Dos delitos e das sanções V.
Dos delitos e das sanções V.
Nestes últimos artigos, a irônica “Globalização da Relatividade da Verdade” merece destaque, quando Verdade e Mentira, e, Justiça, se confundem como se fosse tudo farinha do mesmo saco: pois “tudo é relativo”!
A mão de direção no trânsito de veículos automotores no Brasil é do lado direito; na Inglaterra, do esquerdo... Se alguém quisesse “relativizar” esta verdade, porque na Inglaterra é do lado esquerdo, dirigindo, aqui no Brasil, de acordo com essa última verdade, de certo criaria problemas ao transitar pela contramão...
Verdades são sempre mutuamente excludentes? Não! São relativas porque sempre se anulam entre si? Não!
Enquanto uma verdade tiver hígido o seu plano de validade e eficácia, ela será absoluta... Assim como são independentes e absolutas ambas as verdades do exemplo, até que haja outra convenção que as desfaça, como, por exemplo, as exceções onde se adota a “mão inglesa” (mesmo assim, a verdade absoluta, a regra geral, permanece)...
Com a Justiça ocorre o mesmo... –“a justiça é relativa... depende do ponto de vista” etc. Não é! Expressão que significa dizer “praticar o que é do bem, bom, certo, e útil”, haverá (ainda) quem diga que o que é bom para um pode não ser bom para outro etc., quando todos têm a obrigação, alguns o dever, de saber de todos esses valores, e praticá-los...
Portanto, muito distante de ser o Poder Judiciário o local onde se faz e se dá o que é de direito, desde que aqui só existe a função jurisdicional por exceção e quando há injustiça, ou conflito de interesses, ou, ainda, a verdade está prejudicada, a Justiça é feita e recebida pela pessoa comum, pelo indivíduo no dia-a-dia, e, em consonância com a verdade absoluta ou as verdades absolutas estabelecidas como tais...
Desta feita, o binômio Verdade-Justiça não combina com a violência: punição, ou sanção.
Por conseguinte, nada mudou desde o ano 1800 antes de Cristo... o sentido punitivo, ou sancionador, da sentença penal condenatória é o mesmíssimo: visto que condenar, etimologicamente, significa dizer causar dano (cum dano), logo, é o causar a dor-sofrimento, que se resume em causar a violência.
Abordadas as consequências para quem sofre o “dano” (na esfera criminal), seja o indivíduo, seja a sociedade, a principal está no íntimo, no ânimo, na vontade consciente e voluntária de dar causa à violência àquele que acaba condenado em função da Responsabilidade Jurídica Criminal.
Desde a criança em tenra idade, ao adulto, e em todos os recantos do Mundo, a cultura da violência ocorre, pedagogicamente, principalmente na Educação. Misturada, ou confundida com a Justiça, sem dúvida a violência é a mais grave ofensa que pode suportar o ser humano, na medida em que resulta na perda da própria Vida – primeiro bem juridicamente tutelado, de inexcedível interesse. Neste passo, sendo evidente que a Vida é o fundamento de todos os demais interesses, não é menos evidente que outras circunstâncias passam a tomar assento em importância, ou pertinência, haja vista não ser logicamente compatível dizer que a causa da morte (“causa mortis”) de alguém se deu –“porque estava vivo”: aqui entra a Qualidade de Vida.
Qualidade de Vida que tem por requisito fundamental não ter a violência como base de sua sustentação, concebida a dor como intrínseco sinal natural de que algo no corpo ou na mente do indivíduo está em desequilíbrio, ou desarmonia, com o Ciclo Vital (nascer, viver e morrer): a Não-Violência é o seu sinônimo.
Na imediata e direta previsão e visão objetiva de que causar a violência, ou dar causa à dor-sofrimento, é uma insanidade, debilidade, doença, ou transtorno mental, que se traduz em anormalidade, não é razoavelmente plausível tratar o ANORMAL COM PUNIÇÃO, OU SANÇÃO - com dor-sofrimento, ou violência... exatamente porque é ANORMAL POR TER CAUSADO A DOR-SOFRIMENTO.
Esse contrassenso Ético (humanitário, religioso, político, jurídico etc.), só tem lugar em decorrência do condicionamento cultural milenar que, por “reflexo condicionado”, é repetido (mecanicamente) por tradição, dando a impressão de que a violência é característica, ou natureza do ser humano, quando, justo o contrário, a humanização consiste, essencialmente, em descaracterizar os aspectos animais (naturais) que integram a espécie humana, tendo por meio a Educação - condicionamento cultural dos valores humanos, com início na Ética. Logo, a ética da violência pela violência, obviamente, aniquila-se em si mesma.
O dilema, causado pela “impressão” de que a violência é a forma, instrumento, de evitar ou expurgar a violência, pendurará enquanto não se observar que dar causa à violência é uma anormalidade psicológica, e assim deve se concebida – tentada, ou consumada (culposa dou dolosamente), ou por quem a reprova, indivíduo ou Estado, a violência, como qualquer outra espécie de enfermidade, tem o ideal para a sua prevenção e tratamento na Filosofia Médica, qual seja, evitar, não deixar evoluir, reduzir, ou extinguir a dor-sofrimento de todos(as)...
Deste resumo [“Dos Delitos e das Sanções I a IV” (www.recantodasletras) ou, “À Nossa Família - Curiosidades e Lembranças”), a mesma tese ora proposta serve à Responsabilidade Jurídica Civil.
Longe de desconsiderar que a aplicação “globalizada” da Não-Violência seria muito difícil, o que não impede a sua concretização “setorizada”, desde hoje, já, a Responsabilidade traz inserta a Resposta - por consectário da “res sponcio”.
Podendo a própria Natureza dar “resposta” a quem descumpre as suas leis, no entanto, ela não tem e não guarda Valores Éticos (bom, mau, bem, mal, certo, errado, justo ou injusto etc.), que são características humanas essenciais, sem os quais o indivíduo seria mais um animal como outro qualquer...
Tendo em vista ser Anormal quem causa a dor-sofrimento, a violência, o dano causado não precisa ser, necessariamente, por coerção ou coação, ou lesão mental ou corporal, e pode ser patrimonial, ou extra patrimonial, a resposta não tem de ser “punitiva” ou “sancionadora” - ou violenta.
A Responsabilidade Civil, bem como na esfera Penal, tendo a Anormalidade apreciada na medida do grau de intensidade e extensão da violência (dano), permitindo a verificação da consciência e da vontade (por dolo ou culpa) com a previsibilidade (objetiva e subjetiva) na sua causação, quanto Mais Anormal, menor, ou nenhuma resposta, e, quanto Menos Anormal, maior a resposta patrimonial a que deverá ser submetido (pedagogicamente e exemplarmente), e de acordo com as suas possibilidades econômico-financeiras – sem punição.
O prisma “punitivo”, no “O imoral dano moral” [(www.recantodasletras), ou “À Nossa Família – Curiosidade e Lembranças”], está reformulado na perspectiva de que punir representa violentar – sendo inadmissível persistir nesse milenar erro.
Não muda a reprovabilidade da conduta ora denominada penal, ou extrapenal, e, muito menos, o conceito de Justiça, e, sim, a consequência jurídica da Responsabilidade – sem violência.
Não é preciso estabelecer a regra da violência pela violência, da dor-sofrimento pela dor-sofrimento, quando a luta, ou a guerra, são - visivelmente - a exceção!
Nada há no Mundo, justo por ser particularizado, que não seja formado de uma partícula!
A partir daqui (óbvio que oportunamente), tudo passa a ter sentido - ético: a iniciar pela educação, afetando a individualidade e a coletividade, transforma-se em concreta, vivencial, a cultura e a prática da Não-Violência, e, por fim, da Justiça.
Niterói, RJ, 08 de agosto de 2013.
Rodolfo Thompson.
Ps. Os fundamentos destes textos estão no que nos ensina, em primeiro lugar, Jesus Cristo, depois, Francisco de Assis, Mahatma Gandhi, e, o Dalai Lama.
Ps.2 É interessante apreender no Bhagavad Gita (Livro Sagrado de Mahatma Gandhi) o diálogo entre Arjuna com seu mestre Krishna, sobre a guerra, ou a violência, que, no final, não ocorre...