, acrescentem ou direcionem o documento. Mesmo que no sistema informatizado de acompanhamento processual conste que o autor é o Comissariado de Justiça, este não é parte no feito, não podendo nele intervir em nenhuma de suas fases. Daí a importância de se elaborar um documento completo, que não precise de aditamentos, emendas ou alterações de qualquer tipo.

No intuito de suprir todos os requisitos legais e normativos, que sobreviva aos ataques porventura desferidos pelo autuado, o auto de infração, tanto lavrado no momento em que foi constatada a irregularidade, quanto aquele posteriormente lavrado, deve conter os elementos a seguir relacionados:

- Descrição da violação constatada e a tipificação nas leis, na portaria do juízo e no alvará judicial (quando houver);

- Dia, hora e local da violação constatada às normas do ECA;

- Qualificação completa do estabelecimento ou evento autuado, bem como de seu responsável, com a indicação de nomes, endereços, identidade, CPF, CNPJ e telefones;

- Assinatura de duas testemunhas, quando possível (art. 194, parte final ECA);

- Quando lavrado durante a fiscalização, indicação do prazo e do local para que o autuado apresente sua defesa;

- No auto a posteriori, enumeração dos motivos do retardamento (art. 194, §2º ECA);

- Em caso de presença de menores de 18 anos em eventos ou diversões, indicação de rol contendo nome, filiação, data de nascimento, idade, endereço, telefone dos adolescentes.

- Se possível, documentar a infração por meio de fotografia ou filmagem;

- Assinatura e matrícula do agente responsável pela autuação.

8. PROCEDIMENTO E TRAMITAÇÃO

As normas processuais acerca do desenvolvimento do procedimento de auto de infração encontram-se nos artigos 195 a 197 do ECA. Após a lavratura do documento, seja ela no momento da diligência ou a posteriori, o autuado terá prazo de 10 (dez) dias para apresentar sua defesa. Novamente, cabe observar que o prazo para defesa é contado do momento da autuação no caso de lavratura durante a diligência e, no caso de auto lavrado posteriormente, o prazo se conta conforme a lei processual, da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido. Logo, para a defesa, o auto a posteriori propicia prazo muito maior para apresentação de peça de contestação.

Em caso de inércia do autuado, não se manifestando no prazo legal, o juiz dará vista ao Ministério Público, por cinco dias e após decidirá em igual prazo. Se o autuado apresentar defesa, poderá o juiz proceder como na hipótese acima ou designar audiência de instrução e julgamento (AIJ).

Na AIJ, será colhida a prova oral (oitiva de testemunhas, agentes de fiscalização e depoimento do autuado) e, em seguida, devem se manifestar sucessivamente o Ministério Público e o advogado do autuado, por vinte minutos cada um, prorrogável pelo juiz por mais dez minutos. Ao final, o juiz proferirá sentença.

Interessante reiterar, por fim, que apesar de ser o agente instaurador do procedimento, o comissário de justiça não tem prevista em lei qualquer outra manifestação durante o trâmite do auto de infração. Não há previsão expressa de participação em audiência, de apresentação de recursos ou mesmo de manifestação após a defesa do autuado. Tal situação torna ainda mais importante o momento da lavratura do auto de infração, tendo em vista que não haverá mais oportunidade para repará-lo ou para fazer qualquer tipo de complementação ou observação.

9. CONCLUSÃO

As peculiaridades do procedimento iniciado por auto de infração, notadamente, a exceção quanto à capacidade postulatória, permitindo a lei que os comissários e colaboradores elaborem e apresentem o auto de infração sem estarem representados por advogado habilitado. Também, a situação do Comissariado após a instauração do procedimento, que não é considerado parte, não tendo, por conseguinte, legitimidade para intervir no feito de forma alguma. Tais situações, ímpares e características, transformam o momento da lavratura do auto de infração na única oportunidade de se instruir o juízo com o máximo de elementos e informações possível, formando um auto de infração robusto e tecnicamente perfeito, o que é um fator decisivo para que seja julgado procedente pela autoridade judiciária, resguardando os direitos de crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso, 2003.

BRASIL, Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, 1973.

BRASIL, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.

BRASIL, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro, 1997.

BRASIL, Ministério da Justiça, Guia Prático da Classificação Indicativa, Disponível em: <www.portal.mj.gov.br>, acessado em: 07 dez. 2013.

BRASIL, Ministério da Justiça, Portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, 2007.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Corregedoria-Geral da Justiça, Provimento nº 11 de 30 de janeiro de 2009, 2009.

Leandro Dornellas
Enviado por Leandro Dornellas em 03/03/2014
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