Quem cumpre pena está quite com a sociedade?

A sociedade tutela o direito positivado em leis, mas não preserva os princípios elementares do convívio social.

Não é a solução a mera "varrida da criminalidade para debaixo do tapete". A questão "pena-prisão" vai muito além do que nossos olhos possam ver e tem reflexos incertos na vida daqueles que para lá são empurrados e suas famílias.

Dürkheim, o pensador francês, dizia que "quem puxa o gatilho" do suicida é a sociedade. Seria também o crime um tipo de "fato social". Ou seja, desde a facilitação do cometimento do crime (cenário), o processo de apuração (investigação), a determinação da culpa (julgamento), da definição e cumprimento da pena (reclusão, restrição de direitos ou alternativa), reinserção social (ressocialização), é a sociedade, organizada enquanto Poder Público, a maior responsável pelo "status" social de quem cometeu crime.

Veja-se que a própria lei define que quem cumpriu pena está quite com a justiça. Ora, se assim, fosse não teriam dificuldade para encontrar emprego, nem para dar continuidade à sua vida. Consulte-se o instituto da reabilitação penal previsto no art. 92 , I , alínea: a) e b); art. 93, parágrafo único do Código Penal, c/c com o art.747 e 748 do Código de Processo Penal, fica evidente que com sentença transitada, julgada e cumprida, se apaga e retira todos os antecedentes criminais de um indivíduo.

Enfim, seria dizer que, no sentido emprestado da religião cristã catolicista, se alguém pecou e cumpriu a penitência está "perdoado". A pena cumprida é a reparação social, pela lesão de direito sofrida por alguém da socidade diretamente e por toda sociedade indiretamente. Afinal, foi ela, a sociedade, quem determinou que não se podia cometer ou se omitir de determinada conduta relevante em relação a um bem. Mas, também é ela que deixa de prosseguir para depois das grades, se omite quando se está falando no tratamento social que é a reclusão. Em seu turno, o Poder Público não o faz adequadamente, afinal, suas cadeiras são ocupadas por pessoas comuns como quaisquer outras, influenciadas pelas convicções e interesses comuns a todos ou à sua maioria, sem falar nos eivados pela política maléfica. O que temos é um ciclo de involução do apenado, que vai se acumulando a toda poeira que é varrida para debaixo do mesmo tapete. Quando cessa seu tempo, da sua pena, sai da prisão mais contaminado do que lá ingressou. Muitos egressos do sistema prisional voltam a delinquir, normalmente em crimes mais violentos. É a sociedade que puxa este gatilho a tempos. Entre a polêmica de ter uma boa estrutura para atender os deliquentes da lei, onde possam estudar, trabalhar, ter acesso à cultura, saúde, religião, etc., ou um grande sistema indutor e não catalisador de malfeitores, ao reinseri-los na sociedade, depois de estarem "quites com a justiça", retroalimentam esta perversa fábrica de crimes, cada vez com mais aditivos à ogiva em produção.

Eis, a razão de ter de haver a intervenção do Estado nesses casos. Primeiramente, no trato com os internos do sistema prisional e, depois, nesse processo de "reinserção". Prefiro este termo, pois acredito ser mais apropriado do que "ressocialização", pois, esta dependerá, em muito, da gravidade da lesão causada pelo ex-apenado à sociedade. Será muito mais difícil a ressocialização de quem cometeu crime hediondo do que de um "ladrão de galinhas". Todavia, ambos foram julgados e tratados pelo mesmo sistema e, por isso, muitas vezes, acabam saindo de lá tendo o mesmo carimbo pós-prisão, o de "EX-DETENTO". E com essa tatuagem indelével terão de conviver por todas as suas vidas, pois a vida social não apaga e nem perdoa verdadeiramente os crimes cometidos contra a própria sociedade. Embora, também, às vezes, se esqueça...

Realmente, parece uma piada de mal gosto. Temos de romper com este ciclo urgentemente, se pretendemos a paz social.

Ser idealista é nunca esmorecer diante do desprezo das suas ideias. As grandes revoluções iniciaram com os persistentes. Pontos comuns nunca haverão, mas creio que o equilíbrio deve ser buscado. Espessar as fileiras das pessoas de boa cabeça, com boa vontade, e seguir tentando, sempre. Em outra via seguem os aproveitadores, interesseiros e gárgulas dos palácios construídos pela má política. É tempo de um renascimento. A gestação da nova sociedade brasileira está dando sinais claros de sua proximidade. Esta pauta seria muito importante ser tratada nos movimentos sociais que tomam as ruas. Construção a partir da base, de alicerces sociais imprescindíveis. Isto, porque se tanto queremos justiça, devemos antes saber o que fazer com aqueles que não a respeitarem.

Marlon Cardoso
Enviado por Marlon Cardoso em 01/08/2013
Reeditado em 01/08/2013
Código do texto: T4414516
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