COMENTÁRIOS À LEI DO CRIME ORGANIZADO
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Comentários à lei 12.694/12
No início de 2007 foi criada em Alagoas a 17º Vara Criminal, sendo que naquela ocasião o TJAL inovou no sentido da criação de um colegiado de 1º grau, inúmeros foram os comentários acerca da legalidade de referida vara, tendo a OAB ingressado com uma ADIN, eis que inexistia na legislação pátria qualquer referência ao que fosse crime organizado; adiantou a OAB naquela ocasião que seria inconstitucional a 17ª vara criminal em face de inexistência do crime capitulado como sendo organizado.
Na realidade a definição de crime organizado era doutrinária tendo em seu elemento constitutivo diversos prismas tais como: Hierarquia, divisão de tarefas, emprego de tecnologia na sua elaboração e consumação, infiltração em órgãos públicos, elevado poder financeiro etc., faltando uma previsão legal para balizar este tipo de empreitada criminosa, adotou-se no Brasil o conceito da convenção de Palermo da qual nosso país é signatário desde 2004 assim temos a seguinte definição para grupo criminoso organizado:
"Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
Após a execução sumária da Juíza Patrícia Aciolli ocorrida em 2011 no estado do Rio de Janeiro, focou-se novamente a necessidade da adoção de instrumento que objetivem conferir aos operadores do Direito, no caso Magistrados e Membros do MP, garantias contra eventuais ataques destas organizações dada a capilaridade dos criminosos integrantes deste tipo de empresa do crime.
Neste sentido o STF em razão de um destes grupos criminosos ter ferido de morte um dos membros do judiciário, em verdadeiro ataque a um dos poderes constituídos, buscou conferir agilidade no julgamento da ADIN proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pedindo a declaração da inconstitucionalidade da unidade responsável pelo combate ao crime organizado em Alagoas.
Desta forma em meados de 2012 foi julgado como sendo legal a 17ª Vara Criminal de Alagoas os ministros do STF decidiram pela sua manutenção, mas apontando a necessidade de ajustes no que se refere ao provimento de seus magistrados, já que no projeto implantado naquele estado cinco juízes seriam investidos no cargo daquela vara.
Recentemente em julho de 2012 foi sancionada a Lei 12.964/12, a qual se constitui em verdadeiro aperfeiçoamento da iniciativa do judiciário Alagoano uma vez que traz em seu bojo importantes modificações no direito material e processual visando maior celeridade bem como agravando alguns dos instrumentos utilizados pelos magistrados para alcançarem o patrimônio destas quadrilhas, eis que o poder econômico destas é que proporcionam a agilidade em suas ações.
Importante ressaltar que é trazido também o conceito a ser aplicado como crime organizado, bem como a forma de distinção entre crime e organizado e formação de quadrilha, concernente na inserção da pena mínima cominada aos crimes praticados pela organização.
Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. (grifo meu)
Note-se que o legislador na parte final do artigo não faz nenhuma menção à pena mínima referindo-se simplesmente ao fato do crime de caráter transnacional o qual, por certo, necessita para sua consumação de uma estrutura quase empresarial.
A priori poder-se-á ser criada certa polêmica sobre o Art.2º uma vez que há um conflito entre seu dispositivo, o do Art.288 e 288A ambos do CP e o Art.35 da Lei 11.343/06, pois todos tratam igualmente sobre o mesmo tema qual seja a formação de grupos criminosos.
Poder-se-ia adotar o princípio da especialidade lex specialis derogat legi generali, relativamente ao tráfico ilícito de drogas, vez que é lei especial acerca do tema TRÁFICO DE DROGAS, no entanto por outro prisma devemos observar que a lei ora em estudo define e é especial quanto ao delito de crime organizado, aqui claramente definido; cria-se assim uma celeuma jurídica a ser solucionada pelo julgador uma vez que o crime de tráfico de drogas para sua materialização carece de uma estrutura quase empresarial.
Não há como fugir do tema veja: a pena mínima para o tráfico de drogas é de cinco anos e a maioria senão todas as quadrilhas de traficantes atuam de forma transnacional, exemplo do tráfico de cocaína, no Brasil não é produzido sequer um grama desta droga, impreterivelmente ela é trazida de outros países da América do Sul, balizando assim que a associação para o tráfico deverá de agora em diante ser tratado como organização criminosa, devendo, portanto sofrer as sanções patrimoniais inerentes á nova Lei.
Demonstra-se mais eficaz a nova legislação quanto à constrição patrimonial da organização criminosa, uma vez que o rito para alienação parece ser sumário, a tempo a Lei Anti Drogas, permite devido à prazos processuais dilatados, que bens apreendidos em poder de quadrilhas de traficantes, agora podendo ser designados como organizações criminosas, pereçam por décadas nos depósitos dos fóruns e unidades das polícias civil e federal.
Processualmente o legislador buscou conferir á legislação uma experiência Italiana o “juiz sem rosto” , pois se adotou que em determinados atos processuais, em que pese serem decisivos no processo o magistrado poderá optar pela formação do colegiado.
Percebe-se ai na discricionariedade do julgador que o objetivo central do Art.1º é conferir anonimato a decisões cruciais do processo uma vez que no par.6º temos a seguinte previsão:
§ 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.
Importante ainda salientar que os demais parágrafos do Art.1º trazem à forma de convocação, escolha dos juízes (aspecto curioso, eis que previsto sorteio eletrônico), a competência limitada ao ato para o qual foi convocado, a possibilidade do sigilo das reuniões e ainda a previsão de conferência eletrônica entre magistrados domiciliados em cidades diversas (Art.1º par.5º)
Ainda em termos processuais o legislador inova e incluiu no cap.VI do CPP (DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS) o Art.144-A o qual resumidamente possibilitada ao julgador a alienação antecipada do patrimônio vinculado aos grupos organizados para prática de crimes, justificando-se a aplicação da medida como forma de “...preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção” .
Igualmente é apresentado todo rito para venda destes bens em procedimento sumário, sem, no entanto mencionar em quanto tempo poderá esta alienação ocorrer, abrindo-se mais uma vez oportunidade para o exercício da discricionariedade do julgador, uma vez que o início do artigo há a seguinte expressão: “O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens...” evidente é que a preocupação sublimar é atacar o poder econômico destas empresas do crime, já que nos diversos artigos do dispositivo legal existe a referência inclusive a conversão de moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários e cheques em numerário de moeda nacional, valores estes que deverão ser depositados em conta judicial.
Evidencia-se ai o cerne da legislação qual seja a desarticulação econômicas da organização criminosa, uma vez que com enfraquecimento financeiro os demais membros não mais poderão cooptar novos integrantes para associação, igualmente tonar-se-á mais difícil a tarefa de uma possível oferta de favores a servidores públicos que porventura integrem a empresa do crime.
Buscando ainda a preservação da integridade física dos membros do Poder Judiciário e do MP buscando dificultar sua identificação e localização, novamente o legislador, de forma não muito clara, inseriu no Art.115 do CTB o parágrafo 7º admitindo que as pessoas acima se utilizem de placas especiais nos veículos utilizados por eles utilizados, sem, no entanto mencionar se carros de uso particular ou oficial, deixando ainda pendente de regulamentação a ser efetuada conjuntamente pelo CNJ, CONTRAN E CNMP .
Avançando mais no estudo da novel legislação observa-se também alteração na Lei 10.826 em seu Art.6º com a inserção do Inc. XI criando o porte de arma funcional para os servidores de seus quadros que integrem o corpo de segurança judiciária, situação ainda pendente de regulamentação pelo CNJ e CNMP.
No mesmo dispositivo legal, qual seja a Lei 10.826/03, no capítulo do porte, foi inserido ao Art.7A o qual cria mecanismos de controle interno quanto à utilização do armamento, a formação dos servidores que farão uso de arma de fogo, bem como a forma de indicação do corpo armado do judiciário, artigo este ainda pendente de regulamentação por parte do Poder Judiciário.
Mostra-se referido artigo quase que uma compilação do Art.7º da Lei 10.826/03( que trata da utilização de arma de fogo por empresas de segurança privada), sofrendo apenas modificações pontuais que o adaptam ao corpo de segurança do Poder Judiciário .
Em clara demonstração do temor do operador do direito ser alvo de ataques e apesar de todo conjunto protetivo já especificado procurou ainda o legislador garantir às autoridades judiciais e aos membros do ministério público garantia extra quanto à sua integridade física, uma vez que no Art.9º do dispositivo legal é aberta a seguinte possibilidade:
Art. 9o Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal.
Mais uma vez o legislador materializou a preocupação com magistrados e membros do MP, desta feita foi estendida a possibilidade de que se estenda a proteção a familiares destes operadores do direito, ficando a cargo da polícia judiciária a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal.
Em termos de direito material inovou-se apenas com a inserção dos parágrafos 1º e 2º no Art.91 do CP, desta forma temos o seguinte:
§ 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.
§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.
Em síntese podemos notar considerável o avanço quanto ao reconhecimento da existência destes grupos em território nacional, seu poder econômico, bem como sua capacidade de infiltração em órgãos públicos aliada a uma estrutura quase empresarial; elogiável também a construção de um conceito de que seja crime organizado.
Percebe-se claramente que o legislador buscou atingir por intermédio de instrumentos processuais e do direito material, a estrutura econômica destas organizações as fragilizando quanto à possível recuperação de seus poderes.
Notadamente as polícias careciam de ferramentas tão eficazes neste ataque, uma vez que processos atinentes a perdimentos ou apreensões se arrastavam por tempo além do necessário para conferir agilidade nas investigações destas empresas do crime.
Mormente a novel legislação possui dois eixos claramente definidos, quais sejam o enfraquecimento financeiro dos grupos criminosos, como forma de evitar a cooptação de novos integrantes e proteção dos integrantes da magistratura e do MP que atuem em processos ligados ao crime organizado, estabelecendo-se na lei não somente aspectos processuais, mas também vertentes fortemente ligadas a segurança dos servidores do Poder Judiciário e do ministério público.
Espero com este pequeno trabalho ter contribuído para compreensão dos principais pontos desta importante ferramenta que é a Lei 12.694/12.
Fábio de Faria Leão, Policial Civil no Distrito Federal, Licenciado em História pelo UNICEUB e Bacharelando em Direito Pela Faculdade ESTÁCIO/FACITEC.