... OU PENA DE VIDA?

Nadir Silveira Dias

A discussão acerca da pena de morte no Brasil, nos termos em que ocorre, é inócua. Ela já existe desde há muito tempo e não apenas no Brasil. Basta ler os jornais. Famintos nas ruas. Mendigos vicejando. Favelas proliferando. Furtos, assaltos, seqüestros, homicídios, naturicídios e toda a sorte de situações expressivas da monumental desigualdade criada entre as criaturas.

Debitar-se tudo isso à efetiva e desigual distribuição das riquezas, ainda que legítimo, não há de bastar. Forçoso reconhecer como verídica e procedente a assertiva, porém, a questão é mais profunda.

É da consciência: E diz da indevida postura diante da vida. Enquanto não extirpado o câncer do egoísmo, primo multifacetário da soberba, o homem não conseguirá visualizar o caminho da real verdade que o porá no rumo que quase dez mil anos não bastaram para ensinar.

Mas persiste a indagação. O Estado pode ou não, matar o homem que outro matou? Pode fazer o que condena, caso realizado por alguém? Aí o Estado condena a si próprio?

Volta-se ao início do círculo, um ponto qualquer. O Estado não existe. Sua figura, ficta, é presentada pelos homens. Se mesmo o homem, expressando-se pela ficção do Estado, infere a proibição de matar, expressa pela lei de Deus, como aceitar possa ele condenar à morte?

Não vejo como aceitar, pena de ver-se moralmente imposto o retorno à liberdade de matar. Ao maior poder de fogo. Ao mais rápido no gatilho. O que ainda existe, mas de forma ilícita, vedado por lei.

Ao Estado cabe conduzir a realização humana. São homens que presentam os Estados. A estes cabe servir aos outros homens e não deles se servirem, como corrente nos dias atuais.

Assim, a pena de morte é uma falácia que ocupa inteligências e desvia recursos que seriam melhor dirigidos para a solução dos aflitivos problemas de base da efetiva construção estrutural das nações, da humanidade: nutrição, habitação, formação, educação, instrução, saúde, segurança, vestuário, higiene, transporte, cultura e laser.

Para que não fique em aberto: o Estado-homem não pode punir o culpado por desvio de conduta, de maior ou menor grau, isolada ou cumulativamente, com a pena de morte.

Muito menos, premiá-lo com a ociosidade e via de conseqüência, em efeito cascata multiplicador, outra vez, punir a sociedade. Só pode regenerar o culpado através do trabalho, único meio capaz de modificar o homem e alavancar o progresso humano.

E não se diga que o Estado-Constituição veda a imposição de trabalhos forçados. Não é deste que se fala. Fala-se sim do trabalho-condição à realização humana.

E de resto, seguindo princípio natural, mesmo bíblico, antes que social ou jurídico: "Comerás o pão com o suor do teu rosto". Não com o do rosto alheio.

De brinde para a sociedade o desencargo de pagar, uma segunda vez, o ônus de punir o desarmônico culpado!

Extraído do livro "Rastros do Sentir", pp. 121-123, Nadir Silveira Dias, Porto Alegre, 1997.

Jurista, Escritor e Advogado – nadirsdias@yahoo.com.br

Nadir Silveira Dias
Enviado por Nadir Silveira Dias em 27/08/2005
Reeditado em 19/03/2006
Código do texto: T45475
Classificação de conteúdo: seguro