Relativização do conceito de contribuinte, segundo Jurisprudência do STJ
Recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) proferiu decisão em que altera seu antigo entendimento acerca da controvérsia existente entre Contribuinte de Direito x Contribuinte de Fato, no que tange à legitimidade de pleitear eventual repetição relacionada a imposto indireto, mais especificamente o ICMS, sobre energia elétrica.
Este decisão originou-se do RESP nº 2011/0308476-3 do Estado de Santa Catarina, de relatoria do Ministro Cesar Asfor Rocha.
Antes de adentrar a controvérsia objeto deste artigo, é imperioso conceituar, de maneira breve, os dois tipos de Contribuintes, divididos pela assim doutrina. Contribuinte de Direito é aquele determinado por lei, possuindo assim relação pessoal e direta com o fato gerador do imposto, já o Contribuinte de Fato é aquele que carrega o ônus da carga tributária, embutida no preço final do produto, sem possuir qualquer relação jurídica com o Fisco.
Importante também conceituar o termo “imposto indireto”, sendo aquele que sofre o fenômeno econômico da repercussão, qual seja, o valor dispendido a titulo de imposto pelo Contribuinte de Direito é repassado (embutido) no preço da operação seguinte (com relação ao ICMS), sendo o ônus financeiro assumido pelo próximo desta “cadeia econômica”.
Para chegar a esta decisão, o Ministro Cesar Asfor Rocha contrariou jurisprudência já sedimentada do STJ, a qual determinava por inadmissível o Contribuinte de Fato pleitear em juízo repetição em virtude de pagamento indevido de imposto, pelo fato de não figurar na relação jurídica entre o Fisco e o Contribuinte (Contribuinte de Direito).
Este tema é tratado no artigo 166 do CTN (Lei. 5.172/1966) que diz “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.
Historicamente, diante das primeiras controvérsias sobre o tema, o STF em 1963 editou a Sumula 71 que declara não caber restituição de tributo indireto, mesmo que pago indevidamente.
Esta Sumula traz por compreensão que, em havendo a restituição de tributo pago indevidamente ao Contribuinte de Direito, em sendo transferido o ônus financeiro do tributo para o consumidor final, configuraria enriquecimento sem causa. Dai entendeu-se então que “entre um locupletamento sem causa do contribuinte de direito e um locupletamento sem causa da Fazenda Pública, seria preferível este ultimo” ¹ Hugo de Brito Machado Segundo (Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições), Editora Malheiros, 2011.
Tal posicionamento era defendido por ilustres doutrinadores do tema, tais como Paulo de Barros Carvalho e Ricardo Lobo Torres.
Com o passar dos anos, com a evolução das relações comercias e fiscais e com a crescente demanda, o STF firmou nova jurisprudência sobre este tema, editando a Sumula nº 546 em 1969, que assim versa: “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”. O Supremo reconheceu a possibilidade de repetição de tributo indireto pago indevidamente, desde que, o Contribuinte de Direito comprove ter suportado o ônus tributário, não o tendo repassado para o consumidor final, aplicando assim, interpretação mais condizente com o artigo 166 do CTN.
O eminente Ministro relator, Cesar Asfor, fundamentou a sua inovação jurídica no artigo 7º, inciso II, da Lei n. 8.987/1995 (Lei de Concessão de Serviço Público), sob o convencimento de que a relação entre Contribuinte de Direito e Contribuinte de Fato há hipossuficiência deste em razão daquele, não possuindo o Contribuinte de Direito interesse em pleitear tal restituição, haja vista já ter repassado seu ônus econômico, perfazendo então legitimidade do Contribuinte de Fato postular seu direito à repetição em juízo.
Com a permissiva máxima vênia, venho discordar do eminente Ministro simplesmente sobre o aspecto técnico dos princípios gerais do Direito Tributário.
O artigo 146, III, “a” da Constituição Federal, dispõe que cabe à Lei Complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, no que tange a definição de fato gerador, base de cálculo e contribuintes. Ressaltando apenas que, a Lei de Concessão de Serviços Públicos (Lei 8.987/1995) é Lei Ordinária, portanto inadequada para tratar de tal assunto.
Compreendo que a intenção desta decisão seja desburocratizar o acesso à Justiça, assim como evitar o enriquecimento ilícito estatal, porém o fundamento legal escolhido para “estreitar os laços jurídicos” entre o Fisco e o Contribuinte de Fato não mostrou-se adequado.
É cediço, por fim, esclarecer que este breve artigo não tem por intuito esgotar e pré-determinar uma verdade sobre o tema, servindo apenas para despertar a estimular as discussões sobre este assunto de vasto e complexo estudo jurídico-tributário.
Leonardo Soído Falcão da Fonseca
Advogado, graduado pela Universidade Salgado de Oliveira e cursando MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.