Lineamentos sobre o crime de homicídio

O artigo pretende esboçar os conceitos básicos e sucedâneos em torno do tipo penais previsto no art. 121 do CP em seus parágrafos e incisos.

A proteção jurídica da pessoa humana e, mais particularmente sobre a vida humana existe consagrada desde de sua formação uterina, mesmo antes do nascimento já existe a tutela penal à vida humana.

O conceito de homicídio é a eliminação da vida humana extra-uterina praticada por outra pessoa. Se a tal eliminação for intra-uterina, o crime será outro, o de aborto.

É antiqüíssima a incriminação do homicídio, desde das mais remotas legislações, o homicídio na Roma antiga erra considerado crime público sob a denominação de parricidium. Que significa não a morte de pai, mas sim a de cidadão sui juris.

Dispunha a Lei das XII Tábuas (ano 450/451 a. C) embora o escravo não pudesse ser sujeito passivo do crime de homicídio, posto que não era pessoa e, sim coisa (res), quando muito só configuraria o crime de dano.

A fonte principal da incriminação era a Lei Cornélia promulgada ao tempo de Sila (81 a C) e as penas dependiam da condição do réu e das circunstâncias do fato, era a deportatio (exílio), a confiscatio (confisco) ou a decapitatio (decapitação) para os honestiores, e a condenação aos animais ferozes (ad bestias) ou a vivicrematio, para os humiliores.

Convém ressaltar que os crimes contra a pessoa não quer dizer necessariamente que só possam atingir a pessoa física ou natural em determinados casos também a pessoa jurídica poderá ser sujeito passivo.

Nada impede que a pessoa jurídica possa ser ofendida por difamação, como também pode sofrer a violação de domicílio, de correspondência.

Recentemente a Lei 9.605/1998 em seus artigos 3, 21 e 24 admite expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica no que se refere aos delitos contra o meio ambiente( crimes ambientais). E, por tal aspecto poderá assim a pessoa jurídica ser até caluniada.

O consentimento do ofendido pelo Código Penal de 1890 não excluía a intenção criminosa, nos dois projetos que se sucederam (o de Sá Pereira e o de Alcântara Machado), tal consentimento poderia significar perdão, operando-se como excludente da pena quando o objeto do crime fosse bem ou interesse jurídico de que o respectivo titular pudesse validamente dispor. Já o outro projeto entendia justamente no sentido contrário.

De fato, o consentimento do ofendido pode funcionar como causa excludente da tipicidade, da ilicitude da conduta (segundo a doutrina clássica) Casos existem em que o consentimento do ofendido é elementar do tipo penal, ocorre, por exemplo, com o art. 150 do CP no crime de violação de domicílio.

Se ocorrer o consentimento do ofendido para entrar ou permanecer no domicílio da vítima, não há obviamente adequação típica, logo não há crime.(art.150CP)

Porém, se o consentimento do ofendido não faz parte do tipo penal como elemento, tratando-se de pessoa capaz e objeto jurídico disponível, ocorre a exclusão da ilicitude do fato.

No crime de dano art. 163 CP não há crime quando o ofendido consente na danificação do objeto material. Segundo a teoria da imputação objetiva, só se reconhece como a excludente de tipicidade ao consenso válido.

Para tal exige-se dois requisitos: a) que o objeto jurídico seja disponível; b) que o ofendido seja capaz de consentir.

A vontade há de ser expressa por quem já atingiu a capacidade penal de 18 anos, vontade proba e sem ser eivada da inimputabilidade para doença mental, erro, dolo ou violência.

Quando o objeto jurídico é indisponível ainda que haja o consentimento ou mesmo a simples presença não ocorre a excludência da ilicitude do fato, embora se admita uma diminuição de pena (art. 121, parágrafo primeiro do CP).

São delitos ou crimes contra a vida:

O homicídio (art. 121 CP); a participação em suicídio (art. 122), o infanticídio (art.123) e o aborto (art.124).

Quanto ao elemento subjetivo ou normativo podem ser: dolosos, culposos e preter dolosos ou preterintencionais.

A antropofagia, por si só, não constitui crime, mas sim a conduta que a precede como a de homicídio ou a lesão corporal. O tema do estado de necessidade tem variado de tratamento conforme as diferentes legislações que ora exclui a ilicitude do fato típico, ora exclui a culpabilidade pela força da inexigibilidade de comportamento adequado ao Direito.

O estado de necessidade previsto no art. 20 do CP é excludente de antijuridicidade do fato típico e, pode ser dividido em: a) situação de perigo( ameaça de morte por inanição); b) comportamento lesivo( de matar a vítima).

Para se configurar a situação de perigo é indispensável que o perigo seja atual, ameaça a direito próprio e alheio (direito à vida); situação não causada voluntariamente pelo sujeito; inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

Admite assim o homicídio a co-autoria e a participação com ou sem liame subjetivo. Desta forma, se duas pessoas atiram na direção da vítima, mas somente uma a alveja mortalmente, sem que haja o conluio, uma responderá por homicídio consumado e, a outra por tentativa de homicídio. No entanto, se ambas agiram premeditadamente e, ainda com liame subjetivo (combinadas entre si) ambas responderão pelo homicídio consumado.

O crime de homicídio é crime comum, pois pode ser perpetrado por qualquer pessoa, não se exigindo quaisquer qualidades especiais ou legitimidade quer do sujeito ativo como do passivo. É ainda crime simples, pois atinge a um só bem jurídico (a vida). É crime de dano, pois para sua caracterização exige-se a efetiva lesão do bem jurídico (a morte) É crime de ação livre, pois pode ser praticado por qualquer meio, comissivo ou omissivo: veneno, fogo, facada, disparo de arma de fogo, deixar de alimentar, de dar medicamentos, e, etc...

Importante sublinhar que o meio empregado pode constituir qualificadora vide art. 121§ 2 º III do CP (fogo, explosivo, asfixia, veneno, meio insidioso).

Também classificamos o homicídio como crime instantâneo, não é crime permanente (pois só se consegue matar uma vez só a mesma pessoa). O crime então é crime instantâneo de efeitos permanentes porque a consumação se dá em um só momento, mas seus efeitos são irreversíveis.

É crime material, pois só se efetiva com a ocorrência da morte. No que tange à consumação permite-se classificar os crimes em: a) crimes materiais onde a lei descreve uma ação e um resultado que é exigido para que se considere o crime como consumado; b) crimes formais, a lei descreve uma ação e um resultado, mas dispensa a ocorrência do resultado para que se considere o crime consumado, é o caso da extorsão mediante seqüestro e da ameaça, o crime se consumando no momento da ação, ou seja, a lei só lhe impinge a forma como se pratica, ou seja, a conduta e não o resultado.

Também os crimes de mera conduta, onde a lei descreve somente a ação sem mencionar qualquer resultado, é o caso da violação de domicílio.

É bom frisar que a morte se dá com a cessação da atividade encefálica. A prova da materialidade do crime de homicídio é feita através de exame necroscópico por médicos legistas que atesta a morte e sua causa.

O tipo privilegiado é descrito no primeiro parágrafo do art. 121 é traz o cometimento movido por relevante valor social ou moral ou sob violenta emoção logo após de injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

As figuras qualificadas de homicídio são descritas no segundo parág. correspondem ao motivo torpe ou fútil, veneno, fogo, asfixia, traição,m emboscada, conexão com outro delito, meios considerados como insidiosos e cruéis que dificultando ou impossibilitando a defesa do ofendido.

Torpe é o que é abjeto, desonesto, ignóbil, infame, reprovável diante o senso comum.

TORPEZA

De torpe, do latim turpis (infame, vil, ignóbil), indica a qualidade, ou o estado de tudo o que é torpe, ou contra a moral.

A torpeza resulta de qualquer ato vergonhoso, imoral, ou desonesto, de todo ato que possa ofender o decoro e os bons costumes, de toda ação de maldade e de infâmia. Pode formular-se por atos, por fatos, ou por palavras, onde se destilem a ignomínia, a vergonha, a desonestidade.

Os atos ou fatos torpes não podem servir de objeto a relações jurídicas. As coisas torpes não merecem apoio legal. E nulos são os atos jurídicos fundados na torpeza.

E se a torpeza é juridicamente repelida, a ninguém, igualmente, é lícito alegar a própria torpeza, no intuito de tirar qualquer proveito: Nemo auditur turpitudinem suam allegans.

Por outro lado, é assente no Direito que o executor de obrigação imoral por parte do credor está autorizado a repetir sua prestação. Mas, consoante o adágio de que "in pari causa turpitudinis cessat repetitio", não lhe será atribuída à faculdade de repetição, quando, igualmente, há por seu lado uma convenção imoral.

In Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva, Editora Forense.

Fútil é motivo frívolo, aquele que consiste estímulo insuficiente para levar o tipo médio de delinqüente ao crime cometido. É, portanto, o móvel desproporcionado ao delito, apresentando-se este, em conseqüência, como verdadeiro despropósito.

O parágrafo quinto descreve norma penal permissiva que prevê o perdão judicial quando o juiz poderá deixar de aplicar a pena no caso de as conseqüência da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne necessária.

O homicídio não é crime próprio logo qualquer pessoa pode ser tanto sujeito ativo como sujeito passivo será delito contra a segurança nacional se for cometido contra o Presidente da República, o membro do Senado Federal, Câmara dos Deputados ou do Supremo tribunal ex vi art. Lei 7.1.70/83 art. 29.

O homicídio não é crime de forma vinculada, pois se admite qualquer meio de execução. Tais meios podem ser materiais, como uma facada, ou morais, em que a morte da vítima se opera mediante um trauma psíquico. Por meio direto, como o disparo de arma de fogo, ou indireto quando, por exemplo, o sujeito atiça um violento pitt-bull contra a vítima, ou a induz a dirigir-se a um abismo.

Pode ser cometido tanto pela ação como pela omissão. Mas tal omissão não é causal e sim normativa. Na verdade os crimes omissivos impróprios são também chamados de comissivos por omissão, o sujeito responde pelo resultado, pois sua omissão produziu o resultado. A responsabilidade decorre da lei. A estrutura da omissão é essencialmente normativa e não naturalística.

Diante do homicídio a causalidade não é formulada em face da relação entre a conduta omissiva e a produção do resultado, mas entre este e o comportamento que o sujeito estava juridicamente obrigado a realizar e se omitiu. Responde pelo resultado por que não o impediu quando teria obrigação de fazê-lo.

Por lei a conduta de não fazer, ou seja, omissiva tem o mesmo valor jurídico de uma conduta positiva. O dever jurídico de impedir o resultado advém: de um mandamento legal específico, quando o sujeito, de outra maneira, tornou-se garantidor da não-ocorrência do resultado ou quando uma conduta precedente determinou essa obrigação.

Na segunda hipótese, a doutrina atual não cogita mais em dever contratual. Na terceira, o sujeito um fato provocador do perigo de dano, tendo por isso a obrigação de impedir a produção do resultado.

A responsabilidade penal por homicídio exige demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado morte, a violência, a injustiça não fazem parte do tipo, ou seja, não são elementares do tipo, sendo no a injustiça requisito de antijuridicidade.

O Código Penal quanto ao homicídio adotou a teoria da equivalência dos antecedentes, ou seja, atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado considerando que nenhum elemento, de que depende a sua produção, pode ser excluído da linha de desdobramento causal.

Em relação ao resultado acontece o mesmo fenômeno, causa é toda condição do resultado, e todos os elementos antecedentes têm o mesmo valor. Se com a exclusão do fato, o resultado deixaria de ocorrer, é sem dúvida, causa. É o chamado procedimento hipotético de eliminação de Thyrén.

A causa pode ser preexistente, concomitante ou superveniente, relativa ou absolutamente independente do comportamento do sujeito.

Admite as formas dolosa e culposa. Dolo é vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo. È o querer matar alguém. Pode ser direito ou eventual. Diz-se direito, quando o sujeito quer a morte da vítima. Eventual, quando o assume o risco de sua produção (art. 18, I CP).

É dolo de dano e não de perigo, pois o elemento subjetivo exige que tenha a intenção de efetivamente lesar a vida humana. É mesmo dolo de dano mesmo ante a tentativa de homicídio.

As formas culposas são previstas nos parágrafos terceiro e quarto do art. 121 do CP.Pode ser culpa consciente ou inconsciente. Será a primeira modalidade quando há a previsão do resultado, logo passa na mente criminosa a possibilidade de morte da vítima. Já a segunda hipótese quando não tem a imprevisão da produção do resultado (a morte da vítima).

A culpa, ainda, poderá ser própria ou imprópria. Sendo própria é a com a previsão, será imprópria apesar da previsão, porém pratica o fato por erro de tipo irrecusável, que exclui o dolo, mas não a forma culposa.

O Código Penal não prevê o homicídio preterintencional, esta é a forma delituosa da lesão corporal seguida de morte (ART. 129 parágrafo terceiro CP).

Vê-se que o dolo do homicídio possui dois momentos: a) momento intelectual – consciência da conduta e do resultado morte e consciência da relação causal objetiva; b) momento volitivo – vontade que impulsiona a conduta positiva ou negativa de mater alguém.

Sem dúvida, o presente humilde artigo não pretende de uma só empreitada esgotar os contornos doutrinários do crime previsto no art. 121 do CP, mas somente prover-lhe os primeiros lineamentos capazes de propiciar a boa e escorreita compreensão da complexidade da tutela penal exercida em defesa da vida humana.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 01/05/2007
Código do texto: T470710
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