J.J. CALMON DE PASSOS - FETOS DE MAGISTRADOS - Uma análise aprofundada sobre o termo criado por ele.

O termo “Fetos de Magistrados”, foi criado pelo professor José Joaquim Calmon de Passos, quando da publicação de seu livro intitulado: Direito, Poder, Justiça e Processos no ano de 2000. Ele explica a razão da criação deste termo, quando revela na página 110, que os juízes de primeiro grau, ou primeira instância, foram transformados em “Fetos de Magistrados”, porque aos tribunais foram alocadas as atribuições de recrutamento, seleção, nomeação, apuração de merecimento, dentre outros, e que, nenhuma independência ou autoridade tem o juiz de primeiro grau em face de seus superiores, os eminentes desembargadores que integram os tribunais de apelação nos Estados e os juízes dos tribunais regionais, na área da Justiça Federal e do Trabalho.

JUSTIFICATIVA:

A intenção deste trabalho, é mostrar ao cidadão comum, que muitas vezes desconhece os problemas enfrentados pelos magistrados de primeira instância, o sacrifício que este Operador do Direito enfrenta para desempenhar sua função, ficando, muitas vezes, limitado em tomar decisões e posicionamentos, em virtude de um sistema impregnado, estático e que o deixa muitas vezes, de mãos e pés atados.

O talento existe, mas é difícil colocá-lo totalmente em prática, em virtude das amarras do sistema. Sistema este que limita o juiz de primeira instância no desempenho de seu primordial papel: Julgar corretamente, sem ser mero “espectador” de uma leva de recursos posteriores auferidos à sua sentença em primeiro grau.

O Brasil sofre com estas protelações, pois uma demanda que se encerraria em poucos meses, pode virar um melodrama de anos, tendo em vista, o costume adotado pelos Operadores da parte ré, em buscar, postergar, ganhar tempo com uma causa que já foi sentenciada. Contudo, como há estes dispositivos, este leque, esta gama de Recursos à disposição, a parte sentenciada a indenizar, vai até à última instância, muitas vezes já sabendo que não obterá êxito. Em recursos e mais recursos, abarrotam os tribunais superiores até com casos bizarros ou ainda por mero capricho do cliente.

DEFINIÇÃO DO PROBLEMA:

Por que os juízes de primeiro grau ou primeira instância, justamente aqueles que em toda democracia são os mais importantes em termos de boa prestação da atividade jurisdicional, foram transformados em “fetos de magistrados”?

Destarte, a carreira de um juiz depende de sua subserviência aos tribunais e, qualquer manifestação de independência pode vir a soar como rebeldia.

OBJETIVO GERAL

O objetivo geral deste trabalho, é mostrar, desnudar, esmiuçar, revelar à sociedade, como, por uma infinidade de limitações, os juízes de primeiro grau (primeira instância), tornaram-se regidos por sistemáticas que limitam seu poder de decisão, pois os muitos recursos disponíveis na jurisprudência, finda por tornar sem efeito, sem eficácia suas decisões em primeira instância.

Realçando que qualquer atitude que o magistrado de primeiro grau adote fora do padrão, soa como irreverência, indisciplina ou rebeldia.

OBJETIVO ESPECÍFICO:

Trazer à baila, um assunto delicado, porém corriqueiro, fazendo compreensível aos leitores, o porquê dos juízes de primeira instância serem considerados ou até rotulados de “Fetos de Magistrados”, mostrando também as dificuldades e certa impotência deste Operador do Direito.

HIPÓTESES

Entendemos e até concordamos com a definição de que os juízes de primeira instância são rotulados como “fetos de magistrados”, por constatarmos o leque de recursos que podem ser aplicados numa decisão sentenciada por ele.

Observamos que, as muitas instâncias disponíveis depois de uma sentença, de uma decisão em primeira instância, finda por minimizar, ou melhor, desqualificar e desmerecer o parecer final do juiz de primeiro grau.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O professor titular de Direito Processual Civil da Universidade da Bahia, escritor e Promotor de Justiça do Estado da Bahia (já falecido), José Joaquim Calmon de Passos, em sua magnífica obra intitulada: Direito, Poder, Justiça e Processo (2000, p.110), faz menção e cria o termo "Fetos de Magistrados", onde se explica, afirmando os porquês deste título aos juízes de primeiro grau.

Ele menciona na página 112 da referida obra, que:

"Os julgamentos de primeiro grau estão desmoralizados por força de um sistema de recursos engendrado para fortalecer a posição dos tribunais, permissivo de liminares deferidas por relatores ou presidentes de tribunais, suspendendo a eficácia de decisões do primeiro grau, muitas vezes, elas sim, configurando flagrantes ilegalidades e comumente despojadas da fundamentação séria que a gravidade do ato estava a exigir".

Referido autor (PASSOS, 2000, P.113), ainda faz questão de acrescentar, que outros fatores influenciam o desenvolver do trabalho do magistrado de primeira instância, e assim elenca:

"Outros males se somam. Nenhum poder disciplinar têm os juízes do primeiro grau sobre seus subordinados, porquanto qualquer de seus atos reveste-se de precariedade e sério risco de desconfirmação, o que o desmoralizará definitivamente perante aqueles que deveria chefiar. São os Tribunais que nomeiam, lotam, promovem, punem os auxiliares e serventuários da justiça, ainda lhes ditando normas de comportamento".

Para realçar ainda mais sua visão, fundamentando sua argumentação, (PASSOS, 2000, p.113), o renomado professor, torna a nos surpreender, com a triste, mas verdadeira constatação:

"Desse estado de coisas, resulta algo muito grave. Total desinteresse do magistrado para exercer poderes administrativos e velar pela racionalidade e produtividade dos serviços sob seu comando aparente, desestímulo crescente dos bons magistrados e estímulo crescente dos que dão prioridade ao descumprimento do dever e eticamente deixam muito a desejar. Inexistem estímulos e prêmios para os bons, enquanto se esbanja impunidade para os transgressores. O pior é que os maus poderão tudo se gozarem dos favores do tribunais, enquanto os bons estarão permanentemente sob a ameaça de desqualificação, tendo que administrar suas frustações ou terminar por ceder, pagando o alto preço do desgaste psicológico que isto representa".

MARTINS, (1994 p.119-120), nos traz uma mensagem de esperança, quando nos alivia a alma com suaves conselhos:

"Tua paixão pela advocacia deve ser tanta que nunca admitas deixar de advogar. E, se fizeres, temporariamente, continua a aspirar o retorno à profissão. Só assim poderás dizer, à hora da morte: Cumpri minha tarefa na vida. Restei fiel à minha vocação. Fui advogado”.

No livro, intitulado Ações Repetitivas (RODRIGUES, 2010, p.107), referido autor faz um interessante comentário acerca de nossa discussão, quando diz:

"O congestionamento do Judiciário pelo excesso de demandas constitui fator autônomo de demora. O tempo do juiz para dedicar-se aos processos sob sua jurisdição é um só, delimitado pelo número de horas da jornada de trabalho".

À título de ilustração, traremos para apreciação dos caros leitores, um caso envolvendo um Eletricista de uma grande empreiteira, morto acidentalmente por capotagem, e a luta desesperada de sua esposa e filhos para garantirem seus direitos. Note-se que o juiz de primeira instância já tinha sentenciado a decisão, contudo a empresa demandada entrou com recursos, postergando uma decisão já determinada, onde (em caráter não rotineiro), a 3ª Turma do TST foi favorável à decisão de primeira instância. A matéria veiculada no site do Portal Nacional do Direito do Trabalho, no último dia 12 de Maio do corrente ano, noticia o seguinte: A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu sentença que condenou a Construtora Andrade Gutierrez S/A a pagar indenização de R$ 200 mil ao espólio de um eletricista que morreu em acidente automobilístico no trajeto do trabalho. Apesar de o trabalhador não usar cinto de segurança, a conclusão foi a de que o acidente ocorreu por imprudência ou imperícia do motorista da empresa, cabendo a ela, portanto, indenizar o dano causado por seu preposto. O acidente ocorreu em março de 2007, quando o eletricista voltava de um canteiro de obras. O veículo trafegava em estrada de terra e, ao tentar desviar de uma motocicleta em sentido contrário, o motorista perdeu o controle, bateu num barranco e capotou. O eletricista foi lançado para fora do veículo e morreu, deixando esposa e três filhos menores de 14 anos. Sua esposa, responsável pelo espólio, ajuizou ação ordinária de indenização por acidente de trabalho em que pleiteou pensão mensal correspondente ao salário da categoria, desde a morte do marido até a data em que faria 71 anos, danos morais no valor de mil salários mínimos e pensão mensal para os filhos menores, da data do acidente até os 25 anos de idade de cada filho. A 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte deferiu, a título de danos morais, o valor de R$ 200 mil reais e pensão vitalícia para a viúva e os filhos no valor inicial de R$ 489,33, conjuntamente considerados. Dessa condenação, a construtora recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG). O Regional concluiu que o trágico resultado do acidente ocorreu por ele não estar utilizando o cinto de segurança. Com base em vários aspectos entre eles o fato de não haver prova de o acidente ter ocorrido por imprudência ou negligência do motorista, que conhecia bem o percurso, e no depoimento de testemunhas que estavam no veículo no momento do acidente, o Regional afastou a responsabilidade civil da empresa, entendendo não haver relação de causalidade entre o dano e o trabalho desenvolvido pelo empregado. O espólio recorreu então ao TST. Culpou o motorista por não usar os freios do carro e adentrar numa curva a 100 km/h, caracterizando imperícia e imprudência, e também a Construtora, pelo omissão do dever de fiscalizar a adoção de medidas individuais de proteção à saúde do trabalhador, como, no caso, o uso do cinto de segurança em seus veículos. O relator, ministro Horácio de Senna Pires, observou que o acórdão do TRT3 que retirou a condenação imposta à empresa continha detalhes suficiente para analisar a questão da culpa. A perícia realizada após o acidente, por exemplo, levanta a possibilidade de que a perda do controle do veículo por parte do condutor poderia estar ligada à desatenção, velocidade inadequada e/ou excessiva. O laudo pericial deixa patente que houve, em verdade, falta de domínio do condutor, afirmou o relator, observando que o caminho era conhecido, o veículo idem, e o motorista age sem a necessária cautela, descuidando das técnicas e precauções ditadas pelo conhecimento profissional. Para o ministro, a conduta culposa do condutor é manifesta, e o empregador deve responder por ela. Se o veículo era da empresa e se estava transportando trabalhadores, como usualmente, do canteiro de obras, como concluir pela inexistência de nexo causal?, indagou. O relator concluiu haver no caso todos os elementos tipificadores da responsabilidade subjetiva da empresa: conduta do agente (preposto do empregador), previsibilidade, imprudência/imperícia, resultado danoso, nexo causal. Por isso, concluiu que a empresa deve ser considerada responsável pelo dano moral experimentado individualmente (cônjuge e filhos do falecido) em razão da perda decorrente do acidente de trabalho, em que a reclamada concorreu com culpa. Ao decidir em contrário, o TRT3, de acordo com o ministro Horácio Pires, violou os artigos 186, 927, inciso III e 933 do Código Civil. Com essa fundamentação, proveu o recurso para restabelecer a sentença, tendo sido acompanhado, à unanimidade, pelos ministros da Turma.

METODOLOGIA

Os métodos que usamos em nossa pesquisa, foram os mais variados possíveis, onde buscamos o significado do termo “fetos de magistrados”, até a exemplificação de um caso concreto e recente, envolvendo uma empreiteira conhecida nacionalmente e que teve grande repercussão na mídia brasileira.

Utilizamos também as ferramentas da tecnologia da informação, onde tivemos acesso à importantes tópicos abordados na rede de comunicação da internet. Também lemos diversos livros, mas findamos por focarmo-nos em três autores que consideramos mais contundentes e explícitos em suas colocações acerca do tema em foco.

Acreditamos que obtivemos grande êxito e experiência ímpar em nossa metodologia científica, pois investigamos mais acirradamente o dia-a-dia do juiz de primeira instância, aprendemos (e jamais esqueceremos) com os escritores José Joaquim Calmon de Passos, Ives Gandra da Silva Martins e Ruy Zoch Rodrigues.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Artigo veiculado no site do Portal Nacional da Justiça do Trabalho datado em 12 de maio de 2011.

MARTINS, Ives Gandra da Silva, A Cultura do Jurista, Formação Jurídica, 1994.

PASSOS, José Joaquim Calmon de, Direito, Poder, Justiça e Processo: julgando os que nos julgam, 4ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2000.

RODRIGUES, Ruy Zoch, Ações Repetitivas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010.

Site www.boletimjurídico.com.br