REFLEXOS E INFLUÊNCIA DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL NAS LICITAÇÕES E CONTRATOS
REFLEXOS E INFLUÊNCIA DA LEI DE RESPONSABILIDADE
FISCAL NAS LICITAÇÕES E CONTRATOS
Como é sabido, a Lei Complementar 101/00, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, complementada pela Lei nº 10.028, a chamada Lei de Crimes de Responsabilidade Fiscal, trouxe para os administradores públicos uma verdadeira revolução nos métodos e na liberdade na condução da coisa pública.
Veio em desencontro, de certa forma, com a ideia disseminada no Brasil de que sempre prevaleceu a impunidade na gestão da coisa pública.
Sua criação veio disciplinar os artigos 163 e 169 da Constituição Federal, que exige lei qualificada para disciplinar as “finanças” públicas, ou seja, a entrada e saída de recursos financeiros dos cofres públicos.
Com isso, o desequilíbrio orçamentário, o gasto excessivo com pessoal, as operações irresponsáveis de crédito, o descuido com o patrimônio público, tudo passou a ser fiscalizado e controlado por intermédio de critérios estipulados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Um aspecto introdutório importante é que a LC. 101/00 não contém um capítulo sobre disposições transitórias, e, assim, por se tratar de uma Lei de Ordem Pública, segundo farta jurisprudência, tem efeito imediato e geral sobre todos os atos e contratos em curso e em execução, quando de sua promulgação.
Não seria diferente que o braços da lei não atingisse também as licitações e contratos administrativos.
Isto porque, um dos princípios que ornamenta a Administração Pública e que a caracteriza, principalmente, é a obrigatoriedade de licitação.
Quando a Administração Pública resolve contratar com particulares, resolve contratar com um e não com outro, de alguma forma interfere na vida de ambos, ampliando direitos em relação a um e restringindo direitos em relação a outros.
Aduza-se que estão sujeitos à Lei, toda a Administração direta e indireta federal, estadual e municipal, além da empresa estatal dependente (artigo 1º, § 2º e 3º).
Registre-se mais que, a filosofia fundamental da Lei está na obrigatoriedade, para os entes públicos, do equilíbrio entre receitas e despesas (artigo 4º, I, ”a”).
Como se sabe, para que se possa determinar a abertura de uma licitação, a Lei 8.666/93 dispõe:
a) Para obras e serviços de engenharia (art. 7º, § 2º);
a.1) existência de projeto básico;
a.2) existência de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários;
a.3) previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executados no exercício financeiro;
a.4) o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no Plano Plurianual de que trata o artigo 165 da Constituição Federal, quando o caso;
Pela lei fiscal, para a determinação de abertura de licitação de obras e serviços de engenharia, haverá que se preocupar ainda, com as disposições dos seus artigos 15 e 16;
Além disso, haverá que se observar, ainda, o disposto no artigo 45 da lei fiscal.
Dispõe o citado artigo: “observado o disposto no § 5º, a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias”.
O parágrafo único enfatiza: “O Poder Executivo de cada ente encaminhará ao Legislativo, até a data do envio do projeto de lei de diretrizes orçamentárias, relatório com as informações necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo, ao qual será dada ampla divulgação”.
A disposição faz remissão ao § 5º do artigo 5º, ou seja, lembra que, antes de mais nada, “a lei orçamentária não consignará dotação para investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, conforme o § 1º do artigo 167 da Constituição.
Mesmo assim, outra vedação é criada por este artigo 45, ou seja, não serão incluídos na lei orçamentária, nem em lei de crédito adicional, novos projetos, se não atendidos adequadamente os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público.
Portanto, para bem se entender o âmbito da vedação temos que ter a exata compreensão das expressões “novos projetos” e “adequadamente atendidos”.
Para alguns autores, as expressões “adequadamente atendidos” e “contempladas as despesas”, relacionam-se com a Lei Orçamentária, ou seja, “que nela hajam dotações adequadas para os projetos em andamento e que existam créditos para suportar as despesas de conservação do patrimônio público.
A DECISÃO DE CONTRATAR E SEUS LIMITES LEGAIS
Como ocorre em toda gestão, seja ela de caráter privada ou pública, a decisão de contratar é requisito essencial ao cargo do administrador.
Entretanto, diferente do administrador da esfera privada que possui liberdade e discricionariedade plena para a tomada de decisão, o gestor público somente poderá agir de acordo com a legislação.
Isto porque, a decisão de contratar na esfera pública deve ser estritamente pautada nos princípios constitucionais, com destaque ao princípio da legalidade que, diferentemente do particular que pode fazer tudo o que a lei não proíbe, ao administrador público cabe fazer somente o que está pactuado na lei.
A Administração Pública, seja por suas entidades estatais, autárquicas ou empresariais, realiza obras e serviços, faz compras e aliena bens em prol do interesse social.
Para o desempenho de tais atividades, necessário se faz contratar, e seus contratos, em geral, dependem de um procedimento seletivo prévio, que é a licitação.
A Carta Magna de 1988 constitucionalizou formalmente os principais pontos do instituto da licitação, que anteriormente somente eram mencionados doutrinariamente.
“O que era uma disputa técnica entre os autores, passa a ser princípio insculpido em norma constitucional”.
Com a finalidade de preservar os princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade, probidade e da própria ilesividade do patrimônio público, determinou o legislador constituinte ao administrador público, conforme artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que: ressalvados os casos especificados na legislação, o contrato para obras, serviços, compras e alienações seja precedido de licitação pública; que essa licitação assegure igualdade de condições a todos os concorrentes; e que estabeleça obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas das propostas.
Com isso, diante da necessidade de regulamentar o comando constitucional, foi instituída a Lei Federal 8.666, de 21 de junho de 1993, que disciplinou o procedimento das licitações e contratações, bem como as situações de dispensa e inexigibilidade de competição.
Após o advento do citado diploma legal, observou-se o surgimento de inúmeros diplomas legislativos que figuram como “instrumentos auxiliares” à aplicação da Lei Nacional de Licitações, sejam eles leis estaduais, leis municipais, decretos, instruções normativas, dentre outros.
O artigo 3º, caput, da referida lei, conceitua o procedimento licitatório, reafirma parâmetros éticos e estabeleceu seu objetivo, elencando os princípios norteadores do certame que precede a contratação.
São princípios básicos das licitações definidos no referido artigo o da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, da vinculação ao instrumento procuratório, do julgamento objetivo, entre outros correlatos.
No Estado Democrático de Direito o principio da legalidade é condição indispensável, sendo que, todos os artigos constitucionais, em última análise, velam por este princípio que possibilita a aplicação dos demais princípios, sendo um principio fundamental de primeira grandeza.
Claro que, no procedimento licitatório não se deve seguir um formalismo exacerbado, devendo a anulação do procedimento ocorrer somente quando ocorrido qualquer lesão aos cofres públicos.
Outro importante princípio a ser destacado é o da moralidade, que obriga à correta aplicação do dinheiro público, constituindo assim um dos mais importantes princípios constitucionais e que sua má aplicação traz grande impacto à sociedade pagadora de impostos.
Não nos esqueçamos jamais da frase do saudoso Professor Hely Lopes Meirelles:
“O POVO É TITULAR DO DIREITO SUBJETIVO AO GOVERNO HONESTO”.
LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO PÚBLICA
A má conservação das contas públicas no Brasil iniciou-se por intermédio de inúmeros problemas acumulados na sociedade, a qual dependia de grandes investimentos para ser sanado de forma definitiva.
A repetitiva acumulação de capitais gerados no país nas mãos de poucos indivíduos fez com que se criasse uma maior concentração de renda com efeitos negativos sobre a qualidade de vida de uma larga faixa da população.
O país assistiu inerte, ao longo de décadas, por desmandos oriundos de muitos gestores da administração pública, além de verdadeiros indicadores de distorções das atribuições do Estado, em que se observava a clara tendência à apropriação privada do patrimônio público.
Nesse contexto, aliado ao propósito de tentar manter a relativa estabilidade econômica que passava o Brasil, as autoridades remeteram em abril de 1999, inspirados nas experiências internacionais acerca da matéria, e devidamente pressionados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal ao Congresso Nacional, com o objetivo principal da transparência e responsabilidade na gestão fiscal, e por tabela, na gestão pública do país.
Estabeleceu normas de finanças públicas voltadas totalmente para a responsabilidade na gestão fiscal, fato que até então, era comumente normal observar as contas públicas.
Entretanto, cabe lembrar que, a promulgação de uma lei de responsabilidade aos gestores públicos não é uma novidade no Brasil.
Mecanismos legais como a Lei nº 1079, de 10 de abril de 1950, o Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1987 e a Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992 (lei da improbidade administrativa), são bastante conhecidos e dedicam-se a esse tema.
A novidade maior na lei fiscal está no fato de incutir responsabilidade ao administrador público, especificamente na gestão financeira, partindo de um acompanhamento sistemático do desempenho de seu governo, seja mensal, trimestral, anual ou plurianual.
A autoridade pública que administra e usufrui do ente estatal como se de propriedade sua fosse, passou a ter sérios problemas com o advento desta lei.
O que faltava antes da lei fiscal?
Faltava uma imposição de normas de conduta, de uma forma organizada, para os gestores públicos dos entes federativos, seja da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não somente aos gestores das administrações diretas, como também de toda a administração pública indireta.
A matriz da lei fiscal, neozelandesa, secundada pela lei brasileira, apresenta seis princípios de gestão fiscal responsável:
PRUDÊNCIA
TRANSPARÊNCIA
PLANEJAMENTO
EQUILÍBRIO
CONTROLE
RESPONSABILIDADE
O objetivo primeiro da Lei fiscal é fixar a responsabilidade fiscal como um dos princípios basilares da gestão pública, redefinindo a cultura da atividade política no país.
Responsável é a pessoa que deve suportar a consequência de sua ação antijurídica, típica e punível.
A principal conexão entre a Lei Nacional de Licitações e a Lei de Responsabilidade Fiscal está no momento procedimental que passa no interior da Administração Pública, antes mesmo da publicação do aviso de edital ou do envio dos convites, na denominada fase interna da licitação.
Por tratar, principalmente, da caracterização do objeto e da existência de dotação orçamentária específica, é que a fase interna da licitação aumentou sua relevância no processo licitatório após o advento da lei fiscal.
Notoriamente essa lei traz exigências para o perfeito equilíbrio de receitas e despesas públicas, permitindo que o saneamento financeiro resultante proporcione uma situação mais eficaz do Estado em benefício dos interesses sociais.
Assim, como a maior parte dos processos de licitação terá ao seu final uma despesa, e a decisão de seguir ou não com o certame se dá ainda na fase interna, esta deverá adequar-se a algumas normas da LRF.
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