DO CÓDIGO CIVIL MIGUELREALEANO E TEORIA TRIDIMENSIONAL
DO CÓDIGO CIVIL MIGUELREALEANO E TEORIA TRIDIMENSIONAL: 10 ANOS DE UMA UTOPIA
Vemos que o atual Código Civil, que desde 2002 vem alterando a vida jurídica e social, foi obra de um projeto do jus-filósofo Miguel Reale, onde respeita três princípios básicos: socialidade, eticidade e operabilidade. Tal norte do Código Civil é em grande parte uma consequência do pensamento filosófico de Miguel Reale, e assim vamos refletir a seguir.
Vemos que o Código Civil, de projeto dos anos 70, é em grande parte uma modernização de entendimentos em razão da transformação social. Nietzsche diria que houve uma transmutação de valores. Vemos que o modelo napoleônico e liberal antes seguido já não estava de acordo a Constituição, que em 1988 reconheceu uma série de situações novas, como a função social de contratos, de propriedade, a união estável de casais e várias outras questões que contrastavam nos fatos em relação ao direito, fazendo com que magistrados dobrassem suas decisões. Ademais, no Brasil são as novas decisões e a hermenêutica criativa que cria as leis, em respeito a fatos de vanguarda, e não o direito que cria nada.
Mas o que vem a ser a teoria tridimensional do direito? É o entendimento que direito não é apenas norma, mas é também fato e valor. Assim direito é fato, valor e norma. Isso foi sabiamente colocado em nosso Código Civil como os princípios socialidade=fato, eticidade=valor e norma=operabilidade. Nada mais é que a união de três filosofias ou metanarrativas, ou seja, as teorias socioológicas=fato=socialidade, a eticicidade=kantismo e a operabilidade=norma=doutrina de Kelsen. Que MiguelReale foi fortemente influenciado por Immanuel Kant, não há dúvida, mesmo porque escreveu algo a respeito (livro A doutrina de Kant no Brasil). Também Kelsen está bem presente em suas obras, senão diretamente, pelo menos indiretamente. E a obra “Experiência e Cultura” fala dos valores, bem como de novos fatos sociais.
De certo modo o professor reuniu a dimensão do conhecimento do ser, do ter e do dever ser, no que chama de ontognoseologia, chegando a definir “direito é expressão do espírito objetivante” (Introdução a Filosofia, 1994, p. 167). Vemos assim que o Codex Civil veio já com modificações de inúmeros fatos e valores, ao ser aprovado, e que isso mostrou a mutabilidade e maleabilidade do pensamento realeano, de modo a garantir sua estabilidade e permanência. Não mais podemos criar leis fixas, mas sim transpomos a hermenêutica para a norma na própria norma, que se transforma em um devir, imitando a sociedade e o humano. Em verdade o projeto dele já conta com mais de 30 anos, e assim mostra a rapidez da visão filosófica em relação a novos fatos sociais e valores, também revelando a importância da filosofia do direito. A teoria tridimensional assim foi edificada em um código de leis civis, e assim mostra também a utilidade do pensamento filosófico, hoje negligenciado em universidades jurídicas.