Comentários ao art. 290 do Código Penal Militar de 1969
Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos.
O Código Penal Militar, CPM, de forma semelhante à legislação especial cuidou da questão relacionada com o tráfico de substância consideradas entorpecentes e ainda a questão do uso de substância entorpecente. No mundo civil, a questão das drogas que causam dependência é vista de uma forma muita mais complacente, mitigada, do que qualquer outra coisa. A regra é conceder, e talvez este seja o caminho, oportunidades para que o usuário de droga possa deixar o vício e desta forma encontra o seu verdadeiro papel dentro da sociedade, a qual espera que as pessoas sejam produtivas e vivam em conformidade com as regras vigentes no país. Mas, no âmbito das forças militares a questão é vista de uma outra forma ainda mais que os militares exercem um papel fundamental no Estado de Direito e devem estar preparados para o exercício das suas funções que em regra livremente escolheram. Devido a estes aspectos legais e até mesmo éticos, o legislador militar entendeu que deveria punir aquele que viole a norma penal sob comento podendo com este comportamento trazer prejuízos para a força militar e até mesmo para o seu emprego, em razão da possibilidade do usuário se tornar dependente da substância entorpecente. O quartel ou de forma geral uma unidade militar não é o local destinado para o tráfico de substâncias entorpecentes ou mesmo o seu uso. Essas Unidades possuem uma destinação que está voltada para a segurança nacional no caso das forças armadas, e para a segurança pública no caso das forças auxiliares. O sujeito ativo deste ilícito penal militar que na realidade se trata de um crime militar impróprio é qualquer pessoa, mas a princípio a norma penal destina-se aos militares em geral. O sujeito passivo é a Administração Pública Militar dos Estados, do Distrito Federal e da União. O elemento objetivo do ilícito penal, ou seja, a forma como este poderá ser praticado, encontra-se representado pelos verbos, receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. O elemento subjetivo é o dolo, a vontade livre e consciente de praticar o ilícito penal descrito na norma sob comento. A ação penal cabível é uma ação penal pública incondicionada que ficará a cargo do Ministério Público. A pena prevista para o ilícito penal apesar de sua gravidade, apesar que esta qualidade no atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça não é motivo para se negar os benefícios da liberdade provisória, e nem mesmo para a decretação da prisão preventiva, tendo em vista que no Estado de Direito a liberdade é a regra, e a prisão a exceção, ainda de uma pessoa primária e com bons antecedentes criminais, é uma pena pequena, no mínimo um ano de reclusão e no máximo cinco anos de reclusão, o que significa que o militar estadual que responde por este ilícito poderá ser beneficiado com a suspensão condicional do processo prevista na Lei Federal 9099-95, o que tem se tornado uma regra, e ainda com o regime aberto, o direito de recorrer em liberdade, caso seja primário, e a suspensão condicional da pena pelo prazo mínimo de dois anos. A competência para processar e julgar este ilícito mesmo nos Estados da Federação e no Distrito Federal é do Conselho de Justiça, Especial ou Permanente, mas se deve observar que em razão do advento da Lei Federal nº 11.343/2006 passou a existir uma divergência quanto à aplicação ou não da lei posterior no âmbito da Justiça Militar, tanto no âmbito da União, como no âmbito dos Estados e do Distrito Federal. A respeito da questão, o STF decidiu que, HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três. 2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar --- Lei n. 11.343/2006 --- possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar. 9. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida. HC nº 92961 / SP, Relator Ministro Eros Grau Apesar deste entendimento, a respeito da aplicação ou não da Lei Federal 11.343/2006, o mesmo STF no HC nº 92462 / RS Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA 23/10/2007 decidiu que, “HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO PREVISTO NA LEI N. 11.343/06: LEI MAIS BENÉFICA: NÃO-APLICAÇÃO EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. PRECEDENTES. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. O art. 290 do Código Penal Militar não sofreu alteração pela superveniência da Lei n. 11.343/06, por não ser o critério adotado, na espécie, o da retroatividade da lei penal mais benéfica, mas, sim, o da especialidade. O fundamento constitucional do crime militar é o art. 124, parágrafo único, da Constituição da República: tratamento diferenciado do crime militar de posse de entorpecente, definido no art. 290 do Código Penal Militar. 2. Jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal reverencia a especialidade da legislação penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação penal comum do crime militar devidamente caracterizado. Precedentes. 3. Habeas corpus indeferido”.
Casos assimilados
§ 1º Na mesma pena incorre, ainda que o fato incriminado ocorra em lugar não sujeito à administração militar:
O caput do artigo cuida do ilícito praticado em local sujeito a administração militar, como por exemplo, no interior de um batalhão, forças terrestres, no interior de uma Companhia do Exército Brasileiro, ou mesmo de Polícia Militar, ou ainda, no interior das instalações do HM (Hospital Militar), ou HPM (Hospital Policial Militar), ou qualquer outra OM (Organização Militar) pertencente à Marinha do Brasil ou mesmo a Força Aérea Brasileira. Mas, o parágrafo sob análise por meio de seus incisos cuida da prática do ilícito em locais não sujeitos a administração militar. Nestes casos, a pena prevista para o infrator será a mesma prevista par ao caput do artigo.
I - o militar que fornece, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a outro militar;
A norma penal cuida do ato ilícito praticado por um militar em desfavor de um outro militar desde que este forneça substância entorpecente ou mesmo substância que cause dependência física em conformidade ou psíquica em um outro militar. Deve-se observar que cabe ao Ministério da Saúde estabelecer por meio de portaria quais são as substâncias consideradas como sendo entorpecentes, e que podem levar a responsabilidade penal do agente.
II - o militar que, em serviço ou em missão de natureza militar, no país ou no estrangeiro, pratica qualquer dos fatos especificados no artigo;
O legislador com base no princípio da extraterritorialidade estabeleceu a responsabilidade penal daquele militar que se encontrando em serviço ou em missão de natureza militar, no país ou no estrangeiro, pratica qualquer dos fatos especificados no artigo sob comento, inclusive as suas hipóteses. Percebe-se que a norma penal é de caráter abrangente por envolver as condutas anteriores, buscando desta forma estabelecer uma regra para punir até mesmo aquele que se encontra em legação estrangeira.
III - quem fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a militar em serviço, ou em manobras ou exercício.
O inciso sob comento conforme se verifica de sua redação tem como sujeito ativo um civil, ou mesmo um funcionário civil, tendo em vista que não existe mais a figura do assemelhado, que adote um dos comportamentos que foi descrito na norma penal. Neste caso o agente infrator se a vítima for um militar das Forças Armadas será processado e julgado perante a Justiça Militar da União, e no caso das Forças Auxiliares dos Estados e do Distrito Federal, o civil será processado e julgado em razão de expressa vedação constitucional perante a Justiça Comum do local dos fatos, ou se for o caso, perante a Comarca mais próxima em conformidade com a lei de organização e divisão judiciária da unidade federativa a qual pertence o agente infrator.
Forma qualificada
§ 2º Se o agente é farmacêutico, médico, dentista ou veterinário:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
O parágrafo sob comento deve ser entendido como sendo uma complementação das disposições que constituem o art. 290. O legislador entendeu que deveria aumentar a pena do agente quando este fosse um profissional da saúde, em especial, farmacêutico, médico, dentista ou veterinário, os quais possuem uma maior facilidade em razão do exercício profissional de terem acesso a certas substâncias que somente podem ser vendidas, em regra, mediante a apresentação de receita, devido às disposições estabelecidas no Brasil pelo Ministério da Saúde. Além da falta ética, o profissional descrito na norma sob comento, que é taxativa, e não exemplificativa, até mesmo em atendimento ao princípio da legalidade, fica sujeito a um procedimento administrativo perante o Conselho Profissional ao qual pertence, podendo inclusive ter o seu registro cassado, o que impediria o exercício profissional, tal como ocorre em outros países, como por exemplo, os Estados Unidos da América.
Notas - O artigo sob comento e outros pode ser encontrado na obra Direito Penal Militar Comentado Artigo por Artigo - Parte Especial de autoria de Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, Editora Líder de Belo Horizonte.
Proibida a reprodução no todo ou em parte sem citar a fonte em atendimento a lei federal que cuida dos direitos autorais no Brasil.