A desconsideração da pessoa jurídica

Prólogo

Em 19 de novembro de 2012 recebi uma mensagem de uma simpática leitora que escreveu “ipsis litteris”:

“(...) Bom poeta quero uma consulta jurídica sua porque sei que você pode me ajudar, isto se der pra fazer, caso não seja possível eu entenderei. Gostaria de saber o seguinte, caso uma pessoa decida por pedir falência e tenha como provar que a empresa não tem como pagar seus credores, seus bens pessoais e do seu sócio podem ser atingidos pela justiça? A pessoa corre o risco de perder seus bens pessoais por conta do pedido de falência?”.

“Hoje me perguntaram isso e não soube responder daí a primeira pessoa que me veio à cabeça para que pudesse dá uma explicação foi você. Irei ficar muito grata pela sua resposta e assim sanar a dúvida. Estou escrevendo agora porque fiquei agoniada com a situação e não tive como ajudar, afinal converso com dois advogados mais esse assunto eu não faço a menor ideia.” – (SIC).

MINHA MELHOR RESPOSTA

Entendendo que essa dúvida da nobilíssima leitora pode ser também, a dúvida de milhares de outras pessoas resolvi publicar em forma de texto a minha resposta. Eis o conteúdo do que ora publico:

Cara consulente: Em resposta a sua consulta respondo, quase imediatamente (Essa é minha característica), da forma que se segue:

A personalidade jurídica da sociedade empresarial começa a existir a partir do registro de seus atos constitutivos na Junta Comercial, ocasião em que a sociedade passa a se apresentar como uma realidade autônoma, com personalidade jurídica, portadora de direitos e obrigações, atuando de forma independente de seus integrantes, e, por ser individualizada, não pode ser confundida com as pessoas naturais dos sócios que a compõem.

O seu registro dá existência legal que perdura até o encerramento das suas atividades, cujos procedimentos podem ocorrer de forma judicial ou extrajudicial. Dependendo do tipo societário, os seus integrantes podem responder de forma subsidiária e ilimitada pelas dívidas da sociedade, mas sob a ordem determinante do fato que, antes que os seus bens pessoais sejam atingidos, é necessário que sejam esgotados todos os bens da pessoa jurídica para o pagamento dos débitos.

ATOS FRAUDULENTOS EM NOME DA SOCIEDADE

Porém, muitas vezes surgem ocorrências onde, devido a sociedade possuir patrimônio próprio, os sócios se prevalecem e praticam atos fraudulentos, em nome da mesma, vindo a causar prejuízos aos seus credores.

A desconsideração da personalidade jurídica surge quando a figura do sócio pratica algum ato condenável, em nome da pessoa jurídica e é acionado juridicamente. Este fenômeno está presente em diversos ramos do direito, como por exemplo, no Direito Civil, pelo Código Civil Brasileiro, em seu art. 50; no Direito Ambiental com a lei 9.605/98, e ainda, no próprio Direito do Consumidor, como descreve o art. 28 da lei 8.078/90.

Código Civil - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.".

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – SEÇÃO V – Da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.".

No direito brasileiro hoje já se consolidou os princípios que regem a desconsideração da pessoa jurídica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, possibilitando ao juiz a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de impedir a prática de consequências patrimoniais lesivas, e abusos a terceiros, utilizando a pessoa jurídica como meio.

É muito comum pessoas naturais constituírem sociedades, em especial as limitadas, apresentando-se no quadro com 98% do capital, sendo os outros 2% de propriedade de um homem de palha, como assentou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

“Com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa-se a coibir o uso irregular da forma societária, geradora da personalidade jurídica, para fins contrários ao direito. “A pessoa da sociedade não se confunde com a do sócio, e isso é um principio jurídico básico, porém, não é uma verdade absoluta, e merece ser desconsiderada quando a “sociedade” é apenas um “alter ego” de seu controlador, em verdade comerciante individual”. (TJRJ – 2ª câmara – Apelação Cível n° 2001.001.27044. 29/05/2002).

A escolha do tema se deve ao fato e ser bastante atual e também abrangente. Suas particularidades merecem um estudo acurado, pois tratam de circunstâncias diante das quais o profissional de direito se depara constantemente, considerando o grande número de empresas, de todos os portes, que se organizam e também que encerram suas atividades no mercado empresarial da atualidade.

CONCLUSÃO

Em resumo: Com a aquisição da personalidade, depois de obedecidos os pressupostos formais, como, por exemplo, o arquivamento dos atos no registro público, a sociedade se torna um novo ser, distinto de seus componentes e com um patrimônio próprio e autônomo. A consequência imediata da personificação independe do tipo societário constituído, é a separação patrimonial da sociedade, limitando o risco e a responsabilidade dos sócios.

Todavia, repito para não deixar dúvidas: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (Vide artigo 50, do CC, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Espero que este texto seja útil a todos os meus inúmeros leitores, estudantes, curiosos e assemelhados.

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NOTAS REFERENCIADAS E BIBLIOGRÁFICAS

– Código Civil - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002;

– Direito Ambiental - Lei 9.605/98;

– Código do Consumidor - Lei 8.078/90;

– Anotações e papéis avulsos do autor.