Execução sincrética contra devedor solvente fundada em título judicial: cumprimento de sentença
1. a Lei 11.232/05 alterou a sistemática de execução dos títulos judiciais, dispensando o ajuizamento de processo autônomo para execução de sentença judicial, a qual passa a ocorrer dentro do mesmo processo em que foi proferida: sincretismo processual.
O processo inicia-se com a petição inicial e somente se encerra quando a obrigação imposta na sentença é realizada pelo devedor, voluntária ou forçadamente.
Em conformidade com o art. 475-I do CPC, a execução da sentença se dá na mesma relação jurídico-processual em que ocorreu o acertamento da obrigação, mediante simples incidente denominado de cumprimento de sentença, exceto para determinadas modalidades de sentença (penal, arbitral e estrangeira), que impõe a instauração de processo autônomo.
O cumprimento de sentença deixou de ser objeto do Livro II (Processo de Execução) e passou a integrar o Livro I, Capítulo X do Título VIII do CPC (Processo de Conhecimento).
Tratando-se de sentença condenatória de pagamento de quantia, seguir-se-á o procedimento do art. 475-J do CPC, que será objeto de estudo deste Capítulo.
Diversamente, para execução de título executivo judicial que tenha por objeto obrigação de fazer e não fazer (sentenças executivas), serão observadas as regras dos arts. 461 e 461-A do CPC.
Consoante prevê o art. 475-R do CPC, as regras de que regem as execuções de título extrajudicial serão aplicadas subsidiariamente à execução de título judicial, tanto no que se refere a obrigação de fazer, não fazer e entregar como na obrigação de pagar quantia.
2. Execução por quantia certa fundada em título judicial
Constitui atividade jurisdicional expropriatória de bens do devedor, transformando-os em dinheiro, objetivando, assim, satisfazer o crédito do exequente.
Nesse sentido preconiza o art. 646 do CPC1. “Art. 646. A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, para satisfazer o direito do credor”. Tratando-se de quantia certa fixada em título judicial, o procedimento executivo é àquele previsto nos arts. 475-I a 475-R do CPC.
Será processada no mesmo processo em que a sentença foi proferida, mediante simples requerimento do credor, que deverá ser instruído com o demonstrativo de débito atualizado (CPC, art.614, inc. II). Considerando que não se trata de petição inicial, dispensam-se maiores solenidades, isto é, não se aplicam os requisitos do art. 282 do CPC. O início da fase de cumprimento de sentença depende de requerimento do credor, que detém o prazo de seis (06) meses para requerer a execução, sob pena de execução, resguardado o direito de requerer posteriormente o desarquivamento (CPC, art. 475-J, §5º), o que significa dizer que o crédito do exequente não resta prejudicado.
3. Intimação do devedor
Controverte-se na doutrina e jurisprudência quanto à necessidade de intimação do devedor para cumprir voluntariamente a obrigação constante no título no prazo de 15 dias (caput) do art. 475-J do CPC, ou basta que a intimação se dê na pessoa do advogado.
Há, inclusive, orientação no sentido de que é desnecessária a intimação, sendo suficiente o trânsito em julgado da sentença.
Apesar das discussões, o STJ2 têm se posicionado no sentido de que a intimação do devedor para cumprir voluntariamente a obrigação é indispensável, sendo suficiente que a intimação se dê na pessoa do advogado por meio do diário da justiça.
Veja-se: “PROCESSUAL CIVIL. MULTA PREVISTA NO ART.475-J DO CPC. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PARA CUMPRIMENT DA SENTENÇA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. 1. A contagem do prazo para os fins do art. 475-J do Código de Processo Civil somente se inicia após a intimação da parte, na pessoa de seu advogado, para cumprimento da sentença. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa.”
Portanto, conforme orientação jurisprudencial, o devedor deverá ser intimado, sem o que não se inicia o prazo de 15 (quinze) dias para cumprimento voluntário.
Durante o prazo para pagamento a execução não se inicia, concedendo-se ao credor a possibilidade de evitar a execução e a incidência da multa.
Importante esclarecer que em caso de interposição de recurso, o prazo para satisfação espontânea passa a fluir no momento em que, baixados os autos, o advogado do devedor é intimado da determinação contida no acórdão.
Intimado, o devedor tem o prazo de 15 (quinze) dias para efetivar o pagamento e evitar a penhora de bens.
É possível ao devedor requerer o parcelamento da dívida, na forma do art. 745-A do CPC, o qual é aplicado subsidiariamente à execução de título judicial.
Caso não pague, tampouco requerida o parcelamento, o exeqüente requererá a penhora sobre os bens do executado, que será efetivada observada a ordem do art. 655 do CPC.
4. Multa legal
Sempre que o devedor não promover o pagamento voluntário, sobre montante da condenação incidirá multa de 10% (dez porcento), revertendo-a em proveito do credor, vítima do inadimplemento, sendo certo que a aplicação é automática, dispensando-se requerimento expresso pelo credor, ao qual, incumbe, tão somente, apresentar novo cálculo, atualizado e acrescido da multa legal.
A multa somente será exigível quando se tratar de execução definitiva, não se admitindo a cobrança diante de execução provisória, porquanto não se pode exigir do devedor que cumpra obrigação condicionada a julgamento de recurso.
Esse é o posicionamento do STJ4:
STJ. REsp. 940.274/MS. J. 07.04.10. Min. João Otávio de Noronha 5STJ. REsp 1038387 / RS Min. Sidnei Beneti. 3ª Turma. DJ 29.03.10
“RECURSO ESPECIAL. 1) EXECUÇÃO PROVISÓRIA. MULTA DO ART. 475-J, DO CÓD. DE PROC. CIVIL – DESCABIMENTO; 2) MULTA DO ART. 601 DO CÓD. DE PROC. CIVIL. CABIMENTO EM CASO DE ATO ATENTATÓRIO DIGNIDADE DA JUSTIÇA. NÃO CONFIGURAÇÃO NO CASO.1.- a) Na Execução Provisória não cabe a imposição de multa, com fundamento nos arts. 475-J e 601, caput, do CPC, reservada à execução definitiva. b) ausência de interesse de agir pela inadequação do meio processual utilizado pelos ora agravados, porquanto a multa prevista no artigo 601, caput, do CPC não comporta o ajuizamento de execução provisória autônoma, devendo ser incluída na conta da própria execução de origem; e c) subsidiariamente, na hipótese de restar julgada improcedente a exceção de pré-executividade, impõe-se o afastamento da multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC, porquanto inaplicável em sede de execução provisória de sentença 2. (...) 3.- Recurso Especial provido (CPC, art. 105, III, “a”) por violação dos arts. 575-J e 601 do CPC.5 Caso o devedor, no prazo de que dispõe para pagar, efetue o pagamento de apenas parte do débito, a multa incidirá sobre o saldo remanescente (CPC, art. 475, §4º).
Para evitar a incidência da multa, o devedor deve pagar ao credor a integralidade do débito ou depositar em juízo no prazo para cumprimento voluntário.
5. Penhora e Avaliação
Ultrapassado o prazo in albis, sem o pagamento devido, por meio de simples petição, instruída com memória atualizada do débito acrescida da
multa legal devida pelo não cumprimento voluntário, incumbe ao credor requer a penhora e avaliação de bens do devedor, iniciando-se a fase de execução, denominada cumprimento de sentença.
Acolhido o pedido de processamento do cumprimento de sentença, deverá o juiz arbitrar honorários advocatícios para esta fase.
Esse é o posicionamento do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VÍCIOS DO JULGADO EMBARGADO EXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. 1. Constatada a existência de omissão na decisão embargada, os embargos de declaração devem ser acolhidos para sanar o vício. 2. É cabível a condenação a honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença a fim de remunerar os advogados pela prática de atos processuais necessários à promoção ou à impugnação da pretensão executiva nela deduzida. Precedentes. 3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes para dar provimento ao recurso especial.”6 A penhora será realizada com observância as normas do art. 659 e ss. do CPC.
No ato da penhora, oficial de justiça fará a avaliação do bem, lavrando competente auto de penhora e avaliação.
Nos termos do art. 475-I, §2º do CPC, se a avaliação depender de conhecimentos técnicos, dos quis não detenha o oficial de justiça, o juiz nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para entrega do laudo.
Lavrado o auto de penhora e avaliação, o devedor será intimado na pessoa de seu advogado (CPC, arts. 236e 237) ou pessoalmente (por mandado ou correio), caso não tenha procurador constituído nos autos.
Da penhora e avaliação, o devedor será intimado para, no prazo de 15 (quinze) dias oferecer impugnação (CPC, arts. 475-J, §1º e 475L, inc. III).
Caso a impugnação seja rejeitada, prossegue-se com os atos expropriatórios conforme as regras de execução de título extrajudicial (CPC, art. 475-R).
6. Impugnação ao Cumprimento de Sentença
Atento ao princípio do devido processo legal, legislador prevê no art. 475J, §1º do CPC, o direito do devedor oferecer impugnação no prazo de 15 (quinze) dias a contar da intimação da penhora e avaliação.
Trata-se de forma de defesa que se realiza incidentalmente à execução, no mesmo procedimento em que estão praticados os atos executivos.
Ao contrário do que ocorre com os embargos à execução, a existência de penhora é condição indispensável para apresentação da impugnação, aplicando-se ainda as normas dos arts.188 e 191 do CPC quanto ao prazo diante da existência de litisconsóricio.
As matérias que podem ser veiculadas na impugnação são restritas, na medida em que não mais se admite a discussão do mérito da causa e estão previstas no art. 475-L do CPC, cujo rol é numerus clausus e assim prevê: “Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
I. falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II. inexigibilidade do título;
III. penhora incorreta ou avaliação errônea;
IV. ilegitimidade das partes;
V. excesso de execução;
VI. qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.”
Embora as matérias passíveis de alegação sejam limitadas, a cognição é exauriente, admitindo-se a produção de todas as provas legalmente previstas, inclusive pericial e testemunhal.
A impugnação será resolvida mediante decisão interlocutória, contra a qual caberá agravo, salvo se seu acolhimento resultar em extinção da execução, caso em que o juiz proferirá sentença, recorrível mediante apelação.
6.1 Regra especial: impugnação ao excesso de execução Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, deverá declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar da impugnação (CPC, art. 475-L, §2º ).
Trata-se de disposição com caráter moralizador.
Em comentário à Lei 11.232/05, J.E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral assim se manifestam acerca desse dispositivo:
“Norma desse quilate prestigia a lealdade e a boa-fé que devem nortear o comportamento das partes em juízo, pelo que, se o executado afirma que o exeqüente pleiteia quantia superior à devida, é mais que justo que decline o valor que considera correto, e, não o fazendo, a impugnação seja liminarmente rejeitada.”7 6.2 Efeito da impugnação
De regra, a impugnação não terá efeito suspensivo, cabendo ao juiz, no caso concreto, atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes os fundamentos e quando o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado dano de difícil ou incerta reparação (CPC, art. 475-M).
Tratam-se de requisitos abstratos que dependem da análise das circunstâncias no caso concreto.
Ainda que seja atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao credor requer o prosseguimento da execução, para tanto, deverá oferecer caução (real ou fidejussória) idônea e suficiente a ser arbitrada pelo juiz.
O procedimento da impugnação depende do efeito atribuído pelo juiz.
Sendo atribuído efeito suspensivo, a impugnação será processada nos mesmos autos. Do contrário, deverá ser autuada em apartado permitindo que a execução tenha regular prosseguimento (CPC, art. 475-M, §2º).
7. Processamento da impugnação
A lei estabeleceu prazo para interposição e afastou, como regra, o efeito suspensivo, determinando, ainda, que será processada nos mesmos autos quando concedido efeito suspensivo e em autos apartados quando não concedida, nada mais dispondo acerca do seu regular processamento.
Tal qual nos embargos, deve o juiz fazer juízo de admissibilidade verificando a tempestividade, legitimidade, regularidade das matérias arguidas em conformidade com o art. 475-L do CPC, análise de cabimento ou não do efeito suspensivo, caso tenha sido pleiteado.
Recebendo a impugnação, naturalmente, deverá permitir o contraditório, fixando prazo razoável para manifestação da parte contrária.
Permitirá a produção de provas, se entender que o caso, resolvendo, por fim, o incidente.
ALVIM, J.E. Carreira e CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Cumprimento se sentença. Curitiba: Juruá, 2006. p. 91.