Não-Violência.

PRELIMINAR DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE.

FILIPPY DE TAL,

ora recorrente, por seu advogado, Rodolfo Thompson, inscrito na OAB(RJ): 043.578, ambos qualificados nos autos, cumprindo ao que dispõe o art. 543, A, §§ 1.º e 2.º, do CPC, vem, com o máximo respeito, submeter à apreciação desta E. Suprema Corte o texto elaborado a seguir, esperando que o mesmo seja considerado como sendo de repercussão geral.

Data maxima venia, com a finalidade de cumprir a exigência legal, a Defesa socorre-se do ensinamento do insigne mestre Arruda Alvim: – “o Supremo Tribunal Federal deverá interpretar a questão, argüida pelo recor-rente, não apenas no sentido estritamente jurídico, mas também sob a ótica da repercussão econômica e social, ainda que sempre conectada com o direi-to constitucional. O que realmente interessa é que a repercussão da matéria constitucional discutida tenha amplo espectro, vale dizer, abranja um expres-sivo número de pessoas”.

02/11

Deste modo, desde a fase do Inquérito Policial, ao tomar conhecimento dos fatos, a Defesa teve o cuidado de fazer ver ao Filippy, ora Recorrente, que o que crime, ou, a violência, que acabava de praticar era grave e teria a consequência natural, que desaguaria na sua condenação. Assim, nas circunstâncias, no sentido pedagógico, Filippy confessa a prática do delito, e devolve a parte em dinheiro que lhe coube da sinistra empreitada, cônscio de que a sua conduta foi de extrema negatividade, arrependendo-se.

No v. Acórdão, desprezado esse comportamento do Filippy, isto é, não interessando o seu estado interior, emocional, ou psicológico, que lhe seria favorável na sua ressocialização, o Julgador ainda acha que isto de “nada valeu”, pois o Filippy deveria ter devolvido tudo... não obstante nada haver nos autos que indicasse ser possível ação, ainda porque o condenado não tinha o domínio do fato.

Assim, esses atos, a confissão, a devolução do dinheiro, e, quiçá, o mais relevante, o seu arrependimento, que pareciam ser altamente positivos para o Filippy, não tiveram nenhum efeito pedagógico...

A presente “tese”, que, a priori, pode sugerir o simplismo, ou, até mesmo, a utopia, dada a alta complexidade da matéria que trata, não visa “tão-somente” atingir a um número expressivo de pessoas, porém, sim, chamar a atenção para a consecução da transformação da responsabilidade, que tem o seu clímax na sentença condenatória, em especial, penal.

Imprimindo a ideia, nos planos individual, e, coletivo, de que o indivíduo que comete o crime tem de “pagar”, a condenação, que tem a sua origem no cum dano, no causar dano, nada mais representa que a milenar visão de que a dor-sofrimento deve ser infligida àquele que causa a violência: nesta perspectiva - a res sponcio penal mantem o genes do obscurantismo ...

A partir do Código de Hamurábi, mais “recentemente” com o braço secular da Santa Inquisição, e, contemporaneamente, a dor-sofrimento, que deveria cumprir o seu papel de natural defesa do organismo, é utilizada como instrumento de manipulação para dominar e subjugar, sendo o próprio homem o protagonista desta visão - a título de conduzir-se “civilizadamente”.

Confundidas a expressões condenar e supliciar, exatamente como outrora, a violência gera a violência, numa espiral sem fim de violência !

Visto que que as normas jurídicas em geral (também) são caracterizadas por serem culturais, e que, por consectário, estabelecem e fixam princípios e conceitos de ordem - essencialmente - éticas, quando uma das principais causas da insegurança - individual e coletiva - é a violência, não é razoável, e plausível, que a própria violência seja considerada como forma e fórmula destinada à sua prevenção e combate. Camuflada a ira sob o manto da indignação, perdura a primitiva concepção de que a dor-sofrimento deve ser remédio preventivo ou curativo da violência, e, logo, para o violento.

A fraternidade, talvez o sentimento de mais alto grau de relevância na educação, pois vincula o respeito, a solidariedade, a lealdade, a boa-fé, e por que não, o próprio amor, existe difundida na cultura brasileira... Mas existe até que o fraterno “erre”. Daí, para apontar, “pedagogicamente”, que a violência é inaceitável e deve ser repelida, lança-se mão da violência. Neste real paradoxo, no lugar onde (essencialmente) a apreciação da lesão ou da ameaça a direito nem a lei pode excluir, o Poder Judiciário intercede e interfere na formação do caráter do indivíduo, e, da coletividade. Sob este aspecto, em especial fazendo “leis entre as partes”, conceitos são mantidos, modificados, e, criados, visando a concretude do Bem Comum, quando, na esfera criminal, o fim precípuo da jurisdição é a manutenção da Paz Social.

Porém, não há como entender e compreender tal desiderato com o estímulo indireto de que a segurança contra a criminalidade reside na força de coerção ou coação do Estado, destinadas à prevenção e à punição, O aperfeiçoamento dos órgãos de prevenção e repressão, e, das instalações penitenciárias, como objeto da estrutura organizacional Estatal, à evidência, confirmam que o tratamento oferecido à prevenção e ao combate à violência é a violência – em patamar “ético” igual ou superior à própria violência...

Não há como haver a educação da não-violência enquanto a violência for aplicada como meio - instrumento - de negá-la. Na real premissa de que a Educação nada mais representa que o Condicionamento, ou, mais precisamente, no “Reflexo Condicionado” - elaborado e sistematizado por Ivan Plavov -, resultando na Cultura, simplesmente normatizar condutas, sem levar em consideração que a pessoa humana não é um objeto-coisa existente independetemente da sua trajetória educacional-cultural, torna-se óbvio que a “força da violência” para remediar a violência é um placebo... é uma ilusão ...

De um lado, a convicção de que a força da violência Estatal, potencial ou concreta, deve prevalecer; de outro, o real aculturamento de que a violência, sendo adotada pelo Poder Judiciário como meio de prevenção e persecução, tem esse importante “aval’ no trato da convivência... em suma: quem tem, e detém, mais forte - eficaz e eficiente - violência, subjuga o outro : da vingança privada à privativa, a “justiça pelas próprias mãos”... do Estado.

Numa guerra como entre o “gato e o rato”, ou o cão que rodopia tentando “morder o próprio rabo”, a violência banaliza a violência... Visto, empiricamente, que a violência, no quotidiano, é a exceção (ou o caos seria instalado), quando a Justiça é concretamente realizada no dia-a-dia, e o Poder Judiciário só interfere nos casos em que há injustiça e as partes não podem solucioná-la, por isto mesmo, a exigência de mudança no conceito de Justiça Penal, no estrito senso, como função primacial deste Poder, não pode perder o seu conteúdo fundamental, que é o seu fazimento, a sua realização, quando o seu desiderato é bem mais amplo e profundo que o de “condenar”...

O projeto de cuidado com a dignidade da pessoa humana, esculpido como norte de todo o ordenamento jurídico, hegemônicamente e topograficamente disposto como Princípio Fundamental, no inciso III, do art. 1.º da Constituição Federal de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”, só superada em grau de jaez pela Soberania e pela Cidadania, não pode ser uma “letra morta”.

Sob o prisma teleológico Constitucional, em especial no plano criminal, a violência é e deve ser descartada... Ou seja, a violência não pode impor-se de sorte a fazer valer a sua negativa carga, determinando o agir com a violência.

Restando induvidado que a conduta antijurídica penal, por definição (redundante), é contrária à norma, e, portanto, anormal, assim, não parece ser lógico falar em pena, ou causar dano (condenação), àquele que está (socialmente) enfermo...

Em resumo, num paralelo traçado sobre a filosofia médica, clínica ou hospitalar, faça o que fizer, o doente é tratado com cuidado para ser “curado”... Não poucas vezes lançando mão da própria força física, seja para imobilizá-lo, seja, até mesmo, para interná-lo por tempo indeterminado, não se cogita de outro fim que não o da prevenção ou recuperação da saúde mental e física do potencial ou concreto paciente... Não há como o médico ter ressentimentos sobre quem lhe é submetido às suas atividades profissionais; não há no médico o sentimento de revolta com a doença, nem com o doente... Nos hospitais, idem! Desde o mais simples servidor, até ao mais alto escalão da administração, há uma finalidade a ser conseguida : a de restabelecer a saúde física e ou mental (e a vida, e a convivência) da pessoa...

Sob todos os ângulos - materiais e imateriais -, as esferas de atuação médica e jurídica se equiparam. Visto que ambas são concernentes à área humana, e aos seus respectivos desequilíbrios, a partir do recolhimento do doente (numa emergência hospitalar - numa delegacia), até a necessidade de sua internação (num hospital - num presídio), o “espírito” de quem tem a obrigação ou o dever de se conduzir profissionalmente não pode (mais) ser pautado na dor-sofrimento como forma de cuidar da dor-sofrimento...

Por quê não conceber o “indivíduo criminoso” com aquele enfermo que tem necessidade de ser atendido com a mentalidade médica ?

Qual o prejuízo individual ou coltetivo em dar-se prioridade e enfoque à enfermidade e ao enfermo, como meta estrutural e conjuntural, primacialmente como estratégia governamental, quando o que se espera é o BEM ESTAR COMUM, QUE TEM BASE NA CONVIVÊNCIA COM SANIDADE ... ?

A situação é tão extremamente grave que nem o Pacto de San José da Costa Rica satisfaz, pois aceita a pena de morte, e fala em direito à integridade pessoal (art. 5,º), todavia, concebe a punição (violência) perpetrada à pessoa !

Sem desconsiderar as (imprescindíveis) Responsabilidades (penais e extrapenais), não há razão para que a consequência jurídica seja mantida com o "espírito da punição", na medida em que a anormalidade já traz, em si mesma, dado o inadimplemento, ou o descumprimento da norma, as indesejadas circunstâncias.

O replanejamento da Justiça, tendo em mira a compatibilidade dos preceitos éticos – dentro os quais cuidar da saúde é elementar -, tem o condão de combater e expurgar, já, imediatamente, o extremamente sinistro e prejudicial (pre) conceito (encrustrado pelo aculturamento) de que a violência, a dor-sofrimento, é um antídoto contra a violência, contra a dor-sofrimento ... Caso contrário, todos, todos os propósitos de sensibilização humanitária são e permanecerão indefinidamente perdidos no tempo, como meros propósitos!

Neste compasso, o Brasil há de ser referência mundial ao adotar a Não-Violência como alicerce humanístico e humanitário, isolando-se, em definitivo, da hostilidade, mantendo a sua história, e presença, nos planos nacional e internacional, como uma Nação de Paz... e, agora, como positivo protagonista e verdadeiro ator na transformação do real fazimento da Justiça.

Na mais tranquila realidade, bilhões de pessoas são regidas por Jesus Cristo, e, por que não, pela mente de Ghandi, que deixam o norte, a orientação de que a Não-Violência, “äinsi”, deve ser paradigma da conduta, para que cada um encontre o seu Elo Esquecido, que é a visão de que todos os animais devem ser tratados com amor.

Finalmente, rogata venia, a Defesa espera, ansiosamente, que o retrocitado texto venha a ser considerado de Repercussão Geral (e concretizado...).

Niterói, RJ, 18 de junho de 2013.

Rodolfo Thompson

OAB(RJ): 043.578

Rodolfo Thompson
Enviado por Rodolfo Thompson em 17/06/2013
Reeditado em 22/06/2013
Código do texto: T4345339
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