A respeito do segundo paradoxo acima citado confirmava Sócrates por atribuir o mal à ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis. 
 

Sócrates fora notório cumpridor das leis, tendo sido o primeiro dos positivistas. No entanto, observou Xenofonte[12] que o filósofo deixou de acatar as ordens dos trinta tiranos, então como foram conhecidos os governantes de Atenas.
 

É que no juízo de Sócrates, o pai da maiêutica, tais ordens eram declaradamente ilegais. Continha um íntimo juízo de controle de legalidade (eram ordens avessas às leis, desta forma, quando lhe proibiram o palestrar com os jovens e, o encarregavam juntamente com outros cidadãos, de conduzir um homem que intentavam assassinar, só ele se recusou de obedecer, porque tais ordens eram ilegais).
 

Insistiu Xenofonte a apontar que Sócrates induziu à prática do bem. Tinha sempre presente no espírito os caminhos que conduzem à virtude e não se cansava de lembrá-los aos que frequentavam suas aulas peripatéticas.
 

Ao final, Xenofonte convoca aos leitores a compararem a grandeza do mestre em face de outros homens. Também redigiu apologia de Sócrates, tal qual Platão. Xenofonte captou realisticamente a adversidade de ânimos.
 

Os últimos dias de Sócrates foram narrados por Platão em quatro diálogos: Apologia, Fédon[13], Críton e Eutífero. A apologia de Sócrates o reputou caluniado. A defesa fora apresentada em estrita obediência à lei.
 

Demonstrou Sócrates plena consciência de sua missão e, confirmado pelo oráculo de Delfos como o mais sábio dos homens e, confessadamente admitia que sua sabedoria residisse na consciência de que nada sabia. Apesar de ter provocado inimizades acirradas e malignas o que gerou as principais calúnias que bem nutriram a ação de impiedade.
 

Sócrates segundo Platão (o pai da academia) apontou o seu destemor para com a morte que o aguardava: “Com efeito, temer a morte é o mesmo que supor-se sábio quem não o é, porque é supor que sabe o que não sabe. Ninguém sabe o que é morte, nem se, por ventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem como se coubessem ser ela o maior dos males. A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não sabe”.
 

Xenofonte e Platão astutamente comprovaram que os atenienses seriam os maiores perdedores da condenação de Sócrates. Atenas se envenenou exibindo-se como intolerante, despótica e hábil na censura para qual a tradição ocidental insiste em fazer ouvidos moucos.
 

A historiografia do pensamento jurídico efetivou apressada apreensão do legado ático, escondendo deficiências estruturais e ampliando os modelos de otimização conjuntural. A construção da democracia ateniense é mais mítica do que fática e, Sócrates em seus derradeiros momentos, já envenenado preconizou que os derrotados com sua condenação.
 

Também apelou em sua defesa, para o legado deixado posto que o filósofo julgava-se vítima da incorreta aplicação das leis. Ao se defender, Sócrates apontou que o juiz não jurou favorecer a quem bem lhe pareça, mas deve julgar segundo as leis.
 

A defesa de Sócrates transcende como intransigente apologia da legalidade, cuja concepção tripartida seria preconizada vinte séculos depois na obra de Montesquieu. Em sua defesa, Sócrates sugeriu multa que o beneficiaria. Porém, a dura sentença condenatória se concretizou e ganhou a posteridade.
 

Platão nos narra as derradeiras mensagens do mestre: “Bem, é chegada a gira de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor rumo, se eu, se vós, é segredo para todos, menos para a divindade.”
 
No diálogo intitulado Fédon[14], narrou Platão o sofrimento e agonia dos amigos de Sócrates ao presenciarem a ingestão de cicuta (“As lágrimas me jorraram em ondas”). Lembrou Sócrates que devia Asclépio um galo.
 

E, por fim, o mestre nos deixou a sua derradeira lição: “A morte libera-nos das dores e permite-nos o repouso eterno”, assim persistiu em seu legado.[15] A questão socrática não se esgota em sua historicidade; Ainda não se pacificou a questão de fundo do discurso de Homero: se a guerra de Tróia acontecera realmente.
 

Segundo o poeta Homero a guerra foi causada pelo rapto da princesa Helena de Troia (esposa do lendário rei Menelau), por Páris (filho de Príamo). Isso ocorreu quando o príncipe troiano foi a Esparta, em missão diplomática, e acabou apaixonando-se por Helena. Páris havia recebido de Afrodite a recompensa de ter a mulher mais bonita do mundo, que era Helena.

O rapto deixou Menelau enfurecido, fazendo com que este organizasse um poderoso exército. O general Agamenon foi designado para comandar o ataque aos troianos. Através do mar Egeu, mais de mil navios foram enviados para Troia.

 

O épico “Ilíada” escrito por Homero descreve uma das mais famosas guerras da Antiguidade. Além do relato militar, o conflito chama a atenção pelas motivações do mesmo, as atitudes tomadas por seus mais importantes personagens e a sua incrível reviravolta.


Por conta de sua rica e detalhista narrativa, muitos historiados duvidam de sua veracidade. Assim toda essa dúvida seria capaz de desmoronar a paixão de Páris, o rapto de Helena, o feito dos heróis participantes e a engenhosa construção do cavalo que determinou o fim do combate.

 

O arqueólogo Henrich Schilemann estudando vários textos de Homero para definir a possível localização de Troia. Realizaram escavações no monte Hissarlik, próximo ao famoso Estreito do Dardanelos, acabou descobrindo uma série de vasos, jarras e apetrechos em ouro e prata. Observando esse material, conclui que os artefatos faziam parte do Tesouro de Príamo, antigo rei troiano e pai de Páris. O que reforçou significativamente a sustentação da existência de Troia. As novas pesquisas revelaram a existência de noves Troias, sendo que as cinco primeiras construídas no início da Idade de Bronze.
 

Atualmente vários estudiosos acreditam que Troia funcionava como entreposto comercial que realizava a interligação entre as cidades gregas encontradas nos mares Negro e Egeu. Obviamente, estes deduziram que a dependência dos gregos em relação aos troianos fosse motivo para a ocorrência de pequenas divergências que desgastavam a relação política e comercial entre tais povos. Com isso, os gregos talvez realizassem essa invasão quando os troianos estivessem fragilizados por alguma contenda ou desastre natural que poderia ter instigado o desenvolvimento da guerra.
 

É verdade que a leitura do modelo conceitual e o fundamento da ideologia podem propiciar errônea apreensão dos fatos, podendo ser manipulados por inferências presentes.
 
Isidor Stone um polêmico jornalista norte-americano, afirmara que Sócrates fora inimigo da democracia pregava uma sociedade fechada, sob o molde espartano, e que a democracia ateniense o censurou e produziu uma caça às bruxas.
 

Sócrates de Xenofonte propõe reis dentro dos limites das leis enquanto que Sócrates de Platão não admitia nenhuma limitação ao rei-filósofo. Isidor Stone insiste na admiração de Sócrates por Esparta, na fixação da andreia (coragem) como virtude (areté). E, o jornalista observa que os acusadores de Sócrates e sua condenação comprovam conforme Stone que na Atenas não havia liberdade de expressão (e pasmem que teria sido a época áurea da democracia).
 

Platão ainda comenta que Sócrates ainda conversara com a mulher, Xantipa e o filho, antes do fim. E, seu fim, nos sugere sucessão de imagens e, ao proclamar defesa, a apologia pro vita sua, consubstancia reputação para a eternidade.
 

Críton, um de seus discípulos, sugeriu fuga já organizada, mas fora recusada por Sócrates. Patriota, Sócrates nunca deixara a cidade; e protestou por cumprir as leis, sem discuti-las, preconizando um positivismo e fetichismo legal dos séculos vindouros.
 

Mas um fato é inegável que Sócrates fizera muitos inimigos, e o contexto do fim da Guerra do Peloponeso, o império ateniense estava em ruínas, ensejando facções e problemas internos.
 

A crise dos velhos princípios gregos exigia um bode expiatório[16]. Embora dedicado ao Estado, à vida da pólis, as suspeitas caíam sobre Sócrates (que representava nova era espiritual) apesar da acusação de ateísmo, de corrupção da juventude.
 

Sócrates sacudiria a cidade da letargia e sua maiêutica retirada a pólis do sono dogmático, precisando o relativismo das crenças e das verdades. À luz do literal normativismo, os acusadores tinham razão. E com a morte de Sócrates, amigos e seguidores se dissiparam. Platão percorreu a Grécia, Egito, Itália só voltando quarenta anos depois para inaugurar sua academia.
 

As lágrimas, suspiros e a tristeza dos amigos e alunos de Sócrates compunham a trilha sonora da democracia ateniense que era doente, decadente e perversa.
 

A morte de Sócrates acenou que a democracia ateniense se não admitia críticas e, portanto, não era propriamente uma democracia. O que nos remete a tortuosa dúvida: podemos tolerar quem prega a destruição dos intolerantes? Matar um intolerante significa eliminar a intolerância?[17]
 

A versão de Sócrates oferecida por Platão não era democrata, tendo sido alvo eliminado pela democracia ateniense, portanto, o Sócrates histórico era mal visto e temido pelos poderosos e com sua execução se confirmou que não toleravam a liberdade de expressão.
 

A exemplo de Sócrates verificamos um tom pedagógico na obra de Platão, que é uma paideia que se revela em ser breve síntese que nos comunica a justiça, uma verdadeira descoberta do domínio da Ética. Desta forma em franca oposição à tese sofista de Trasímaco que defendeu a justiça como poder do mais forte. Platão não busca o eficaz, o útil, o convincente, mas apenas o verdadeiro.
 

O Direito e a justiça conforme Platão aprendeu com Sócrates efetivamente estão a serviço do homem e do bem comum. E, possui sentido transcendente, um valor perene que nossa alma deseja e que, por ter vindo do céu, jamais poderá esquecido.
 

De qualquer maneira, a morte de Sócrates, por envenenamento perfaz um traço recorrente na tradição ocidental confirmando que o pensamento crítico irrita, agride, gera desconfianças e, assim precisa ser extirpado e anulado. Desta forma, Sócrates se revela mártir e sua morte não representa o fim de qualquer simpatia ao legado ático. Confirmou que a democracia possui limitações e restrições sérias, assim como seu julgamento permite a desconfiança das desejáveis relações entre direito[18], história e verdade.
 

Embora, em geral, Sócrates se opusesse aos sofistas, mas num ponto é coincidente com Górgias o Protágoras posto que entendessem que a filosofia deveria se ocupar especialmente do homem. Toda a filosofia socrática efetivamente fora plenamente caracterizada pela certeza de que o homem é capaz de atingir a verdade. E, tal verdade não é de natureza física, mas sim de ordem metafísica (tais como a ideia do bem, as virtudes e os valores em geral).
 

Segundo a filosofia socrática, apesar das divergências sobre a moral, política e os costumes existem verdades universais à disposição daqueles que sincera e humildemente se dispuserem à descobri-las.
 

A humildade é o básico pressuposto para o acesso à verdade e o método correspondeu ao diálogo vivo. Sócrates respondia que o homem é a sua alma (sede da atividade racional, ética e do conhecimento) e, para acessá-la, usava o método da introspecção estimulada composto de três momentos: a ironia ou fase destrutiva (pars destruens).
 

Sócrates assumia o ataque induzindo o interlocutor à contradição. A humildade em reconhecer a própria ignorância era considerada como indispensável para se rumar em direção da verdade (e afirmava veemente: “só sei que nada sei”).
 

O segundo momento era a maiêutica (do grego maieúo, ou seja, partejar), pois uma vez removidos os obstáculos pela ironia, o interlocutor era auxiliado a descobrir as verdades que jazem na sua alma.
 

O diálogo socrático[19] não ensinava verdades prontas e, sim trazer a lume as concepções latentes no espírito humano e, que são inatas, daí ser o defensor do direito natural e da universalidade de certas verdades.
 

Enfim, revelava a maiêutica ser a arte de partejar os espíritos através dos diálogos induzidos pelo mestre ao discípulo. O derradeiro momento é o conceito que é quando a verdade emana na alma do sujeito. Conhecer é recordar daí afirmar: “conhece-te a ti mesmo” (e recorda-te das verdades que possuis).
 

Entendia a alma como princípio da racionalidade e fonte da moralidade e propunha a desvendar as relações com o corpo e a natureza (que na opinião era eminentemente espiritual, daí sua imortalidade).
 

Afinal é o pensamento socrático que mais marcou o nascimento da filosofia clássica tão bem desenvolvida por Platão e Aristóteles. O julgamento e morte de Sócrates marcaram seus discípulos, amigos e seguidores que provieram relatos, testemunhos sobre o episódio, onde o filósofo confronta o Estado.
 

A motivação das acusações a Sócrates foi marcadamente política, pois as críticas socráticas apontavam para o desvirtuamento da democracia ateniense. É verdade que a interpretação do legado de Sócrates até hoje encontra dificuldades, pois em vida nada escreveu[20] (bem como Jesus Cristo) e valorizava, sobretudo, o debate e o ensinamento oral.



GiseleLeite e Denise Heuseler
Enviado por GiseleLeite em 25/05/2013
Código do texto: T4309341
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