Sobre a coisa julgada
A coisa julgada passa em primeira fase no direito romano pela ineficácia do ato, isto é, mesmo que transitado em julgado uma sentença, constatando-se qualquer nulidade no processo (havia um grande rol de nulidades no direito romano que iam desde dos mais relevantes defeitos até mesmo as mais reles e mínimas efemérides).
No direito romano, uma sentença nula é absolutamente ineficaz e, por isso ela não goza da força e autoridade da coisa julgada.
Modernamente, a idéia da ineficácia do processo arrefeceu e mesmo nos países que adotam o sistema processual com berço no direito romano, pouco a pouco, passou-se a relevar a forma em prol da finalidade útil do processo que é o acesso à justiça.
Somente por meio de recurso próprio ou da ação de impugnação da coisa julgada é que pode ser obtida nulidade da sentença.
Do contrário, a sentença transitada em julgado, mesmo sendo nula, produz os seus efeitos e goza da autoridade da coisa julgada.
Pela actio iudicati, segundo Moacyr Lobo da Costa, tinha “por finalidade realizar o cumprimento da obligatio iudicati mediante execução sobre a pessoa ou os bens do demandado ou condenado”.
O mesmo mestre aduz que o iudicium na actio iudicati destina-se a apurar se a sentença era ou não juridicamente válida, ou melhor, se havia sido pronunciado um perfeito julgamento.
Os meios infitiatio e a revocatio in duplum foram os meios pretorianos dotados de grande prestígio para revogar a sentença nula que por ser considerada inexistente, nunca transitava em julgado (período da república romana).
Nesse mesmo período do direito romano surgiu outro remédio concedido pelo pretor e destinado à anulação das sentenças formalmente válidas quando se configurasse uma flagrante oposição entre os rígidos princípios do ius civile, observados no julgamento da lide e fundados motivos de eqüidade que justificassem o desfazimento dos efeitos do julgado, mediante anulação da sentença.
Com tal remédio o pretor concedia excepcionalmente contra as sentenças formalmente válidas, bem ao contrário daqueles outros meios de revogação de sentença (infititatio e revocatio in duplum) que mais se aproximam da moderna ação constitutiva negativa.
Scialoja nos informa que nos procedimentos especiais romanos, a sentença que contém qualquer vício, por si só, já nula, não havendo necessidade de que o magistrado intervenha para declarar sua nulidade. Quando da execução de uma sentença viciada, o executado pode se opor à coisa julgada através de execução de nulidade dessa mesma coisa julgada.
Ainda em tais procedimentos especiais Scialoja destaca o remédio conhecido como in integrum restitutio que se assemelha muito à apelação, pois significa argüir o magistrado para demonstrar-lhe que a sentença ofende aos interesses de uma pessoa, desde que comprovado que não deve perdurar essa ofensa.
Serve o instituto para que o magistrado possa exercer o poder de revisão da sentença. Não há nova sentença, neste caso o juiz limita-se a suprimir os efeitos da sentença repondo a situação ao estado anterior (status quo ante).
Com Scialoja pode-se afirmar que para declarar a nulidade de uma sentença nula não é necessária a apelação, como se dava nos outros procedimentos.
Era bastante que com a execução a parte contrária poderia impugná-la através de um dos meios autorizados pelo sistema romano. Destaca-se nesse ponto, a crucial diferença entre o direito romano e o moderno.
Pois naquele transparece a idéia de ineficácia da sentença que poderia ser atacada quanto à sua nulidade na fase do processo de execução, neste, pouco ou quase nada se poderia fazer quanto aos possíveis defeitos da sentença na fase de execução.
Restaram os conhecidos institutos da actio iudicati que se prestavam actio iudicati que se prestava a apurar se a sentença era ou não juridicamente válida; a infitiatio e a revocatio in duplum que foram os dois meios pretorianos de revogação da sentença nula, uma vez que esta, não transitava em julgado e, finalmente, o remédio in integrum restitutio, tido como um modo de revisão da sentença quando ofendesse os interesses de uma pessoa.
Em Portugal, o processo civil inicialmente abrigou tudo originário do direito romano especialmente, os institutos jurídicos que foram disciplinados pelas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas.
Na primeira fase do direito português, não se cogitava em coisa julgada inconstitucional pela absoluta inexistência do controle de constitucionalidade.
Paulo Otero enfatiza: “Segundo o antigo direito lusitano, dizia-se expressamente que o monarca estava sobre a lei, daí que (...) somente ao Príncipe (que não conhece superior), é outorgado por direito, que julgue segundo sua consciência, não curando de alegações, ou provas em contrário feitas pelas partes (...)” adiante ainda acrescenta: (...) “O Rei é a Lei animada sobre a terra, e pode fazer Lei, revogá-la quando vir que convém fazer-se assim”.
Atualmente analisando o direito português como um todo, a atividade do poder público está subordinada aos princípios constitucionais e a um certo controle que resulta na declaração de inconstitucionalidade de seus atos.
Ressalta o mesmo doutrinador que o Estado Constitucional submete toda atividade do poder público ao princípio da constitucionalidade, ainda que isso não implique sempre tal como século passado, na existência de mecanismos de controle e declaração da invalidade de todos os actos do poder público.
É patente no art. 3º. Da Constituição Portuguesa que afirma “A validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autônomas e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição”. E Paulo Otero chega apregoar...”que também a atividade jurisdicional se encontra neste mesmo plano”.
Subordinada ao princípio da constitucionalidade dependendo a validade dos seus atos e, estando os tribunais sujeitos à lei (art. 206) utilizado o termo lei num sentido amplo de subordinação dos tribunais e respectivas decisões à juridicidade.
O que ocorre na realidade é que focam excluídos os mecanismos de fiscalização de sua validade constitucional os atos políticos encontram sempre, ou quase sempre, mecanismos também políticos de controle, estejam presentes na Assembléia da República, no Presidente da República ou no próprio eleitorado; pelo contrário, os tos jurisdicionais inconstitucionais carecem de qualquer garantia de controle da sua validade.
Aliás, a dispensa do controle de constitucionalidade deve-se segundo Paulo Otero porque se parte da premissa de que os tribunais se limitam a executar a lei, estendendo-se a afirmativa como sendo os mesmos defensores dos direitos individuais e garantes da Constituição.
Também os tribunais podem desenvolver uma atividade geradora de situações patológicas gerando decisões que não são fiéis à lei e desrespeitam os direitos individuais ou cujo conteúdo irá violar a Constituição.
Considera-se o direito português processualmente incompleto, pois privado dos meios de garantia da Constituição perante decisões judiciais violadoras das suas regras e princípios, daí a polêmica contemporânea sobre a validade dos atos jurisdicionais inconstitucionais.
Observa-se igualmente uma evolução que passa a atribuir um maior encargo aos juízes, configurando os tribunais como guardiães da constitucionalidade e da legalidade da atividade de todos os restantes poderes públicos.
A princípio a atividade jurisdicional escapa ilesa, a priori a qualquer subordinação ao princípio da igualdade na aplicação do direito.
Apenas extraordinariamente, admite-se a possível modificação da coisa julgada, enumerando-se as seguintes situações interposição de recurso de revisão em algumas matérias de processo civil, penal, administrativo e tributário; nos casos de oposição de recurso de terceiro e quando há condenação em prestações alimentícias; em matéria criminal mesmo transitada em julgado na superveniência de uma lei penal que descriminalize o comportamento ou quando a norma inconstitucional que fundamentou a decisão transitada em julgado seja de conteúdo menos favorável ao argüído “.
Devido a essa excepcionalidade da modificação da coisa julgada questiona o doutrinador se esta tem consagração constitucional, e tal ponto é relevante para se definir o limite da liberdade do legislador ordinário na determinação da eficácia temporal das suas normas, isto em termos de ser admissível à retroatividade.
Tal indagação pontifica Otero é razoável uma vez que a Constituição Portuguesa de 1976 consagra como regra geral o princípio da intangibilidade do caso julgado.
Paulo Otero comparando o direito português antigo, de origem romana com o atual chega a uma triste conclusão de que a sentença uma vez transitada em julgado mesmo afrontando a Constituição não deixará de ser válida.
Enquanto que no antigo direito português, a decisão judicial contrário ao Direito seria nula, nunca possibilitando a formação de caso julgado. Mesmo a confirmação de uma sentença nula nunca poderia gerar a sua validade, salvo se a intervenção confirmativa se desse pelo próprio monarca.
A temática a respeito das sentenças ilegais ou injustas é tão antiga quanto a existência e aplicação do Direito, a questão das decisões inconstitucionais é recente, tendo um escasso tratamento doutrinário. Uma coisa é uma decisão judicial violar a vontade do legislador ordinário, outra bem diferente será violação da vontade constituinte.
Admitir a modificação da coisa julgada quer pela via judicial, quer pela via legislativa, seria sempre colocar em xeque as idéias de estabilidade e segurança e mesmo de tutela da confiança dos cidadãos.
Na realidade, a certeza e a segurança são valores constitucionais passíveis de fundar a validade de efeitos de certas soluções antijurídicas, desde que conformes com a Constituição.
É interessante a acepção da coisa julgada nos Estados Unidos, sob o ponto de vista da common law. Ângelo Piero Sereni, nos informa que nos Estados Unidos é possível se obter a anulação de um julgamento que haja limitação de tempo pa ra tal, ou seja, mesmo depois de transitada em julgado a sentença. É bastante que se esteja diante de uma situação que enseja a invalidade da sentença, como nos casos de incompetência da Corte ou mesmo quando se tratar de hipóteses em que é possível se revogar ou rescindir a sentença em outros países.
A coisa julgada nos Estados Unidos não adquiriu a força que tem em outros países e em outros sistemas, pois na common law, o que se busca sempre é aplicação da justiça. É perfeitamente possível se propor (moções) motions for a rehearing, motions to set aside a veredict e outras motions dirigidas a obter a reconsideração da sentença mesmo depois de seu trânsito em julgado.
Essa é uma conseqüência histórica da common law, conforme alega Sereni, baseado essencialmente na eqüidade, onde se encontra assente a idéia de que os poderes decisórios da Corte, quando analise uma controvérsia, não se esgotam com o pronunciamento da decisão, podendo esse poder continuar até que se alcance a justiça entre as partes, desde que presente a necessidade.
Essa revisibilidade constante traduz um menor prestígio da coisa julgada em solo ianque, e se acentua quando é sabido que a nulidade de uma sentença pode também, em algumas hipóteses ser pronunciada por outro juiz sem que haja a necessidade da intervenção de todas as partes.
È possível se utilizar o instituto da collateral attack (ataque colateral) perante outro juiz, segundo Sereni, sem a intervenção de todas as partes, com o fim de anular a decisão, desde que comprovado que o juízo anterior não tinha competência para decidir a controvérsia.
No Brasil por ter sido descoberto pelos portugueses durante a colonização todo o sistema aplicado nas terras brasilis foi efetivamente trazido daquele país. A coisa julgada em Portugal segundo o sistema romano, foi albergado pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.
Em boa doutrina Pontes de Miranda retrata perfeitamente tal realidade. O texto filipino foi o que maior tempo perdurou em vigência no direito brasileiro, mantendo as Ordenações anteriores com apenas pequenos reparos.
Dentre as alterações nos informa Pontes de Miranda que é a de que o tribunal do Distrito Federal entendeu que apesar do Decreto 763 mandar aplicar o Regulamento 737, de 1850, “o direito reinícola não estava em vigor” e não cabia ação rescisória e sim “exceção de coisa julgada” como forma de proteger o interessado, quando se tratasse da hipótese de “direito expresso”.
Também na fase atual encontramos-nos em situação bem similar a que foi ocorrida na fase colonial, e muito nos aproximamos da coisa julgada em Portugal. É que a correição de um defeito da coisa julgada brasileira continua a ser enxergada apenas sob o ângulo da lei ordinária, nos casos em que ela autoriza, limitados ao remédio isolado da ação rescisória, sujeita a prazo de decadência, ou, eventualmente, a ação de nulidade de ato jurídico, quando configurada a hipótese de existência ou de nulidade ipso iure.
Apesar do sistema brasileiro se desgarrar do colonialismo português continuo a adotar em seu processo inicialmente o Regulamento 737, de 1850 e, posteriormente o 763, de 1890.
Após a proclamação da República, houve grande evolução na área do direito público, especialmente no campo constitucional,s em que o processo alterasse substancialmente até porque sempre houve uma vinculação ao sistema romano, de interesse eminentemente privado.
É exatamente do processo lógico e objetivo da cisão clássica da ciência que decorre o instituto da coisa julgada. Conforme recomenda Carmem Azambuja o processo precisa de uma nova lógica, que conflitua em muito com a visão clássica, objetiva e silogística do processo, da forma decisional original e da visão tradicional da coisa julgada.
Couture após tantas advertências preliminares conceitua a coisa julgada como autoridade e eficácia de uma sentença judicial, quando não existe contra esta meios de impugnação que permitam modificá-la.
Coerente com as idéias existente nos países latinos onde a impugnação da coisa julgada só ocorre através de meio próprio e em determinado lapso de tempo, o qual, uma vez ultrapassado não pode mais ser julgado ou sofrer qualquer censura no campo jurídico.
José Carlos Barbosa Moreira afirma que ao proferir a sentença de mérito o órgão judicial formula a norma jurídica concreta que deve disciplinar a situação litigiosa trazida à sua apreciação. Necessidades de ordem prática exigem que se assegure estabilidade à tutela jurisdicional assim dispensada. Atende assim a lei à exigência tornando imutável e indiscutível, a partir de certo momento, o conteúdo da norma formulada na sentença.
Perelman ao analisar a coisa julgada, compara inicialmente a liberdade que tem o cientista independente em suas pesquisas com o juiz que não possui essa mesma liberdade, pois não escolhe os processos que terá de analisar, ficando encarregado de julgar uma lide, e, ao fazê-lo, realiza um ato de soberania, suja meta é estabelecer a paz judiciária, dizendo o que é conforme ao direito.
Segundo Perelman, suas “decisões terão autoridade da coisa julgada, após a expiração dos prazos previstos para interpor apelação e recurso de cassação”.A coisa julgada é tida como verdadeira, e as partes devem submeter-se Às conclusões do tribunal. Aliás, são tais conclusões que importam em mais que a realidade dos fatos, que constituem apenas um meio de fundamentar as conseqüências jurídicas que deles decorrem.
A coisa julgada pode ser vista sob duas modalidades: a formal e a material. A primeira sempre se empregando para o processo que foi extinto sem análise do mérito enquanto que a segunda se refere aos casos em que houve julgamento do mérito ou a lei empresta a mesma força por haver da sentença extinguindo o direito material posto.
Couture enxerga na coisa julgada formal como uma situação criada no processo no sentido de não poder mais interposto qualquer recurso da decisão proferida. Mesmo assim, após o trânsito em julgado havendo modificação do estado das coisas é possível se ir a juízo com um novo procedimento para resolver a controvérsia.
Traduz-se por ser uma verdade parcial, alguém que foi a juízo mas não obteve sucesso na análise do mérito, porém, retornou ao judiciário expondo nova situação jurídica e com isso podendo colher os frutos antes negados. Existe a possibilidade da parte, extirpando os defeito ou defeitos de ordem processual que antes haviam servido de fundamento para extinguir o feito.
Moacyr Amaral Santos conceitua a coisa julgada como “não mais suscetível de reforma por meio de recursos, a sentença transita em julgado tornando-se firme, isto é, imutável dentro do processo. A sentença, como ato processual, adquiriu imutabilidade. E aí se tem o que o que chamamos de coisa julgada formal que consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos”.
Ovídio A. Baptista da Silva antes de penetrar nos problemas atinentes à coisa julgada, se preocupa em advertir sobre a distinção entre coisa julgada material e formal, que outra coisa não é senão a impossibilidade de alterar-se, na mesma relação processual, o resultado alcançado pela sentença.
Trata-se, portanto, de uma forma de preclusão, que cobre a sentença de que não mais caiba recurso algum. Não se trata de verdadeira coisa julgada.
Conceituando a coisa julgada formal J. Frederico Marques, in verbis: “A coisa julgada formal consiste na preclusão máxima de fé que fala a doutrina, visto que impede qualquer reexame da sentença como ato processual, tornando-a imutável dentro do processo. (Instituições de direito processual civil, 1960, v.5, p.41).
Tendo em vista a finalidade da jurisdição que é regular o caso concreto, incertas restariam as relações sociais, com a possibilidade de perpetuação dos litígios, se as decisões jurisdicionais não adquirissem a definitividade. Esta é a razão pela qual a lei criou o instituto da coisa julgada, que inclusive é prevista constitucionalmente Constituição Federal Brasileira, art. 5º, XXXVI.
A coisa julgada material é a eficácia, a força que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a qualquer recurso ordinário ou extraordinário. Isto implica em dizer que a coisa julgada material tem alguma relação com a coisa julgada formal. Para que ocorra a primeira, há mister a ocorrência da segunda, ou seja, a preclusão de todos os recursos.
A coisa julgada não é nenhum efeito da sentença, já que desta ela não decorre. Também não é ficção de verdade, nem fonte de direito material para o caso concreto. É simplesmente uma qualidade que, por questão de ordem pública a sentença adquire: a imutabilidade e indiscutibilidade.
Na realidade a coisa julgada formal faz extinguir o processo nos casos previstos em lei e depois de esgotados os prazos ou da utilização de todos os recursos cabíveis, sem que o direito material ali seja atingido.
Com isso a coisa julgada formal não afeta o mérito, porém extingue o processo ou relação jurídica instrumental em razão de algum defeito processual, no campo meramente formal ou instrumental.
Como diz Couture a coisa julgada material se apresenta quando a condição de inexpugnabilidade, mediante recurso se agrega a condição de imodificabilidade por qualquer posterior, dizendo-se assim, que há coisa julgada substancial já que nenhuma autoridade poderá modificar esse resultado.
Moacyr Amaral Santos esclarece bem a coisa julgada material ao reconhecer que vai além dos efeitos produzidos na coisa julgada formal, pois o comando daí emergente, torna-se definitivo e imutável, mesmo fora do processo.
A coisa julgada material é entendida quando o juiz analisa o mérito da controvérsia, ou a lei impõe essa condição por haver as partes tenham chegado a uma solução do conflito, ou a sentença haja refletido de formal tal no mérito que venha impossibilitar o reexame da matéria.
É forçoso admitir que há coisa julgada material quando o juiz acolhe ou rejeita o pedido. Enquanto isso, na outra hipótese, ocorre o mesmo fenômeno quando o réu reconhece o pedido, o autor renuncia ao seu direito, ou as partes transigem. E, por último, quando reconhecida a prescrição ou decadência, sendo que nestas últimas hipóteses, o juiz não analisou o mérito, porém o mesmo restou prejudicado pelo reconhecimento de um instituto que a lei emprestou esse caráter conforme se vê no art. 269 do CPC.
É com razão a boa doutrina com proficiência define as restrições como limites objetivos para a coisa julgada formal e limites subjetivos para a segunda (a material).
Couture ao explicar sobre os limites objetivos da coisa julgada proclama que o mesmo se refere ao objeto e da decisão, ou seja, sobre aquilo que foi pedido e aquilo que foi concedido. Cobre inteiramente a coisa julgada tudo quanto foi discutido na lide.
Tal objeto da decisão, para Couture, pode ser visto em dois sentidos: um rigorosamente processual que alcança a parte dispositiva da sentença e todo seu conjunto como os fundamentos e os considerandos.
É o estudo dos limites objetivos da coisa julgada se presta exatamente para estabelecer qual sentença se reveste daquela qualidade de imutabilidade e qual fica de fora. A coisa julgada somente apanha a parte dispositiva da sentença, ou seja, a parte final, onde se soluciona o mérito da pretensão deduzida.
Em nossa ordem jurídica restam fora do alcance da coisa julgada, na forma do art. 469 do CPC, os motivos, a verdade dos fatos e a apreciação da questão prejudicial.
Paulo Roberto ainda complementa afirmando ao se dirigir ao Judiciário, o postulante solicita uma prestação jurisdicional específica consistente em uma declaração, ou numa declaração, ou numa execução, ou em um mandar, ou num constituir, ou numa combinação destas cargas eficaciais.
Adiante, o doutrinador acrescenta: “Ao julgar a lide o juiz ou defere a prestação pedida e a sentença, neste caso, tem obrigatoriamente, quanto a eficácia, a mesma carga eficacial do pedido, ou a indefere, e a sentença será declaratória negativa. E a coisa julgada material sempre se limitará ao comando emergente da sentença, decorrente da Jurisdição e co-extensivo ao pedido.”
Aduz Barbosa Moreira que o art. 486 reproduz sem as deformações do art. 287 caput (CPC de 1939) a fórmula carneluttiana. Apenas a lide é julgada, e como a lide se submete à apreciação do órgão judicial por meio do pedido, não podendo ele decidi-la senão “nos limites em que foi proposta”(art. 128) segue-se que a área sujeita à autoridade da cosia julgada não pode jamais exceder os contornos do petitum.
Desta forma, a coisa julgada se limite ao que foi objeto de decisão pelo julgador, pois somente a parte decisória está contemplada com seu manto.
Couture sintetize o problema dos limites subjetivos da coisa julgada consiste em determinar de direito a quem a decisão prejudica ou beneficia.
Assim o limite subjetivo da coisa julgada significa aqueles que são atingidos pela coisa julgada, e aí se incluído o estudo da possibilidade de a sentença produzir efeitos num universo de indivíduos maior do que o daquele atingido pelas demais eficácias da sentença, ou seja, é a definição das pessoas que se submetem à imutabilidade do comando inserido na sentença, bem assim das pessoas que sofrem qualquer laivo de eficácia da decisão.
O limite subjetivo da coisa julgada se estenda exclusivamente às partes, não é bem entendido pelo leigo. Por essa razão, sempre é motivo de desconfiança e milita contra a consideração que a sociedade tem pelo Judiciário soluções diferentes para casos muitas vezes semelhantes ou mesmo iguais.
Carmem Azambuja assevera a crítica de Paulo Roberto quando in litteris leciona: “Também, somente num esquema, ou forma privatista do processo e da coisa julgada, podemos aceitar o dogma romano de fazer autoridade da coisa julgada meramente aos que participaram do feito”.
Porém tal limite subjetivo é mais uma confirmação da privatização da coisa julgada, ou da decisão a fatos e direitos exclusivamente privados, onde os interesses privados dos outros não poderiam ser atingidos pela transação, ou definição dos interesses privados das partes.
È de se destacar a posição conservadora de Carmem Azambuja tendo em vista que o instituto da coisa julgada no campo dos direitos individuais para se fazer uma projeção do mesmo instituto no âmbito do processo coletivo, estendendo-se a eficácia da coisa julgada a outras pessoas que não participaram da relação jurídica processual.
Restringir a eficácia da coisa julgada ao dispositivo significa abandonar parte do resultado útil do processo, desprezar significativo trabalho produzido pelo judiciário e multiplicar as possibilidades de decisões conflitantes, militando um desfavor da isonomia e ampliando as oportunidades de gerar perplexidades e desconfianças na atuação do Judiciário.
É com razão que afirma Paulo Roberto: “muito mais acertado seria o Direito Processual pátrio optar pela extensão dos efeitos da coisa julgada a todas as questões efetivamente decididas, desde que relativas a fatos jurídicos concretos e indissociáveis da conclusão última da sentença.”
Por tal caminho a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada não iria afetar logicamente o problema dos limites subjetivos, porém, contribui favoravelmente em favor de terceiros que não participaram da relação jurídica processual originária quando buscassem o judiciário para pleitear direitos com base nos mesmos fatos.
Moacyr Amaral Santos apregoa que a justificação da autoridade da coisa julgada está sujeita a fundamentos de ordem política e jurídica. Quanto ao primeiro diz que os motivos são de ordem prática e de exigência social, a impor que a partir de dado momento que se verifica com o esgotamento dos prazos para recursos, a sentença se torna assim imutável, adquirindo autoridade de coisa julgada, tendo-se aí o fundamento político da coisa julgada.
Quanto ao segundo, sustenta que se trata de tema altamente controvertido, mas que está sujeito a diversas teorias, como a da presunção da verdade, da ficção da verdade, da força legal, substancial, da sentença; da eficácia da declaração; da extinção da obrigação jurisdicional; da vontade do Estado defendida por Chiovenda; da imperatividade do comando da sentença apregoada pro Carnelutti; da qualidade especial da sentença ou eficácia provinda do Estado, também conhecida como Teoria de Liebman.
Todas essas teorias encontraram adeptos nos mais diversos sistemas jurídicos e cada um destes adota com maior ou menor intensidade uma dessas correntes doutrinárias.
A idéia de Liebman (que a prevalente), não desmerecendo as demais, porém entendendo que não cabe no tema proposto uma discussão a esse respeito, pois pouco ajudaria ao trabalho desenvolvido.
Couture diz que a autoridade da coisa julgada é, pois uma qualidade ou atributo próprio da sentença que emana de um órgão jurisdicional quando haja adquirido o seu caráter definitivo.
Couture compartilha com o pensamento de Liebman, quando este doutrinador italiano, proclama que “A linguagem induzi-nos, portanto, inconscientemente, à descoberta desta verdade: que a autoridade da coisa julgada não é o efeito da sentença, mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos, quaisquer que sejam, vários e diversos, consoante as diferentes categorias das sentenças.”
Barbosa Moreira concordando com aqueles que entendem que a coisa julgada não é um efeito da sentença propugna pela idéia de que se trata de uma situação jurídica.
In verbis: “Mais exato parece dizer que a coisa julgada é uma situação jurídica: precisamente a situação que se forma no momento em que a sentença se converte de instável em estável. É essa estabilidade característica da nova situação jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo pensamos, quando fala da “autoridade da coisa julgada”.
O CPC vigente em seu art.467 afirma o conceito de coisa julgada, segundo Carmem Azambuja com tal conceituação o código brasileiro perfilhou-se à teoria de Liebman sobre a justificação da coisa julgada, afirmando que a mesma não era efeito da sentença, mas sua própria eficácia que a tornava imutável e indiscutível, quando não mais sujeita a recurso, mesmo extraordinário.
Concluímos que a coisa julgada é qualidade que adquire a sentença após seu trânsito em julgado, residindo aí, sua autoridade e definitividade.
Couture alega que a autoridade da coisa julgada se concretiza a medida que se resume três possibilidades: a inimpugnabilidade, a imutabilidade e a coercibilidade da sentença.
José Carlos Barbosa Moreira não reitera inteiramente tal entendimento. E alega que a imutabilidade não é co-natural à sentença, e isso continuaria a ser verdade mesmo que porventura não existissem, nem jamais tivessem existido, sentenças indefinidamente passíveis de modificação. Se a s leis em regra excluem tal possibilidade e fazem imutável a sentença, a partir de certo momento, o fato explica-se por uma opção de política legislativa, baseada em óbvias razões de conveniência prática.
Com razão leciona Barbosa Moreira, pois que não é a imutabilidade uma característica natural da sentença, o que sanciona ao legislador que esse dado deve dispor, pondo-o ou não no corpo jurídico de sua comunidade. Ao dado da qualidade ou eficácia da sentença, para uns, os efeitos da sentença para outros, a coisa julgada faz promanar muitos efeitos o que torna esse tema palpitante.
Há de se observar o problema da eficácia preclusiva da cosia julgada que nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira, in verbis: “A eficácia preclusiva da coisa julgada manifesta-se no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, À discussão e apreciação das questões suscetíveis de incluir, por sua solução, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. Essas questões perdem, por assim dizer, toda relevância que pudessem ter em relação À matéria julgada. Posto que se conseguisse demonstrar que a conclusão seria diversa, caso elas houvessem sido tomadas em consideração, nem por isso o resultado ficaria menos firme; para evitar, pois, dispêndio inútil de atividade processual, simplesmente se exclui que possam ser suscitadas com o escopo de atacar a res iudicata. Se a decisão é das que só produzem coisa julgada formal, o efeito preclusivo restringe-se ao interior do processo em que foi proferida; se é das que geram coisa julgada material, como a sentença definitiva, o efeito preclusivo projeta-se ad extra, fazendo sentir-se nos eventuais processos subseqüentes. Daí qualificar-se de pan-processual a eficácia preclusiva da cosia julgada material.”
(in Moreira, José Carlos Barbosa. A Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada Material no Sistema do processo Civil brasileiro, In Temas de Direito Processual Primeira Série. Saraiva. 2ª. Edição. São Paulo. 1988, págs. 100 a 101)
Afirma o ilustre doutrinador ainda que a eficácia preclusiva da coisa julgada material atinge tanto as questões de fato como as de direito e ainda as questões solúveis mediante aplicação de direito a fato e referentes a relação jurídica sobre que versa o pedido(questões prejudiciais em sentido próprio).
Com o trânsito em julgado da sentença definitiva em qualquer outro processo sobre a mesma lide logicamente subordinada, ficam tão preclusas como efetivamente apreciadas, as questões que são passíveis de conhecimento ex officio, de fato não hajam sido examinadas pelo juiz; as que, dependentes da iniciativa da parte, hajam sido suscitadas, mas não apreciadas na motivação da sentença; as que dependentes da iniciativa da parte, não hajam sido suscitadas nem, por conseguinte, apreciadas
È óbvio que o efeito preclusivo não apanha os fatos supervenientes, mas tão-somente o fato que seja conhecido pela parte e, contudo que já tivesse acontecido.
È curial fixar a distinção entre o efeito preclusivo da coisa julgada e o efeito preclusivo que se manifesta na execução da sentença, no tocante à alegação de fatos que poderiam ser deduzidos no processo de conhecimento.
O efeito preclusivo da coisa julgada diz respeito a todas aquelas matérias indicadas por Barbosa Moreira como insusceptíveis de serem realizadas no mesmo ou em outro processo, após o trânsito em julgado, enquanto que o efeito preclusivo entre o processo de conhecimento e a execução,s e refere exclusivamente aquela matéria elencada no art. 741, inciso VI do CPC, desde que superveniente a sentença.
Assim, mesmo a matéria constante do art. 741, inciso IV do CPC, não sendo superveniente à sentença estará preclusa por força do art. 474 do mesmo diploma legal, por se tratar de efeito preclusivo da coisa julgada material.
Referências
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