Dos delitos e das sanções I.

Dos delitos e das sanções I.

O presente trabalho é uma crítica à inexistência de política que tenha por conteúdo, objeto e fim a prevenção e o combate à VIOLÊNCIA, aqui tida como fato humano causador da dor e do sofrimento (dor-sofrimento), trazendo, há milênios, paradoxalmente, também a VIOLÊNCIA como um pretenso eficaz e eficiente remédio destinado à sua prevenção e combate.

Para melhor esclarecimento, importam alguns aspectos do Direito Penal. Segundo JOSÉ FREDERICO MARQUES, Direito Penal pode ser conceituado como sendo “ conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena, como conseqüência, e disciplinam também as reações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado".

Segundo CLAUS ROXIN: "só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não seja simplesmente pecaminoso ou imoral. À conduta puramente interna, puramente individual – seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente -, falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal".

No entendimento da lei penal, temos o princípio da confiança que, segundo HANS WELZEL "consiste na realização da conduta de uma determinada forma, na confiança de que o outro agente atuará de um modo já esperado, isto é, normal. Baseia-se na confiança de que o comportamento das outras pessoas dar-se-á de acordo com o que normalmente acontece".

Fundamental para a aplicação da lei penal, o Princípio da Legalidade, que está descrito no art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", bem como no art. 1.º, do Código Penal Brasileiro..

Assim, tudo o que não for expressamente proibido é lícito em Direito Penal, por essa razão, VON LISZT afirmou que o "Código Penal era a Carta Magna do delinquente".

Como o legislador não fornece um conceito de crime, resta tal tarefa aos doutrinadores, dentre eles, BETTIOL: "crime é todo o fato humano lesivo de um interesse capaz de comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade".

Também vale trazer à colação breve histórico sobre o Direito Penal [pesquisar: Tempos Primitivos - Fase da Vingança Privada – Fase da Composição – Fase da Vingança Divina –- Fase da Vingança Pública], e, idem, o direito penal dos hebreus; o direito penal grego; o direito penal romano; o direito penal germânico; o direito canônico; o direito medieval; o período humanitário; as escolas penais; a escola clássica; a escola positiva; as escolas mistas e tendência contemporânea; o direito penal brasileiro; e, o crime e o direito penal.

Persistindo na tese da Não-Violência, inspirado em Jesus Cristo, em Ghandi que O seguiu, e hoje pelo o que vi e ouvi do Papa Francisco, faço uma “cola” da Internet, de onde extraí parte de um texto sobre Cesare Beccaria, quem, merecendo o respeito mundial, certamente, revolucionou o pensamento a respeito das relações humanas com a sua obra “Dos delitos e das penas”. Entretanto, adianto: Beccaria, na essência, mantém a violência nas expressões (penalmente) sinônimas - punir e sancionar.

-“ Dos Delitos e das Penas (em italiano Dei delitti e delle pene) é um livro de Cesare Beccaria, originalmente publicado em 1764.

Trata-se de uma obra que se insere no movimento filosófico e humanitário da segunda metade do século XVIII. Na época havia grassado a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva; essa concepção havia induzido à aplicação de punições de conseqüências muito superiores e mais terríveis do que os males produzidos pelos delitos.

Prodigalizara-se então a prática de torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, acusações secretas. Beccaria se insurge contra essa tradição jurídica invocando a razão e o sentimento. Faz-se porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios; estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos. "A grandeza do crime não depende da intenção de quem o comete", escreveu. Condena o direito de vingança e toma por base do direito de punir a utilidade social, ressaltando a necessidade da publicidade e da presteza das penas: "quanto mais pronta for a pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais justa e útil ela será". Declara ainda a pena de morte inútil e reclama a proporcionalidade das penas aos delitos ("a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade"), assim como a separação do poder judiciário e do poder legislativo.

A partir do estudo desta obra, as legislações de vários países foram modificadas; a pena para o criminoso deixa a forma de punição e assume a de sanção. O criminoso não é mais alguém paralelo à sociedade, mas alguém que não se adaptou às normas preestabelecidas, provenientes de um contrato social Rosseauriano, em que a pessoa se priva de sua liberdade (a menor parcela possível) em prol da ordem social.

Cesare Beccaria afirma que as leis são fragmentos da legislação de um antigo povo conquistador, compilados por ordem de um príncipe que reinou há doze séculos em Constantinopla, combinados em seguida com os costumes dos lombardos e amortalhados em um volumoso calhamaço de comentários obscuros, constituídos do velho acervo de opiniões de uma grande parte da Europa”.

Para evitar a prolixidade, reedito o meu texto “Justiça justa” [www.recantodasletras], com algumas adendas... a seguir...

Uma observação técnica-jurídica: Crime ou Delito, que no Brasil são expressões sinônimas, e Contravenção Penal, são denominações para a Infração Penal – ou seja, hipóteses de condutas merecedoras de punição ou sanção no caso concreto.

Para ter-se o exemplo de um Juízo Universal, veja e sinta qual a afirmação, a título de proposta, destinada a todos os recantos do Mundo, em todas as línguas, idiomas, e dialetos, causa estarrecimento (ou dúvida), ou causa a busca da harmonia (ou dá a paz):

1.ª -“vou causar a violência”!

2.ª –“vou evitar a violência, não deixar aumentar, vou diminui-la ou extingui-la”!

(pode-se entender violência como dor-sofrimento)

Parece ideia fixa... parece que é, e é... Contraditoriamente, a primitiva violência, ainda hoje, é adotada como forma e meio de evitar e combater a violência...

A expressão “Vara” tem origem na antiguidade, quando alguém era levado da masmorra (ainda mesmo antes de) para ser julgado, passando pelo centro da cidade, exposto, deliberadamente, à execração pública como criminoso, com um guardião que ia à frente com um alto e longo mastro (vara) com uma bandeira na ponta para chamar a atenção de todos... – “aí está quem deve ser julgado e sofrer uma punição”!

O afã de ver alguém sofrer porque fez alguém sofrer permanece indelével no tempo: é a chamada justiça – prática do que é do bem, bom, certo e útil ? Seja individualmente, seja socialmente, o obscurantismo não está na vingança privada ou vingança pública, nem sequer na vingança em si mesma co siderada, que já é imoral no conceito... Porém, sim, na concepção de que a resposta (“res sponcio”) a ser dada a quem fere a norma penal, isto é, pratica uma Infração Penal, tem de ser punido ou sancionado - o que significa dizer: o infrator deve ser violentado porque foi violento.

Essa “visão” que acata e adota a punição-sanção, ou a violência, como meio de prevenir ou combater a violência é tão acirrada e arraigada que ultrapassa milênios despercebida e desapercebida – tanto sob o prisma individual (psicológico), quanto coletivo (psicossocial).

No pressuposto de que a educação [condicionamento, ou bendita lavagem cerebral (v. Ivan Plavov – reflexo condicionado)], consiste, essencialmente, na não-violência, praticar crime representa, no máximo grau de desvalor do bem protegido pela norma, a (im) própria violência. A conduta violenta, por sua vez, é uma anormalidade, ou, como o nome indica, é a concretude de incidência do comportamento reprovado (proibido ou defeso) pela norma –praticada pelo anormal.

Entretanto, mesmo sendo a violência (como causa de agressão material ou imaterial), repelida, como justificar (tornar justo: plausível, apoiado, adotado, aceitável por ser do bem, bom, certo e útil) ser a conduta violenta “consertada” com a condenação [condenar: causar dano, causar dor-sofrimento, ou causar violência] ?

Curiosamente, até mesmo a educação está fincada, alicerçada, na punição (púnico, ou, perverso) como forma “pedagógica” de orientação: -“não faça isto ou aquilo, caso contrário você será punido”! Quando poderia ser: -“não faça isto ou aquilo para não causar dano, não causar dor-sofrimento, ou não causar violência”!

Mas como “orientar” que a dor-sofrimento não deve ser causada... se no mais elevado lugar onde a violência é apreciada e julgada como reprovável acaba sentenciando o dano, a dor-sofrimento, ou a violência para quem a praticou? NA VARA DA JUSTIÇA !

Mesmo que a justiça seja feita no dia-a-dia pelo indivíduo comum [v. “Justiça justa” – www.recantodasletras], é contraditória a não-violência com violência ...

Especulando o “nascimento” da violência, tendo o Código de Hamurábi como referência, de início verificou-se que a“natureza pune” quem contraria as suas leis. Sendo o Homem integrante da natureza, punir e ser punido seria uma “natural” situação do próprio homem.

Todavia, a Natureza não valoriza, não estabelece o que vale e o que não vale. Isto – valorizar –, é tarefa da natureza humana: o único ser sensível que sabe que vai causar o dano, a dor-sofrimento, ou a violência, e causa (por dolo ou culpa)...

Enquanto a Natureza tem a dor como instrumento de defesa da vida (na manutenção do ciclo natural: nascer-viver-morrer), e inclusive como ensinamento natural (até pela vivência, ou pelo condicionamento), como sinal de que algo está em desequilíbrio, ou seja, como efeito de uma desarmonia no corpalma, já a dor-sofrimento provocada, ou causada pelo Homem, é um erro, uma distorção interpretativa da própria Natureza – que “não quer a dor de ninguém (nem dos animais em geral)”, pois a inexistência da dor significa que a trajetória do ciclo vital está em vias de ser cumprida...[v. “Força vital” – www.recantodasletras].

O indivíduo – condenado – violento que se submete à violência institucionalizada, dita “civilizada”, confirma e comprova, com o seu próprio corpo e mente, que a violência é o mais eficaz e eficiente “remédio’ de combate à violência – banalizando a violência... Distante do afeto ou da solidariedade humana – “pois um Presídio não é um hotel” –, no seu retorno à Sociedade detém um “Certificado de Escolaridade”, conseguido pela dor e pelo pavor: a Violência é boa, certa, e, útil, desde que é Executada como meio e instrumento contra a violência... (quando é tudo o que não se quer)...

“Pregando” que a Sociedade é fraterna, solidária e afetiva, e avessa à violência, o condenado vê, e, sente, na própria “pele”, que tais assertivas não correspondem à realidade fática... que tais afirmações são utópicas, ilusórias, e podem ser válidas tão-somente até o instante em que o “irmão” erre (ou peque): a partir daqui, a violência toma assento com a punição-sanção...

Enfim, enquanto a Natureza conspira para a manutenção da força vital, até onde se sabe, em todo o Universo, tendo a dor como um fato de sua proteção, o Homem, “distraidamente”, aplica a dor (quando não mata) para fazer sofrer, e evitar e expurgar a violência...

Como fazer com a estrutura psicológica que tem a violência como base ou alicerce de sustentação para a responsabilidade penal [religiosa (pecador); jurídica (criminoso) etc.], desde remotos tempos até à contemporaneidade? Quantos dogmas e quantas estruturas organizacionais serão afetadas com a adoção irrestrita da Não-Violência? Partindo do fato (histórico) de que pessoas forma queimadas em mortas em fogueiras em nome da religião, e outras tantas mortas em nome da juridicização, nada melhor que uma Reforma Geral Religiosa-Jurídica destinada à transformação do Homem para que se integre, definitivamente, ao Juízo Universal – a única perspectiva a ser adotada como forma-meio para atingir a este fim está na Filosofia Médica: evitar, e se já instalada, não deixar evoluir, reduzir, ou extinguir a dor-sofrimento de quem quer que seja (o Médico que não se conduz assim, não é Médico).

Proponho o banimento da responsabilidade? Não! A resposta que se dá a um Anormal (quem descumpre a norma, dever ou obrigação) não é causar-lhe a violência. O “tratamento” do Anormal, como enfermo social, não pode ser com violência. Na premissa de que a Educação nada mais é que o real e verdadeiro condicionamento de conduta de acordo com os valores locais, e a violência está em primeiro lugar como desproteção, ou extinção, da vida, saúde, e, patrimônio, só a reeducação do violento, seja admoestado, seja internado, pode fazê-lo manter-se ou retornar ao caminho da normalidade.

A esperança está em que se o único ser sensível a valores, o Homem, que sabe que vai causar a violência e causa... o próprio Homem pode evitá-la, impedir que se agrave, reduzi-la, ou extingui-la – a educação e reeducação é possível, factível, exequível... no sentido de ser a Não-Violência posta no íntimo de todos, e difundida como estratégia e tática políticas (administração das relações interpessoais públicas ou privadas) de conduta (humanitária)...

Substituir hospitais, com atendimento de emergência, por presídios e delegacias, e, policiais e juízes, por enfermeiros e médicos, é o começo... para interromper a espiral de violência estabelecida há milênios!... O íntimo, com honestidade de propósitos, formando a cultura do povo, da Nação, é o que importa... ou conviver-se-á como quer o filósofo Thomas Hobbes, o "estado de natureza" é qualquer situação em que não há um governo que estabeleça a ordem. O fato de todos os seres humanos serem iguais no seu egoísmo faz com que a ação de um só seja limitada pela força do outro. "O homem é o lobo do homem". Para que todos não acabem se matando e tenham segurança, é necessário um Estado, uma instituição de poder comum. Aqui o "direito natural" é o direito de cada um usar o seu poder para se preservar e satisfazer os seus desejos. O "estado de natureza" é sempre um estado de Guerra: mesmo que não haja batalha, ela está latente, podendo ocorrer a qualquer momento e sem causa aparente. Preocupados em se defender ou atacar, todos seres humanos se tornam incapazes de gerar riquezas. Para Hobbes: - “a origem das sociedades amplas e duradouras não foi a boa vontade de uns para com os outros, mas o medo recíproco”.

Se tudo começa na mente... [v. “Leio mente” – www.recantodasletras]- –“o céu esteve, está, e estará sempre cheio de pessoas com boa intenção”!

Bjs.

Niterói, RJ, 29/07/2013.

Ass. Rodolfo Thompson.

Ps. Em dúvida sobre a Fé no Amor, ou a Fé em Deus, v. Hebreus 11,1 [v.“Francisco vital”- www.recantodasletras] , ou leia Ghandi.

Ps.2 Às 11 h 55, de 25/07/2013, vi e ouvir as mensagens do Papa Francisco, que se encontra na comunidade da Varginha, no Rio de Janeiro, que merece a atenção, reflexão, e prática: -“A violência só pode ser vencida a partir da mudança do coração humano”.

Ps.3 Um Hospital de Tratamento Psiquiátrico, diverso do que comumente se imagina, é um lugar de muita tristeza e compaixão... onde os que cuidam dos Enfermos, diametralmente diferente das internações punitivas ou sancionadoras dos “violentos”, têm o precípuo ofício de não deixar que se agrave, de reduzir ou extinguir a própria dor-sofrimento - já instalada e acometida...

Ps.4 Posso, por pensamentos, palavras, e, obras, ser imitador de Cristo [Mateus 5,48, e Efésios 5,1].

Rodolfo Thompson
Enviado por Rodolfo Thompson em 29/07/2013
Reeditado em 17/08/2013
Código do texto: T4409555
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